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Qualidade de vida relacionada à saúde de mulheres com câncer de colo uterino

Resumos

Este estudo, de corte transversal, teve como objetivos avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de mulheres com câncer de colo uterino e identificar os fatores preditores de qualidade de vida. Foram entrevistadas 149 mulheres, no período de novembro de 2008 a fevereiro de 2009. O instrumento Functional Assessment of Cancer Therapy-Cervix Cancer (FACT-Cx) foi utilizado para avaliar a QVRS e, de forma geral, os escores obtidos indicaram avaliação positiva. Apresentaram avaliação negativa os itens: “tenho interesse em sexo”, “sinto-me sexualmente atraente”, “tenho medo de ter relações sexuais” e “sinto a vagina estreita ou curta demais”. Na análise de regressão linear múltipla, pelo método backward, das 18 variáveis independentes, oito foram preditoras de QVRS. A autopercepção do estado de saúde foi o fator de maior influência. Atenção especial deve ser dada às disfunções sexuais dessas mulheres após a radioterapia.

Qualidade de Vida; Neoplasias do Colo do Útero; Enfermagem Oncológica


This cross-sectional study aimed to evaluate the health related quality of life (HRQoL) of women with cervical cancer and to identify predictors of quality of life. Between November 2008 and February 2009, 149 women were interviewed. The instrument Functional Assessment of Cancer Therapy-Cervix Cancer (FACT-Cx) was used to assess HRQoL and, in general, the scores obtained indicated positive evaluation. The items that showed negative evaluation were: “I am interested in sex”, “I feel sexually attractive”, “I am afraid to have sex” and “My vagina feels too narrow or short”. In multiple linear regression analysis, using the backward method, of the 18 independent variables, eight were predictive of HRQoL. Self-perceived health status was the most influential factor. Special attention should be given to the sexual dysfunctions of these women after radiotherapy.

Quality of Life; Uterine Cervical Neoplasms; Oncologic Nursing


Este estudio, de corte transversal, tuvo como objetivos evaluar la calidad de vida relacionada a la salud (CVRS) de mujeres con cáncer de cuello uterino e identificar los factores de predicción de calidad de vida. Fueron entrevistadas 149 mujeres, en el período de noviembre de 2008 a febrero de 2009. El instrumento Functional Asesment of Cancer Therapy-Cervix Cancer (FACT-Cx) fue utilizado para evaluar la CVRS y, de forma general, los puntajes obtenidos indicaron evaluación positiva. Presentaron evaluación negativa los ítems: “tengo interés en sexo”, “me siento sexualmente atrayente”, “tengo miedo de tener relaciones sexuales” y “siento la vagina estrecha o demasiada corta”. En el análisis de regresión linear múltiple, por el método backward, de las 18 variables independientes, ocho fueron factores de predicción de CVRS. La autopercepción del estado de salud fue el factor de mayor influencia. Atención especial debe ser dada a las disfunciones sexuales de esas mujeres después de la radioterapia.

Calidad de Vida; Neoplasias del Cuello Uterino; Radioterapia; Enfermería Oncológica


ARTIGO ORIGINAL


Qualidade de vida relacionada à saúde de mulheres com câncer de colo uterino

Wanessa Cassemiro FernandesI; Miako KimuraII

IEnfermeira, Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto (PROESA), Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: wacassemiro@usp.br

IILivre-docente, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: mikimura@usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo, de corte transversal, teve como objetivos avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de mulheres com câncer de colo uterino e identificar os fatores preditores de qualidade de vida. Foram entrevistadas 149 mulheres, no período de novembro de 2008 a fevereiro de 2009. O instrumento Functional Assessment of Cancer Therapy-Cervix Cancer (FACT-Cx) foi utilizado para avaliar a QVRS e, de forma geral, os escores obtidos indicaram avaliação positiva. Apresentaram avaliação negativa os itens: "tenho interesse em sexo", "sinto-me sexualmente atraente", "tenho medo de ter relações sexuais" e "sinto a vagina estreita ou curta demais". Na análise de regressão linear múltipla, pelo método backward, das 18 variáveis independentes, oito foram preditoras de QVRS. A autopercepção do estado de saúde foi o fator de maior influência. Atenção especial deve ser dada às disfunções sexuais dessas mulheres após a radioterapia.

Descritores: Qualidade de Vida; Neoplasias do Colo do Útero; Enfermagem Oncológica.

