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Finalidade do processo comunicacional das atividades em grupo na Estratégia Saúde da Família

Resumos

Objetivou-se, por este estudo, identificar os sentidos de finalidade do processo comunicacional nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família, na perspectiva dos enfermeiros. Usaram-se as técnicas de entrevista semiestruturada gravada, com 60 enfermeiros, e de observação não participante, em 19 atividades em grupo, analisadas segundo abordagem qualitativa de conteúdo. Evidenciaram-se cinco categorias: educação em saúde, acompanhamento clínico, corresponsabilização dos clientes, interação equipe/comunidade e organização do trabalho, permitindo inferir que o estabelecimento de interações de reciprocidade entre profissionais/clientes/família favorece a intervenção promotora da saúde, por estimular a troca de conhecimentos entre os participantes, a respeito de suas experiências de saúde.

Comunicação; Processos Grupais; Programa Saúde da Família; Enfermagem em Saúde Pública; Teoria da Informação


This study identified the purposes of the communication process in the group activities of the Family Health strategy from the perspective of nurses. Semi-structured interviews were conducted and recorded with 60 nurses and non-participant observation with 19 group activities, analyzed according to qualitative content analysis. Five categories emerged: Health education, Clinical follow-up, Co-responsibilization of patients, Team-Community Interaction, and Work Organization. These categories revealed that the establishment of reciprocal interactions among professionals, patients and families favor health promotion because it encourages the exchange of knowledge among the participants concerning their health experiences.

Communication; Group Processes; Family Health Program; Public Health Nursing; Information Theory


Se objetivó identificar los sentidos de finalidad del proceso de comunicación en las actividades en grupo de la Estrategia Salud de la Familia, en la perspectiva de los enfermeros. Se usó las técnicas de entrevista semiestructurada grabada con 60 enfermeros y de observación no participante en 19 actividades en grupo, analizadas según el abordaje cualitativo de contenido. Se evidenció cinco categorías: Educación en Salud, Acompañamiento Clínico, Corresponsabilidad de los Clientes, Interacción Equipo Comunidad y Organización del Trabajo. Ellos permitieron inferir que el establecimiento de interacciones de reciprocidad entre profesionales, clientes y familia favorece la intervención promotora de la salud por estimular el intercambio de conocimientos entre los participantes al respecto de sus experiencias de salud.

Comunicación; Procesos de Grupo; Programa Salud de la Familia; Enfermería en Salud Pública; Teoría de la Información


ARTIGO ORIGINAL

Finalidade do processo comunicacional das atividades em grupo na Estratégia Saúde da Família

Leticia Silveira CardosoI; Marta Regina Cezar-VazII; Mara Regina Santos da SilvaIII; Valdecir Zavarese da CostaIV

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: lsc_enf@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. E-mail: cezarvaz@vetorial.net

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. E-mail: marare@brturbo.com.br

IVEnfermeiro, Doutorando em Educação Ambiental, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, Bagé, RS, Brasil. Professor Assistente, Universidade Federal do Pampa, RS, Brasil. E-mail: valdecircosta@unipampa.edu.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se, por este estudo, identificar os sentidos de finalidade do processo comunicacional nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família, na perspectiva dos enfermeiros. Usaram-se as técnicas de entrevista semiestruturada gravada, com 60 enfermeiros, e de observação não participante, em 19 atividades em grupo, analisadas segundo abordagem qualitativa de conteúdo. Evidenciaram-se cinco categorias: educação em saúde, acompanhamento clínico, corresponsabilização dos clientes, interação equipe/comunidade e organização do trabalho, permitindo inferir que o estabelecimento de interações de reciprocidade entre profissionais/clientes/família favorece a intervenção promotora da saúde, por estimular a troca de conhecimentos entre os participantes, a respeito de suas experiências de saúde.

Descritores: Comunicação; Processos Grupais; Programa Saúde da Família; Enfermagem em Saúde Pública; Teoria da Informação.

Introdução

As atividades em grupo, na Estratégia Saúde da Família, constituem-se em ambientes coletivos de interação entre trabalhador e objeto/sujeito da ação, assegurados pela Política Nacional de Atenção Básica em Saúde(1), a qual estabelece o desenvolvimento de ações focais a grupos de risco, com o objetivo de intervir, preventivamente, no controle e no aparecimento de doenças e agravos comunitários locais.

