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A comunicação da enfermeira na assistência de enfermagem à mulher mastectomizada: um estudo de Grounded Theory

Resumos

Objetivou-se, aqui, compreender o processo de comunicação enfermeira/paciente, enfatizando a assistência de enfermagem à mulher mastectomizada. Foram usados o Interacionismo Simbólico e a Grounded Theory, para entrevistar oito enfermeiras de uma instituição de referência no tratamento do câncer, utilizando a questão norteadora: como a enfermeira percebe seu processo de comunicação com a mulher mastectomizada? A análise dos dados permitiu a criação da teoria central: o significado da comunicação na assistência de enfermagem à mulher, a qual se constitui de três fenômenos distintos que se inter-relacionam: percebendo a comunicação, a relação enfermeira/mulher mastectomizada e repensando a comunicação enfermeira mulher/mastectomizada. Entende-se que, para a comunicação ser satisfatória, a profissional precisa se envolver e acreditar que sua presença é tão importante quanto a realização de procedimentos técnicos os quais aliviam situações de estresse.

Mastectomia; Enfermagem; Comunicação; Teoria de Enfermagem


The goal was to understand the nurse / patient communication process, emphasizing nursing care to mastectomized women. Symbolic Interactionism and Grounded Theory were used to interview eight nurses from a referral institution in cancer treatment, using the guiding question: how do nurses perceive their communication process with mastectomized women? Data analysis allowed for the creation of a central theory: the meaning of communication in nursing care to women, constituted by three distinct but inter-related phenomena: perceiving communication, the relationship nurse / mastectomized woman and rethinking the communication nurse / mastectomized woman. With a view to satisfactory communication, professionals need to get involved and believe that their presence is as important as the performance of technical procedures that relieve situations of stress.

Mastectomy; Nursing; Communication; Nursing Theory


El objetivo fue comprender el proceso de comunicación enfermera/ paciente, con énfasis en la asistencia de enfermería a la mujer mastectomizada. Se utilizó el Interaccionismo Simbólico y la Grounded Theory, para entrevistar ocho enfermeras de una institución con reconocido prestigio en el tratamiento de cáncer, utilizándose la siguiente pregunta: ¿Cómo la enfermera percibe su proceso de comunicación con la mujer mastectomizada? El análisis de los datos permitió la creación de la teoría central: el significado de la comunicación en la atención de enfermería a la mujer; esta se constituye de tres fenómenos diferentes que se interrelacionan: percibiendo la comunicación, la relación enfermera/mujer mastectomizada y repensando la comunicación enfermera/mujer mastectomizada. Así, se comprende que, para que la comunicación se torne satisfactoria, la profesional precisa envolverse y creer que su presencia es tan importante como la realización de procedimientos técnicos y que disminuye situaciones de estrés.

mastectomía; enfermería; comunicación; teoria de enfermeria


ARTIGO ORIGINAL

Iliana Maria de Almeida AraújoI; Raimunda Magalhães da SilvaI; Isabela Melo BonfimI; Ana Fátima Carvalho FernandesII

IEnfermeira, Doutor, Professor, Departamento de Enfermagem, Universidade de Fortaleza, Brasil, e-mail: ilianama@hotmail.com, rmsilva@unifor.br, isabelambonfim@hotmail.com

IIEnfermeira, Doutor, Professor, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal do Ceará, Brasil, e-mail: afanca@ufc.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se, aqui, compreender o processo de comunicação enfermeira/paciente, enfatizando a assistência de enfermagem à mulher mastectomizada. Foram usados o Interacionismo Simbólico e a Grounded Theory, para entrevistar oito enfermeiras de uma instituição de referência no tratamento do câncer, utilizando a questão norteadora: como a enfermeira percebe seu processo de comunicação com a mulher mastectomizada? A análise dos dados permitiu a criação da teoria central: o significado da comunicação na assistência de enfermagem à mulher, a qual se constitui de três fenômenos distintos que se inter-relacionam: percebendo a comunicação, a relação enfermeira/mulher mastectomizada e repensando a comunicação enfermeira mulher/mastectomizada. Entende-se que, para a comunicação ser satisfatória, a profissional precisa se envolver e acreditar que sua presença é tão importante quanto a realização de procedimentos técnicos os quais aliviam situações de estresse.