Introdução

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), as estimativas de 2008 e válidas para 2009 apontam que ocorrerão 466.730 casos novos de câncer, no Brasil. Desse total, o número de casos novos de câncer de colo uterino esperado por ano é de 18.680(1). Entre as mulheres, calcula-se que seja o terceiro tipo mais comum, sendo superado pelos cânceres de pele (não melanoma) e de mama. Em todo o mundo, é a segunda maior causa de câncer em mulheres, com quase 500 mil casos novos por ano, sendo responsável pelo óbito de, aproximadamente, 230 mil mulheres por ano(1).

Os principais tratamentos propostos para esse tipo de câncer são a radioterapia, a cirurgia, a quimioterapia ou a combinação dessas modalidades(2). Em que pese a grande evolução dos métodos diagnósticos e terapêuticos, a doença e os efeitos do seu tratamento trazem ainda importantes repercussões na vida dessas mulheres, podendo comprometer, de diferentes formas, o seu bem-estar e a qualidade de vida.

Vários são os fatores que contribuem para as alterações na qualidade de vida das mulheres com câncer ginecológico: danos funcionais secundários aos tratamentos, como as cirurgias pélvicas que envolvem a remoção de partes da anatomia genital feminina e a radiação, que danifica a mucosa e o epitélio vaginal; efeitos colaterais da quimioterapia, que, em parte, são comuns à radioterapia, como náusea, vômito, diarreia, constipação, mucosite, mudanças de peso e alterações hormonais; fatores psicológicos, que incluem crenças errôneas sobre a origem do câncer, mudanças na autoimagem, baixa autoestima, tensões matrimoniais, medos e preocupações(3).

Apesar dessa intensa problemática, decorrente do câncer em região genital, as consequências físicas e psicossociais da doença e de intervenções específicas, como a radioterapia, têm sido ainda pouco investigadas em nosso meio(4).

Considera-se, assim, que a avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde de mulheres com esse tipo de câncer é de suma importância, uma vez que permite identificar aspectos do bem-estar físico, mental e social que são afetados pelos agravos à saúde e monitorar os resultados das intervenções, complementando os métodos tradicionais apoiados em morbidade e mortalidade(5).

Diante desse contexto, e visando obter conhecimentos que orientem o planejamento de ações que atendam às reais necessidades dessas mulheres, os objetivos deste estudo foram: avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de mulheres com câncer de colo uterino e identificar os fatores sociodemográficos, clínicos e relacionados à vida sexual, preditores de QVRS.

Método

Trata-se de estudo de campo, de delineamento transversal e correlacional, com abordagem quantitativa, realizado no Ambulatório de Oncologia, setor de Radioterapia, do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC).

A população deste estudo foi constituída por todas as pacientes diagnosticadas com câncer de colo uterino e submetidas à radioterapia (teleterapia ou braquiterapia de alta taxa de dose) exclusiva, adjuvante ou concomitante à quimioterapia, no serviço mencionado, no período de janeiro de 2006 e agosto de 2008. Entre as 246 pacientes tratadas no período, foram identificados 20 óbitos e, portanto, a população disponível para estudo constituiu-se de 226 mulheres.

Após tentativas de contato, a falta ou incorreção de dados no registro hospitalar inviabilizou a seleção de amostra aleatória. Das 226 pacientes, foi então selecionada uma amostra não probabilística, sendo incluídas aquelas que compareceram ao serviço e atenderam os seguintes critérios de elegibilidade: ter idade igual ou maior que 18 anos; ter seguimento mínimo de três meses na ocasião da coleta dos dados; não apresentar diagnósticos de transtornos psiquiátricos, doenças mentais ou neurológicas; não estar em tratamento por neoplasia em outro sítio anatômico ou recidiva local, não estar em tratamento paliativo por doença avançada, com mau prognóstico, e concordar em participar da pesquisa, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido. A amostra do estudo foi composta por 149 pacientes que atenderam os critérios de elegibilidade.

Os dados foram coletados entre novembro de 2008 e fevereiro de 2009, por meio de entrevista, em um único momento, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IBCC (Registro n.155/2008/14). Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Inicialmente, foi aplicado um instrumento para caracterização sociodemográfica, clínica e da vida sexual. Para a avaliação da QVRS, utilizou-se o questionário Functional Assessment of Cancer Therapy-Cervix Cancer (FACT-Cx)(6), na versão 4.0, disponível em português, após autorização pela instituição detentora dos direitos autorais do original e da versão traduzida.