Nessas atividades coletivas, compreende-se que o processo comunicacional seja o principal meio para o seu desenvolvimento. E que ele ainda se desenvolva a partir de necessidades, no referencial do processo de trabalho(2), ou seja, pelas necessidades do objeto/sujeito da ação ao qual se dirige o trabalho e para o qual são assumidas pelo trabalhador como base orientadora do seu trabalho.

Tal processo, então, constitui-se em prática de enfermagem à medida que a comunicação articula unilinearmente as ações de trabalho dos diferentes membros da equipe de saúde, o que o configura como temática em foco, na perspectiva da humanização do cuidado em saúde(3).

Humanização desenvolvida por meio de interações recíprocas entre o tripé profissional/cliente/família, exigindo validação constante do conteúdo emitido e recebido com a finalidade de evitar ruídos comunicacionais que alteram o sentido desejado do trabalho. Tal validação implica a construção de diálogo bidirecional, no qual ocorre a recepção, a interpretação e a comunicação do conteúdo de uma mensagem(4). Essa, ainda, sofre intervenções a partir de fatores para além do verbalizado, incluindo-se movimentos, expressões faciais, disposição dos objetos no ambiente de interação, entre outros(5).

Desse modo, pode-se afirmar que o processo comunicacional, no âmbito da divulgação científica, apresenta vasta produção no que se refere à prática hospitalar do enfermeiro, contrapondo-se à escassez de sua investigação no trabalho em equipe na atenção básica, bem como aos aspectos de fortalecimento da atitude de liderança do trabalhador enfermeiro(6).

Aspecto que se mostra viável à transformação no processo de trabalho da Estratégia Saúde da Família, por existirem espaços preconizados para a atuação coletiva da equipe, com destaque para as atividades em grupo, que podem representar a confluência do pensar dos trabalhadores acerca de seu agir para a (re)construção de suas relações em equipe e com os clientes(7).

A referida reconstrução, na perspectiva dos trabalhadores da Estratégia Saúde da Família, necessita de comprometimento da equipe para a discussão crítica e autorreflexiva do modo individual de acolher os clientes e de desenvolver o trabalho interativo, na expressividade verbal e não verbal do processo comunicacional, no sentido da produção do cuidado e da atenção em saúde. Acrescente-se, ainda, o ensejo dos clientes para obter atendimento que permita a eles serem ouvidos acerca de suas necessidades singulares de saúde(8).

A perspectiva em questão aponta para a valorização das discussões a respeito do processo comunicacional em saúde, pois a construção da confiança entre trabalhadores e clientes representa fator de relevância para o sucesso do trabalho em saúde. Esse se encontra delimitado pelo julgamento realizado pelos clientes acerca do processo de trabalho divulgado e construído nas relações e interações dos trabalhadores na produção do cuidado(9).

Produção de cuidado que, no âmbito da Estratégia Saúde da Família, ainda necessita de trabalhadores com maior sensibilidade teórica para aplicação ou utilização de instrumentos interativos, como o processo comunicacional, com fins de promover significativa diferenciação em seu trabalho com famílias(10).

Assim, assumir as necessidades do objeto/sujeito da ação faz com que o trabalhador coloque na relação necessidade/objeto o sentido de seu trabalho, ou melhor, a(s) finalidade(s) do seu trabalho(11). Sob tal concepção, o presente estudo objetivou identificar os sentidos de finalidade do processo comunicacional, produzido pelos participantes das atividades em grupo, na perspectiva do enfermeiro da Estratégia Saúde da Família.

De modo geral, o estudo apresentado contribui para dar visibilidade ao processo comunicacional na Estratégia Saúde da Família, na particularidade das atividades em grupo, com a pretensão de valorizar o processo de trabalho interativo como fonte de resolutividade das necessidades em saúde das famílias.

Metodologia

Trata-se de estudo exploratório, descritivo e analítico, transversal(12) à produção comunicacional, desencadeada nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família.

O cenário do estudo foi a rede básica de atenção à Saúde da Família, da Terceira Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul (3aCRS-RS), no extremo Sul do Brasil.