Descritores: Mastectomia; Enfermagem; Comunicação; Teoria de Enfermagem.

Introdução

No Brasil, em 2008, a estimativa da incidência de câncer, referente às mulheres, está em torno de 49.400 novos casos, ou seja, taxa bruta de 52%, perdendo apenas para o câncer de pele não melanoma. Conforme as estatísticas, o câncer de mama continua na vanguarda como causa mortis em mulheres, seguido pelo câncer de pulmão, cólon e reto, colo do útero e estômago. Constitui a segunda neoplasia maligna mais incidente no mundo civilizado. No Ceará, a estimativa é de 1540/100.000, sendo que em Fortaleza a estimativa é de 640/100.000(1).

Na vivência com mulheres com câncer de mama, o profissional deve ter habilidades técnicas e comunicativas, pois o processo de comunicação interpessoal é acontecimento único que deve ser valorizado como instrumento da assistência de enfermagem, na busca da melhor adaptação à doença e ao tratamento, com a finalidade de que a mulher possa obter a melhor qualidade de vida possível após a doença. A enfermeira é profissional capacitado para interagir com a mulher mastectomizada, envolvendo-se com o cuidado individualizado, humanitário e integral(2).

Essa afirmativa revela não apenas o problema patológico em si, mas também a fragilidade da mulher que se vê diante de doença grave, mortal. Diante do câncer de mama, a mulher passa por completa mudança em suas relações sociais, familiares e consigo mesma; requer, portanto, além de assistência médico-hospitalar, assistência humanizada, capaz de vê-la como pessoa que sofre, mas que não perdeu sua essência(3).

É notório que a assistência de enfermagem para mulheres com câncer de mama deve ser vista como cuidado pleno, encorajador, afetuoso e comprometido em auxiliar na adaptação às novas condições de vida. Para a compreensão da situação da mulher mastectomizada, torna-se necessário a interação face a face, para que haja compreensão das experiências vividas pela mulher naquela situação(4).

Consciente da importância da comunicação no trabalho de enfermagem e a necessidade de compreender como os profissionais percebem a forma como se comunicam com seus clientes, principalmente na condição de mastectomizadas, optou-se, aqui, por compreender o processo de comunicação enfermeira/paciente, pois acredita-se que a efetividade da comunicação contribui de forma significativa para a elaboração, planejamento e implementação da assistência de melhor qualidade para a mulher. Diante do exposto, o estudo objetivou compreender o processo de comunicação enfermeira/paciente, enfatizando a significação, valores e possibilidades de mudança na assistência de enfermagem à mulher mastectomizada.

Referencial Teórico Metodológico

Este é estudo analítico com abordagem qualitativa, com a finalidade de compreender os resultados com base nas explorações empíricas sobre a comunicação no cuidado de enfermagem à mulher mastectomizada(5). Elegeu-se o estudo qualitativo por se perceber nessa abordagem a aproximação do sujeito e do objeto, ao passo que se almejou, também, o conhecimento da percepção da enfermeira em relação à comunicação enfermeira/paciente na busca da melhor adaptação possível à doença e ao tratamento, elegeu-se como referenciais teóricos e metodológicos o Interacionismo Simbólico e a Grounded Theory.

As oito enfermeiras participantes do estudo foram entrevistadas nos meses de junho e julho de 2006, em um hospital de referência no tratamento do câncer em Fortaleza, CE, com idades entre 25 e 42 anos, responsáveis pela assistência de enfermagem no serviço durante esse período, distribuídas nos três turnos de trabalho e lotadas na unidade de internamento, sala de recuperação, centro cirúrgico, UTI e ambulatório.

O tamanho da amostra foi baseado na saturação dos depoimentos contidos nas entrevistas. No processo de amostragem teórica, conforme proposto pela Grounded Theory, há um processo em que o pesquisador, após coletar, codificar e analisar os dados de cada grupo amostral, define quais dados ainda precisam ser coletados e onde podem ser encontrados(6-7). As enfermeiras foram identificadas por números arábicos, garantindo o anonimato.

