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Atuação da enfermeira na unidade de terapia intensiva neonatal: entre o ideal, o real e o possível

Resumos

O enfermeiro é um dos profissionais responsáveis pelo cuidado voltado ao desenvolvimento físico, psíquico e social do recém-nascido na unidade de terapia intensiva neonatal. Este trabalho objetivou compreender a experiência de enfermeiras que atuam em uma unidade de terapia intensiva neonatal. A coleta de dados foi realizada em 2008, por meio de entrevistas com 12 enfermeiras que atuavam em hospitais públicos e privados da cidade de São Paulo. As unidades de significado identificadas foram agrupadas em três categorias: desenvolvendo ações, percebendo suas ações e expectativas. A análise foi fundamentada na fenomenologia social. Conclui-se que a sobrecarga de atividades, o reduzido número de pessoal, a falta de materiais, equipamentos e a necessidade de aprimoramento profissional são a realidade do trabalho da enfermeira nesse setor. Supervisionar os cuidados é o possível; cuidar integralmente do recém-nascido, envolvendo seus pais, é o ideal almejado.

Recém-nascido; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Pesquisa Qualitativa


The nurse is one of the professionals responsible for the care directed toward the physical, mental and social development of newborns in the Neonatal Intensive Care Unit. This study aimed to comprehend the experience of nurses working in a Neonatal Intensive Care Unit. Data collection was performed in 2008, through interviews with 12 nurses working in public and private hospitals of the city of São Paulo. The units of meaning identified were grouped into three categories: Developing actions; Perceiving their actions and Expectations. The analysis was based on social phenomenology. It was concluded that the overload of activities, the reduced number of staff, the lack of materials, equipment and the need for professional improvement are the reality of the work of the nurse in this sector. To supervise the care is the possible; integral care of the newborn, involving the parents, is the ideal desired.

Infant, Newborn; Intensive Care Units, Neonatal; Qualitative Research


El enfermero es uno de los profesionales responsables por el cuidado dirigido al desarrollo físico, psíquico y social del recién nacido en la Unidad de Terapia Intensiva Neonatal. Este trabajo objetivó comprender la experiencia de enfermeras que actúan en una Unidad de Terapia Intensiva Neonatal. La recolección de datos fue realizada en 2.008, por medio de entrevistas con 12 enfermeras que actuaban en hospitales públicos y privados de la ciudad de Sao Paulo. Las unidades de significado identificadas fueron agrupadas en tres categorías: Desarrollando acciones, Percibiendo sus acciones y Expectativas. El análisis fue fundamentado en la fenomenología social. Se concluye que la sobrecarga de actividades, el reducido número de personal, la falta de materiales, equipamientos y la necesidad de perfeccionamiento profesional son la realidad del trabajo de la enfermera en ese sector. Supervisar los cuidados, es posible; cuidar integralmente del recién nacido, envolviendo sus padres, es el ideal deseado.

Recién nacido; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Investigación Cualitativa


ARTIGO ORIGINAL

Atuação da enfermeira na unidade de terapia intensiva neonatal: entre o ideal, o real e o possível

Liciane Langona MontanholiI; Miriam Aparecida Barbosa MerighiII; Maria Cristina Pinto de JesusIII

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Centro de Atendimento Integral à Saúde da Mulher, Universidade de Campinas, SP, Brasil. E-mail: licianelm@gmail.com

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: merighi@usp.br

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: cristina.pinto@acessa.com

Endereço para correspondência

RESUMO

O enfermeiro é um dos profissionais responsáveis pelo cuidado voltado ao desenvolvimento físico, psíquico e social do recém-nascido na unidade de terapia intensiva neonatal. Este trabalho objetivou compreender a experiência de enfermeiras que atuam em uma unidade de terapia intensiva neonatal. A coleta de dados foi realizada em 2008, por meio de entrevistas com 12 enfermeiras que atuavam em hospitais públicos e privados da cidade de São Paulo. As unidades de significado identificadas foram agrupadas em três categorias: desenvolvendo ações, percebendo suas ações e expectativas. A análise foi fundamentada na fenomenologia social. Conclui-se que a sobrecarga de atividades, o reduzido número de pessoal, a falta de materiais, equipamentos e a necessidade de aprimoramento profissional são a realidade do trabalho da enfermeira nesse setor. Supervisionar os cuidados é o possível; cuidar integralmente do recém-nascido, envolvendo seus pais, é o ideal almejado.

