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Avaliação da atenção ao recém-nascido de risco, na perspectiva de uma política pública de saúde

Resumos

Objetivou-se avaliar a atenção à saúde de recém-nascidos de risco, acompanhados no primeiro ano de vida pelo Programa Crescer Feliz, desenvolvido em município do interior paulista. Trata-se de estudo epidemiológico populacional, do tipo avaliação de programa de saúde, que se baseou, para análise dos dados, nas diretrizes nacionais da Agenda de Compromissos da Criança. Os resultados evidenciaram a vulnerabilidade institucional do programa, decorrente de problemas relacionados à estrutura e processo, com implicações nos resultados. Considerando a adequação dos critérios adotados pelo programa, para definição dos recém-nascidos de risco e das intervenções e estratégias propostas, que se mostram em consonância com a Agenda de Compromissos, aponta-se a necessidade dos gestores priorizá-lo, inserindo-o, efetivamente, na política pública de saúde a ser desenvolvida no âmbito do município, para reversão da vulnerabilidade institucional identificada.

Avaliação de Serviços de Saúde; Grupos de Risco; Recém-Nascido; Vulnerabilidade


The aim was to evaluate the care for at-risk newborns under follow-up in their first year of life by the Growing Happily Program, developed in a city in inner São Paulo state. It is a population-based epidemiological health program evaluation study, which was based on the national guidelines of the Agenda of Commitments to Children and Child Mortality Reduction for data analysis. Results showed the program’s institutional vulnerability, caused by problems related to its structure and process, with implications for its outcomes. Considering the adaptation of the criteria adopted by the Program for defining at-risk newborns, as well as the proposed interventions and strategies, in consonance with the Agenda of Commitments, the need for managers to make it a priority is appointed, by effectively including it in public health care policies to be developed in cities, in order to reverse the institutional vulnerability identified.

Health Services Evaluation; Risk Groups; Infant, Newborn; Vulnerability


Se objetivó evaluar la atención a la salud de recién nacidos con riesgo acompañados en el primer año de vida por el Programa Crecer Feliz, desarrollado en un municipio del interior del estado de Sao Paulo. Se trata de un estudio epidemiológico poblacional del tipo evaluación de programa de salud que se basó, para el análisis de los datos, en las directrices nacionales de la Agenda de Compromisos del Niño. Los resultados evidenciaron la vulnerabilidad institucional del programa, proveniente de problemas relacionados a la estructura y proceso, con implicaciones en los resultados. Considerando la adecuación de los criterios adoptados por el programa para definición de los recién nacidos con riesgo y de las intervenciones y estrategias propuestas, que se muestran en consonancia con la Agenda de Compromisos, se apunta la necesidad de los administradores de priorizarlo, introduciéndolo efectivamente en la política pública de salud a ser desarrollada en el ámbito del municipio, para reversión de la vulnerabilidad institucional identificada.

Evaluación de Servicios de Salud; Grupos Vulnerables; Recién Nacido; Vulnerabilidad


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da atenção ao recém-nascido de risco, na perspectiva de uma política pública de saúde1

Ana Lúcia Forti LuqueI; Célia Mara Garcia de LimaII; Maria Antonieta de Barros Leite CarvalhaesIII; Vera Lúcia Pamplona ToneteIV; Cristina Maria Garcia de Lima ParadaV

IEnfermeira. E-mail: luque@btu.flash.tv.br

IICirurgiã-dentista, Doutor em Enfermagem. Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: lima@eerp.usp.br

IIINutricionista, Doutor em Nutrição, Professor Doutor, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Pauslita "Júlio de Mesquita Filho", Botucatu,SP, Brasil. E-mail: carvalha@fmb.unesp.br

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Doutor, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Pauslita "Júlio de Mesquita Filho", SP, Botucatu,Brasil. E-mail: vtonete@uol.com.br

VEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Pauslita "Júlio de Mesquita Filho", SP, Botucatu,Brasil. E-mail: cparada@fmb.unesp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se avaliar a atenção à saúde de recém-nascidos de risco, acompanhados no primeiro ano de vida pelo Programa Crescer Feliz, desenvolvido em município do interior paulista. Trata-se de estudo epidemiológico populacional, do tipo avaliação de programa de saúde, que se baseou, para análise dos dados, nas diretrizes nacionais da Agenda de Compromissos da Criança. Os resultados evidenciaram a vulnerabilidade institucional do programa, decorrente de problemas relacionados à estrutura e processo, com implicações nos resultados. Considerando a adequação dos critérios adotados pelo programa, para definição dos recém-nascidos de risco e das intervenções e estratégias propostas, que se mostram em consonância com a Agenda de Compromissos, aponta-se a necessidade dos gestores priorizá-lo, inserindo-o, efetivamente, na política pública de saúde a ser desenvolvida no âmbito do município, para reversão da vulnerabilidade institucional identificada.

Descritores: Avaliação de Serviços de Saúde; Grupos de Risco; Recém-Nascido; Vulnerabilidade.

Introdução

A política de saúde brasileira, historicamente, tem se voltado ao grupo materno infantil. Nesse sentido, foi criado o Programa de Saúde Materno Infantil, que evouluiu nas últimas décadas do século XX para os Programas de Atenção Integral à Saúde da Mulher e da Criança. Especificamente em relação ao desenvolvimento das políticas brasileiras de atenção à criança, com o intuito de organizar as principais diretrizes a serem seguidas e superar a desarticulação entre os diversos níveis de atenção, o Ministério da Saúde propôs, em 2004, a Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil, na qual o trabalho é voltado às linhas de cuidado que, em geral, pressupõe a visão global das dimensões da vida dos usuários(1).

Considerando-se as principais causas de morbidade e mortalidade infantil no país, constitui-se uma das linhas de cuidado prioritárias o Acompanhamento do Recém-Nascido de Risco, estabelecendo ações de Vigilância em Saúde, pela equipe da atenção básica, com captação precoce e manutenção da atenção a partir de busca ativa(1).

No contexto municipal do presente estudo, a Secretaria de Saúde desenvolve, desde 1997, o Programa Crescer Feliz, voltado à identificação das crianças de risco ao nascimento, as quais devem receber visita domiciliar (VD) nos primeiros dez dias de vida, desenvolvida por equipe multiprofissional das unidades de saúde (US). Segue-se o acompanhamento prioritário das mesmas, devendo a primeira consulta médica ser realizada com até um mês de idade e, a partir de então, consultas médicas e de enfermagem intercaladas, quinzenal ou, se necessário, semanalmente.

Para estabelecimento do risco neonatal, o programa em foco considera aspectos biológicos: peso ao nascimento inferior a 2.500g, idade gestacional ao nascer inferior a 37 semanas, patologia que leve à internação em unidades de terapia intensiva ou de cuidados intermediários no período neonatal, malformação congênita, índice de Apgar no 5º minuto de vida inferior a sete e ser filho de mãe portadora do vírus da imunodeficiência humana (HIV). Considera, também, aspectos sociais: residir em área de risco, idade materna inferior a 18 anos, chefe da família sem emprego ou mãe como chefe da família, pais usuários de drogas, mãe analfabeta, com dois ou mais filhos mortos, sem companheiro, com menos de quatro consultas de pré-natal ou com problema psiquiátrico que comprometa o cuidado da criança.

Este estudo teve por objetivo avaliar a estrutura, o processo e os resultados da atenção ao recém-nascido de risco, inscrito no Programa Crescer Feliz, durante seu primeiro ano de vida. Pretendeu-se, assim, subsidiar os profissionais na melhoria do atendimento em atenção básica e os gestores na elaboração das políticas públicas de saúde, voltadas ao grupo infantil.

Método

Trata-se de estudo epidemiológico populacional, do tipo avaliação de programa de saúde. Como referencial de avaliação, foi utilizado o modelo proposto por Donabedian(2) e os resultados foram discutidos considerando-se as diretrizes atuais da política nacional de saúde da criança, mais especificamente aquelas contidas na Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da Mortalidade Infantil(1). Utilizou-se, também, o conceito de vulnerabilidade programática, o qual fornece sentido prático e objetivo para aferir os sucessos e fracassos das ações de saúde(3).