A população foi formada pelos 60 enfermeiros das 49 Unidades de Saúde da Família existentes no período da investigação, nos 12 municípios adscritos à 3aCRS-RS.

Quanto aos procedimentos de coleta de dados, inicialmente realizou-se levantamento do número de equipes de Saúde da Família da região do estudo. Posteriormente, encaminhou-se solicitação formal à 3aCRS-RS e às Secretarias Municipais de Saúde, explicando os objetivos e finalidades do estudo e assegurando-se a garantia do anonimato das instituições e dos indivíduos. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Área de Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (Cepas), sob nº02/2004. Após a anuência das instituições, que forneceram o nome do enfermeiro de cada equipe e o endereço das unidades, realizou-se o agendamento das entrevistas e das observações, conforme disponibilidade da equipe.

Ambos os roteiros, da entrevista semiestruturada e da observação, foram testados por meio do estudo piloto, junto a uma equipe não pertencente ao grupo selecionado.

A coleta de dados foi desenvolvida no período de janeiro a julho de 2006, por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas, constituídas pelo questionamento acerca do processo comunicacional nas atividades em grupo, que abordou a descrição, por parte do enfermeiro, das ações, do modo de realização, dos participantes e de suas finalidades. As equipes de Saúde da Família foram selecionadas a partir dos seguintes critérios: atuação em uma das seguintes formas de gestão: Plena do Sistema Municipal ou Plena da Atenção Básica e que possuísse adesão à Estratégia Saúde da Família; tempo de formação da equipe superior a seis meses e tempo de atuação do profissional na Estratégia Saúde da Família de, no mínimo, seis meses; existência de todos os profissionais da equipe básica, os quais se disponibilizassem e consentissem realizar as etapas de investigação.

Realizaram-se, posteriormente, observações, de julho de 2006 a junho de 2007, durante a realização de 19 atividades em grupo de modo não participante, em situações naturais, não sistemáticas e públicas(13). Para tanto, estabeleceu-se critérios de seleção pautados nas informações da etapa de entrevista. São eles: relação percentual do número de unidades básicas de saúde da família em cada município; abrangência das populações urbanas e rurais; integração entre os profissionais e deles com a comunidade e aderência e persistência na realização das atividades em grupo.

As observações foram realizadas por 3 duplas de pesquisadores, distribuídas nas 9 unidades de Saúde da Família selecionadas, que registraram o processo de trabalho nas atividades em grupo das 17 equipes. O foco dos registros foi a anotação dos diálogos produzidos pelos participantes, seus movimentos, os recursos materiais utilizados para o desenvolvimento da atividade, as características do ambiente e dos participantes.

Desenvolveu-se análise qualitativa do conteúdo(13) das entrevistas e observações, utilizando-se como ferramenta auxiliar o software Nvivo 7.0. Da análise das entrevistas emergiram, de modo não excludente, as categorias empíricas educação em saúde, acompanhamento clínico, corresponsabilização dos clientes, integração equipe/comunidade e organização do trabalho, que, posteriormente, foram investigadas nos registros observacionais das atividades em grupo, da Estratégia Saúde da Família.

Ao final de cada entrevista e registro de observação, assinalou-se entre parênteses o número fictício do município (M), da equipe (Eq) e do profissional enfermeiro (Enf). Asseguraram-se, assim, as normas e diretrizes que regulamentam a pesquisa com seres humanos, estabelecidas pela Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde – CNS.

Resultados

Os sentidos de finalidade do processo comunicacional, desencadeado no trabalho das atividades em grupo, constituem-se em categorias empíricas, extraídas dos relatos dos enfermeiros entrevistados e identificadas nos registros observacionais das atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família.

Educação em saúde

Para esta categoria, houve 48 relatos dos 60 enfermeiros entrevistados e 13 registros das 19 atividades em grupo observadas, caracterizando o processo comunicacional como instrumento de divulgação de informações e conhecimentos em saúde. Para tanto, os enfermeiros utilizaram-se de expressões como "educar (M02 Eq03 Enf05), orientar (M01 Eq01 Enf01), conscientizar (M07 Eq06 Enf09), informar (M12 Eq29 Enf33), esclarecer (M04 Eq07 Enf18), ensinar (M02 Eq01 Enf02)", entre outras, a fim de elucidar as ações desenvolvidas. Com isso, traduzem o processo comunicacional somente em sua representatividade verbal, ou seja, pela utilização da linguagem/fala em uma produção unidirecional da educação em saúde, na relação com o sentido promotor de saúde.