Embora esse instrumento ainda não esteja validado no Brasil, optou-se, aqui, pela sua utilização por não ter sido encontrada outra escala específica para câncer de colo uterino, culturalmente adaptada e validada. A opção pelo FACT-Cx baseou-se também na sua concepção multidimensional da QVRS e nas suas características de brevidade, facilidade e rapidez de aplicação.

O FACT-Cx avalia a funcionalidade e a satisfação da paciente com os aspectos avaliados, em relação à última semana. É composto por 42 itens, sendo 27 no módulo geral (FACT-G) agrupados nos domínios: bem-estar físico, social/familiar, funcional, cada um com sete itens, e bem-estar emocional, com seis itens. Os outros 15 itens correspondem ao domínio “preocupações adicionais”, que avalia sintomas específicos da área ginecológica, problemas intestinais e urinários, alterações vaginais, preocupação com o tratamento, alimentação, sexualidade e autoimagem(6).

As escalas de resposta são do tipo Likert, com pontuações variando de 0 (nem um pouco) a 4 (muitíssimo). Há itens construídos como frases negativas e, nesses casos, a pontuação deve ser invertida. Os escores dos domínios são obtidos pela soma das pontuações dos respectivos itens, variando de 0 a 28 nos domínios bem-estar físico, social/familiar e funcional, de 0 a 24 no domínio bem-estar emocional e de 0 a 60 no domínio preocupações adicionais. O escore total do instrumento resulta da soma das pontuações dos domínios e varia de 0 a 168. Os valores mais elevados representam melhor QVRS(6).

Os dados foram armazenados e analisados no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 17.0. As análises realizadas estão mostradas a seguir.

- Estatística descritiva: para análise das variáveis sociodemográficas, clínicas e da vida sexual e descrição dos escores do FACT-Cx. Para detectar os itens com maior comprometimento, cada item foi analisado individualmente, sendo considerados relevantes aqueles itens que concentraram, no mínimo, 20% das mulheres nos níveis de resposta representativos de avaliação negativa.

- Coeficiente alfa de Cronbach: para testar a consistência interna dos itens e domínios do FACT-Cx. O valor de referência adotado como aceitável foi ≥0,60(7).

- Análise de regressão linear múltipla (método backward), visando identificar os preditores de QVRS. Foram selecionadas 18 variáveis independentes, entre as incluídas no instrumento de caracterização sociodemográfica, clínica e da atividade sexual das pacientes: situação conjugal, nível de escolaridade, situação de trabalho, prática de atividades religiosas, rede de apoio familiar, rede de apoio na comunidade, lazer, estadiamento do tumor, tratamento realizado, tempo de radioterapia, número de comorbidades, tabagismo, etilismo, autopercepção do estado de saúde, atividade sexual, grau de importância atribuída à atividade sexual, idade e número de filhos. Cabe esclarecer que essas variáveis não estão contempladas no instrumento FACT-Cx. As variáveis qualitativas foram tratadas de forma dicotômica.

As variáveis dependentes foram os escores do FACT-Cx (total e dos cinco domínios). Inicialmente, foram retiradas do modelo as variáveis com p≥0,10 e, a seguir, aquelas com p≥0,05. Portanto, os modelos preditivos finais foram compostos pelas variáveis com nível de significância p<0,05. O teste de Durbin-Watson foi utilizado para detectar a presença de correlação serial entre as variáveis de cada modelo.

Resultados

A média de idade das 149 pacientes foi de 53,13 (dp=11,53) anos, com variação entre 19 e 88 anos; 57,7% viviam com cônjuge ou companheiro, 60,4% estudaram até o nível fundamental de escolaridade e 59,5% eram católicas. A média de filhos foi de 3,83 (dp=2,70). Quanto à situação de trabalho, 38,3% disseram não ter emprego remunerado, enquanto que 33,6% estavam empregadas. Sobre os hábitos de lazer, 47,6% informaram atividades do tipo recreativas. Em relação ao estadiamento, 57,7% encontrava-se com doença localmente avançada. Cirurgia e radioterapia, com ou sem quimioterapia, foi o tratamento realizado por 48,3% das mulheres, a radioterapia exclusiva, por 28,2% e a radioterapia com quimioterapia, por 23,5%, sendo que 54,4% delas haviam terminado a radioterapia há um ou dois anos. A presença de uma comorbidade foi referida por 28,9%, enquanto que a maior parte (48,3%) não referiu nenhuma comorbidade. A hipertensão arterial (43,6%) e o diabetes mellitus (21,3%) foram as doenças associadas mais prevalentes; 56,4% eram não fumantes e 27,5%, ex-fumantes; 61,7% eram não etilistas e 22,8% etilistas. A maioria das mulheres (58,4%) avaliou a sua saúde nas últimas quatro semanas como muito boa e 30,2%, como boa; 59,1% informaram não ter nenhuma atividade sexual nas últimas quatro semanas e 38,9% disseram não atribuir nenhuma importância a essa atividade.

