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Análise dos acidentes com material biológico em trabalhadores da saúde

Resumos

Este é um estudo retrospectivo descritivo, com abordagem quantitativa, com o objetivo de conhecer os acidentes de trabalho com exposição a material biológico e o perfil dos trabalhadores, a partir das fichas de notificação do Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador da Macrorregião de Florianópolis. A coleta de dados foi realizada pelo levantamento das 118 fichas de notificação de 2007. Os dados foram analisados eletronicamente. Os acidentes ocorreram, predominantemente, entre os técnicos de enfermagem do sexo feminino e a idade média era de 34,5 anos. Dos acidentes, 73% envolveram exposição percutânea, 78% tiveram contato com sangue e/ou fluidos com sangue e 44,91% decorreram de procedimentos invasivos. Conclui-se que as estratégias de prevenção à ocorrência dos acidentes de trabalho, com material biológico, devem incluir ações conjuntas, entre trabalhadores e gerência dos serviços, devendo estar voltadas às melhorias das condições e organização do trabalho.

Acidentes de Trabalho; Exposição Ocupacional; Saúde do Trabalhador; Exposição a Agentes Biológicos


This retrospective and descriptive study with a quantitative design aimed to evaluate occupational accidents with exposure to biological material, as well as the profile of workers, based on reporting forms sent to the Regional Reference Center of Occupational Health in Florianópolis/SC. Data collection was carried out through a survey of 118 reporting forms in 2007. Data were analyzed electronically. The occurrence of accidents was predominantly among nursing technicians, women and the mean age was 34.5 years. 73% of accidents involved percutaneous exposure, 78% had blood and fluid with blood, 44.91% resulted from invasive procedures. It was concluded that strategies to prevent the occurrence of accidents with biological material should include joint activities between workers and service management and should be directed at improving work conditions and organization.

Accidents Occupational; Occupational Exposure; Occupational Health; Exposure to Biological Agents


Estudio retrospectivo descriptivo con abordaje cuantitativo, cuyo objetivo fue conocer los accidentes de trabajo con exposición a material biológico y el perfil de los trabajadores, a partir de las fichas de notificación del Centro de Referencia Regional en Salud del Trabajador de la Macro Región de Florianópolis. La recolección de datos fue realizada por el levantamiento de las 118 fichas de notificación de 2007. Los datos fueron analizados electrónicamente. Los accidentes ocurrieron predominantemente entre los técnicos de enfermería del sexo femenino y edad promedio de 34,5 años; 73% de los accidentes envolvieron exposición percutánea; 78% tuvieron contacto con sangre y/o fluidos con sangre; 44,91% provinieron de procedimientos invasores. Se concluye que las estrategias de prevención a la ocurrencia de los accidentes de trabajo con material biológico deben incluir acciones conjuntas, entre trabajadores y gerencia de los servicios, debiendo estar dirigidas a mejorar las condiciones y organización del trabajo.

Accidentes de Trabajo; Exposición Profesional; Salud Laboral; Exposición a Agentes Biológicos


ARTIGO ORIGINAL

Análise dos acidentes com material biológico em trabalhadores da saúde

Mariana VieiraI; Maria Itayra PadilhaII; Regina Dal Castel PinheiroIII

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: nanyufsc@ibest.com.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: padilha@nfr.ufsc.br

IIIEducadora Física, Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas. Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: recastel@yahoo.com.br

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mariana Vieira Rua João Pio Duarte Silva, 1172, Fundos Bairro: Córrego Grande CEP: 88037-416 Florianópolis, SC, Brasil E-mail: nanyufsc@ibest.com.br

RESUMO

Este é um estudo retrospectivo descritivo, com abordagem quantitativa, com o objetivo de conhecer os acidentes de trabalho com exposição a material biológico e o perfil dos trabalhadores, a partir das fichas de notificação do Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador da Macrorregião de Florianópolis. A coleta de dados foi realizada pelo levantamento das 118 fichas de notificação de 2007. Os dados foram analisados eletronicamente. Os acidentes ocorreram, predominantemente, entre os técnicos de enfermagem do sexo feminino e a idade média era de 34,5 anos. Dos acidentes, 73% envolveram exposição percutânea, 78% tiveram contato com sangue e/ou fluidos com sangue e 44,91% decorreram de procedimentos invasivos. Conclui-se que as estratégias de prevenção à ocorrência dos acidentes de trabalho, com material biológico, devem incluir ações conjuntas, entre trabalhadores e gerência dos serviços, devendo estar voltadas às melhorias das condições e organização do trabalho.