Sob a perspectiva interacionista, vários procedimentos são usados para coletar dados considerando os processos de exploração e inspeção. Neste estudo, utilizou-se para a coleta a observação livre e a entrevista semiestruturada. Ao usar essas técnicas, observou-se a dinâmica do cenário real, bem como se percebeu o contexto das relações interpessoais em que a assistência de enfermagem ocorria. Essas concepções foram registradas em diário de campo.

De acordo com os pressupostos da comunicação humana(8), elaborou-se como questão norteadora do estudo a seguinte pergunta: como você percebe a comunicação enfermeira/mulher mastectomizada durante a assistência de enfermagem?

A organização dos dados foi realizada manualmente, tendo como base a Teoria Fundamentada em Dados, seguindo as seguintes etapas: 1 - coleta de dados empíricos, 2 - formação de conceitos, 3 - desenvolvimento dos conceitos, 4 - conceitos modificados e integrados e 5 - relatório de pesquisa(8).

Para a apresentação dos dados, utilizou-se dos componentes que construíram a teoria substantiva, significação da comunicação na assistência de enfermagem à mulher mastectomizada que se constituem de três processos ou etapas: percebendo a comunicação, relação enfermeira/mulher mastectomizada e repensando a comunicação enfermeira/mulher/mastectomizada. Recorreu-se a dois juízes na temática para garantir a credibilidade do estudo e assegurar que foram identificadas as percepções dos entrevistados de acordo com seus relatos. A primeira, professora doutora, fez o levantamento das categorias encontradas e a correspondência com os discursos dos entrevistados. A segunda, professora doutora, tratou de analisar o conteúdo das subcategorias. Essa etapa alavancou a credibilidade do estudo.

Obteve-se a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, com seres humanos, conforme exigido pela Resolução 196/96 sobre pesquisa com seres humanos, respeitando a liberdade de participação, o sigilo e o anonimato. Os participantes foram informados da finalidade da investigação e o termo de consentimento foi devidamente assinado.

Resultados

Percebendo a comunicação enfermeira/mulher mastectomizada

A comunicação é processo de compartilhamento de símbolos é, ainda, apreender-lhe os significados e o caráter de contínua mudança no tempo em que ela ocorre(9).

Nesse processo, segundo se constatou, as enfermeiras utilizam a comunicação para conhecer melhor as mulheres das quais estão cuidando, para otimizar o seu trabalho, e atrelam a comunicação aos instrumentos básicos da profissão. Para perceber o processo de comunicação a enfermeira buscou criar vínculos(10). Essa interação de conceitos emergiu do depoimento de uma enfermeira.

Quando chego ao serviço eu faço a visita e durante esse processo eu vejo todas as pendências. Procuro ser o mais empática possível e destinar mais tempo àquelas que requerem mais atenção, procuro dar um cuidado individualizado, de acordo com as necessidades de cada uma (Enf 1).

Os enfermeiros entendem o otimismo como atributo de quem deve manter o espírito lutador para seguir em frente no tratamento da doença(11).

A comunicação é processo que mobiliza todas as ações humanas, sendo capaz de dar suporte à organização e funcionamento de todos os grupos sociais. Por meio da habilidade de perceber e comunicar, o indivíduo enriquece seu referencial de conhecimentos, transmite sentimentos e pensamentos, esclarece, interage e conhece o que os outros pensam e sentem(12).

Comunicação para mim é básico em qualquer relação no nosso trabalho, então, a enfermagem é uma profissão que cuida de pessoas e só cuidamos bem se conhecermos bem nossas pacientes e se elas nos compreenderem também (Enf 2).

Conforme as enfermeiras do estudo evidenciaram em seus depoimentos, a comunicação é uma ferramenta fundamental para a assistência de enfermagem de qualidade. Para a mulher mastectomizada tudo é novo e com tantas mudanças ocorrendo ao mesmo tempo elas, as mudanças, podem ser geradoras de conflitos. Desse modo, é preciso habilidade para manter a individualidade e qualidade do cuidado prestado(11).

Nesse contexto, conhecer a mulher mastectomizada não é somente se apresentar a ela, mas sim compreender suas necessidades advindas da doença, do tratamento e das mudanças em sua vida pessoal, social, profissional, ou seja, é algo que transcende a enfermagem e adentra pelos caminhos do self dos interlocutores dessa interação.