Acompanhamento Clínico

Neste item, foram obtidas 15 referências dos enfermeiros e 14 observações concebendo o processo comunicacional como forma de capturar as informações a respeito do estado de saúde dos clientes. A terminologia referida expressa ações como "acompanhar (M11 Eq47 Enf55), controlar (M08 Eq25 Enf29), monitorar (M12 Eq38 Enf40), tratar (M03 Eq08 Enf12)", entre outras. Elas evidenciam o sentido de prevenção da doença clínica em uma produção unidirecional, predominantemente constituída pelos registros apreendidos no processo comunicacional não verbal.

Corresponsabilização dos Clientes

Os enfermeiros referem esta categoria em 12 entrevistas e os pesquisadores evidenciaram-na em 4 atividades em grupo, elucidando o processo comunicacional em abrangência promotora da saúde, por meio do exercício de produção da autonomia dos clientes. Aspecto relatado pelos enfermeiros por meio da utilização de expressões como "identificação de recursos (M05 Eq13 Enf23), participação e divulgação das atividades da equipe (M06 Eq15 Enf27), realização dos cuidados (autocuidado) (M09 Eq18 Enf23)", entre outras. Para tanto, os profissionais utilizam-se dos recursos verbais e não verbais do processo comunicacional produzido nas atividades em grupo.

Integração equipe/comunidade

Para este tópico obtiveram-se 11 relatos dos enfermeiros entrevistados e 4 observações, demonstrando que o processo comunicacional, verbal e não verbal, em seu sentido promotor da saúde, é referido por meio das expressões: "aproxima (M02 Eq04 Enf04), integra (M06 Eq10 Enf11), vincula a comunidade aos profissionais da equipe (M10 Eq18 Enf20)", entre outras, no desenvolvimento das atividades em grupo.

Organização do Trabalho

O processo comunicacional em 9 relatos e em 18 observações apresenta sentido de prevenção da doença clínica pela referência a ações que estimulam a redução dos índices comunitários de morbimortalidade no trabalho da equipe da Estratégia Saúde da Família, tais como: "agendamento prévio (M05 Eq08 Enf09), identificação de problemas da comunidade (M03 Eq05 Enf07), planejamento das atividades dos grupos (M07 Eq11 Enf16), pesagem das crianças (M11 Eq47 Enf47), distribuição de medicamentos (M09 Eq18 Enf30), de preservativos (M01 Eq03 Enf01), de anticoncepcionais (M02 Eq03 Enf07)", entre outras, produzindo, assim, a otimização e a qualificação do processo produtivo, por meio da comunicação verbal e não verbal, desencadeado nas atividades em grupo.

Discussão

A produção emergida do processo comunicacional nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família revela a educação em saúde, segundo relatos dos enfermeiros, como finalidade maior das ações desenvolvidas, ou seja, instrumento de divulgação de informações e conhecimentos em saúde.

A terminologia "educação", na narrativa desses enfermeiros, compreende desenvolvimento não formal(14), já que o compartilhamento de experiências ocorre em um ambiente coletivo de interação e o conteúdo verbalizado tem a intenção de tornar os participantes competentes para intervirem preventivamente no âmbito de sua saúde.

Nesse sentido, a atuação dos enfermeiros nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família, pela categoria educação em saúde, demonstra o desenvolvimento de ações impregnadas da intenção de promover a saúde pelo ato de participar e de inteirar os envolvidos no processo comunicacional na troca de conhecimentos.

A troca de conhecimentos decorre do processo de interpretação individual, que está condicionado pelo acesso às informações em saúde para o desenvolvimento de ações qualificadoras das competências dos indivíduos, para intervirem e interagirem em coletivos organizados com o propósito de promover a saúde(15).

