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O processo de readaptação funcional e suas implicações no gerenciamento em enfermagem

Resumos

Hoje há maior interesse pelo trabalhador da saúde. A preocupação com o processo de readaptação funcional foi a proposta desta investigação. O objetivo foi compreender a vivência dos sujeitos nos processos de readaptação funcional, em uma instituição hospitalar pública. No estudo, qualitativo, foram realizadas entrevistas para apreensão da vivência do profissional de enfermagem quanto ao processo de readaptação funcional, analisadas utilizando a Análise de Conteúdo, proposta por Bardin. Os resultados evidenciam a problemática do processo de trabalho em enfermagem nas categorias “organização do trabalho”, “trabalho em equipe”, “afastamento e readaptação funcional” e “gerenciamento da equipe”, gerando sugestões para a melhoria dos processos de trabalho. O processo de readaptação funcional gera individual, profissional e socialmente sentimento de incompetência e culpa no trabalhador. Importantes reflexões e mudanças de atitude são urgentes e necessárias, subsidiando o gerenciamento da equipe que implicará em melhoria na assistência prestada à população.

Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Recursos Humanos em Saúde; Gerência


There is currently an increased interest in workers’ health. Retraining due to illness is the topic of this study. The objective of this qualitative study was to understand how individuals cope with job retraining in a public hospital, utilizing interviews to understand how nursing professionals coped with the retraining process, which were then analyzed using Content Analysis as proposed by Bardin. The responses revealed problems in several areas of nursing work: “Work Organization”, “Teamwork”, “Sick leave and retraining”, and “Team Management”, altogether generating suggestions for improving the work experience in retraining. The retraining process generated individual, professional and social feelings of incompetence and guilt for workers. Important reflection and attitude changes are urgently needed, supporting team management, which will consequently improve care provided to the public.

Nursing; Occupational Health; Health Manpower; Management


Actualmente existe mayor preocupación con el trabajador de la salud. La preocupación con el proceso de readaptación funcional fue la propuesta de esta investigación. El objetivo fue comprender la vivencia de los sujetos en la readaptación funcional en una institución hospitalaria pública. En el estudio, cualitativo, fueron realizadas entrevistas para captar la vivencia del profesional de enfermería en lo que se refiere al proceso de readaptación funcional, con Análisis de Contenido propuesto por Bardin. Los resultados colocan en evidencia la problemática del proceso de trabajo en enfermería, en las categorías “Organización del trabajo”, “Trabajo en equipo”, “Licencia de trabajo y readaptación funcional” y “Gerencia del equipo”, lo que generó sugestiones para la mejoría de los procesos de trabajo. El proceso de readaptación funcional genera individualmente, profesionalmente y socialmente sentimiento de incompetencia y culpa en el trabajador. Importantes reflexiones y cambios de actitud son necesarios para subsidiar la administración del equipo que, por consecuencia, implicará mejoría en la asistencia prestada a la población.

Enfermeria; Salud Laboral; Recursos Humanos en Salud; Gerencia


ARTIGO ORIGINAL

O processo de readaptação funcional e suas implicações no gerenciamento em enfermagem

Joseli Maria BatistaI; Carmen Maria Casquel Monti JulianiII; Jairo Aparecido AyresIII

IEnfermeira, Mestre em enfermagem, Hospital Regional de Assis, Brasil, e-mail: joslibat@hra.famema.br

IIDoutor em Enfermagem, Professor, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual “Julio de Mesquita Filho”, Brasil, e-mail: cjuliani@fmb.unesp.br

IIIDoutor em Biologia Tropical, Professor, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual “Julio de Mesquita Filho”, Brasil, e-mail: ayres@fmb.unesp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Hoje há maior interesse pelo trabalhador da saúde. A preocupação com o processo de readaptação funcional foi a proposta desta investigação. O objetivo foi compreender a vivência dos sujeitos nos processos de readaptação funcional, em uma instituição hospitalar pública. No estudo, qualitativo, foram realizadas entrevistas para apreensão da vivência do profissional de enfermagem quanto ao processo de readaptação funcional, analisadas utilizando a Análise de Conteúdo, proposta por Bardin. Os resultados evidenciam a problemática do processo de trabalho em enfermagem nas categorias “organização do trabalho”, “trabalho em equipe”, “afastamento e readaptação funcional” e “gerenciamento da equipe”, gerando sugestões para a melhoria dos processos de trabalho. O processo de readaptação funcional gera individual, profissional e socialmente sentimento de incompetência e culpa no trabalhador. Importantes reflexões e mudanças de atitude são urgentes e necessárias, subsidiando o gerenciamento da equipe que implicará em melhoria na assistência prestada à população.