A enfermeira é peça fundamental na assistência à mulher, à família, sendo responsável pela transmissão de informações focadas na reestruturação familiar, tendo como principal instrumento a comunicação(13).

Sempre pensei em implantar uma assistência cada vez melhor. Por isso acho que conhecer e se relacionar bem com as mulheres é o caminho. A comunicação abre as portas para o cuidado humanizado (Enf 3).

O processo de reflexão mental diz que o ator social seleciona, confere e transforma os significados à luz da situação na qual está colocado e da direção que imprimiu à sua ação, com base em suas vivências e experiências(8).

Nesse processo, as enfermeiras expressaram a importância da criação de empatia durante a assistência de enfermagem, pois conquistar a confiança, estabelecer vínculos significativos pode contribuir ou não para o cuidado com qualidade. Conforme ficou claro, as profissionais já despertaram para a relevância de se estabelecer contato real e verdadeiro com as mulheres e, dessa forma, é mais fácil manter cuidado humanizado e individualizado, como exposto no depoimento a seguir(14).

A enfermeira não pode deixar de valorizar cada contato que tem com a mulher, é interessante que em algumas situações basta olhar para ver que elas estão com medo, pedindo que você fique por perto. Gente, isso é sério! Não precisa ela falar. Isso não quer dizer que ela não consegue perceber quando o profissional se esconde, por medo. Para fazermos a tal humanização, precisamos nos colocar no lugar do outro (Enf 4).

No âmbito da assistência de enfermagem, ambos os interlocutores são seres humanos. Portanto, toda a forma de comportamento comunica algo para os dois, influencia o comportamento do outro. Sendo assim, o comportamento da enfermeira, ao não valorizar a comunicação efetiva, não valorizar o estar junto, o olhar e o se colocar no lugar do outro, pode, certamente, influenciar o comportamento e valores atribuídos pela mulher à experiência da mastectomia(15).

A relação enfermeira/mulher mastectomizada

A enfermeira evidenciou essa relação mostrando efetividade na comunicação, o envolvimento e o enfrentamento das barreiras da comunicação.

Como profissional, não posso deixar de buscar essa efetividade na comunicação, apesar de ser difícil. São tantas pacientes, cada uma reage de uma maneira diferente que você está sempre tirando um coelho da cartola. Não tem receita, a gente vai todo dia vivendo uma experiência diferente e de cada uma tirando uma lição (Enf 5).

A comunicação em enfermagem é processo em constante construção e jamais se repete da mesma forma. As condições são sempre diferentes, variando o próprio humor, a disposição, o local, o tempo, espaço, bem como a forma como se percebe os sentimentos dos pacientes(11).

Em seus depoimentos, as participantes construíram uma ideia de cuidar como forma de valorizar o desempenho dos seus papéis sociais, exposto no reconhecimento do seu valor pela mulher mastectomizada.

É fundamental buscar esse envolvimento. Acho que é importante até para o reconhecimento da profissão. A enfermeira não pode reclamar de ser desvalorizada se ela se esconde do cuidado. Se você não promove nenhuma mudança (positiva) na vida da paciente, como ela vai ver sua importância (Enf 6).

A mastectomia requer da mulher um ajustamento da sua identidade. Assim, a enfermeira, como parte da sua rede social de apoio, tem o papel fundamental de participar do processo de construção dessa nova identidade, deixando caminhos para que a mulher se torne capaz de enfrentar uma nova etapa de sua vida.

Nas várias comparações para o surgimento desse processo, compreende-se que as profissionais veem como principal barreira à comunicação de qualidade a alta demanda de pacientes e de atividades em torno dos seus papéis como enfermeiras, como se pode constatar nos depoimentos a seguir: processo comunicativo efetivo, verdadeiro e de qualidade com as mulheres mastectomizadas.

Nem sempre posso sentar e conversar devido à demanda de atividades a serem realizadas no plantão. Nem sempre consigo estar perto das pacientes, pois são tantas, procuro priorizar, porém não é fácil. Às vezes você tem uma paciente hoje, que você nem teve tempo de chegar mais perto, aí no outro plantão ela já tem ido embora (Enf 7).