Descritores: Acidentes de Trabalho; Exposição Ocupacional; Saúde do Trabalhador; Exposição a Agentes Biológicos.

Introdução

O interesse pela temática acidentes de trabalho, envolvendo exposição ao material biológico, a partir do registro das fichas de notificação, encaminhadas ao Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST) da Macrorregião de Florianópolis, decorre do crescente número de notificações envolvendo tais acidentes. Nesse contexto, vários são os fatores que influenciam tal ocorrência e, sejam quais forem esses, é de fundamental importância a sensibilização e mudanças de atitudes, tanto dos trabalhadores como dos gestores e administradores de instituições de saúde, no que se refere à adoção das precauções padrão, com vistas a minimizar o quantitativo de acidentes com material biológico(1). A adoção dos equipamentos de proteção pelos trabalhadores da saúde é considerada um desafio, uma vez que essa adoção é aceita teoricamente, mas a mesma ainda não permeia a prática diária com a mesma intensidade(2). Esse fato é resultante de uma série de fatores, tais como a indisponibilidade/inadequação dos equipamentos de proteção individual (EPI), sobrecarga do trabalho, falta de capacitação quanto ao uso correto das medidas de biossegurança existentes a serem realizadas, bem como do próprio sentimento de invulnerabilidade e do hábito errado de reencapar as agulhas contaminadas por parte de alguns trabalhadores(3).

Com o advento do HIV/AIDS, na década de 80 e, posteriormente, da mudança do perfil epidemiológico, todos se consideram vulneráveis, inclusive os trabalhadores da saúde, por lidarem, na maioria das vezes, com procedimentos que envolvem material biológico, estando mais susceptíveis a tais acidentes(4). Dada a relevância do tema, os acidentes de trabalho com material biológico não podem ser vistos como fenômenos fortuitos ou casuais, pois seu entendimento e prevenção necessitam de abordagem mais ampla que perpasse pelos trabalhadores, instituições de saúde e relações sociais(5). Nessa perspectiva, a realização de estudos epidemiológicos que focalizem os fatores associados à ocorrência dos acidentes de trabalho com material biológico, inclusive os fatores institucionais e individuais, ou seja, do próprio trabalhador, poderá contribuir para aumentar a compreensão sobre os processos determinantes para a ocorrência dos acidentes, assim como gerar subsídios para novas pesquisas e programas de intervenção em outros contextos sociais(6). Apesar dos inúmeros trabalhos realizados sobre acidente de trabalho, riscos biológicos e HIV/AIDS, ainda carece de estudos para serem utilizados, como instrumento de conhecimento e de trabalho, para os profissionais e instituições envolvidas com a temática e comprometidas com a formulação de políticas públicas, voltadas à prevenção e à promoção da saúde dos trabalhadores(7).

Acredita-se que os resultados desse estudo irão contribuir para a divulgação do conhecimento produzido sobre a referida temática, assim como para a construção de estratégias de prevenção e controle dos acidentes de trabalho com material biológico, mediante a identificação dos possíveis fatores de riscos que possam existir no decorrer das atividades laborais. Diante de todo contexto, e ponderando a respeito da problemática levantada – crescente número de notificações envolvendo acidente de trabalho com material biológico, justifica-se a realização deste estudo que tem como objetivos: conhecer os acidentes de trabalho com exposição a material biológico, ocorridos na Grande Florianópolis, e traçar o perfil dos trabalhadores, a partir das fichas de notificação encaminhadas ao CEREST da Macrorregião de Florianópolis, no período de janeiro a dezembro de 2007.