Descritores: Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Recursos Humanos em Saúde; Gerência.

Introdução

A saúde do trabalhador é uma das prioridades hoje estabelecidas para os serviços de saúde, pois se reflete em casos de licença saúde e, ainda, em situações onde se faz necessária a readaptação funcional.

Numa sociedade capitalista, os sistemas se apoiam na lógica da produtividade e da racionalização de recursos, assim, o discurso de preocupação com a saúde do trabalhador nem sempre se traduz em ações efetivas. O que se observa é a sobrecarga, a conivência dos gerentes com condições de trabalho adversas que, consequentemente, podem implicar negativamente à qualidade da assistência prestada.

A partir da preocupação com essa realidade e com a motivação de melhor compreendê-la, foi proposta esta pesquisa em um hospital público. A percepção de que havia sofrimento do trabalhador, diante do processo de readaptação, aliada ao escasso volume de publicações sobre o tema, desencadeou o interesse pela investigação, a partir da seguinte pergunta: como o trabalhador vivencia o processo do adoecimento e a readaptação funcional?

A compreensão e reflexão a respeito da forma como os processos de readaptação se desenvolvem e, ainda, as implicações para o gerenciamento em enfermagem, justificaram o desenvolvimento deste estudo, uma vez que, nesse processo, se pode identificar implicações de ordem pessoal, social, gerencial, muitas delas inerentes ao próprio processo de trabalho da equipe de enfermagem, com repercussões na assistência prestada ao cliente. A garantia de qualidade assistencial só será alcançada mediante o envolvimento da instituição na valorização do trabalhador e respectivas condições de trabalho.

Assim, o objetivo foi compreender, a partir dos depoimentos dos sujeitos da equipe de enfermagem, formalmente readaptados, a vivência do processo “da doença à readaptação funcional”.

O processo de readaptação e o contexto da enfermagem

O trabalhador da enfermagem com referencial histórico voltado para a dedicação intensa ao trabalho, a submissão a outros profissionais da área de saúde e a exposição aos riscos ambientais e psicossociais se afasta das atividades laborais somente quando seus agravos à saúde se tornam insustentáveis.

A readaptação funcional é definida como “investidura do servidor em cargo ou atribuição e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental verificada em inspeção médica”(1).

A qualidade de vida no trabalho (QVT), dos profissionais de enfermagem, encontra-se prejudicada nos aspectos referentes à remuneração salarial inadequada, desequilíbrio entre o processo de trabalho e a vida extraorganização, à ausência de perspectiva de ascensão na carreira, à estrutura organizacional burocrática e à escassez de recursos humanos(2).

O gerenciamento em enfermagem requer preparo das chefias na competência de observação de sua equipe de maneira integral e integradora. No papel educativo e na liderança da equipe, o enfermeiro pode identificar o surgimento de doenças relacionadas ao trabalho e atuar na organização do mesmo.

Trajetória metodológica

A opção metodológica foi a pesquisa qualitativa, por meio da Análise de Conteúdo(3). Essa técnica tem por finalidade a descrição objetiva e sistemática do conteúdo manifesto da comunicação, envolvendo as fases de pré-análise, exploração, categorização, tratamento e interpretação dos resultados. Foi adotada a análise temática.

O estudo foi desenvolvido em um hospital geral do interior paulista, com entrevistas semiestruturadas, aplicadas mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e aprovação prévia pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição, conforme Parecer n.47/2007, de 8 de março de 2007.

O critério de inclusão era pertencer à equipe de enfermagem e estar formalmente readaptado. Foi convidada a totalidade de trabalhadores da equipe de enfermagem nessa condição, correspondendo a 10 sujeitos no período do estudo. Participaram nove sujeitos, um enfermeiro e oito auxiliares de enfermagem. O enfermeiro e um dos auxiliares de enfermagem continuava em afastamento por licença saúde, mesmo após a readaptação formal. Os demais prestavam serviços como escriturários, quatro em unidades de internação e dois em unidades ambulatoriais.