Na Tabela 1 estão apresentados os valores dos coeficientes alfa de Cronbach e os escores obtidos pela aplicação do FACT-Cx.

As médias obtidas nos domínios e no total do FACT-Cx mostram que, em geral, as avaliações foram satisfatórias, considerando que os valores das médias e medianas se aproximaram das pontuações máximas possíveis e nas variações possíveis do instrumento. Observa-se que, proporcionalmente, as menores médias foram obtidas nos domínios preocupações adicionais (50,05/60), bem-estar emocional (21,42/24) e bem-estar social/familiar (25,17/28).

Os valores dos coeficientes alfa de Cronbach variaram de 0,78 a 0,90, sendo obtido o menor valor no domínio preocupações adicionais (0,65).

Na análise individual dos itens, as avaliações mostraram-se positivas, de forma geral. Os itens que apresentaram maior comprometimento foram: “tenho interesse em sexo”, com 51,7% das mulheres com respostas “nem um pouco/um pouco”; “sinto-me sexualmente atraente”, respondido por 29,5% como “nem um pouco/um pouco”; “tenho medo de ter relações sexuais”, com 28,8% de respostas “muito/muitíssimo” e “sinto a vagina estreita ou curta demais”, com 20,9% de respostas no nível “muito/muitíssimo”.

A Tabela 2, a seguir, apresenta os modelos finais da análise de regressão múltipla para o escore total e domínios do FACT-Cx, processados com o critério de p≥0,05 para exclusão de variáveis.

Entre as 18 variáveis que compuseram o modelo inicial de regressão, oito foram preditoras independentes de QVRS: autopercepção do estado de saúde, lazer, tabagismo, atividade sexual, importância atribuída à atividade sexual, tempo de radioterapia, situação conjugal e presença de comorbidades. A autopercepção do estado de saúde foi a principal variável preditora da QVRS das mulheres deste estudo, sendo aquela que permaneceu nos modelos finais do FACT-Cx total e de quatro domínios: bem-estar físico, social/familiar, funcional e preocupações adicionais. Observando-se os coeficientes b, nota-se, também, que foi o fator de maior contribuição para a variação dos escores, podendo-se estimar que ter boa/muito boa percepção do estado de saúde aumenta em quase 24 pontos o escore total de QVRS e em cerca de 5 pontos os escores dos quatro domínios acima citados. Os coeficientes de Durbin-Watson próximos de 2 indicam que em nenhum dos modelos finais houve correlação serial entre as variáveis remanescentes.

Discussão

A confiabilidade do instrumento FACT-Cx, utilizado para avaliação da QVRS das mulheres deste estudo, foi previamente analisada pela consistência interna dos itens e domínios, por meio do coeficiente alfa de Cronbach. O FACT-Cx alcançou coeficientes alfa ³0,78 em três dos quatro domínios e de 0,90 no total dos itens, o que representa alta confiabilidade. No domínio específico “preocupações adicionais”, o alfa obtido foi de 0,65, valor satisfatório, se considerado que um coeficiente de, pelo menos, 0,60 pode refletir confiabilidade aceitável(7).

Destaca-se que não foram encontrados estudos que analisassem a confiabilidade do instrumento FACT com o seu módulo específico para câncer de colo uterino, o que impossibilita comparações. Para o módulo geral (FACT-G), os seguintes valores de alfa são relatados: 0,82 (bem-estar físico), 0,69 (bem-estar social/familiar), 0,74 (bem-estar emocional), 0,80 (bem-estar funcional) e 0,89 (FACT-G total)(8). Outro estudo com a versão 4 espanhola identificou os seguintes valores de alfa: 0,91 (bem-estar físico), 0,81 (bem-estar social/familiar), 0,78 (bem-estar emocional), 0,82 (bem-estar funcional) e 0,89 (FACT-G total)(9). Em estudo brasileiro, com pacientes diagnosticados com câncer de cabeça e pescoço, foram observados valores de alfa entre 0,71 e 0,75 para os domínios e de 0,86 para o total(10). Com pequenas variações, os valores obtidos no presente estudo foram próximos aos anteriormente relatados, sendo maior do que aqueles correspondentes no domínio social/familiar (0,85).