Método

Trata-se de estudo retrospectivo descritivo, com abordagem quantitativa. As fontes de dados foram todas as 118 fichas de notificação de acidentes com material biológico, ocorridos na Grande Florianópolis, no ano 2007. Essas fichas foram encaminhadas pelas instituições de saúde, dessa área, ao CEREST, local onde foi realizada a coleta de dados. Inicialmente foram realizados o levantamento e a investigação dos acidentes relatados nas fichas de notificação e, em seguida, esses foram analisados, segundo o perfil dos trabalhadores acidentados e características do acidente, conforme as seguintes variáveis: sexo, idade, município de residência, vínculo empregatício, ocupação, instituição empregadora, tipo de exposição, material orgânico envolvido, circunstância do acidente e agente causador, uso de equipamento de proteção individual (EPI), bem como informações sobre a situação vacinal do acidentado e preenchimento da comunicação de acidente de trabalho (CAT). Tais dados foram, ainda, processados e tabulados eletronicamente no Tabwin, Tabnet e no programa de estatística SPSS 12 for Windows. A pesquisa foi submetida à Comissão de Ética e Pesquisa da Secretaria de Saúde de Florianópolis e, mediante aprovação da mesma, os dados foram analisados(8).

Resultados

Perfil dos trabalhadores acidentados com material biológico

A respeito da variável sexo, 73% das ocorrências foram em indivíduos do sexo feminino, comparadas a 27% nos indivíduos do sexo masculino. Ainda, em relação ao perfil dos trabalhadores acidentados, constatou-se que a predominância das ocorrências dos acidentes de trabalho, envolvendo material biológico,foi em indivíduos na faixa etária de 20 a 34 anos, com 39 casos (56%), e 26 casos (37%) na faixa etária de 35 a 49 anos.

Ocupação profissional dos trabalhadores acidentados com material biológico

Em relação à variável ocupação profissional, a categoria revelada como a mais susceptível aos acidentes de trabalho, envolvendo material biológico, foi a dos profissionais técnicos de enfermagem, com quantitativo de 44 acidentes (38,26%). Conforme a Figura 1, 57 casos, com percentual de 49,57%, ocorreram entre os trabalhadores da enfermagem, inclusos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Desse total, 53 casos (46,09%) ocorreram entre os técnicos e auxiliares de enfermagem, e 3,48% entre enfermeiros. Seguindo-se aos acidentes com material biológico, entre os trabalhadores da enfermagem, o estudo revela também crescente número entre estagiários/estudantes, inclusos nesse grupo os residentes de medicina, que aparecem com 19,13% das ocorrências.


Tipo de exposição a acidentes com material biológico entre os trabalhadores

Em relação aos tipos de exposição aos acidentes, envolvendo material biológico, há de se destacar a exposição percutânea, com 56 casos, representando 73% do total. Em seguida, observa-se a exposição, envolvendo mucosas, com 10%, assim como a exposição em pele integra e não integra, respectivamente, representadas por 10 e 7% dos acidentes.

Circunstâncias dos acidentes com material biológico entre trabalhadores

Nesse contexto, ainda é importante mencionar que várias são as circunstâncias que predispõem a ocorrência dos acidentes de trabalho com material biológico.

No presente estudo, verifica-se que os acidentes foram, em 32,20% dos casos, decorrentes dos procedimentos cirúrgicos, odontológicos e laboratoriais, seguidos de 16,95% oriundos da administração de medicamentos por via endovenosa, intramuscular e subcutânea; 10,16% pelo descarte inadequado do material contaminado (chão, lixo) e percentual de 5,93% no momento de reencape de agulhas. Além das circunstâncias mencionadas, a Figura 2 também revela 22,03% preenchido como "outros".


Material orgânico envolvido nos acidentes com material biológico

Outra variável de extrema importância no momento da avaliação pós-acidente, além do tipo de exposição, é o material orgânico envolvido, que se caracteriza pela presença de sangue, fluidos com sangue, líquor, entre outras secreções e fluidos corpóreos.

A Figura 3 demonstra que 82 acidentes com material biológico (69,49%) apresentavam sangue, 9,32% das ocorrências apresentavam fluido com sangue, 14,41% foram preenchidos na lacuna outros, incluso nesse grupo material orgânico como líquor, serosas, escarro e 6,78% foram registrados como ignorados e/ou em branco.


Uso dos equipamentos de proteção individual pelos trabalhadores, frente ao acidente com material biológico

A respeito da variável adoção do uso EPI pelos trabalhadores da saúde, no âmbito de suas atividades laborais, apesar de os dados do presente estudo revelar que grande parte faz uso de tais medidas de biossegurança, essas nem sempre são mencionadas na prática pelos trabalhadores. Verificou-se que, em 83 registros (71%), os trabalhadores afirmaram estar utilizando algum tipo de EPI, como luvas, avental, máscara, óculos, entre outros, no momento do acidente. Desses, 26% responderam não estar utilizando os EPIs e apenas 3% deixaram em branco e/ou ignorado.