Descritores: Recém-nascido; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Pesquisa Qualitativa.

Introdução

A unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) constitui ambiente terapêutico apropriado para tratamento do recém-nascido (RN) em estado grave. A fragilidade desse RN, a crescente implementação de procedimentos de alto risco e a baixa tolerância a erros de medicação são algumas preocupações dos profissionais de enfermagem que atuam na UTIN(1).

A constante interação com os familiares dos recém-nascidos requer capacitação da equipe de saúde para lhes oferecer suporte nesse momento de fragilidade. Ademais, a enfermeira é responsável pela implantação de cuidado que valoriza o desenvolvimento físico, psíquico e social do RN(2).

Estudo realizado na Argentina mostra que a atenção ao RN por enfermeiras, na UTIN, é amplamente reconhecida. Entre os profissionais envolvidos no cuidado perinatal, a enfermeira é um dos mais essenciais(3). Outro estudo realizado nos Estados Unidos destaca a enfermeira neonatal como o esteio da UTIN. É ela quem trabalha, juntamente com o médico, na decisão de condutas de tratamento, realiza assistência direta ao neonato e oferece suporte emocional às famílias(4).

No Brasil, o art. 11 da Lei nº7.498/86, que regulamenta o exercício profissional da enfermagem, dispõe que cabe privativamente ao enfermeiro o cuidado direto de enfermagem a pacientes graves com risco de vida, cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas(5), e esses são cuidados evidenciados em UTIN.

Na literatura mundial, constata-se a importância da atuação da enfermeira na UTIN(1-2,4,6-7), no entanto, observa-se, no dia a dia, dicotomia entre o que se aprende durante a formação e o que é realizado na prática. Na teoria, percebe-se que o cuidado ao RN na UTIN é atividade de responsabilidade da enfermeira, mas, no cotidiano do trabalho, essa profissional apresenta-se distante do cuidado direto ao RN e à família desse e se centra nas atividades gerenciais. As seguintes inquietações nortearam o presente estudo: que atividades estão sendo realizadas por enfermeiras na UTIN? Quais atividades estão sendo priorizadas? As condições de trabalho estão influenciando na priorização do cuidado direto ao RN? O que pensam as enfermeiras dessa unidade sobre sua atuação?

Esta pesquisa objetivou compreender a experiência da enfermeira que atua em unidade de terapia intensiva neonatal. Buscou-se a realidade da sua vivência e o significado da sua ação no contexto do cuidado ao recém-nascido e aos pais desse, com vistas à produção de conhecimento que subsidie o ensino e a prática da assistência nessa especialidade.

Percurso Metodológico

Trata-se de estudo qualitativo na perspectiva da fenomenologia social. Ao refletir sobre a atuação da enfermeira na unidade de terapia intensiva neonatal, buscou-se a compreensão do grupo social enfermeiras que cuidam de recém-nascidos na UTIN. a partir da ação individual.

Nessa abordagem fenomenológica, a ação social é entendida como a relação interpessoal que é estabelecida no mundo da vida e que proporciona a vivência intersubjetiva dos significados humanos(8).

As ações das pessoas são motivadas e esses motivos são existenciais e não meramente psicológicos. No momento da ação, as pessoas baseiam-se em experiências passadas, nas tipificações acerca do mundo e nas situações práticas que lhes são transmitidas por seus familiares, amigos e professores – sua bagagem disponível de conhecimentos.