Considerando os valores das médias em relação aos valores máximos possíveis, no instrumento FACT-Cx, observa-se que, de forma geral, as pacientes avaliaram positivamente a sua QVRS. No entanto, os dados revelaram que os itens do domínio preocupações adicionais: interesse por sexo, medo de ter relações sexuais, sentir-se sexualmente menos atraente e ter a vagina estreita ou curta demais foram os que concentraram o maior percentual de avaliações negativas.

A presença de disfunção sexual é comum em mulheres acometidas pelo câncer, mesmo após o término do tratamento. Cerca de 40 a 100% dos indivíduos portadores de câncer têm disfunção sexual após o diagnóstico e tratamento(3). Isso porque o câncer e os diferentes tratamentos oncológicos afetam as mesmas áreas que determinam a resposta sexual: o corpo, a mente e a relação entre eles(11), trazendo forte impacto sobre a sexualidade dessas pessoas.

Atribuir importância à atividade sexual foi fator preditivo de menor bem-estar social/familiar, estimando-se que dar importância à vida sexual diminui em quase dois pontos o escore desse domínio. O domínio bem-estar social/familiar, além de abordar a relação com amigos e familiares, inclui a relação com o parceiro e a satisfação com a vida sexual. A maioria das mulheres deste estudo vivia com seu cônjuge ou companheiro, porém, não mantinham atividade sexual, provavelmente devido aos problemas sexuais já mencionados. A maioria delas também relatou dar pouca ou nenhuma importância à atividade sexual. Assim, não dar importância a uma atividade sexual que não tinham, ou não queriam ter, talvez seja forma de preservar a sensação de bem-estar na relação com o parceiro.

Na Tabela 2, observa-se que a autopercepção do estado de saúde foi a variável que esteve presente em quatro dos cinco modelos preditivos finais, sendo o fator mais importante para o aumento da QVRS entre as mulheres deste estudo. Resultado semelhante foi observado em recente estudo que também encontrou a percepção do estado de saúde entre os preditores da QVRS global de mulheres latino-americanas, sobreviventes ao câncer de colo uterino(12).

Apesar do seu caráter subjetivo, a autoavaliação do estado de saúde é considerada medida válida, confiável, sensível a mudanças e que reflete o estado de saúde objetivo(13). Essa forma de avaliação tem sido utilizada em pesquisas de saúde por se mostrar excelente preditor de déficit funcional e, inclusive, de mortalidade, em idosos(13) e em pacientes com câncer em estadiamento avançado(14).

O lazer foi fator associado à QVRS global, assim como aos domínios bem-estar emocional e preocupações adicionais. Todas as participantes deste estudo mencionaram algum tipo de lazer, sendo que as atividades do tipo recreativas, como assistir televisão, foram mencionadas pela maior parte delas (71-47,6%). Provavelmente, houve influência de fatores individuais como idade, condições socioeconômicas e nível de escolaridade sobre os padrões encontrados para o uso do tempo livre. A falta de lazer pode favorecer ou acentuar a solidão, as queixas somáticas e a dificuldade para manter relacionamentos interpessoais(15). Pode-se, assim, compreender que a diversão e o entretenimento, a possibilidade de alívio das tensões e de esquecimento dos problemas proporcionados pelo lazer tenham efeitos benéficos sobre a QVRS.

O tempo de término da radioterapia foi fator inversamente associado ao bem-estar emocional, significando que, nessa amostra, ter menos de um ano de tratamento aumenta o bem-estar emocional. No momento da entrevista, 81 (54,4%) pacientes estavam entre o primeiro e o segundo ano pós-tratamento. Esse período é de grande importância para o enfrentamento das dificuldades decorrentes do procedimento cirúrgico ou radioterápico, pois se espera que, no decorrer dele, as mulheres se recuperem dos efeitos agudos do tratamento e retornem à sua rotina de vida diária. Tais fatores, aliados ao fato de que, ao serem submetidas à radioterapia, as pacientes têm a esperança da melhora e de retorno à normalidade gradativamente, podem explicar a associação encontrada entre menor tempo após tratamento e maior bem-estar emocional.

A maioria das mulheres deste estudo negou o tabagismo (84-56,4%), e o fato de não ser fumante mostrou-se associado à melhor avaliação da QVRS nos domínios bem-estar emocional e preocupações adicionais.