As entrevistas sobre a vivência do processo “da doença à readaptação funcional” foram realizadas pelo próprio pesquisador, gravadas e transcritas entre setembro de 2007 e fevereiro de 2008, a partir das seguintes questões norteadoras: “o que você acha que contribuiu para o seu problema de saúde e afastamento de suas funções? Você tem sugestões para evitar ou diminuir esse tipo de problema? O que significou a readaptação funcional e como se sente na atual atividade? Deseja acrescentar mais alguma observação ou comentário? Esses trabalhadores atuavam em clínicas de internação ou ambulatório e esses locais não foram identificados um a um, para evitar a identificação do sujeito.

Foram utilizadas letras na apresentação das falas dos sujeitos, a fim de evitar a identificação. Exemplo: A significa a unidade três do depoimento do sujeito denominado como A.

Resultados e discussão

Os entrevistados tinham, em média, 47,9 anos de idade, 21,6 anos de tempo de formação e 14,1 anos de atuação na instituição. As patologias que desencadearam o processo de readaptação foram doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo em sete sujeitos, transtornos mentais e comportamentais, principalmente os quadros depressivos, em um sujeito, e lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas em um sujeito. Após a readaptação, três se mantiveram nas atividades de enfermagem com algumas limitações, quatro em funções de escriturários das clínicas e dois trabalhadores continuam afastados.

Dos depoimentos dos sujeitos emergiram unidades de significado, agrupadas em 11 temas, os quais convergiram em 4 categorias.

Na categoria A, organização do trabalho, emergiram os temas sobrecarga de trabalho, negação do adoecimento, diagnóstico e assistência, plantão noturno e rodízios e saúde do trabalhador, conforme indicam os depoimentos.

[...] e sozinho você não consegue fazer nada, e esforços, esforços repetitivos, ver pressão de 32 pacientes sozinha, a temperatura sozinho [...] (A3).

[...] o que contribuiu mesmo foi eu sentir as dores e continuar trabalhando e não procurar [...] o tratamento certo, adequado [...] teimar em continuar trabalhando, sem comunicar que eu não estava bem (B3).

[...] meu marido [...] pagou a cirurgia porque eu já não aguentava mais [...] a parte emocional estava lá em baixo! O psicólogo me atendeu, ajudou muito [...] (C5).

[...] chegaram de madrugada do acidente [...] o paciente estava todo ensanguentado. Estava eu e o motorista [...] pegamos na maca e puxei para o meu lado e [...], eu não percebi e eu comecei a sentir dor (D2).

[...] o departamento jurídico [...] orientou entrar com aposentadoria [...] fiquei afastado uns 2 anos e meio, 3 anos. Aí saiu negado (a aposentadoria) e logo depois saiu publicada minha readaptação, eu nem sabia. Foi uma atitude lá do departamento de perícias médicas, no hospital ninguém entrou em contato [...] (E5).

[...] ia ao médico, passava remédio, fazia fisioterapia e fazia uma coisa e outra e nada, aí eu passei em uma médica do trabalho [...] ela pesquisou [...] inclusive ela pegou uma CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), para abrir, eu tenho a CAT até hoje e ela não abriu! Com testemunha e [...] (C3).

Percebeu-se a sobrecarga de trabalho na enfermagem e escalas de trabalho em turnos, como agravante num trabalho que gera doenças ocupacionais. A avaliação das consequências da doença para o trabalhador e o grau de incapacidade na ocasião do diagnóstico influencia a capacidade do mesmo para retornar à atividade(4).

Há de se estabelecer uma forma de organizar o trabalho que permita rodízio de atividades de acordo com a competência de cada categoria, sem que traga prejuízo à assistência, aos pacientes e à própria instituição(5).

O trabalhador da enfermagem se expõe a várias cargas como as biológicas, químicas, psíquicas e, nessa categoria analisada, verificou-se as cargas mecânicas e fisiológicas, exemplificadas pela manipulação de peso excessivo, trabalho em pé, posições inadequadas e incômodas e trabalho noturno e rodízios de turno(6).