Os "motivos porque" estão relacionados a essas experiências e tipificações(9). Os "motivos para" constituem-se o ponto de vista subjetivo do comportamento humano, ou seja, a interpretação que a própria pessoa faz de sua ação no meio social. As ações individuais originam-se de pensamentos conscientes que são voluntários e direcionados para o futuro. No contexto da intersubjetividade, o que é individual se configura em um sentido social. Assim, comportamentos humanos são direcionados para a realização de um projeto que se constitui a ação, primeiramente interpretada pela própria pessoa(9).

Foram entrevistadas 12 enfermeiras que trabalham em hospitais públicos e privados que não possuem a certificação de Hospital Amigo da Criança, nem implementam o Método Canguru sistematicamente, apesar de incentivarem o contato pele a pele entre pais e recém-nascido. O tempo de trabalho em UTI neonatal das enfermeiras variou entre dois meses e 11 anos, todas são especialistas, sendo a maioria (dez) na área de enfermagem neonatal e pediátrica, uma em saúde coletiva e uma em enfermagem em emergência.

A partir das questões que foram destacadas durante as entrevistas, focaram-se as expectativas e a maneira como cada enfermeira compreende seus planos, objetivos, ações, ou seja, seus "motivos para" atuar na UTIN. O contexto de significados que serve de base para os projetos de vida foi identificado durante a fala das enfermeiras, constituindo-se nos "motivos porque" desse grupo social.

As entrevistas foram realizadas em data e local escolhidos pelas enfermeiras e tiveram como questões norteadoras: fale-me do seu dia a dia na UTIN. Como você realiza o cuidado direto ao RN? Além das atividades que você já desenvolve, há alguma outra atividade que gostaria de realizar aqui na UTIN? Tomou-se o cuidado para que as enfermeiras se sentissem livres para descrever suas experiências como atuantes em UTI neonatal e expressar suas expectativas futuras.

O número de participantes deste estudo não foi previamente determinado. Finalizou-se a coleta quando os dados começaram a se repetir, mostrando que o fenômeno havia sido revelado. Para a análise dos dados, realizaram-se: leitura e transcrição das entrevistas na íntegra, agrupamento dos aspectos afins do significado da ação social, categorização e interpretação dos dados, de acordo com os pressupostos da fenomenologia social(10).

Este estudo atendeu às normas éticas propostas na Resolução no196/96, do Conselho Nacional de Saúde, em relação a estudos envolvendo seres humanos(11). O projeto foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sob Protocolo no713/2008. Para manter o anonimato das enfermeiras, as entrevistas foram identificadas como: E1, E2, E3... E12.

Resultados e Discussão

Os dados foram agrupados em categorias, considerando as motivações, as similaridades e as divergências, tomando como base os "motivos porque" e os "motivos para" das enfermeiras que constituem o comportamento humano. As categorias desveladas foram: desenvolvendo ações, percebendo suas ações e expectativas.

Categoria 1 - Desenvolvendo ações – "motivos porque"

Nessa categoria, as enfermeiras afirmaram realizar o gerenciamento da unidade, no que diz respeito à provisão de recursos materiais, organização e supervisão do cuidado, gerenciamento da equipe de enfermagem por meio de escalas de trabalho e padronização da assistência de enfermagem, como mostram os relatos a seguir. [...] resolvo os problemas administrativos, vagas, encaminhamento e resultados dos exames (E3). [...] eu me concentro tanto nos cuidados ao paciente quanto no gerenciamento de enfermagem, trabalho com a sistematização de enfermagem, diagnósticos, prescrições [...] (E6).

O modo como esses profissionais realizam essas ações é determinado por seu acervo de conhecimento e por sua situação biograficamente determinada. O acervo de conhecimentos se constitui a partir do que é herdado e apreendido das relações sociais e das próprias constituições prévias, que podem ser conservadas e reformuladas(9).

A atividade gerencial é uma das quatro atividades que norteiam a enfermeira e que devem estar interligadas com as atividades assistenciais, educativas e de pesquisa(12). A padronização da assistência de enfermagem direciona o pensamento da enfermeira para decisões apropriadas sobre os cuidados de enfermagem aos pacientes, os resultados que se quer alcançar e quais os melhores cuidados para atender às necessidades, considerando os resultados desejáveis(13).