Trabalhar em ambiente estressante, onde os pacientes estão em situações de risco faz com que, muitas vezes, os enfermeiros não utilizem os recursos da comunicação como processo terapêutico. Desse modo, perde-se a oportunidade de se contribuir para a aproximação da assistência hospitalar como recomendado pelos princípios do Sistema de Saúde da atualidade, o SUS, que defende a integralidade da assistência paralelamente à recuperação do paciente(15).

É fundamental, contudo, ressaltar que o processo de autoavaliação da sua prática como enfermeira pode ser o norte para o relacionamento enfermeira/mulher mastectomizada percorrer novos caminhos em busca da melhor assistência de enfermagem possível.

Repensando a comunicação enfermeira/mulher mastectomizada

Como observado, os interlocutores desse processo vivem momentos singulares passíveis de gerar marcantes mudanças nos significados atribuídos ao momento vivido por ambas as partes. Uma das principais funções da comunicação na assistência de enfermagem é estabelecer relações significativas.

Ao repensar a comunicação, a enfermeira adotou a postura de manter-se disponível e falar a mesma linguagem no processo de interação.

Sei que as mulheres com câncer passam por momentos difíceis. Por isso, busco assumir sempre a postura de que meu trabalho é cuidar delas. Procuro também escutá-las em seus anseios. Elas às vezes ficam bem abaladas. Então eu sento e escuto. O ideal, além de aumentar a disponibilidade de profissionais, é começar essa sensibilização na graduação para que os recém-formados já cheguem ao mercado com uma visão mais humana da assistência (Enf 8).

Humanizar a experiência da dor, sofrimento e perda requer algo mais da equipe de enfermagem, ou seja, a construção das relações terapêuticas que permitem aliviar a tensão e proteger a dignidade e os valores do paciente(15).

Todo ser humano, possuí um self, o qual consiste no reconhecimento dos próprios conceitos e nos conceitos dos outros sobre ele. Ao passar por determinadas situações, eles avaliam, observam, interpretam e formulam uma ação individual ou conjunta(7).

Ao olhar sob o contexto das interações enfermeira/paciente na condição de mulher mastectomizada, a meta da assistência é que essa mulher alcance um nível de qualidade de vida após a doença. Isso envolve a compreensão das alterações em várias esferas de sua vida. Compreender envolve o complexo processo de percepção social; resulta em graus variáveis de atração e, finalmente, o conflito social pode resultar da comunicação social ou levar a essa(8).

Discussão

O estudo sobre a comunicação na assistência de enfermagem à mulher mastectomizada revelou como a enfermeira percebe a comunicação influenciando a sua maneira de cuidar, atribuindo-lhe valores e possibilidades dentro da assistência. Dessa forma, emergiram os fenômenos integrantes dessa categoria central. Em primeiro lugar, emergiu o processo em que a enfermeira descreveu a percepção sobre a comunicação.

Nesse fenômeno, compreende-se que as enfermeiras buscavam na comunicação uma maneira de conhecer melhor as mulheres das quais estavam cuidando. Ao se utilizar desse instrumento para aperfeiçoar o trabalho, os conceitos emergiram do fato de que elas atrelavam a comunicação aos instrumentos básicos da profissão, reforçando o conceito em torno do qual a mastectomia é vista como fator gerador de diversas mudanças na vida da mulher. Portanto, o conhecer para melhor cuidar é o caminho para a assistência de qualidade e humanizada.

No desempenho do seu papel, a enfermeira vale-se da sua competência em comunicação para efetivar o relacionamento com a mulher mastectomizada. Esse se mostrará tão mais efetivo quão melhor forem utilizadas as estratégias de comunicação terapêutica e interpessoal. Mas a profissional deve se manter atenta a todos os fatores que possam estar interagindo em seu momento único de contato com aquela mulher.

A relevância desse cuidado e a interação verdadeira solidificam as condutas humanas tanto das mulheres como das enfermeiras, e têm no processo de comunicação terapêutica a fonte para potencializar, valorizar e aperfeiçoar o cuidado. Como se observa, interagir e conhecer são patamares para a efetivação da assistência, emergida da construção de relações interpessoais verdadeiras e dinâmicas.