Quanto à situação vacinal contra a hepatite B, entre os trabalhadores acidentados com material biológico, os dados do estudo revelam que, apesar do grande contingente ter informado, nas fichas de notificação, realizar o esquema vacinal recomendado, considera-se o registro de 37 casos, ou seja, 31% de trabalhadores não vacinados ou com seu estado vacinal ignorado e/ou em branco.

Em relação à categoria preenchimento e emissão da comunicação do acidente de trabalho, decorrente dos acidentes envolvendo material biológico, do total de 118 fichas de notificação investigadas, somente 26 (22%) emitiram a CAT em relação a 88 (75%) que não emitiram, ignoraram e/ou deixaram em branco.

Discussão

A partir da apresentação dos resultados é possível constatar que a ocorrência dos acidentes de trabalho com material biológico foi predominante no sexo feminino e entre os profissionais da enfermagem, incluídos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Tais resultados são esperados, pois, segundo dados do Conselho Federal de Enfermagem, atualmente, a profissão no Brasil é constituída por 88,26% de mulheres. Tal fato justifica-se, ainda, pois os profissionais que compõem a equipe de enfermagem, além de representar o maior contingente, são os reconhecidos como a maior força de trabalho presente nas instituições de saúde, estando em contato direto com o paciente, administrando medicamentos, realizando curativos, entre outros procedimentos invasivos que os mantêm em constante risco de acidente, envolvendo material biológico(9-10).

A enfermagem, diferente das demais categorias profissionais da saúde, permanece a maior parte do tempo junto ao paciente, executando o "cuidar" na perspectiva do "fazer" e, consequentemente, expondo-se a vários riscos, podendo adquirir doenças ocupacionais e lesões em decorrência do trabalho(11). Vale lembrar, também, como fator agravante aos acidentes entre essa categoria profissional, a dupla jornada de trabalho, conduzindo muitas vezes a quadro de fadiga mental, falta de atenção e estresse(12). Ainda, em relação à suscetibilidade aos acidentes, os estudantes seguem-se aos profissionais de enfermagem. Tal incidência decorre do grande número de escolas técnicas e universidades existentes na Macrorregião de Florianópolis, com elevado número de estudantes realizando estágios curriculares e/ou extracurriculares, em diversas instituições de saúde, algumas vezes sem condições técnicas ou sem supervisão direta das escolas ou mesmo indireta dos serviços, devido à alta demanda de ações de saúde existentes(13).

Quanto aos tipos de exposição aos acidentes, envolvendo material biológico, esse estudo destacou os objetos perfurocortantes. É notória a frequência com que ocorrem acidentes envolvendo material perfurocortante, tais como lâminas de bisturi e agulhas, principalmente no ato recorrente de reencape. Pesquisas confirmam a alta incidência de acidentes ocorridos com perfurações, o que reforça a necessidade urgente de vigilância e treinamentos contínuos quanto aos cuidados na manipulação desses objetos(14).

No Brasil, os acidentes de trabalho com perfurocortantes, em instituições hospitalares, começaram a ser citados em pesquisas na década de 70, embora de forma incipiente. Porém, a partir da década de 80, com o alarme das publicações e debates sobre AIDS, muitos profissionais de saúde atemorizaram-se com a possibilidade de contrair a doença em acidentes com materiais contaminados com secreções e fluidos, comuns em materiais cortantes e perfurantes(15). Desse modo, foi crescendo o interesse em pesquisar com mais profundidade essa questão, particularmente no contexto hospitalar, observando-se que, desde então, vem se tornando alvo de maiores especulações, debates, de estudos e pesquisas(16).

Os acidentes de trabalho com material perfurocortante merecem mais investigações, quando comparados aos outros tipos de acidentes (decorrentes da exposição em mucosas, pele íntegra e/ou não íntegra), uma vez que são resultantes de picada de agulha, corte por lâmina ou caco de vidro, objetos que podem estar potencialmente contaminados pela presença de sangue, entre outros fluidos corpóreos que atemorizam os trabalhadores, quanto ao possível risco de contaminação pelo HIV e hepatites(17). Nesse contexto, acredita-se ser necessário realizar avaliação rigorosa acerca do tipo de acidente, ou seja, investigar e registrar o tipo de exposição, a parte do corpo em contato com o material orgânico, pois diferentes são os graus de risco de contaminação para certas doenças e, consequentemente, diferentes também são as condutas recomendadas pós-acidente(18).

