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Erros de medicação e qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem em unidades de terapia intensiva

Resumos

Este estudo teve como objetivos identificar a prevalência de erros de medicação em unidades de terapia intensiva (UTI), relatados por profissionais de enfermagem, comparar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) e as alterações no estado de saúde dos profissionais envolvidos e não envolvidos com erros de medicação. Foram pesquisados 94 profissionais de três UTIs de um hospital privado, sendo 39 enfermeiros (41,5%) e 55 (58,5%) técnicos de enfermagem. A QVRS foi avaliada pela versão em português do instrumento SF-36. Dezoito profissionais (19,1%) mencionaram ter cometido erro no mês anterior à pesquisa. Os erros foram notificados em 61,1% dos casos e os mais frequentes foram aqueles da fase de administração (67,8%). Os profissionais que relataram erro de medicação tiveram tendência a pior estado de saúde, quando comparados aos que não relataram erros.

Qualidade de Vida; Nível de Saúde; Equipe de Enfermagem; Erros de Medicação; Unidades de Terapia Intensiva


This study identifies the prevalence of medication errors in ICUs reported by nursing professionals, compares the health-related quality of life (HRQoL) and health status changes of those professionals both involved and not involved with medication errors in ICUs. A total of 94 nursing professionals in three ICUs of a private hospital were studied: 39 (41.5%) nurses and 55 (58.5%) nursing technicians. HRQoL was assessed through the Portuguese version of the SF-36 instrument. Eighteen professionals (19.1%) reported medication errors during the month prior to data collection. The errors were reported in 61.1% of the cases and the most frequent ones were those in the administration phase (67.8%). The professionals who reported medication errors displayed worse health conditions than those who did not report errors.

Quality of Life; Health Status; Nursing, Team; Medication Errors; Intensive Care Units


Este estudio tuvo como objetivos: identificar la prevalencia de errores de medicación en UTI relatados por profesionales de enfermería; comparar la calidad de vida relacionada a la salud (CVRS) y las alteraciones en el estado de salud de los profesionales envueltos y no envueltos con errores de medicación. Fueron investigados 94 profesionales de tres UTIs de un hospital privado, siendo 39 enfermeros (41,5%) y 55 (58,5%) técnicos de enfermería. La CVRS fue evaluada por la versión en portugués del instrumento SF-36. Dieciocho profesionales (19,1%) mencionaron haber cometido errores en el mes anterior a la investigación. Los errores fueron notificados en 61,1% de los casos y los más frecuentes fueron los encontrados en la fase de administración (67,8%). Los profesionales que relataron errores de medicación tuvieron tendencia al peor estado de salud, cuando comparados a los que no relataron errores.

Calidad de Vida; Estado de Salud; Grupo de Enfermería; Errores de Medicación; Unidades de Terapia Intensiva


ARTIGO ORIGINAL

Erros de medicação e qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem em unidades de terapia intensiva

Josikélem da Silva Sodré PelliciottiI; Miako KimuraII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: josikelem@usp.br, josikelem_sodre@hotmail.com

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: mikimura@usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo teve como objetivos identificar a prevalência de erros de medicação em unidades de terapia intensiva (UTI), relatados por profissionais de enfermagem, comparar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) e as alterações no estado de saúde dos profissionais envolvidos e não envolvidos com erros de medicação. Foram pesquisados 94 profissionais de três UTIs de um hospital privado, sendo 39 enfermeiros (41,5%) e 55 (58,5%) técnicos de enfermagem. A QVRS foi avaliada pela versão em português do instrumento SF-36. Dezoito profissionais (19,1%) mencionaram ter cometido erro no mês anterior à pesquisa. Os erros foram notificados em 61,1% dos casos e os mais frequentes foram aqueles da fase de administração (67,8%). Os profissionais que relataram erro de medicação tiveram tendência a pior estado de saúde, quando comparados aos que não relataram erros.

Descritores: Qualidade de Vida; Nível de Saúde; Equipe de Enfermagem; Erros de Medicação; Unidades de Terapia Intensiva.