Ainda, segundo se observa, mesmo sendo relevante a interação interpessoal, a comunicação efetiva, as participantes também deixaram transparecer suas dificuldades. Percebe-se que as dificuldades quanto à implementação de comunicação efetiva giram em torno da demanda de atividades, do tempo e das limitações pessoais da mulher e da enfermeira, bem como do despreparo de algumas enfermeiras para se comunicar. É, porém, relevante dizer: as dificuldades encontradas foram decorrentes das experiências de cada enfermeira, e elas já têm consciência e buscam estratégias para amenizá-las. Uma dessas estratégias é o processo contínuo de capacitação profissional.

Para utilizar o diálogo como estratégia para transformação da realidade de saúde, a enfermeira necessita apropriar-se de técnicas pedagógicas, em especial as técnicas grupais, definidas como “conjunto de procedimentos que, aplicados a uma situação de grupo, favorece a consecução dos objetivos grupais: coesão, interação, produtividade e gratificações grupais”(16).

Conhecendo a importância da comunicação terapêutica e suas influências no restabelecimento da saúde dos pacientes, deve-se avaliar se essa ocorre, de modo que se considere relevante realizar uma reflexão sobre as interfaces desse cuidado ao cliente hospitalizado, de forma a contribuir para a melhoria da qualidade da assistência de enfermagem, sob o prisma do processo de comunicação. Assim, os resultados da pesquisa devem ser utilizados para promover maior reflexão dos enfermeiros em relação a trabalhar aspectos que favoreçam o relacionamento interpessoal e, consequentemente, a comunicação terapêutica(17).

Na construção da teoria, conforme se percebe, ela estava inserida em um processo dinâmico de construção/reconstrução por meio do processo repensando a comunicação enfermeira/mulher mastectomizada. As relações significativas são uma das principais funções da comunicação na assistência de enfermagem, estabelecendo relacionamento capaz de produzir mudanças de atitude e de comportamento, satisfação das necessidades de inclusão, controle e afeição em ambos os interlocutores.

Sendo a comunicação um instrumento de trabalho da enfermagem, esse deve ser aplicado efetivamente no cuidado prestado à pessoa independente do local de internação e do nível de complexidade de saúde em que se encontra essa pessoa.

Considerações Finais

A comunicação com a mulher mastectomizada é um desafio. Sobretudo porque esse relacionamento interpessoal sofre influências do significado que tanto a mulher como a enfermeira atribuem ao processo. Também deve–se considerar a avalanche de mudanças na vida da paciente advindas da doença e do tratamento, as quais, certamente, atuaram sobre as condutas humanas adotadas por elas.

Se as mulheres mastectomizadas, entretanto, se deparam com tantos transtornos, também as enfermeiras enfrentam dificuldades. Elas desempenham vários papéis em um só contexto, e nem sempre se utilizam das estratégias de comunicação para atingir suas metas. Não porque não queiram, mas, muitas vezes, por desconhecerem, por não se sentirem capazes, ou simplesmente por não disporem de tempo hábil para isso.

Ao se referirem às limitações diante do processo comunicativo, as enfermeiras também mostraram as possibilidades de mudanças, e enfatizaram a importância da qualificação profissional, de continuar na vida acadêmica, segundo elas, uma fonte de grandes experiências. Reforçaram, sobretudo, a necessidade de despertar ainda na graduação para o processo comunicativo como instrumento do trabalho de enfermagem, com vistas a promover a formação de relações significativas, verdadeiras entre alunos, enfermeiras e pacientes.

Por ser a comunicação uma temática abrangente, este estudo desperta o interesse para se continuar a pesquisa para aprofundar e construir conhecimentos com os mais diversos objetos de estudo sobre a comunicação da equipe de enfermagem no cuidado às mulheres mastectomizadas, pois não se encontra na literatura estudo que abordasse temática tão específica.

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  • A comunicação da enfermeira na assistência de enfermagem à mulher mastectomizada: um estudo de Grounded Theory
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      09 Set 2008
    • Aceito
      03 Set 2009
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