Estudos epidemiológicos relatam que o tabagismo é um dos fatores de risco de maior importância para o desenvolvimento do câncer cervical. Embora os órgãos mais diretamente expostos à fumaça do tabaco sejam os mais afetados, tecidos afastados, como bexiga, colo uterino e pâncreas, também se encontram em risco(16). Infere-se, assim, que o tabagismo atinge a saúde da mulher de maneira ampla e que seus efeitos comprometem não apenas a duração da vida, mas também a sua qualidade.

Neste estudo, 83 mulheres (55,7%) viviam com o cônjuge ou companheiro. A situação conjugal foi fator preditivo para o domínio preocupações adicionais, indicando que a presença de um companheiro gera maior conforto e suporte emocional à paciente com diagnóstico de câncer de colo uterino.

Para essas mulheres, a presença do parceiro sexual é altamente importante, no que se refere à criação de ambiente saudável em que elas possam se sentir integradas ao contexto familiar(17). Acredita-se, portanto, ser de grande importância que os profissionais de saúde compreendam o papel da família, sobretudo do cônjuge ou companheiro, como provedores de afeto e de apoio físico, emocional e social imprescindíveis para a boa qualidade de vida e atuem em conjunto com os familiares, de forma a proporcionar melhor assistência à mulher com câncer.

Neste estudo, observou-se que 51,7% das pacientes apresentavam uma ou mais comorbidades, sendo as mais frequentes a hipertensão arterial (43,6%) e o diabetes mellitus (21,3%). A coexistência do câncer com outros problemas de saúde contribui para pior avaliação da QVRS no domínio específico “preocupações adicionais”.

A associação encontrada era esperada, uma vez que, intuitivamente, pode-se inferir que a interação entre os quadros clínicos e os tratamentos das doenças coexistentes tem efeitos cumulativos e deletérios sobre a qualidade de vida, acentuando as preocupações específicas relacionadas ao câncer.

Conclusões e considerações finais

Os resultados apresentados permitem concluir que, de forma geral, as mulheres com câncer de colo uterino participantes deste estudo avaliaram positivamente a sua QVRS. No entanto, foram detectadas importantes alterações no funcionamento sexual, mais relacionadas ao âmbito psicossocial do que físico.

Os fatores preditivos de QVRS identificados na análise de regressão linear múltipla foram: a autopercepção do estado de saúde, o lazer, a atividade sexual, a importância atribuída à atividade sexual, o tempo de radioterapia, o tabagismo, a situação conjugal e a presença de comorbidades. Esses fatores apresentaram efeitos de intensidades variáveis na QVRS global e nos diferentes domínios. A autopercepção do estado de saúde foi o principal fator preditivo, exercendo influência na QVRS global e em todos os domínios, à exceção do bem-estar emocional.

É preciso considerar, no entanto, que os modelos preditivos resultantes das análises de regressão múltipla apresentaram baixo poder explicativo, indicando que outros fatores também estariam influenciando a QVRS dessas mulheres.

O delineamento transversal e correlacional do estudo não permitiu estabelecer relações causais entre as variáveis do estudo. Em vista de dificuldades na localização das pacientes cadastradas no serviço, a amostra não pôde ser selecionada aleatoriamente. As 149 mulheres incluídas no estudo representaram 66% das pacientes em seguimento entre janeiro de 2006 e agosto de 2008, porém, não podem ser consideradas representativas da população atendida, devido ao viés de seleção presente em amostras não randômicas.

Apesar dessas limitações, considera-se, aqui, importantes os resultados do estudo, uma vez que trazem informações ainda pouco conhecidas em nosso meio sobre a avaliação da QVRS de mulheres com câncer de colo uterino e sobre os fatores que afetam, positiva ou negativamente, as diferentes áreas da sua vida.

Ressalta-se que os fatores preditivos de QVRS identificados neste estudo devem ser foco de maior atenção na prática assistencial e podem representar pontos de partida para estudos futuros que abordem, em profundidade, os diferentes aspectos que envolvem a qualidade de vida de pacientes com câncer.

Agradecimentos

À Dra. Sílvia Radwanski Stuart, chefe do Departamento de Radioterapia do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer, pelo apoio à realização deste trabalho na instituição.

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  • Corresponding Author:
    Wanessa Cassemiro Fernandes
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      09 Maio 2009
    • Aceito
      01 Dez 2009
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