Botucatu, onde este estudo foi realizado, é considerado município de médio porte, localizado em região central do Estado de São Paulo, Brasil, e conta com população aproximada de 120.000 habitantes. Sua rede pública de atenção básica é constituída por três policlínicas, cinco unidades de saúde (US) que trabalham sob o modelo tradicional de centros de saúde e oito unidades de saúde da família (USF) que abrigam dez equipes.

Dois questionários foram construídos para a coleta de dados: o primeiro, respondido pelos enfermeiros responsáveis pelas USs, contendo variáveis relacionadas à estrutura do programa; o segundo, preenchido por uma das pesquisadoras sobre o processo e resultados da atenção ao recém-nascido de risco, em seu primeiro ano de vida, a partir dos registros existentes nos prontuários das crianças nas USs. Até chegar ao formato final, esses instrumentos passaram por ajustes, de forma a responder os objetivos do estudo.

Os indicadores relativos à estrutura para operacionalização do Programa consideraram o número de unidades em que: os recém–nascidos, inscritos no programa, estavam identificados no prontuário; havia registro das crianças do programa em livro próprio; as fichas de VD eram arquivadas no prontuário; as crianças de risco eram consideradas prioritárias para consulta médica e de enfermagem; havia cópia do Programa; médicos e enfermeiros participaram de grupos de gestante e recém-nascido, no mês que antecedeu à coleta de dados. Em relação aos recursos humanos, os indicadores estudados basearam-se no número de unidades onde: considerava-se o atendimento ao recém-nascido de risco como parte das atividades dos enfermeiros e médicos; os auxiliares de enfermagem eram capacitados para atender recém-nascidos de risco e médicos e enfermeiros conheciam o total de crianças do Programa.

Para estudo do processo de cuidado analisaram-se, como indicadores, proporções de crianças que receberam VD, visitadas nos primeiros dez dias de vida e acompanhadas em puericultura na rede básica de saúde; número de atendimentos eventuais em US, no primeiro ano de vida, e proporção de crianças que tiveram todos os atendimentos nas USs do tipo eventual, no primeiro ano de vida.

Os indicadores propostos para avaliação dos resultados do programa foram: percentual de crianças que receberam todas as vacinas indicadas para o primeiro ano de vida, percentual de resultados adversos à saúde (óbito ou internação), no primeiro ano de vida, percentual de crianças que foram atendidas em consulta médica ou de enfermagem com 12 meses de idade e percentual de crianças que recebiam leite materno aos 12 meses de idade.

Fizeram parte da pesquisa todos os neonatos residentes em Botucatu, classificados como de risco, nascidos entre 3 de março e 5 de setembro de 2006, totalizando 298 crianças, 52,9% dos 563 nascimentos ocorridos nesse período, no município. Tal período foi escolhido por permitir a avaliação da última versão do Programa, implementada no início de 2006.

Independentemente do local de nascimento ou de acompanhamento, no primeiro ano de vida, considerou-se que todos os recém-nascidos deveriam receber VD e serem vacinados pelo serviço público de saúde. Porém, como parte das crianças era acompanhada em serviços de puericultura privados, para algumas variáveis, o total de recém-nascidos considerado foi 185.

O banco de dados foi digitado por uma das autoras e sua consistência foi testada a partir de questões associadas. A análise, baseada em estatística descritiva, foi realizada por meio do programa EpiInfo, versão 3.4.3, e os indicadores são apresentados a partir das frequências relativa e absoluta.

Este estudo foi avaliado e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e respeitou as orientações para pesquisas, envolvendo seres humanos (Of. 598/2006-CEP). As enfermeiras entrevistadas, após esclarecimento sobre o trabalho, foram convidadas a participar e, aquelas que concordaram, assinaram termo de consentimento para participação em estudo científico. Para utilização de dados secundários, solicitou-se ao CEP dispensa de assinatura desse termo.