Essas condições contribuem para a gênese de distúrbio osteomuscular. Variedade de atividades, intensidade do ritmo de trabalho, além da própria organização do trabalho, são aspectos possivelmente relacionados à ocorrência dessas lesões(7).

O trabalhador de enfermagem deixa a própria saúde “de lado”, evidenciando a influência do contexto histórico, no qual o cuidado ao paciente supera seu próprio cuidado. Há resistência do profissional para admitir a doença e, também, para incorporar hábitos de prevenção.

O trabalhador de saúde demonstra se preocupar muito com o cuidado do cliente e pouco com os riscos a que está exposto ao prestar esse cuidado(8).

Exposto a riscos concretos, constantemente, passa a naturalizá-los como mecanismo de defesa para a sobrevivência psíquica. De forma inconsciente, os riscos são aceitos como parte do trabalho desenvolvido(9).

A demora no diagnóstico e a falta de assistência ao trabalhador de saúde contribuem para a crescente preocupação do Sistema Único de Saúde e seus representantes, em voltar à atenção à saúde de seus trabalhadores, por meio de resoluções, normas regulamentadoras e comissões de saúde do trabalhador (COMSAT), nas instituições hospitalares(10).

Esse cenário já está se modificando na instituição estudada com a implantação da COMSAT. Essa comissão conta com a presença de uma enfermeira coordenadora, dois médicos generalistas e dois auxiliares de enfermagem. Embora a equipe esteja aquém das necessidades, realiza atendimento ao trabalhador, acompanhamento de acidentes de trabalho, atividades educativas e de supervisão na instituição.

Dificuldades são vivenciadas, inclusive pela falta de conhecimento do trabalhador sobre o seu papel como agente de prevenção dos agravos a que se expõe e, ainda, sujeito participante do processo de recuperação de sua própria saúde.

Há evidente falta de capacitação tanto dos profissionais de saúde como profissionais de recursos humanos quanto ao atendimento, acompanhamento e orientações de aspectos clínicos, sociais e de direitos trabalhistas do readaptado, demonstrando a escassa visão de integralidade do ser humano, proposta básica do Sistema Único de Saúde, no Brasil.

Uma mudança de comportamento se faz necessária, na formação profissional, com enfoque na saúde do trabalhador e no processo de organização do trabalho, para que haja valorização e respeito ao mesmo, em suas potencialidades e limitações.

Na categoria B, trabalho em equipe, emergiram os temas pressão da equipe e apoio da equipe, demonstrando as interfaces das dificuldades de relacionamento entre o grupo e a influência da falta de informação e comunicação nesses conflitos.

[...] A chefia não via [...] não acreditava que eu estava doente [...] eu não tive apoio, eles riam na minha cara, e no final falavam que eu estava atrapalhando o setor [...] (A4).

A equipe me aceitou bem, pelo menos parece que estão contentes [...] (F11).

[...] minha colega me chamou e falou para eu ajudá-la, atendendo um telefone e eu fui ficando, mas não que a minha chefia falou: “Fica, ajuda, faça!” (D28).

A questão de relacionamento com a equipe deixa evidente a resistência do profissional de saúde em aceitar o processo de adoecimento. Paralelamente, há a não aceitação ou o questionamento da gravidade do problema por parte dos colegas.

Essa situação reproduz a violência ocupacional, no qual a vítima é a enfermagem, que procura se defender através de agressões verbais entre o próprio grupo e, também, da indiferença ao sofrimento de qualquer membro desse mesmo grupo(11).

Dificuldades manifestam-se durante o trabalho em equipe, desencadeando no trabalhador de enfermagem afastado sentimentos de exclusão, pois perde o vínculo com seu grupo, agravando a fragilidade provocada pelo adoecimento. Existem outros fatores relacionados, como os ressentimentos gerados pelo trânsito frequente entre perícias, filas, comentários de vizinhos e conhecidos(12).

O relacionamento conflitante e comunicações inadequadas desencadeiam falsos julgamentos, insegurança, descrença, sentimentos negativos e pejorativos, envolvendo o trabalhador que necessita se afastar. Há a necessidade de resgate, pelos próprios profissionais de saúde, do conceito integral de saúde, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS).