Neste estudo, as enfermeiras realizam atividades gerenciais, incluindo a sistematização da assistência de enfermagem (SAE), e assistem diretamente o recém-nascido, quando é possível, devido ao número reduzido de pessoal auxiliar, como exemplificam os seguintes relatos: [...] faço a escala de trabalho das auxiliares de enfermagem, [...] checo os horários das prescrições médicas [...] organizo e checo os equipamentos, psicotrópicos, o carrinho de emergência [...] (E12). [...] tenho que fazer toda a parte administrativa, sistematização da assistência de enfermagem, evolução, então faço de tudo um pouco (E7). Se não houver funcionário suficiente, a gente vai cuidar, vai ficar no leito para dar assistência (E2).

A sistematização de enfermagem orienta e qualifica a assistência de enfermagem, embora, na prática, nem todas as etapas sejam sistematicamente aplicadas. Os resultados de estudo realizado em hospital geral de médio porte, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, apresenta a análise de 302 prontuários em que foram identificados, em 90% dos casos, registros de enfermagem e de exame físico. O diagnóstico de enfermagem não foi encontrado, a prescrição foi a menos frequente e a evolução dos pacientes foi registrada em mais de 95% desses prontuários(14). Em outro estudo, realizado no México, ficou evidenciado que a vivência de enfermeiras, em relação à sistematização da assistência de enfermagem, é de ação rotineira e despercebida. Os cuidados são registrados parcialmente e o profissional despende pouco tempo para a escuta atenta e relação de proximidade com os pacientes(15).

Desse modo, a sistematização da assistência de enfermagem necessita extrapolar os limites do saber disciplinar e caminhar na perspectiva dialógica e complementar, em direção aos outros profissionais de saúde, considerando a necessidade do trabalho interdisciplinar, a continuidade do cuidado e a conectividade das práticas de saúde(16).

Algumas enfermeiras relataram que se sentem responsáveis pelos cuidados diretos aos recém-nascidos em estado grave e que os priorizam, assumindo os cuidados integrais, considerando esse o foco central do seu trabalho, como se pode constatar nos depoimentos a seguir. ... eu tento sempre tratar a dor [...] eu passo PICC (cateter central de inserção periférica), presto cuidados desde banho, medicação, coleta de exames, orientar a mãe no aleitamento materno, todos os procedimentos invasivos (E4). Assumo, geralmente, os pacientes mais graves [...]. Aqui temos pacientes de cirurgia cardíaca, a complexidade é muito alta [...]. No atendimento de parada cardiorrespiratória, a enfermeira atua... (E10). [...] dou prioridade para a assistência, deixando a parte administrativa para quando tiver tempo, porque a prioridade é a assistência ao paciente (E1).

Outras enfermeiras, no entanto, afirmaram não dispor de tempo para esses cuidados, pois precisam atentar para todos os recém-nascidos e para a organização, realizando cuidados mais pontuais e em situações específicas. [...] assumo somente alguns cuidados para poder dar suporte aos outros bebês. Assumo todos os cuidados invasivos, que são atribuições da enfermeira, como punção, coleta de exames, passagem de sonda. [...] temos que priorizar o que é mais importante, não dá para olhar para todas as crianças... (E9).

Estudo sobre a assistência de enfermagem em UTIN revelou que, para as profissionais, o excesso de recém-nascidos internados, a gravidade deles e o número reduzido de enfermeiras dificultam o trabalho. Dessa forma, consideram que poderiam prestar cuidado mais detalhado e mais humanizado se o quantitativo de enfermeiras na unidade de terapia neonatal fosse maior(17).

As enfermeiras do presente estudo relataram atender, também, as necessidades de cuidados dos pais dos recém-nascidos, especialmente em relação ao vínculo entre eles. Nesse tipo de relacionamento, há reciprocidade de intenções, ou seja, a enfermeira consegue ver o mundo de acordo com as perspectivas da família do recém-nascido, conforme apontam os relatos a seguir. [...] orientamos o aleitamento materno [...] avaliamos a amamentação (E8). [...] adoro trabalhar com os pais, nesse contexto de relação com a família (E12).

