Acessibilidade / Reportar erro

Segurança do paciente na terapêutica medicamentosa e a influência da prescrição médica nos erros de dose

Resumos

Os objetivos foram analisar a redação da prescrição médica nos erros de doses, ocorridos em unidades de clínica médica de cinco hospitais brasileiros, e identificar as classes farmacológicas envolvidas nesses erros. Este é estudo descritivo que utilizou dados secundários, obtidos de pesquisa multicêntrica, realizada em 2005. A população foi composta por 1425 erros de medicação e a amostra por 215 erros de doses. Desses, 44,2% ocorreram no hospital E. Verificou-se presença de siglas e/ou abreviaturas em 96,3% das prescrições, ausência do registro do paciente em 54,4%, falta de posologia em 18,1% e omissão da data em 0,9%. Com relação ao tipo de medicamento, 16,8% eram broncodilatadores, 16,3% eram analgésicos, 12,1%, anti-hipertensivos e 8,4% eram antimicrobianos. A ausência da posologia nas prescrições pode favorecer a administração de doses erradas, resultando em ineficiência do tratamento, comprometendo a qualidade da assistência prestada aos pacientes hospitalizados.

Erros de Medicação; Prescrição de Medicamentos; Dosagem; Enfermagem; Terapêutica; Farmacologia Clínica; Sistema de Medicação no Hospital


The aims of this study were to analyze the redaction of the prescription in dose errors that occurred in general medical units of five Brazilian hospitals and to identify the pharmacological classes involved in these errors. This was a descriptive study that used secondary data obtained from a multicenter study conducted in 2005. The population consisted of 1,425 medication errors and the sample of 215 dose errors. Of these, 44.2% occurred in hospital E. The presence of acronyms and/or abbreviations was verified in 96.3% of prescriptions; absence of the patient registration in 54.4%; absence of posology in 18.1%; and omission of date of 0.9%. With respect to medication type, 16.8% were bronchodilators; 16.3% were analgesics; 12.1%, antihypertensives; and 8.4% were antibiotics. The absence of posology in the prescriptions may facilitate the administration of the wrong dose, resulting in inefficiency of the treatment, compromising the quality of care provided to hospitalized patients.

Medication Errors; Drug Prescriptions; Dosage; Nursing; Therapeutics; Clinical Pharmacology; Hospital Medication System


Los objetivos fueron analizar la redacción de la prescripción médica en los errores de dosis ocurridos en unidades de clínica médica de cinco hospitales brasileños e identificar las clases farmacológicas envueltas en esos errores. Se trata de estudio descriptivo que utilizó datos secundarios obtenidos de en una investigación multicéntrica realizada en 2005. La población fue compuesta de 1.425 errores de medicación y la muestra por 215 errores de dosis. De estos, 44,2% ocurrieron en el hospital E. Se verificó: presencia de siglas y/o abreviaturas en 96,3% de las prescripciones; ausencia del registro del paciente en 54,4%; falta de posología en 18,1%, y omisión de la fecha en 0,9%. Con relación al tipo de medicamento, 16,8% eran broncodilatadores; 16,3% eran analgésicos; 12,1%, antihipertensivos y 8,4% eran antimicrobianos. La ausencia de la posología en las prescripciones puede favorecer la administración de dosis equivocadas, resultando en ineficiencia del tratamiento, comprometiendo así, la calidad de la asistencia prestada a los pacientes hospitalizados.

Errores de Medicación; Prescripciones de Medicamentos; Dosificación; Enfermería; Terapéutica; Farmacología Clínica; Sistemas de Medicación en Hospital


ARTIGO ORIGINAL

Segurança do paciente na terapêutica medicamentosa e a influência da prescrição médica nos erros de dose1

Fernanda Raphael Escobar GimenesI; Maria Ludermiller Sabóia MotaII; Thalyta Cardoso Alux TeixeiraIII; Ana Elisa Bauer de Camargo SilvaIV; Simone Perufo OpitzV; Silvia Helena De Bortoli CassianiVI

IMestre em Enfermagem, Professor, UNICASTELO, SP, Brasil. E-mail: fer_gimenes@yahoo.com.br

IIDoutor em Farmacologia, Professor, Universidade de Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: mila269@terra.com.br

IIIEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Hospital Vera Cruz, Campinas, SP, Brasil. e-mail: thalytacat@yahoo.com.br

IVDoutor em Enfermagem, Professor, Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil. E-mail: anaelisa@terra.com.br