Introdução

Os serviços de saúde, atualmente, e, em particular, os serviços de enfermagem vêm buscando atingir níveis cada vez mais altos de excelência no atendimento, visando proporcionar assistência livre de riscos e danos ao paciente. Os eventos adversos têm sido considerados importantes indicadores de resultado da qualidade dos serviços de saúde e da assistência prestada. Embora sejam indesejáveis, esses eventos são constantemente observados na prática assistencial, sendo frequentes aqueles relacionados aos erros de medicação.

A National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention (NCCMERP) define erro de medicação como "qualquer evento prevenível, que pode causar ou levar ao uso inadequado do medicamento ou a danos ao paciente enquanto o medicamento está sob o controle de profissionais de saúde, do paciente ou do consumidor"(1). De outra forma, erro potencial de medicação é definido como "o erro ocorrido em qualquer fase do processo, mas que foi detectado e corrigido antes da administração ao paciente"(2).

A ocorrência de erros de medicação varia de acordo com o setor hospitalar. Em geral, áreas que apresentam grande demanda de pacientes com maior gravidade e complexidade clínica, como as unidades de emergência e de cuidados intensivos, estão mais sujeitas às ocorrências desses eventos(3).

Entre os setores que integram o sistema hospitalar, as unidades de terapia intensiva (UTIs) se diferenciam das demais unidades pela concentração de recursos tecnológicos e profissionais altamente especializados, destinados ao tratamento de pacientes em estado de maior gravidade e instabilidade clínica e, consequentemente, com baixa tolerância a erros diagnósticos e terapêuticos(3). Esses pacientes estão mais expostos a erros, uma vez que recebem duas vezes mais medicamentos do que aqueles internados em unidades de cuidados gerais e, ainda, por estarem muitas vezes desacompanhados de seus familiares ou inconscientes, o que aumenta ainda mais a suscetibilidade aos eventos adversos.

A complexidade do trabalho em UTI, representada pela utilização de tecnologias avançadas e procedimentos específicos, exige dos profissionais de enfermagem, dessas unidades, maior qualificação e preparo técnico-científico, além de boas condições de saúde e qualidade de vida.

Na prática assistencial, alguns elementos do trabalho na área de enfermagem, como aqueles relacionados ao profissional, ao paciente, ou à infraestrutura envolvida, podem levar a erros de medicação. Em relação ao profissional, os fatores internos ao indivíduo, como característica de personalidade, estado de saúde, formação profissional, tempo de trabalho na área, número de empregos e os fatores externos ao indivíduo, como turno de trabalho, dinâmica de trabalho, relação numérica profissional/paciente trazem consequências diretas, não só nos custos hospitalares, como também na mortalidade/morbidade dos pacientes(4-7).

A identificação antecipada das falhas latentes da organização e do sistema poderá contribuir para a gestão proativa, visando a diminuição do impacto dos acidentes no trabalho e busca da excelência em relação à produtividade e à qualidade do trabalho prestado. Entretanto, é nítido que, na sociedade moderna, essa busca por patamares cada vez mais elevados de excelência e produtividade tem contribuído para o comprometimento da saúde e da qualidade de vida (QV) dos profissionais(8).

A expressão qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) é definida como os "vários aspectos da vida de uma pessoa que são afetados por mudanças no seu estado de saúde, e que são significativos para a sua qualidade de vida"(9).

A saúde e a qualidade de vida dos profissionais de enfermagem têm sido abordadas sob diferentes perspectivas, no entanto, observa-se que a literatura é ainda escassa no que se refere ao estudo das relações entre qualidade de vida, condições de trabalho e saúde dos profissionais, bem como à investigação do impacto desses fatores sobre os erros de medicação, no contexto específico da assistência intensiva.

Nesse sentido, o presente estudo visa, primordialmente, responder à seguinte questão: há relação entre a qualidade de vida relacionada à saúde, o estado geral de saúde dos profissionais de enfermagem e a ocorrência de erros de medicação em UTI?