Em estudo internacional, foi destacada a necessidade de participação da família no cuidado ao recém-nascido na UTIN, cuidado que deve ser individualizado e voltado para o seu desenvolvimento. O Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program (NIDCAP) tem como objetivo principal o trabalho focado no relacionamento com o recém-nascido e a família desse, aumentando a participação da família nos cuidados(18).

Algumas enfermeiras afirmaram inserir os pais no cuidado ao recém-nascido por meio do toque e do aleitamento materno. No entanto, relataram que nem sempre têm disponibilidade para estar com os pais, não há protocolos para o cuidado à família e que, para alguns membros da equipe, a presença dos pais na UTIN dificulta sua atuação, o que pode ser percebido nos depoimentos a seguir. [ ] adoro trabalhar com os pais, com a família. Mas tem muitos funcionários que são resistentes, preferem que o bebê fique restrito à incubadora e dizem que a mãe vai atrapalhar. [ ] Não temos nenhuma padronização aqui (E12). Gostaria de poder fazer mais, às vezes, quando está muito corrido, fico com uma angústia; eu poderia ter um cuidado com os pais, mas eu tive que abrir mão, pois minha prioridade é a assistência, naquele momento (E11).

Outras enfermeiras afirmaram que a presença da família na UTIN é positiva e que torna o cuidado diferenciado, considerando a atenção ao RN e aos pais desse. [...] insiro bastante a família no cuidado [...]. Isso é gratificante [...] (E6). [...] fica um cuidado diferenciado, em que não se trabalha só com o recém-nascido, mas com a mãe também (E1).

Em estudo sobre a interação das profissionais de enfermagem com o recém-nascido e seus pais, durante a hospitalização, em um hospital de São Paulo, o RN constituiu motivação para os profissionais que atuam na UTIN se comunicarem com a família. Buscam se comunicar com a família do recém-nascido porque gostam de lhe prestar cuidados e porque reconhecem sua dependência física e emocional, além da necessidade da formação do vínculo com o RN e a família desse(19).

Categoria 2 - Percebendo suas ações – "motivos porque"

A percepção que a enfermeira tem do contexto em que trabalha está relacionada às relações interpessoais, à maneira como atua com o recém-nascido e à afinidade com os seus familiares(7).

As enfermeiras deste estudo mencionaram alguns fatores negativos que interferem no cuidado ao recém-nascido e à família desse, como a inadequada relação numérica funcionários/recém-nascidos, a deficiência de materiais, a sobrecarga de trabalho administrativo, a presença de estímulo sonoro na unidade, a dificuldade do trabalho em equipe e a falta de cursos de aprimoramento para aperfeiçoar o cuidado direto, como explicitam as falas seguintes: [...] o local é muito barulhento, interfere bastante nos cuidados ao recém-nascido [...] (E4). [...] se tivesse mais recursos materiais, eu desenvolveria melhor meu trabalho [...] (E3).

Estudo qualitativo, realizado em unidade de terapia intensiva, apontou como motivo de desgaste e angústia de enfermeiros a convivência diária com extremos em relação à tecnologia: equipamentos de última geração, contrastando com outros obsoletos, que não suprem as necessidades dos pacientes(20).

A sobrecarga de trabalho administrativo gera insatisfação do profissional pela dificuldade em se dedicar ao cuidado direto do RN e às atividades de capacitação, conforme os depoimentos a seguir. [...] quando estou sozinha [só uma enfermeira no plantão], tenho que pensar em tudo [...] (E7). Acabo perdendo muito tempo com os papéis dos prontuários, coisas que nós, enfermeiras, temos que preencher, [...] um tempo que eu poderia estar atendendo uma criança [...] (E7). [...] eu preciso ter mais habilitação [...] o local de trabalho não dá a liberdade de se aperfeiçoar (E5).