Resultados

Apresenta-se breve caracterização das 298 crianças estudadas. A maioria havia nascido em unidade hospitalar de nível secundário (52,0%), a termo (77,0%) e parto vaginal (61,0%). Ao nascimento, 31,6% tinham baixo peso e 92,0% receberam índice de Apgar igual ou superior a sete, no quinto minuto de vida. Metade das crianças era do sexo masculino, 2% apresentaram malformação e 4,4% precisaram ser internadas em unidades de terapia intensiva ou de cuidados intermediários ao nascimento. Com relação aos fatores de risco ao nascer, os sociais foram os mais frequentes (59,7%), seguido da associação biológico/social (22,8%) e apenas biológico (17,5%). A maior parte das mães estava na faixa etária entre 19 e 30 anos (52,8%), tinha oito ou mais anos de aprovação escolar (62,3%), contava com o apoio do pai da criança (59,4%) e tinha passado por sete ou mais consultas pré-natal (62,8%). Havia desemprego do chefe da família em 10,7% dos casos.

Dados sobre a estrutura das 16 unidades de saúde evidenciam que, na maioria delas, as crianças do Programa não eram identificadas, mas tinham atendimento prioritário; 56,2% dos enfermeiros e 12,5% dos médicos conheciam o número de crianças inscritas no Programa (Tabela 1).

Quanto ao processo de atenção, a cobertura de VD foi 54,0%; 68,5% das crianças estavam com a vacinação em dia e 2,7% delas recebiam leite materno com 12 meses de vida (Tabela 2).

Discussão

Foram estudadas todas as crianças de risco nascidas em um semestre do ano 2006, sendo os dados obtidos relativos ao primeiro ano de vida. A representatividade populacional constitui aspecto altamente positivo do presente estudo. Porém, algumas fragilidades merecem ser apontadas: para análise da estrutura, as enfermeiras responsáveis pelas USs, que conheciam os objetivos do estudo, foram as informantes; para análise do processo, os dados foram obtidos dos prontuários das crianças e, eventualmente, ações de saúde realizadas e não registradas não foram consideradas. Assim, os resultados da estrutura obtidos podem conter algum viés positivo, enquanto a análise de processo, negativo.

A incidência de recém-nascidos de risco, no período estudado, pode ser considerada elevada: 52,9%. Levando-se em conta que, de acordo com o programa, essas crianças precisam ser visitadas até o décimo dia de vida e que, durante o primeiro ano, devem ter rotina de atendimento diferenciado, fica claro o desafio imposto às USs locais.

Um primeiro ponto a ser observado se refere à pertinência da classificação de área de risco, atualmente adotada pelo Programa Crescer Feliz, definida em 1995, tomando por base estudo sobre mortalidade perinatal, no mesmo município(4). Os resultados da presente investigação apontaram que 87,6% dos recém-nascidos de risco eram moradores dessas áreas, valor certamente elevado. Residir em área de risco corresponde a um dos eixos do risco social, segundo o Programa. Complementam, ainda, o risco social: idade da mãe inferior a 18 anos, mãe analfabeta, história de óbito infantil anterior, chefe da família sem emprego ou mãe chefe da família, mãe sem companheiro/apoio, mãe sem seguimento pré-natal (número de consultas igual ou inferior a três) e mãe com problema psiquiátrico, havendo, portanto, ampliação dos fatores propostos pela Agenda de Compromissos(1), que inclui apenas mãe adolescente, com baixa instrução, história de morte na infância e residir em área de risco.

Provavelmente em decorrência desta ampliação, a frequência de crianças com risco de natureza social foi elevada: 82,5%, sendo que 59,7% apresentavam risco exclusivamente de natureza social. O Programa considera, também, fatores de risco de natureza biológica, como: peso de nascimento igual ou inferior a 2.500g; idade gestacional ao nascimento inferior a 37 semanas; patologia que justifique internação em unidades de terapia intensiva ou de cuidados intermediários neonatal; índice de Apgar no quinto minuto de vida inferior a sete; malformação congênita e mãe portadora do HIV. Dentre as crianças estudadas, 40,3% apresentavam um ou mais desses fatores. Os critérios biológicos estão muito próximos aos expressos na Agenda de Compromissos(1) e permitem que os serviços de saúde desenvolvam ações estratégicas específicas para o adequado cuidado à saúde da criança, no sentido de minimizar os danos. Apenas os dois últimos fatores de risco citados não são contemplados pela Agenda de Compromissos que, em contrapartida, propõe que se incluam as crianças cuja mãe/cuidador precisou receber orientações especiais à alta da maternidade/unidade de cuidados do recém-nascido(1).