Os objetivos do estudo foram: identificar a prevalência de erros de medicação em UTI, relatados por profissionais de enfermagem, e comparar a QVRS e as alterações no estado de saúde dos profissionais envolvidos e não envolvidos com os erros de medicação.

Métodos

Trata-se de estudo observacional e transversal, com abordagem quantitativa, realizado nas três UTIs de um hospital privado do município de São Paulo, sendo duas para adultos e uma pediátrica. No estudo transversal, todas as medidas são feitas em uma única ocasião, sem período de acompanhamento, permitindo analisar relações entre variáveis(10).

O estudo teve como população alvo todos os enfermeiros e técnicos de enfermagem pertencentes ao quadro de funcionários das referidas UTIs do hospital campo de pesquisa, que atenderam os seguintes critérios de inclusão: estar em atividade profissional em uma das três UTIs do hospital, ter como uma das atividades a administração de medicamentos e concordar em participar do estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A instituição possui um sistema organizado de registro de eventos adversos, entre eles, os erros de medicação.

O total de profissionais de enfermagem nas três unidades era de 119 funcionários, dos quais 42 eram enfermeiros e 77 técnicos. Desse total, 10 foram excluídos por estarem em férias ou afastados do trabalho por licença médica. Assim, foram arrolados, inicialmente, para o estudo, 109 funcionários.

Foi realizado um pré-teste dos instrumentos com a participação de duas enfermeiras e três auxiliares de enfermagem de uma unidade de internação da mesma instituição. O propósito do pré-teste foi verificar se os instrumentos se apresentavam de forma clara e se estavam livres de questões tendenciosas. Para a coleta de dados utilizaram-se os instrumentos descritos a seguir: 1) instrumento de caracterização sociodemográfica e do trabalho dos profissionais (elaborado pelo próprio autor). Esse instrumento foi constituído por questões relacionadas a dados pessoais, familiares, formação profissional, atividades de lazer e condições de saúde, além de três questões sobre o envolvimento com erros de medicação nas quatro semanas anteriores à pesquisa; 2) instrumento para registro dos erros de medicação, preenchido pelos profissionais que relataram ter cometido erros de medicação, visando obter dados sobre as características e o contexto da ocorrência; 3) The Medical Outcomes Study 36–item Short Form Health Survey - SF-36, versão traduzida e validada em português(11), que avalia a QVRS referente às quatro últimas semanas, por meio de oito dimensões: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde (componentes da saúde física), vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental (componentes da saúde mental); 4) instrumento de Avaliação do Estado Geral de Saúde (AEGS), validado(12), que investiga 28 sinais e sintomas de alterações, percebidas no estado de saúde, e a presença de 18 distúrbios diagnosticados.

Em cada turno de trabalho, a proposta do estudo foi apresentada aos profissionais, verificando junto à chefia de enfermagem da unidade o melhor horário para essa abordagem. Foi enfatizada a garantia do anonimato e o caráter voluntário de participação.

Todos os instrumentos foram apresentados conjuntamente, dentro de um envelope, sem identificação, para serem autopreenchidos, após explicação das instruções pertinentes. Foi estabelecido o prazo de uma semana para a devolução dos envelopes lacrados, após o qual, foram recolhidos em local previamente definido. Àqueles que não entregaram nessa ocasião, foi dado um segundo prazo de mais uma semana. Entre os 109 funcionários elegíveis, 94 (86,2%) devolveram os instrumentos preenchidos, sendo esse o total de participantes.

A variável dependente ou de desfecho (cometer erro de medicação) foi medida de forma dicotômica: sim e não. As variáveis independentes ou preditoras foram os escores das oito dimensões do SF-36 (variação de 0 a 100 pontos) e o escore total do instrumento AEGS corresponde à soma da pontuação obtida nas duas partes – sinais/sintomas e distúrbios diagnosticados (variação de 0 a 130 pontos), que classifica o estado de saúde em: bom=0 a 43 pontos; regular=44 a 87 pontos e mau=88 a 130 pontos.