VDoutor em Enfermagem, Professor, Universidade Federal do Acre, AC, Brasil. E-mail: simoneop@bol.com.br

VIDoutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: shbcassi@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Os objetivos foram analisar a redação da prescrição médica nos erros de doses, ocorridos em unidades de clínica médica de cinco hospitais brasileiros, e identificar as classes farmacológicas envolvidas nesses erros. Este é estudo descritivo que utilizou dados secundários, obtidos de pesquisa multicêntrica, realizada em 2005. A população foi composta por 1425 erros de medicação e a amostra por 215 erros de doses. Desses, 44,2% ocorreram no hospital E. Verificou-se presença de siglas e/ou abreviaturas em 96,3% das prescrições, ausência do registro do paciente em 54,4%, falta de posologia em 18,1% e omissão da data em 0,9%. Com relação ao tipo de medicamento, 16,8% eram broncodilatadores, 16,3% eram analgésicos, 12,1%, anti-hipertensivos e 8,4% eram antimicrobianos. A ausência da posologia nas prescrições pode favorecer a administração de doses erradas, resultando em ineficiência do tratamento, comprometendo a qualidade da assistência prestada aos pacientes hospitalizados.

Descritores: Erros de Medicação; Prescrição de Medicamentos; Dosagem; Enfermagem; Terapêutica; Farmacologia Clínica; Sistema de Medicação no Hospital.

Introdução

Os erros de medicação representam grave problema nos atuais serviços de saúde, sendo considerados um dos principais eventos adversos sofridos por pacientes hospitalizados. Dentre todos os erros de medicação ocorridos nos hospitais, aquele de dosagem parece ser um dos mais frequentes(1).

Nesse contexto, as ações do enfermeiro na implementação terapêutica podem modificar os processos farmacodinâmicos e farmacocinéticos dos fármacos, visto ser de responsabilidade desse profissional a administração do medicamento e, dessa forma, a checagem da dose ganha extrema relevância, bem como a monitorização dos horários de administração e das reações adversas aos medicamentos.

Essa responsabilidade com a dose justifica-se pelo conceito de disponibilidade sistêmica, comumente conhecida como biodisponibilidade, que é termo utilizado para descrever a proporção do fármaco administrado que atinge a circulação sistêmica e que, portanto, está disponível para distribuição até o local de ação(2). Nesse sentido, é importante ressaltar que as doses precisam ser rigorosamente obedecidas para que se consiga perfis de disponibilidade sistêmica ideais para cada fármaco prescrito e administrado.

Pode-se citar, como exemplo, o fato de a equipe de enfermagem deixar sobra de medicamentos no equipo de infusão. Nesse caso, a perda é proporcionalmente maior quanto mais concentrada for a solução e isso pode ser considerado erro de dose(3).

E no que diz respeito ao papel das prescrições médicas, sabe-se que as prescrições têm papel ímpar na prevenção dos eventos adversos, relacionados à dose errada. Isso porque, quando ambíguas, ilegíveis ou incompletas, bem como com ausência de padronização da nomenclatura dos medicamentos prescritos, além do uso de abreviaturas e a presença de rasuras, podem contribuir para a ocorrência desses erros(4-5).

As prescrições médicas devem ser apresentadas de forma clara e legível(6) e, além disso, a Lei 5.991/73(7) estabelece requisitos que devem ser adotados durante a sua elaboração. Dentre eles, a especificação da posologia, informação essa imprescindível para a segurança na medicação.

Nos últimos anos, estudos nacionais vêm sendo realizados no sentido de identificar erros nos processos de medicação, principalmente nas etapas da dispensação(8), preparo(9) e administração das doses, mas pouco se sabe sobre o papel que a prescrição médica desempenha nos erros de doses e suas consequências para as ações de enfermagem, no que diz respeito à segurança na terapêutica medicamentosa.

Os objetivos deste estudo foram analisar a redação da prescrição médica nos erros de doses, ocorridos em unidades de clínica médica de cinco hospitais brasileiros, e identificar as principais classes farmacológicas mais envolvidas nesses erros.

Métodos

É estudo descritivo que utilizou dados secundários, obtidos de pesquisa multicêntrica, realizada em 2005, em cinco hospitais universitários brasileiros, nomeados como A, B, C, D e E, todos pertencentes à Rede de Hospitais Sentinelas da ANVISA. O estudo anterior foi autorizado pelos hospitais investigados e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), conforme Protocolo n°12216/2004. Para a realização da presente pesquisa, foi submetido ao CEP um ofício solicitando a dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por se tratar de análise secundária de dados, e aprovado, segundo Protocolo n°0684/2006.