Estudo sobre a educação permanente como ferramenta para pensar e agir no trabalho de enfermagem corrobora os achados do presente estudo, no sentido de que o cuidado está mais próximo do auxiliar e técnico de enfermagem do que do enfermeiro, estando esse mais preocupado com as questões administrativas, o que provoca distanciamento do cuidado. A educação permanente deve constituir parte do pensar e fazer dos trabalhadores, propiciando o crescimento pessoal e profissional e contribuindo para a organização do trabalho(21).

Algumas enfermeiras referiram insatisfação com o trabalho e a associaram ao fato de se sentirem desvalorizadas pela equipe de trabalho, bem como à falta de autonomia, como mostram as falas a seguir. [...] você dedica tudo o que você tem pelo seu trabalho [...] e, de repente, você vê que os outros não valorizam seu trabalho. [...] somos uma classe extremamente desunida. [...] já passei por outras instituições, isso é uma coisa geral, uma coisa nacional [...] (E7). Os médicos [...] não conseguem entender que, às vezes, não dá para fazer tudo naquele momento (E9).

As dificuldades do trabalho em equipe devem ser discutidas e compartilhadas para que se possa estabelecer melhor integração e, por consequência, reverter em benefícios para a equipe, paciente, família e instituição(20).

Enfermeiras mexicanas consideram estar exercendo a autonomia quando planejam e realizam interações com o paciente e a família desse a partir das necessidades dos mesmos, com base em conhecimentos e saberes, no raciocínio crítico e na tomada de decisões(15). A enfermeira experimenta a autonomia quando avalia as necessidades e condições do paciente, comunica preocupações e prioridades e cumpre as metas de cuidado(22).

Outro estudo, realizado em São Paulo, sobre a expectativa de pais e membros da equipe de enfermagem, em relação ao trabalho da enfermeira em UTIN, mostrou que a abordagem centrada na família, técnicas de relações interpessoais e diferenciação entre tecnologia e conhecimento científico são requisitos necessários para a atuação eficaz dessa profissional(6).

As enfermeiras salientaram também que a ausência de sincronia no trabalho em equipe prejudica a atuação de todos os profissionais, dificulta a assistência de enfermagem de qualidade e gera insatisfação, como apontam os depoimentos a seguir. [...] temos alguns problemas com os médicos... Isso acaba dando uma certa insatisfação [...]. Tem médicos que são mais acessíveis, outros não [...] (E6).

Nesse sentido, cita-se a teoria da reciprocidade de intenções, que se estabelece quando a pessoa envolvida em uma dada situação raciocina como se estivesse no lugar da outra, vivenciando a situação comum, na perspectiva da outra pessoa, e vice-versa(9). Dessa forma, somente haverá trabalho em equipe efetivo na UTIN quando cada profissional, além de perceber as necessidades de cuidado do recém-nascido e da família desse, se colocar no lugar do outro profissional, valorizando a atuação de cada membro da equipe.

Após a compreensão do contexto motivacional, ou seja, das atividades desenvolvidas pelas enfermeiras e sua percepção sobre sua atuação, buscou-se a descrição das expectativas em relação à atuação na UTIN – os "motivos para", expressos em seus depoimentos.

Categoria 3 -Expectativas – "motivos para"

Várias expectativas, relacionadas ao cuidado ao recém-nascido e aos pais desse, foram evidenciadas. As enfermeiras desejam minimizar o sofrimento, a dor e as sequelas do recém-nascido e promover o vínculo afetivo entre ele e os pais, como se pode constatar nos seguintes relatos: [...] quero que o bebê melhore, que se desenvolva, que ele cresça, [...] seja uma pessoa feliz (E2). [...] quero sempre que tudo saia certinho, os horários das medicações, de dietas. [...] o paciente precisa disso, de estabilidade e organização (E10). [...] quero que ele vá bem [para a casa], mas inserido num contexto familiar, estabelecendo um vínculo familiar. [...] (E6).