As análises estatísticas foram efetuadas nos programas SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) for Windows 12.0 e Stata 8.0. As variáveis categóricas (sexo, situação conjugal, condição de cuidador, setor de trabalho, turno, vínculos empregatícios, alterações de saúde, período da ocorrência, notificação, número de erro, consequências do erro) foram analisadas por meio de frequências absolutas (n) e relativas (%) e, para as variáveis contínuas (idade, renda familiar, número de cursos e de atividades de lazer, anos de atuação profissional e de trabalho na unidade, número de pacientes, horas de sono, licenças médicas, faltas, atrasos, domínios do SF-36 e escores das alterações e distúrbios de saúde, última folga, férias e horas de trabalho antes do evento) foram calculados médias e desvios padrão. Como teste de comparação de médias para grupos independentes foi utilizado o teste t de Student, ,como teste de associação, o teste do qui-quadrado de Pearson(13). Os escores dos domínios do SF-36 e o de alterações de saúde foram comparados entre os enfermeiros e técnicos de enfermagem, e entre os profissionais com e sem relato de erro de medicação. O teste não-paramétrico de Mann-Whitney foi utilizado para essas comparações entre as duas categorias profissionais. Em todas as análises foi considerado o nível de significância de 5% (p<0,05).

A confiabilidade do instrumento SF-36 foi testada pela análise de consistência interna dos domínios, utilizando-se o coeficiente alfa de Cronbach. Valores maiores que 0,70 foram considerados indicativos de consistência interna(14).

Durante a realização do estudo, foram preservados os direitos dos informantes, conforme a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde(15). O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP sob Processo nº711/2008/CEP-EEUSP) e do hospital onde ocorreu o estudo (Registro CEPesq: HSL2008/11). Todos os profissionais incluídos neste estudo manifestaram voluntariamente sua concordância em participar, assinando o TCLE.

Resultados

Dos 109 profissionais que atenderam os critérios de inclusão no estudo, 15 não responderam os instrumentos de pesquisa ou se recusaram a participar, resultando numa taxa de perda de 13,8%. Os casos perdidos e os 94 (86,2%) participantes foram comparados quanto ao sexo, categoria profissional, tipo de UTI (adulto e pediátrica) e turno de trabalho. Houve diferença significativa em relação ao sexo (9,6% de perdas entre as mulheres e 26,9% entre os homens; p=0,0128) e à categoria profissional (2,5% entre os enfermeiros e 20,3% entre os técnicos de enfermagem; p=0,0047).

Tabela 1

De uma variação possível de 0 a 100, o domínio capacidade funcional obteve o maior escore médio (82,1; dp=16,6). Chama também a atenção os baixos escores do domínio vitalidade (53,8; dp=21,8), dor (59,1; dp=22,1), e saúde mental (65,3; dp=21,1), obtidos pelo total dos participantes, que se repetem, também, nas categorias enfermeiros e técnicos. O escore representativo das alterações de saúde foi de 59,1 (dp=21,4), que corresponde ao estado geral de saúde regular, representando 61(64,9%) dos participantes.

Os cinco sinais e sintomas de saúde mais prevalentes foram aqueles relacionados às alterações emocionais e gastrointestinais, sendo elas: irritabilidade 32(34,4%), dores de cabeça 30(31,9%) e flatulência ou distensão abdominal 30(31,9%), seguido por sensação de má digestão 22(23,4%) e sensação de depressão e infelicidade 20(21,3%).

Na Tabela 2, a seguir, os principais distúrbios apresentados pelos profissionais e que foram diagnosticados após admissão na UTI.

Dos 94 profissionais, 18 (19,1%) mencionaram ter cometido erros de medicação, durante as quatro semanas anteriores à coleta de dados, sendo seis enfermeiros e 12 técnicos.

Verifica-se, na Tabela 3, que os 18 profissionais distribuíram-se equitativamente em relação ao relato de ocorrências nos períodos diurno e noturno, sendo nove em cada um. Onze dos 18 profissionais (61,1%) mencionaram ter notificado o erro. A maioria dos 18 profissionais 11 (61,1%) relatou preocupações extras na ocasião do evento.