Na avaliação do acidente, além de se conhecer o tipo de exposição, é de fundamental importância ter conhecimento do material biológico envolvido, que se caracteriza pela presença de sangue, fluido com sangue, líquor, entre outras secreções/fluidos corpóreos. Investigar a presença do material biológico é de suma importância, e a atenção deve ser dobrada quando esse material é constituído por sangue e/ou fluidos com sangue, como é o caso do presente estudo. Os acidentes de trabalho, envolvendo sangue e outros fluidos potencialmente contaminados, devem ser tratados como casos de emergência, uma vez que as intervenções para profilaxia da infecção pelo HIV e hepatite B, quando indicadas, necessitam ser iniciadas logo após a ocorrência do acidente, para a sua maior eficácia. Os critérios de gravidade na avaliação do risco do acidente levam em consideração o volume de sangue, assim como a quantidade de vírus presente(19). Os acidentes mais graves são aqueles que envolvem maior volume de sangue, cujos marcadores são: lesões profundas, provocadas por material perfurocortante, presença de sangue visível no dispositivo invasivo, acidentes com agulhas previamente utilizadas em veia ou artéria do paciente fonte e acidentes com agulhas de grosso calibre, e aqueles em que há maior inóculo viral envolvendo paciente-fonte HIV positivo(18). O mais importante é evitar tais acidentes, por meio de ações educativas permanentes, que familiarizem os trabalhadores quanto à adoção das precauções básicas e os conscientizem da necessidade de empregá-las adequadamente, como medida eficaz para a redução do risco de infecção, por doenças até então transmissíveis pelo sangue, uma vez que medidas profiláticas pós-exposição não são totalmente eficazes(13).

Várias circunstâncias que predispõem a ocorrência dos acidentes de trabalho com material biológico foram mencionadas no estudo. Nesse contexto, há os condicionantes individuais, como a não adesão ao uso dos equipamentos de proteção individual, o reencape das agulhas contaminadas, o descarte inadequado do material contaminado, assim como a dupla jornada de trabalho que, por sua vez, leva à fadiga, ao cansaço e à falta de atenção(2,7). Há, ainda, os condicionantes institucionais, como a falta de capacitação e treinamento oferecidos por parte dos gestores institucionais aos profissionais, a agitação do próprio serviço, a falta de recursos humanos, a inadequação de recipientes para desprezo dos materiais contaminado, entre outros(2,7). Ressalta-se, ainda, que, nas circunstâncias mencionadas, os trabalhadores manipularam objetos perfurocortantes durante a execução da atividade, logo, não é à toa o elevado número dos acidentes envolvendo objeto perfurocortante como agente causador. Nessa linha de pensamento, a ocorrência dos acidentes de trabalho com materiais biológicos relaciona-se, também, ao descarte de materiais contaminados em locais inadequados, em recipientes superlotados, ao transporte/manipulação de agulhas desprotegidas, administração de medicamentos sem o uso devido dos equipamentos de proteção, à desconexão da agulha da seringa, assim como ao reencape de agulhas contaminadas. As caixas coletoras utilizadas para descarte de material perfurocortante nem sempre são adequadas para esse fim, sendo, algumas vezes, realizadas adaptações com recipientes como caixas de remédios e embalagens de produtos de limpeza(11,13).

No que se refere ao reencape de agulhas contaminadas, 15 a 35% dos acidentes de trabalho apontam essa falha no procedimento de cuidado das agulhas, dados esses evidenciados, a partir do estudo realizado em um hospital universitário, no Brasil, o qual analisou as situações de ocorrências e tendências de acidentes com agulhas(14). Nessa linha de pensamentos, outros estudos também ratificam a ocorrência de tais acidentes entre os trabalhadores, ao desconectarem a agulha desencapada da seringa, bem como ao encaparem as mesmas, procedimentos esses não mais recomendados de acordo com as Precauções Padrão(14-15,17,20). Apesar de as instituições de saúde serem entidades que visam assistência, tratamento e cuidado de pessoas acometidas por doenças, as mesmas também podem ser responsáveis pelo adoecimento dos profissionais que ali constituem a força de trabalho(12).