Vislumbraram mudanças que possam contribuir para melhoria do cuidado em UTIN como: cursos de aprimoramento, eventos de atualização, implantação de protocolos de cuidado, humanização entre a equipe de trabalho e o equilíbrio entre o trabalho administrativo e o cuidado direto ao recém-nascido internado em UTIN, como aponta esta fala: [...] o que precisa é uma atuação maior da educação continuada [...] mais cursos, treinamentos [...] (E3).

Outro estudo também menciona a necessidade de educação e sensibilização para o cuidado ao recém-nascido na UTI neonatal. É salientado que as enfermeiras precisam ter conhecimento científico e agilidade para prestar um cuidado de enfermagem de qualidade(23).

Mesmo reconhecendo que o cuidado direto é realizado, na maioria das vezes, pelo pessoal auxiliar e a importância do enfermeiro na gerência do cuidado ao recém-nascido na UTIN, a enfermeira manifesta o desejo de ficar mais próxima da atividade assistencial, conforme explicitado nos depoimentos a seguir. [...] eu gostaria de poder assumir a criança integralmente, mas, no momento, não estamos conseguindo fazer isso [...] porque aqui não temos uma pessoa para ficar resolvendo os outros problemas [...] (E9). Eu gostaria de fazer um pouco menos a parte administrativa, tem muitos papéis que a enfermeira tem que preencher [...] (E7).

Um estudo realizado em um hospital filantrópico de Brusque, Santa Catarina, Brasil, envolvendo a equipe de enfermagem apontou como principal dificuldade o fato de, ao desenvolver a SAE na unidade de terapia intensiva, o enfermeiro despender mais tempo do dia a dia nessa atividade do que o habitual. No entanto, foi salientada a possibilidade de se alcançar assistência de enfermagem com a qualidade desejada(24).

De acordo com sua bagagem de conhecimento, a enfermeira pode projetar suas expectativas quanto ao cuidado prestado ao recém-nascido e à família desse – elaborar projetos para a melhora no cuidado em UTIN e para o desenvolvimento do seu trabalho em UTIN.

Considerações finais

Por meio dos depoimentos das enfermeiras, apreendeu-se o real vivenciado por elas na UTIN como sendo a sobrecarga de trabalho, a falta de materiais, a dificuldade do trabalho em equipe, a falta de cursos de aprimoramento e a falta de autonomia profissional. A ação possível foi a de centrar-se nos cuidados de enfermagem de alta complexidade e delegar os demais cuidados aos auxiliares de enfermagem. Na UTIN, o ideal seria, além de gerenciar, realizar o cuidado direto ao recém-nascido, a fim de satisfazer as necessidades dos RNs e dos familiares desses.

Torna-se urgente sensibilizar os enfermeiros e os gestores das instituições hospitalares quanto à importância de os cuidados diretos aos RNs internados em uma UTIN serem realizados por enfermeiras. A padronização dos cuidados, somada à educação permanente e à qualificação para manejo dos recursos tecnológicos, é fator que possibilita aos profissionais prestar cuidado de boa qualidade técnica. No entanto, é preciso que a equipe esteja sempre atenta às necessidades individuais de cada RN e da família desse.

As relações de trabalho precisam ser construídas e, para isso, a equipe deve planejar o cuidado em conjunto, respeitando a atuação de cada profissional. A adequação de recursos humanos de enfermagem às necessidades da UTIN possibilita que a enfermeira gerencie melhor o cuidado aos RNs e aos pais desses. É preciso trabalho contínuo para ressignificar as práticas de cuidados pelas enfermeiras.

A prática da enfermagem, baseada em evidências científicas, a divulgação de pesquisas relacionadas ao cuidado de enfermagem e a capacidade de padronizar o cuidado, de supervisionar o trabalho da equipe e de priorizar e prestar o cuidado direto ao RN servirão de subsídios à enfermeira para a realização de cuidado humanizado e de qualidade.

A fenomenologia social permitiu a compreensão da atuação de um grupo de enfermeiras, em uma unidade de terapia intensiva neonatal, convivendo com outros profissionais, com recém-nascidos e os pais desses.

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    Liciane Langona Montanholi
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Aceito
      19 Nov 2010
    • Recebido
      23 Nov 2009
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