Os erros ocorreram em torno de quatro dias após a última folga, seis meses das últimas férias e cinco horas seguidas de trabalho, para as duas categorias profissionais.

Em relação à frequência de erros, obteve-se o relato de nove ocorrências na fase de preparo (32,1%) e 19 na fase de administração (67,9%), totalizando 28 erros de medicação durante as quatro semanas anteriores à coleta de dados.

Entre os 28 tipos de erros relatados, predominaram os erros na fase de administração (19=67,9%). Do total de erros, os tipos mais frequentes foram aqueles relacionados à prescrição, à dose, ao horário e à apresentação, cada um representando 14,3% (n=4). Os erros de transcrição e os relacionados à técnica de administração corresponderam a iguais frequências de 10,7% (n=3). Os menos frequentes foram os de preparo, de omissão e de administração de medicação não prescrita, com duas citações (7,1%) em cada tipo. Não foram relatados erros de monitoramento e com medicamento deteriorado.

Diferenças significativas entre os grupos com erro e sem erro foram observadas em relação aos domínios: aspectos físicos (p=0,02), estado geral de saúde (p=0,02), vitalidade (p=0,01), aspectos sociais (p=0,01), aspectos emocionais (p=0,01) e saúde mental (p=0,01). Houve também diferença significativa na variável "alterações e distúrbios de saúde" (p=0,01).

Discussão

Os 94 participantes deste estudo representaram 86,2% dos 109 profissionais que atenderam os critérios de inclusão. Entre os 94 profissionais, 18 (seis enfermeiros e 12 técnicos) informaram ter cometido erro ou potencial erro de medicação nas quatro semanas anteriores à coleta de dados, representando 19,1% do total de participantes.

Neste estudo, os erros de medicação mais comumente mencionados pelos 18 profissionais (Tabela 4) ocorreram na fase de administração (19-67,9%), seguidos por erros na fase de preparo (9-32,1%).

A administração de medicamentos parece ser vulnerável ao erro devido à ausência de monitoramento no processo, uma vez que a maioria dos medicamentos é administrada por um único profissional de enfermagem. Já os erros na fase de preparo ocorrem quando existe diferença entre a prescrição e o que realmente foi preparado e administrado(16).

Identificaram-se, também, como erros de medicação mais frequentes, o erro de horário e o erro de dose administrada, demonstrando similaridade com outro estudo(17).

Dos profissionais envolvidos com erros, 66,7% relataram ter tido preocupações extras trabalho (financeiras, conjugais, familiares) e 61,1% desses afirmaram ser cuidadores de crianças.

Dos 18 profissionais envolvidos nas ocorrências, 5 (83,3%) enfermeiros e 6 (50,0%) técnicos de enfermagem afirmaram ter notificado os erros envolvendo a terapia medicamentosa à Gerência de Risco da instituição. Quanto à notificação dos erros, verificou-se índice aceitável de casos mencionados (61,1%).

O fato de que nenhum dos aspectos pessoais e funcionais estudados estivesse associado aos erros de medicação, foi um resultado inesperado. Esperava-se, por exemplo, que a condição de cuidador familiar apresentasse associação à maior chance de cometer erro de medicação. Supunha-se, também, que os erros estivessem associados ao maior número de vínculos empregatícios, assim como à menor renda.

Da mesma forma, esperava-se o relato de maior número de erros na UTI pediátrica, tendo em vista as características próprias que tornam as crianças vulneráveis aos erros de medicação(18).

Neste estudo, os participantes que cometeram erro de medicação relataram que a ocorrência não causou dano ao paciente, muito provavelmente pelo fato de que as falhas cometidas não provocaram lesão, ou seja, foram falhas que aparentemente não se tornaram eventos adversos. Não houve relatos de erros, neste estudo, que resultassem em necessidade de monitorização, de tratamento, que ocasionassem dano permanente ao paciente ou erro que resultasse em morte.