Com relação ao uso dos EPIs, apesar de números ainda revelarem a não adoção dos mesmos por alguns trabalhadores, nota-se, no presente estudo, a partir dos dados preenchidos nas fichas de notificação, a importância dada por gestores e trabalhadores ao uso dos EPIs no decorrer de sua atividade laboral, quando em contato com sangue e/ou fluidos corpóreos. Inúmeros esforços têm sido despendidos na busca de maneiras para minimizar os acidentes com material biológico e a possível aquisição de infecções como HIV e hepatites(1,4). Entretanto, apenas o fornecimento dos EPIs não é suficiente, sendo necessário sensibilizar, capacitar e escutar os anseios, as dúvidas dos trabalhadores no que se refere à adoção e ao uso correto das medidas de biossegurança. Ademais, ressalta-se que, para a efetivação da proteção dos trabalhadores da saúde, na sua atividade diária, junto aos pacientes, faz-se necessário e fundamental a presença de bom senso, adequadas condições de trabalho, disponibilidade de EPIs e, principalmente, educação continuada, tendo em vista a segurança e promoção da saúde dos trabalhadores(12).

Quanto à situação vacinal contra a hepatite B entre os trabalhadores acidentados com material biológico, apesar da gratuidade das doses preconizadas e oferecidas pelo Ministério da Saúde aos profissionais da saúde, esses ainda, infelizmente, não se encontram totalmente imunes para o vírus da hepatite B, fato constatado no presente estudo. Nesse sentido, são oportunas e necessárias constantes campanhas de vacinação contra a hepatite B e a orientação em serviço, uma vez que a transmissão ocorre mesmo com quantidades ínfímas de sangue ou fluidos de indivíduos portadores crônicos, quando em contato com a superfície ocular ou outras mucosas expostas(21-22).

Outro dado importante revelado no estudo refere-se à subnotificação, decorrente do não preenchimento e emissão da CAT, após o acidente com material biológico, entre os trabalhadores. Apesar da grande importância de tal ação, a mesma, infelizmente, na maioria das vezes, é ignorada e/ou não preenchida. E vários são os motivos para tal ocorrência, desde o simples desconhecimento da obrigatoriedade desse procedimento, passando pela não caracterização do episódio como acidente, até o medo do trabalhador acidentado em realizar a notificação(23). Destaca-se que, seja qual for a categoria do acidente de trabalho, esse, por ser de notificação compulsória, deve ser notificado, inclusive com a emissão de CAT, no sentido de contribuir para o planejamento das ações voltadas à prevenção de doenças e/ou agravos, assim como à promoção da saúde dos trabalhadores.

Conclusão

O presente estudo permitiu conhecer o perfil dos trabalhadores acidentados com material biológico, assim como as características peculiares à ocorrência de tais acidentes na Grande Florianópolis. No que se refere ao perfil, os trabalhadores da enfermagem foram os que mais se expuseram aos acidentes de trabalho com material biológico e a objetos perfurocortantes, envolvendo a presença de sangue e/ou fluido com sangue. Isso vem ao encontro de pesquisas, que ratificam a alta incidência de tais acidentes ocorridos entre os trabalhadores da enfermagem, pois esses, além de constituírem o maior contingente, são os que estão em contato direto com o paciente, manipulando objetos perfurocortantes.

Diante desse contexto, faz-se necessária a realização da investigação acerca dos acidentes com material biológico, no sentido de oportunizar aos gestores, às instituições e aos próprios trabalhadores a possibilidade de (re)planejarem estratégias que, além de evitarem os acidentes, promovam a saúde, a qualidade de vida do trabalhador em suas atividades laborais

Enfim, conclui-se que os dados obtidos neste estudo são indicativos de que as estratégias de prevenção para ocorrência dos acidentes de trabalho, com material biológico, devem incluir ações conjuntas, estabelecidas entre trabalhadores e a gerência dos serviços e devem estar voltadas à melhoria das condições de trabalho, em especial direcionadas à organização do trabalho, oferta de material com dispositivo de segurança, à implantação de programas educativos, assim como sensibilização para a mudança de comportamento tanto dos trabalhadores como dos gestores, uma vez que ações isoladas são consideradas ineficazes para a minimização de tais agravos.

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Recebido: 1.5.2010

Aceito: 9.2.2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2011
    • Recebido
      01 Maio 2010
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