Modelos de avaliação de programas e projetos de saúde pública devem ser realizados em um crescendo, que inicia pela medição de indicadores de oferta de serviços, ou seja, pela avaliação do programa quanto à sua fundamentação e adequação técnica e ao contexto epidemiológico e do sistema de saúde. Considerando os critérios técnico e político para definir a criança como de risco, o Programa Crescer Feliz é adequado. Quanto às intervenções e estratégias para sua implementação, o programa também se mostrou adequado, prevendo ações de saúde reconhecidamente capazes de produzir impacto positivo sobre a saúde infantil, como a VD nos primeiros dez dias de vida. Cabe agora realizar o balanço entre o programado e o ofertado à população alvo, a segunda etapa do modelo de avaliação(5).

A Agenda de Compromissos orienta que os profissionais não percam oportunidades, na unidade de saúde, domicílio ou espaços coletivos, de forma a beneficiar a criança com cuidado integral e multiprofissional(1), o que é ainda mais relevante para recém-nascidos de risco. Segundo as diretrizes do Programa Crescer Feliz, as crianças de risco devem ser identificadas e registradas em livros próprios nas unidades de referência e ter suas fichas arquivadas em seus prontuários, de forma que os profissionais possam reconhecê-los imediatamente quando buscam os serviços de saúde. Os resultados deste estudo apontam que essa forma de atuação não é prática constante no município: algumas unidades não possuem livro de registro, na maioria delas não há identificação das crianças e não está disponível cópia do Programa. Assim, como não perder oportunidades, se não é conhecida a população alvo e, muitas vezes, nem mesmo a proposta do Programa?

Partindo do princípio que a questão central a ser tratada pelas políticas, que almejam equidade em saúde, é a redução ou eliminação das diferenças que advém de fatores considerados evitáveis e injustos(6), justifica-se a prioridade que deve ser dada ao grupo de recém-nascidos de risco. Além da garantia do acesso, o aumento da resolubilidade e da qualidade do atendimento deve ser garantido(1). Porém, quanto à priorização do atendimento aos recém-nascidos de risco, os dados levantados, neste estudo, revelam que pode haver problemas, devido à não identificação das crianças na rotina dos serviços e ao desconhecimento de médicos e enfermeiros sobre o número de inscritos no programa.

Outro indicador de processo adotado: desenvolvimento de atividade educativa em grupo de gestantes e recém-nascidos foi insatisfatório. A participação de médicos e enfermeiras nessa ação foi limitada, revelando a manutenção do modelo tradicional de atenção, em que a assistência é oferecida quase que exclusivamente a partir de consulta médica individual, nem sempre propiciando acolhimento às ansiedades, queixas e temores associados, culturalmente, à gestação e ao cuidado infantil. Ao contrário, os grupos de gestantes e recém-nascidos devem se constituir em espaço de compartilhamento de experiências, sentimentos e afetos e socialização de saberes técnico-científico e popular para as participantes(7).

De acordo com o Programa Crescer Feliz, todos os profissionais devem participar do acolhimento e do atendimento aos neonatos, embora não sejam explicitadas as estratégias a serem utilizadas, o mesmo ocorrendo na Agenda de Compromissos, que aponta para a necessidade de superação da desarticulação entre os diversos níveis do sistema de saúde e para garantia do cuidado integral, com fluxo ágil e oportuno em cada nível de atenção até a recuperação completa do indivíduo(1).

No presente estudo, todas as crianças de risco foram rotineiramente atendidas pelo médico e, a maioria, também pelo enfermeiro. A pequena atuação desses profissionais em atividades educativas em grupo sinaliza que esses atendimentos têm sido viabilizados, majoritariamente, a partir de consultas individuais.

A Agenda de Compromissos propõe a Primeira Semana de Saúde Integral, voltada ao cuidado da mãe e recém-nascido, preconizando a realização de VD na primeira semana após o parto(1). Na análise do processo de cuidado a cobertura de VD foi, em geral, pequena (54,0%), menor ainda quando considerada a realização até o décimo dia de vida (21,1%). Tomando-se a VD como o mais importante indicador de processo, o Programa Crescer Feliz apresentou desempenho bastante insatisfatório, reduzindo seu potencial de vigilância à saúde e de produzir impacto positivo sobre a saúde desse grupo.