A precariedade das condições de trabalho, somadas às dificuldades de convivência acarretam prejuízos à vida cotidiana e privada desse trabalhador(13). O sofrimento aumenta na medida em que os esforços, para satisfazer suas necessidades, nos planos afetivo, político, social e material, não são satisfeitos(14). A qualidade das relações de trabalho e os conflitos grupais desencadeiam desequilíbrios psíquicos(15-16).

Como categoria C, afastamento e readaptação funcional, fatos de relevância nos depoimentos estão expressos nos temas peso da licença saúde, sentimentos negativos e benefícios da readaptação. Dada a insipiência das pesquisas no assunto, enfocou-se, aqui, essa discussão que se acredita agregar contribuição ao gerenciamento em enfermagem.

[...] sofri muito, entrei em depressão. Não gosto nem de lembrar, juro por Deus! Sofri muito. Fiquei afastada de minhas funções por um ano e dez meses [...] (G1).

[...] foi pior ainda a readaptação. Eu não sabia que causava todo esse transtorno perante os colegas, o trabalho, inclusive até na família (E1).

No começo da readaptação é meio estranho, porque a gente se sente assim meio desvalorizado, é como se fosse rebaixado do cargo, né? (F6).

[...] essa readaptação, pra mim, assim, foi uma luz! [...] eu continuo sendo útil, produtiva, e isso é o importante pra mim [...] (B7).

[...] Pra mim foi bom! Eu vivi de novo [...] eu vivia na expectativa de voltar trabalhar. [...] liguei e pedi [...] sei que eu vou trabalhar limitada, mas eu quero trabalhar! (C13).

[...] era e sou uma pessoa muito feliz de estar ainda fazendo alguma coisa para o próximo, mesmo readaptada. Eu sou feliz mesmo com o problema, dentro da área (H4).

[...] meu último dia de trabalho no mês, eu digo: “obrigada, Senhor, por mais um mês que eu consegui trabalhar!” (Emociona-se) (D47).

O trabalho, para o ser humano, é fonte de satisfação ao propiciar o suprimento de necessidades materiais, emocionais, sociais e de poder.

Fica a impressão de que algumas dores estão apenas na mente dos pacientes/trabalhadores e de que esses estão fingindo. Alguns consideram que os mesmos querem obter algum ganho secundário quando se queixam de dores(12). Se esse for o caso, devem ser investigados quais os determinantes para tal comportamento.

Impedido de exercer seu papel profissional, a sensação de insegurança e perda de identidade, além da impressão de inutilidade, remetem o trabalhador a sentimentos negativos acerca de seu valor na família e sociedade, gerando autocobranças e negação do adoecimento.

O trabalhador readaptado se sente isolado, mesmo sendo parte da equipe de enfermagem. Ao ser remanejado para outro setor, nem sempre está qualificado para desempenhar a nova função, além de, por vezes, ser recebido como mais um problema. Suas atividades, na maioria das vezes, são consideradas menos complexas, portanto, desvalorizadas.

No estudo, a experiência da readaptação é negativa quando essa se dá de forma impositiva, sem a participação do trabalhador no processo. A possível solução de suas limitações deve ser construída em conjunto com a equipe responsável pelo seu problema de saúde, ou nos serviços públicos de saúde, com a COMSAT, a gerência a que está subordinado e o próprio profissional de enfermagem.

Em contrapartida, o sentimento é positivo quando a readaptação tem o significado de mudanças com a permissão e participação do trabalhador, de contato com novas experiências, resgate de relacionamentos com os colegas de equipe e gerência, permeados pelo respeito mútuo. O processo trabalho/adoecimento deixa de ser sofrimento para o trabalhador de enfermagem para se tornar satisfação em ser útil e produtivo novamente.

O trabalho ocupa um lugar mais importante na luta contra a doença do que se supunha até agora nas concepções científicas. O termo trabalho deveria figurar na própria definição de saúde, sob a forma de direito fundamental de contribuir para a saúde e o trabalho social [...] Falar de “bem-estar social”, sem dar a essas referências ao trabalho um conteúdo preciso, aparece hoje em dia como um erro(13).