A promoção da saúde por meio do processo comunicacional reduz sentimentos de angústia e ameaça de clientes que enfrentam situações diferentes, ou mesmo corriqueiras, em seu contexto biopsicossocial, no momento em que há o acesso às informações sobre as ações de autocuidado e o oferecimento de suporte emocional e motivacional, por meio das ações educativas e orientadoras(16).

Tais ações assumem como centralidade no processo comunicacional observado um fazer profissional impregnado pela atenção às necessidades, ou alterações orgânicas dos clientes. Isso fortalece o modelo epidemiológico de saúde pelo alcance das metas ministeriais de cobertura populacional e, concomitantemente, revela distorções entre o verbalizado pelos enfermeiros e o observado pelos pesquisadores.

Mesmo assim, a educação construída pela articulação de trabalhadores e clientes na Estratégia Saúde da Família representa um método para apreender as diferenças culturais e sociais dos indivíduos e famílias. Tais diferenças configuram-se em potencialidades para aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades, por parte dos enfermeiros, para o enfrentamento resolutivo dos processos de adoecimento dos clientes(17).

A direcionalidade do processo comunicacional, relatada pelos enfermeiros do presente estudo durante o desenvolvimento das atividades em grupo, evidencia que, na principal finalidade, educação em saúde, há unidirecionalidade da mensagem produzida, uma vez que as ações relatadas demonstram a construção de um sistema expositivo, não recíproco. Nele, somente o interlocutor, profissional da saúde, caracteriza-se pela emissão verbal do conteúdo divulgado nas atividades em grupo, enquanto o cliente é tão somente o receptor momentâneo de tais informações. No espectro das intrarrelações comunicacionais, promovidas pelos clientes, a posteriori, eles se tornam também emissores do conteúdo compartilhado pelos profissionais nas atividades em grupo.

O processo interativo trabalhador/cliente/família conforma-se em educação não formal, na qual o conhecimento produzido atrela-se ao cotidiano social dos clientes, que se constituem em um coletivo de necessidades e interesses comuns(18).

Outra contribuição apreendida no estudo, que está se constituindo, relaciona-se ao modo de captura das informações, representadas pela categoria acompanhamento clínico, constituída pelos registros do processo comunicacional não verbal, o qual contempla informações como as medidas da pressão arterial dos clientes, da glicemia, da estatura, do peso, entre outras. Tais registros correspondem às medidas apreendidas, sob a perspectiva tátil, tacêsica, acerca das características dos clientes(5).

Os registros em saúde, segundo a percepção dos enfermeiros, têm a finalidade de comprovar a realização do trabalho, de modo a produzir informações para a formulação dos indicadores de saúde e acompanhar a saúde da clientela. Essa última se constitui, a partir da utilização dos registros em saúde, como instrumental para a tomada de decisões dos trabalhadores durante a realização das atividades na Estratégia Saúde da Família(19).

A possibilidade de pensar a finalidade do processo de trabalho expressa o vínculo humanizado que o trabalhador constrói com os clientes, para desenvolver suas ações e permitir que as mesmas propiciem, ao máximo, melhor qualidade de vida para seus clientes(11).

Nessa dimensão, o acompanhamento clínico, como ações comunicacionais, esbarra nos limites do próprio processo de trabalho, a partir das aplicações técnicas dos procedimentos avaliativos, que produzem diálogo pautado na objetividade da situação clínico-patológica dos clientes.

As categorias corresponsabilização dos clientes e integração equipe/comunidade, apresentadas como fins do processo comunicacional desencadeado nas atividades em grupo, relacionam-se ao aprimoramento respectivo das competências comunitárias e dos profissionais da Estratégia Saúde da Família. Tais competências compreendem o conhecimento difundido pelos clientes na comunidade a respeito do processo de trabalho realizado na Estratégia Saúde da Família, com base nas informações disseminadas pelos profissionais no desenvolvimento das atividades em grupo.

No âmbito da produção das competências em foco, como fins do processo comunicacional, a difusão e disseminação das informações relacionam-se aos recursos verbais e não verbais provocados e utilizados pelos interlocutores, para a emissão/recepção do conteúdo da mensagem(18).

A comunicação como a capacidade de diálogo entre os trabalhadores da equipe e desses com os clientes permite que o processo de trabalho constitua-se em um instrumento para produzir a corresponsabilidade, a resolutividade e a autonomia dos clientes para a transformação dos fins em produto.