O cuidado domiciliar em saúde é um dispositivo para a revisão do conceito do processo saúde/doença/cuidado e, portanto, capaz de promover a incorporação de valores que levem a mudanças em direção a modelo assistencial comprometido em estabelecer relação acolhedora, marcada pelo compromisso e responsabilização pela saúde dos usuários(8).

Além da possibilidade da VD precoce ao recém-nascido contribuir para a diminuição da mortalidade, outros resultados dessa forma de atenção merecem ser considerados, como o fortalecimento do vínculo entre o serviço de saúde e as famílias, no sentido de facilitar ações de promoção da saúde no nível familiar(9) e a busca ativa e captação precoce das crianças de risco, conforme proposto pela Agenda de Compromissos(1).

A cobertura do serviço público municipal de atenção básica no acompanhamento periódico dos recém-nascidos de risco pode ser considerada baixa (62%). Considerando a caracterização das mães e neonatos, anteriormente realizada, bem como as áreas de residência desses, parece bastante improvável que a proporção de 38% das crianças restantes estivesse em acompanhamento em consultórios particulares ou conveniados. Assim, é possível que parte das crianças de risco ao nascer esteja alijada da vigilância em saúde, ação preconizada pelo programa avaliado e pela Agenda de Compromissos(1).

Considerando-se as crianças que realizaram puericultura na rede básica de saúde, chamou a atenção o fato de 28,6% não ter tido atendimento de rotina, ou seja, todas as vezes que essas crianças foram atendidas havia um problema de saúde que demandou a procura pelo atendimento nas USs. Essa situação, observada no município, é preocupante, especialmente por se tratar de crianças que deveriam estar sendo acompanhadas, rotineira e frequentemente, com consultas que permitissem a vigilância de seu crescimento e desenvolvimento e estado vacinal, dentre outras ações fundamentais para a promoção da saúde infantil(1).

Somadas, a baixa implementação das ações de vigilância e cuidado com os neonatos preconizados e a baixa cobertura, a possibilidade do Programa ter produzido resultados positivos sobre desfechos relativos à saúde infantil é pequena. Assim, pode-se inferir que essa condição se repita, ou esteja ainda pior, para as demais crianças.

Os indicadores negativos relativos ao processo de implementação do Programa praticamente desautorizam a análise de indicadores de resultados ou de impacto(5). Apenas com a finalidade de descrever o comportamento dos indicadores do componente resultado, foram examinadas a cobertura vacinal, indicadores de aleitamento materno, internações hospitalares e óbitos, no grupo de recém-nascidos de risco, acompanhados por meio do programa.

No final do primeiro ano de vida, estavam com a vacinação em dia apenas 68,5% das crianças. A vacinação nessa faixa etária é prioridade nos âmbitos federal e estadual(1,10). Há anos a meta operacional básica é vacinar 100% dos menores de um ano com todas as vacinas indicadas para essa idade(11). Destaca-se que, no município estudado, as salas de vacinas são informatizadas, o que deveria viabilizar melhor monitoramento da situação vacinal das crianças e ações de busca ativa dos faltosos.

Sabe-se que a amamentação, quando praticada de forma exclusiva, até os seis meses, e complementada com alimentos apropriados até os dois anos de idade ou mais, demonstra grande potencial transformador no crescimento, desenvolvimento e prevenção de doenças na infância e idade adulta, razões pelas quais a Agenda de Compromissos propõe o incentivo e orientações relativas ao aleitamento materno(1). Porém, apenas 2,7% das crianças recebiam leite materno com 12 meses de idade, valor muito baixo se comparado à situação brasileira. Em 1989, 37% das crianças eram amamentadas aos 12 meses de idade(12) e, desde então, a duração da amamentação está aumentando, continuamente, no país(13).

A introdução da alimentação complementar, assim como a amamentação, sofre influência da mãe e do contexto familiar, sociocultural e econômico. Sabe-se, porém, que o suporte dos serviços de saúde pode contribuir significativamente para melhorar a condução do processo de alimentação infantil(14). Esses resultados sinalizam a necessidade de novas estratégias de abordagem às mães.