A população deste estudo foi composta por 1425 erros de medicação e, a amostra, por 215 erros de dose. Para tanto, foram utilizadas as informações armazenadas em bancos de dados do EPIDATA, versão 3.1, dos cinco hospitais investigados, contidas no instrumento de coleta de dados do estudo multicêntrico e que abordava a prescrição dos medicamentos, bem como dados sobre o preparo e a administração das doses. Para tanto, realizou-se a observação direta e não participante das etapas no preparo e administração, comparando, em seguida, as informações colhidas com as prescrições originais. A partir da comparação, o erro era identificado, classificado e descrito.

Para a análise da presença ou ausência de itens na redação das informações contidas nas prescrições e que poderiam contribuir para os erros de dose, foram consideradas as seguintes variáveis: ausência de dados do paciente (leito e registro), ausência de data, ausência de dados do medicamento (dose), presença de siglas e/ou abreviaturas, presença de alteração e/ou suspensão do medicamento e presença de rasuras.

Os dados foram cruzados por meio do programa SPSS 11.5 (SPSS Inc., Chicago, II, USA) e os resultados obtidos dessa análise foram distribuídos em tabelas e gráfico e expressos por distribuição de frequências absolutas e percentuais.

Resultados

Do total de 215 erros de dose, 25 ocorreram no hospital A (11,6%), 20(9,3%) no hospital B, 30(14,0%), no C, 45(20,9%) no D e 95(44,2%) ocorreram no hospital E. O maior problema verificado nas prescrições das doses foi quanto à presença de siglas e/ou abreviaturas que estavam presentes em 207(96,3%) erros de dose (exemplos: Cedilanide ½ amp EV, Haldol ¼ comprimido VO, dipirona ampola EV ACM, Xarope KCL 1 med VO) (Tabela 1).

Houve também ausência do número de registro do paciente em 117(54,4%) prescrições. A posologia do medicamento estava ausente em 39(18,1%) (exemplo: ranitidina comprimido VO) e faltou o número do leito em duas (0,9%). Também, a data foi omitida em duas (0,9%) prescrições. Todavia, o nome do paciente estava presente em todas as situações em que a dose administrada estava diferente da prescrita.

A Tabela 1 também apresenta a distribuição dos erros de dose e que poderiam estar relacionadas à presença ou ausência de itens na prescrição, segundo o hospital investigado.

O uso de siglas e abreviaturas foi o maior problema detectado nas prescrições dos cinco hospitais investigados. Dos 25 erros de dose ocorridos no hospital A, 22 (88,0%) apresentavam essas informações. No hospital B, todas as 20 (100%) doses prescritas apresentavam-nas. No C, 28 (93,3%) das 30 doses administradas continham esses dados. No hospital D, 44 (97,8%) dos 45 erros de dose continham siglas e/ou abreviaturas, e no hospital E, 93 (97,9%) das 95 doses também continham esses dados.

Ainda, o hospital A, cuja prescrição é informatizada, também revelou alguns problemas relacionados à omissão de informações nas prescrições, tais como a ausência de dosagem (em miligramas) em três (12,0%) prescrições, presença de alterações em duas (8,0%) e rasuras em uma (4,0%) do total de 25 prescrições envolvidas nos erros de dose.

Dos 20 medicamentos administrados com dose diferente daquela prescrita no hospital B, houve alterações nas informações em uma (5,0%) prescrição. No hospital C faltou a dosagem em 15 (50,0%) prescrições, o registro do paciente em duas (6,7%) e houve presença de rasuras e alterações nas informações em três (10,0%) prescrições. No hospital D, omitiu-se o número de registro do paciente em 27 (60,0%) do total de 45 prescrições, a dosagem em 12 (26,7%), houve rasuras em duas (4,4%) e a data não constava na prescrição em um caso.

A Tabela 1 também revela que no hospital E, cuja prescrição é mista, houve ausência do número de registro dos pacientes em 88 (92,6%) do total de 95 prescrições, omitiu-se a dose em nove (9,5%), houve rasuras em sete (7,4%), alterações e/ou suspensão dos fármacos, bem como ausência do número do leito do paciente em duas (2,1%) e faltou a data da elaboração em uma prescrição.

Na Figura 1, encontram-se elucidados exemplos de medicamentos envolvidos em erros de administração e cuja prescrição encontrava-se incompleta e/ou com presença de siglas e/ou abreviaturas.