Na categoria D, gerenciamento da equipe, refletiu-se, aqui, sobre a liderança que o enfermeiro assume perante a organização dos processos de trabalho da equipe. Dois temas surgiram: organização e gerência e orientações e treinamentos.

[...] minha chefia me falou que, quando eu estivesse voltando, o que eu fizesse eu estaria colaborando! [...] Só que a palavra é uma coisa [...] a prática é outra [...] (D29).

[...] venceu minha licença e eu voltei para trabalhar e não tinham me colocado em nenhum lugar. Fiquei como uma “barata tonta”, pra lá e pra cá! (I43).

Gostaria que eles (as chefias) vissem mais os colegas, não só a mim, mas os colegas. Que remanejassem para locais em que as pessoas possam trabalhar, com menos dor... (D40).

[...] fazer com que o funcionário passe pelo médico [...] faça regularmente suas consultas [...] tratando em tempo, tudo é solucionável [...] (B8).

[...] Eu acharia que tem falar mais sobre readaptação [...] (H6).

A atividade gerencial, em sua dimensão comunicativa, permite a abertura de espaço, de troca de ideias e levantamento de necessidades e, ainda, a validação de conhecimentos e experiências, considerando as potencialidades de cada um e o efeito catalisador da equipe.

A organização do trabalho de forma participativa e humanizada, considerando decisões do grupo, produz mudanças e valorização do mesmo(5,17). Logo, a administração participativa não significa tirar das chefias e gerentes as suas responsabilidades(12).

Estudo anterior(18), sobre afastamentos da equipe de enfermagem, indicou a necessidade de melhor análise do situação de trabalho pela chefia do serviço, uma vez que a melhoria das condições de trabalho repercutem favoravelmente sobre a diminuição de custos econômicos e sociais.

Mais que melhorar as condições de acesso, através de qualidade das instalações e equipamentos, é preciso repensar a humanização no trabalho, a participação dos profissionais na gestão, as condições de trabalho e de apoio aos profissionais, valorizando-os e motivando-os. O atendimento humanizado ao paciente deve caminhar de mãos dadas com o atendimento humanizado ao profissional de saúde.

As readaptações de trabalhadores de enfermagem acarretam problemas gerenciais, inclusive na elaboração de escalas de trabalho. Considerando-se as normas institucionais e a complexidade da assistência e dos processos de trabalho, o enfermeiro, em parceria com sua equipe, a instituição e o próprio trabalhador devem buscar soluções para essa problemática, de forma a evitar a falta de perspectiva no trabalho, a insatisfação e o adoecimento.

Considerações

A atenção, neste trabalho, direcionou-se para a categoria Readaptação Funcional que, através da revisão bibliográfica, se percebeu ser de escassa abordagem e, portanto, considerou-se a importância da complementação deste estudo, embasando reflexões e mudanças nesse processo.

Os sentimentos contraditórios emanados dos agentes, que vivenciaram essa experiência, passando por momentos negativos, dolorosos e sofridos e, logo em seguida, renascendo para a vida e, por vezes, desprovido de apoio emocional, orientação técnica e suporte de ordem trabalhista, encaminharam para o desejo da busca de possíveis soluções.

É imprescindível o resgate da promoção da saúde do trabalhador de enfermagem, ressaltando a ideia de que muitos dos agravos são previsíveis e, portanto, evitáveis.

A gerência de enfermagem pode, por meio conhecimento de sua equipe, de maneira integral, promover ações organizativas e educativas que melhorem a qualidade de vida dos trabalhadores, não somente pelas ações que são de sua competência, mas também pela articulação com os níveis institucionais que mantêm interface com a problemática como o Departamento de Recursos Humanos, a COMSAT e a direção da organização.

Acredita-se que a negação/omissão da problemática deve ser evitada para que a abordagem da saúde do trabalhador possa ser transformada, neste momento histórico, considerando efetivamente o conceito de integralidade em saúde.

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  • Corresponding Author:
    Carmen Maria Casquel Monti Juliani
    Departamento de Enfermagem. Faculdade de Medicina de Botucatu. Univerisidade Estadual "Julio de Mesquita Filho"
    Campus Universitário da Medicina. Bairro Rubião Junior
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      04 Ago 2008
    • Aceito
      14 Set 2009
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