A existência do programa não pôde evitar que 14 crianças de risco atendidas nas USs fossem internadas no seu primeiro ano de vida, o que pode estar relacionado às fragilidades anteriormente apontadas. Além disso, oito morreram antes de completarem um ano de idade. Considerando que, desses últimos, seis eram prematuros extremos, que não chegaram a ter alta hospitalar após o nascimento, estando, portanto, fora do alcance do Programa, sugere-se a inclusão de ações voltadas à qualificação da atenção pré-natal, conforme previsto na Agenda de Compromissos(1). Deve ser destacado, ainda, que dois óbitos estavam relacionados a crianças nascidas a termo e com índice de Apgar superior a sete, no quinto minuto de vida, caracterizando o caráter evitável desses óbitos e, novamente, a fragilidade do programa.

A fragilidade de programas voltados à vigilância e ao cuidado a recém-nascidos de risco não parece ser fenômeno incomum. Apesar de raros, foram identificados dois artigos contendo avaliações de programas semelhantes. Um deles, o programa de vigilância do recém-nascido de Londrina, PR, foi avaliado quanto à cobertura e ao processo, sendo informantes os enfermeiros participantes, como na presente pesquisa. Foi constatado que 15,3% das crianças de risco não eram acompanhadas pelas unidades básicas de saúde (cobertura melhor que a observada em Botucatu), 9,4% frequentavam serviços conveniados ou privados e as demais não foram encontradas e 60% das unidades tinham formas padronizadas para registro, identificação e controle das crianças de risco(15). Vale apontar que os autores destacaram deficiências do programa, algumas também observadas no Programa Crescer Feliz, especialmente em relação ao processo de atenção.

Um segundo artigo trata da avaliação da versão anterior do Programa Crescer Feliz, implementado por uma unidade básica de saúde do município de Botucatu, apresentando características e indicadores semelhantes aos do presente estudo, com predominância de crianças com risco social em relação ao biológico, baixíssima cobertura da VD, predomínio dos atendimentos individuais e baixa cobertura vacinal(16).

Conclusão

Tomados em conjunto, os resultados deste estudo evidenciam vulnerabilidade institucional das ações relacionadas ao programa avaliado, em decorrência de problemas inerentes à estrutura e ao processo, com implicações nos seus resultados.

Considerando a estrutura, ressalta-se ausência de cópia do Programa nas unidades; não identificação das crianças de risco nos prontuários; ausência de atividades educativas em grupo para gestantes e recém-nascidos e desconhecimento de médicos e enfermeiros sobre o total de crianças de risco, ao nascer, em seguimento na unidade de saúde. A análise de processo evidenciou baixa cobertura de VD, especialmente nos primeiros dez dias de vida, proporção relativamente pequena de crianças de risco ao nascer, acompanhadas em puericultura nos serviços públicos de saúde e grande número de atendimentos eventuais a essas crianças. Com relação aos resultados, como esperado, foram elevadas as proporções de crianças com vacinação incompleta, que não seguiram o protocolo de atendimento proposto ao recém-nascido de risco e que não recebiam aleitamento materno aos 12 meses de idade, sendo, também, elevados os índices de internações e óbitos, a despeito da prioridade estabelecida para essas crianças.

Em síntese, são adequados os critérios adotados pelo Programa para definição dos recém-nascidos de risco e as intervenções e estratégias propostas estão em consonância com a Agenda de Compromissos. Cabe, então, aos gestores priorizá-lo, inserindo-o efetivamente na política pública de saúde a ser desenvolvida no âmbito do município, revertendo a vulnerabilidade institucional atualmente identificada. Com a divulgação dos resultados do estudo, espera-se subsidiar gestores e profissionais de saúde na elaboração das políticas públicas municipais de saúde, voltadas ao grupo infantil.

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  • Corresponding Author:
    Célia Mara Garcia de Lima
    Rua: Primo Tronco, 129, Ap. 34
    Bairro: Vila Virgínia
    CEP: 14030-020 Ribeirão Preto, SP, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master’s Thesis "Avaliação da atenção prestada ao recém-nascido de risco no município de Botucatu-SP", presented to Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Pauslita "Júlio de Mesquita Filho", Botucatu, SP, Brazil. This research was supported by Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2009
    • Aceito
      10 Dez 2010
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