No que diz respeito ao tipo de medicamento envolvido nos erros de dose, 16,8% eram broncodilatadores tais como bromidrato de fenoterol (94,4%) e terbutalina (2,8%) e 16,3% eram analgésicos como dipirona (37,1%) e cloridrato de tramadol (25,7%). Ainda, 12,1% eram anti-hipertensivos como captopril (43,5%) e carvedilol (26,1%) e 8,4%, antimicrobianos, sendo que, desses, 27,8% estavam relacionados à administração de fosfato de clindamicina e 11,1% à ciprofloxacina (Tabela 2).

Discussão

Estudos têm apontado que os erros de dose são um dos problemas mais frequentes relacionados à administração de medicamentos, interferindo na qualidade da assistência prestada aos pacientes hospitalizados(10).

Quando o prescritor não especifica a dosagem requerida em miligramas, optando pela utilização das abreviaturas ou siglas, corre-se o risco de o paciente receber dose de medicamento diferente da prescrição uma vez que fármacos como a dipirona, por exemplo, apresenta várias formas farmacêuticas disponíveis no mercado (ampolas de 1ml contendo 500mg, ampolas de 2ml contendo 500mg/ml, ampolas de 5ml contendo 500mg/ml). Sendo assim, na prescrição do tipo dipirona ampola EV ACM, poderia surgir a seguinte dúvida: que dose deve ser administrada no paciente? 500mg? 1000mg? ou 2500mg?

A identificação adequada do paciente também se faz necessária para a segurança na administração de medicamentos, uma vez que clientes com nomes parecidos, internados numa mesma enfermaria e recebendo um mesmo medicamento, porém em doses diferentes, podem ser facilmente confundidos, passando a receber uma dose inadequada para o seu tratamento.

Estudo realizado em ambulatório de uma unidade básica de saúde em Aracajú, SE, identificou ausência da posologia em 40% das prescrições aviadas(11). Em pesquisa realizada em um hospital público geral de médio porte, em Fortaleza, CE, também se detectou ausência da posologia em 30,1% das prescrições na clínica médica(12).

Sabe-se que a falta da posologia nas prescrições pode levar à administração de doses inferiores ou superiores ao desejado, acarretando inefetividade do tratamento e, até mesmo, à morte do paciente por intoxicação. Os profissionais da equipe de enfermagem devem, portanto, exigir dos serviços de saúde ações que visem impedir que os prescritores omitam essa informação, de modo a favorecer a segurança na administração das doses.

No que diz respeito às rasuras nas prescrições, foram identificadas presença delas em 17,5% das prescrições, bem como o uso de siglas e abreviaturas em 28,0%, em investigação realizada em três unidades de internação de um hospital universitário de grande porte no interior do Estado de São Paulo(13).

A presença de siglas e abreviaturas também pode levar ao erro de dose. Por exemplo, a utilização da abreviatura "U" como "unidade" é bastante problemática, pois a dose prescrita de 100U de heparina é mais fácil de ser lida como 1000 unidades quando não há espaço entre a dose numérica e a abreviatura "U"(3).

O risco de os erros ocorrerem é aumentado na medida em que enfermeiros e outros profissionais da saúde não são capazes de ler corretamente as prescrições, resultando em confusão durante a dispensação, distribuição, preparo e administração dos medicamentos.

Sendo assim, a National Coordinating Council for Medication Error and Prevention (NCC MERP)(14) recomenda a implantação do sistema computadorizado de prescrições, a não utilização de siglas e abreviaturas, ainda que padronizadas pela instituição, para que não ocorra má interpretação das informações e, ainda, recomenda que sejam evitadas prescrições "vagas", do tipo: dipirona EV S/N (S/N para "se necessário") ou dipirona EV ACM (ACM para "a critério médico"), para maior segurança na administração de medicamentos.

A prescrição de medicamentos é vista como o início de uma série de eventos, dentro do processo de medicação, que resultará na administração segura, ou não, de uma dose no paciente. Portanto, faz-se necessário maior conscientização, por parte daqueles que prescrevem, no intuito de elaborarem prescrições claras, objetivas e completas, minimizando as dúvidas da equipe multidisciplinar e proporcionando condições favoráveis para a segurança do paciente na terapêutica medicamentosa.

Apesar de o enfermeiro não ser responsável diretamente pela elaboração da prescrição, é importante que esse profissional tenha conhecimento sobre o sistema como um todo, ou seja, desde o momento que o fármaco é prescrito até a sua administração, de modo a identificar as falhas inerentes do processo e evitar que os erros cheguem até o paciente. Sabe-se que o profissional enfermeiro supervisiona o seu pessoal no processo da administração, mas falta atuação mais definida dentro do sistema como um todo(15).