Houve diferenças significativas nos domínios do SF-36 e no escore do estado geral de saúde entre os profissionais envolvidos e não envolvidos com erros de medicação, em UTI (Tabela 5).

Os enfermeiros e técnicos de enfermagem desta pesquisa apresentaram, por vezes, índices de saúde piores do que os de indivíduos portadores de patologias diversas, em estudos que também utilizaram o SF-36(19-20). Esses resultados são extremamente preocupantes, considerando que os profissionais estudados são pessoas que estão em plena atividade laboral, cuidando de doentes em estado crítico.

É importante, também, comentar sobre a dificuldade de analisar erros de medicação, já que é muito frequente a subnotificação dos casos. O ideal é que todos os erros e potenciais erros de medicação sejam notificados em até 24 horas após a ocorrência do evento, para que a instituição tome conhecimento dos tipos de falhas relativas à medicação e proponha soluções.

A cultura de segurança deve ser incentivada em todas as instituições para garantir política organizacional que possibilite identificar e agir sobre as condições inseguras. É necessário que as instituições hospitalares reservem espaços para discutir questões de segurança, e que possuam gerência de risco, para coordenar e planejar ações específicas de reconhecimento dos riscos, tratando os problemas de forma multiprofissional e sistêmica.

Conhecer os domínios mais negativamente impactados nos profissionais de enfermagem possibilita o planejamento de ações de promoção da saúde e prevenção, de forma a capacitá-los para escolhas saudáveis de vida em seu cotidiano, com vistas à melhoria da QV. Considerando a complexidade e os múltiplos fatores subjacentes à ocorrência dos erros de medicação, os aspectos identificados neste estudo devem ser considerados sob abordagem sistêmica, em que a saúde do trabalhador de enfermagem seja incluída como primordial.

As ações de promoção à saúde nas diferentes categorias de enfermagem merecem total atenção e investimento por parte das instituições hospitalares, na tentativa de melhorar a QV dos profissionais, e assegurar aos pacientes excelência no atendimento.

Os resultados desta investigação apresentam consonância com pesquisas(21-23) realizadas junto aos profissionais de enfermagem em outros cenários, nas quais a manutenção da saúde desses é frequentemente relacionada à melhor assistência ao paciente.

Conclusões

Neste estudo, a prevalência de erros de medicação em UTI, relatados por profissionais de enfermagem, foi de 28 erros durante as quatro semanas anteriores à coleta de dados. Observou-se que, dos 94 participantes, 18 se envolveram com erros de medicação, sendo seis enfermeiros e 12 técnicos de enfermagem (19,1% dos profissionais participantes).

Em relação à QVRS e à Avaliação do Estado Geral de Saúde (AEGS), identificou-se que o domínio que apresentou maior escore médio foi o de "capacidade funcional" 82,1 (dp=16,6) e os domínios que apresentaram menores escores médios, "vitalidade" 53,8 (dp=21,8) e "dor" 59,1 (dp=22,1). A AEGS apresentou escore "regular" de saúde.

Apesar de não terem sido encontradas diferenças estatisticamente significativas entre enfermeiros e técnicos, em relação aos domínios do SF-36, os resultados mostram que, na maioria dos domínios, os técnicos atingiram escores menores, demonstrando piores condições de saúde em relação aos enfermeiros. Entre os distúrbios de saúde diagnosticados, os dois únicos distúrbios que se mostraram significativos foram herpes-zoster ou simples, encontrado em 12 técnicos e em nenhum enfermeiro (p=0,002), e sinusite citado por 18 técnicos e quatro enfermeiros (p=0,011).

A associação entre potenciais fatores de risco relacionados à QVRS, alterações de saúde e a condição de cometer erro de medicação identificou escore mais baixo em todos os domínios da QVRS e tendência a pior estado de saúde pelo escore final da AEGS, para o grupo de profissionais de enfermagem envolvidos com erros de medicação.

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  • Corresponding Author:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      25 Ago 2010
    • Recebido
      18 Fev 2009
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