Por conseguinte, a comunicação não verbal constitui-se em um aspecto significativo para a formação do vínculo entre os clientes e os trabalhadores, o que pode ser decisivo para a permanência dos mesmos nas atividades em grupo na Estratégia Saúde da Família, já que a confiança é base para o (in)sucesso de um relacionamento(9).

A construção de relação comunicacional de reciprocidade torna-se possível somente quando não ocorre o monopólio do diálogo, de modo que os interlocutores também exerçam o ato de escutar(16).

A organização do trabalho, como categoria empírica encontrada no estudo que está sendo apresentado, representa a otimização e a qualificação da produção em saúde, na percepção dos enfermeiros a respeito das finalidades do processo comunicacional, desencadeado nas atividades em grupo, por atingir um coletivo de clientes mais facilmente com as informações relativas à prevenção de doenças. De modo que a comunicação verbal abrange aspectos de cuidados necessários para a manutenção da saúde dos clientes; já a não verbal representa o controle dos sinais vitais desse coletivo, os diferentes grupos, constituídos por interesses comuns.

Com base nos registros observacionais do processo comunicacional, desencadeado nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família, pode-se evidenciar na prática dos enfermeiros que o processo comunicacional direciona-se, prioritariamente, à prevenção da doença, contrastando-se em relação aos relatos dos mesmos, que classificam a educação em saúde como finalidade principal.

A organização das ações em Saúde da Família foca-se no indivíduo e na família com a intenção de prevenir doenças e agravos, como, também, para diminuir o sofrimento desses no enfrentamento de situação de adoecimento(17). O processo de trabalho está condicionado pela produção de condições materiais e pelas necessidades de saúde dos sujeitos da ação, congregando as carências e potencialidades dos mesmos, que buscam, por meio de seu trabalho, satisfazer as necessidades dos clientes. Esse fazer dos profissionais, que tem significado de prevenção ao risco da doença, torna-se o diferencial do trabalho na atenção primária à saúde, uma vez que o mencionado trabalho possibilita reduzir a incidência de situações patológicas na comunidade. Nesse contexto, as autoras identificam a capacidade de provocar reflexões individuais ou coletivas como finalidade do processo de trabalho, pela percepção dos enfermeiros e médicos(17).

De todo modo, o estudo apresentado limita-se a compreender os sentidos de finalidade do processo comunicacional desencadeado nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família, sem intenção de investir no detalhamento da divulgação das informações e conhecimentos em saúde. No entanto, a temática da comunicação e o próprio cenário do estudo, atividades em grupo, por si só representam conjunto complexo para a investigação da difusão e da disseminação de informações e conhecimentos em saúde, que podem se tornar objetos de interesse para a produção de novas pesquisas.

Conclusão

O processo comunicacional nas atividades em grupo da Estratégia Saúde da Família apresenta dicotomias entre o referido pelos enfermeiros e o observado pelos pesquisadores no concernente às suas finalidades no processo de trabalho. Evidenciou-se que os trabalhadores possuem conhecimento teórico a respeito do processo comunicacional; contudo, a aplicação, na prática, desse instrumento, com potencial para além da organização do trabalho, ainda possui limites. Logo, eles se encontram imbricados na possibilidade de materialização consciente do processo comunicacional como instrumento diferenciador do trabalho em saúde.

A troca de conhecimentos, por meio do processo comunicacional, a respeito das experiências de saúde, produzidas na particularidade da relação entre próprio ambiente, atenção primária à saúde e o objeto/sujeito das ações corrobora para o estabelecimento de interações de reciprocidade, fortalecendo a intervenção promotora da saúde.

Com base nessa compreensão, o presente estudo apresenta, como avanço para a produção de conhecimentos, a necessidade de os gestores dos serviços de atenção primária à saúde disponibilizarem não somente espaços para educação permanente, mas, também incluir, no próprio processo de trabalho, ações de incentivo para autoconhecimento dos trabalhadores da equipe, com o fim de aprimorar o modo coletivo de produzir saúde, tornando-o mais resolutivo.

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  • Corresponding Author:
    Leticia Silveira Cardoso
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Mar 2010
    • Aceito
      26 Jan 2011
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