Ainda, os resultados deste trabalho, descritos no gráfico, corroboram achados na literatura no que tange à presença de grupos de medicamentos muito prescritos no dia a dia das diversas instituições de saúde. Os ß2-agonistas (ação broncodilatadora), por exemplo, são administrados por via inalatória e frequentemente prescritos em conjunto com os corticosteroides (ação anti-inflamatória e antialérgica), sendo esse o tratamento de eleição para os episódios agudos de broncoconstricção(16), constituindo ponto comum na maioria dos protocolos e consensos terapêuticos, direcionados para a ocorrência do problema.

Os antimicrobianos também são um dos grupos de medicamentos mais prescritos nos hospitais e que causam grande preocupação quanto à adequação do seu uso(2).

A administração da dose, concentração e tempo de infusão corretos de um medicamento, de forma geral, dependem, em grande parte, da equipe de enfermagem. Concentrações maiores (erros de dose) e infusões demasiado rápidas podem levar desde reações locais, com inflamação, infecção e necessidade de tratamento, até reações cutâneas e sistêmicas, gerando equívocos que levam à mudança desnecessária do tratamento prescrito(17).

Ainda, os efeitos terapêuticos e tóxicos, a curto prazo, dos fármacos precritos para a correção de qualquer estado patológico ocorrem em consequência das ações farmacológicas que, por sua vez, são dose dependentes. Entretanto, a tradução dos efeitos farmacológicos, moleculares e celulares em efeito terapêutico ou tóxico não é processo simples, uma vez que envolve diversos estágios de transformação em diferentes níveis farmacológicos e fisiológicos.

A administração de doses menores do que a necessidade do paciente pode levar à dessensibilização de receptores com a inobservância de efeitos terapêuticos. Já a administração de doses maiores do que o paciente necessita pode levar a eventos adversos sobre órgão e sistemas importantes como o coração (taquicardia) e sistema nervoso central (desorientação psicomotora e tremores periféricos). Em qualquer dos caminhos, há prejuízo clínico para o paciente que não se beneficia adequadamente do medicamento.

O desconhecimento, portanto, por parte da equipe de enfermagem sobre aspectos farmacológicos básicos pode induzir a erros como a inobservância da necessidade de administração da dose exata necessária e do horário correto para cada paciente, podendo gerar diversas consequências clínicas que vão da ausência de resposta à toxicidade intolerável. Um exemplo é a investigação sobre o preparo e administração de vancomicina pela enfermagem, quando foram identificadas 57% de administrações de doses incompletas, decorrentes de restos de solução que permaneciam nos equipos de infusão após a administração(3).

A Sociedade Americana de Sistemas Farmacêuticos de Saúde(17), em sua normalização, ainda vigente em 2008, referente à distribuição e controle de fármacos, sublinha a necessária atenção aos riscos das administrações de moléculas incompatíveis, relacionadas aos tipos de sistemas de administração. A responsabilidade de quem administra o medicamento de acompanhar o paciente até o final da infusão e o treinamento específico para administrar medicamentos é um dos aspectos citados. As normas devem ser elaboradas pela própria instituição e escritas com detalhamento.

Conclusão e considerações finais

Os resultados apresentados por este estudo revelam que muitos pacientes não recebem as doses apropriadas para o seu tratamento, o que compromete a qualidade do cuidado prestado, além de prolongar o tempo de hospitalização. Ainda, as doses inadequadas podem causar efeitos indesejaveis e, até mesmo, a morte do indivíduo.

Percebe-se que muitas prescrições não atendem as normas vigentes no país no que diz respeito à completude e clareza das informações. Isso ficou evidente ao se presenciar, aqui, siglas e abreviaturas em 96,3% das prescrições aviadas nos hospitais investigados. A presença desses dados pode dificultar o entendimento das informações pela equipe de enfermagem que é a responsável direta pelo preparo e pela administração das doses. Além disso, a ausência da posologia na prescrição medicamentosa pode favorecer a administração de doses inferiores ou superiores em relação ao desejado para o tratamento, resultando no não alcance das metas farmacoterapêuticas estabelecidas.

No que diz respeito às classes farmacológicas mais envolvidas nesse tipo de erro, a maioria foi composta pelos broncodilatadores, seguidas pelos analgésicos, anti-hipertensivos e antimicrobianos.

É possível apreender deste documento que a enfermagem possui ampla responsabilidade pelo processo de acompanhamento terapêutico do paciente e que, para isso, esse profissional precisa de formação acadêmica mais específica no campo da farmacologia, com vistas à compreensão de que o medicamento é importante arma contra a doença, todavia, esse intento só pode ser alcançado com o uso correto de cada molécula prescrita.

Referências

  • 1. Joanna Briggs Institute. Strategies to reduce medication errors with reference to older adult. Best Practice. 2009;9(4):1-6.
  • 2. Labarca JL. Nuevos conceptos en farmacodinamia, debemos repensar cómo administramos antimicrobianos?. Rev Chilena Infectol. 2002;19(Suppl 1):33-7.
  • 3. Hoefel HHK, Zini L, Lunardi T, Santos JB, Mahmud S, Magalhaes AM, et al. Vancomycin administration in an universitary hospital at general surgical units inpatients. Online Braz J Nurs [serial on the Internet]. 2004 Apr [acesso 15 nov 2008]; 3(1). Disponível em: http://www.uff.br/nepae/objn301hoefeletal.htm
  • 4. Cohen MR. Letter and number characters that run together may lead to serius errors. Int J Pharm. 1999;13(3):108-9.
  • 5. Cassiani SHB, Freire CC, Gimenes FRE. A prescriçăo médica eletrônica em um hospital universitário: falhas de redaçăo e opiniőes de usuários. Rev Esc Enferm USP. 2003;37(4):51-60.
  • 6
    Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Resolução n° 1246, 8 de janeiro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 26 de jan. 1988.
  • 7
    Lei n° 5.991, de 17 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 de dezembro de 1973. 152º da Independência e 85º da República; 1973.
  • 8. Costa LA, Valli C, Alvarenga AP. Medication dispensing errors at a public pediatric hospital. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(5):812-7.
  • 9. Oliveira RC, Casssiani SHB. Characterization of the structure for medication preparation in teaching-hospitals: factors that interfere with the quality of care. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(2):224-9.
  • 10. Rothschild JM, Keohane CA, Cook EF, Orav EJ, Burdick E, Thompson S, et al. A controlled trial of smart pumps to improve medication safety in critically ill patients. Crit Care Med. 2005;33(3):533-40.
  • 11. Lyra-Junior DP, Prado MC, Abriata JP, Pela IR. Recetas médicas como causantes de riesgo de problemas relacionados con medicamentos. Seguim Farmacoter. 2004;2(2):86-96.
  • 12. Aguiar G, Silva-Junior LA, Ferreira MAM. Ilegibilidade e ausęncia de informaçőes nas prescriçőes médicas: fatores de risco relacionados a erros de medicaçăo. RBPS. 2005;19(2):84-91.
  • 13. Gimenes FRE, Miasso AI, Lyra-Junior DP, Grou CR. Electronic prescription as contributory factor for hospitalized patients' safety. Pharmacy Practice. 2006;4(1):13-7.
  • 14. National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention [homepage on the Internet]. Rockville: The Association; c1998-2009 [updated 2005 Sep 23; cited 2009 Jan 10]. What is medication error?; [about 1 screen] Available from: http://www.nccmerp.org/council/council1996-09-04.html
  • 15. Cassiani SHB, Miasso AI, Silva AEBC, Fakih FT, Oliveira RC. Aspectos gerais e número de etapas do sistema de medicaçăo de quatro hospitais brasileiros. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2004;12(5):781-9.
  • 16. Piva JP, Garcia PCR. More, more and even more B2 - adrenergic agents for treating acute asthma in children: is the adrenergic approach the only way?. Pediatr Crit Care Med. 2002;3(2):202-3.
  • 17. American Society of Health-System Pharmacists (ASHP).Technical assistance bulletin on hospital drug distribution and control. Am J Hosp Pharm. 1980;37(8):1097-103.
  • Corresponding Author:
    Silvia Helena De Bortoli Cassiani
    Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto.
    Departamento de Enfermagem Geral e Especializada.
    Av. Bandeirantes, 3.900
    Bairro Monte Alegre
    CEP: 14.040-902 Ribeirão Preto, SP, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Article extrated from Master’s Dissertation "A segurança de pacientes na terapêutica medicamentosa: análise da redação da prescrição médica nos erros de administração de medicamentos em unidades de clínica médica", presented to Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, WHO Collaborating Centre for Nursing Research Development, SP, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      27 Jul 2009
    • Aceito
      23 Jul 2010
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br