Acessibilidade / Reportar erro

A dinâmica da família de idosos mais idosos no contexto de Porto, Portugal

Resumos

Este é um estudo descritivo que objetivou conhecer a dinâmica de família de idosos com 80 anos ou mais, sob cuidados do familiar cuidador, em domicílio. Cuidadores e idosos, registrados na unidade de saúde familiar da grande região do Porto, compuseram amostra de 107 unidades. Dados colhidos entre 9/2009 e 3/2010, por instrumentos de dinâmica familiar, qualidade de vida e de estilo de vida, resultaram em: aumento de cuidador masculino e de cônjuge idoso de seu par dependente e inclusão substancial no elenco de familiares cuidadores: netas(os), sobrinhas(os) e irmãs(os). Estilo de vida do cuidador revelou-se regular como também a qualidade de vida de ambos: cuidador e idoso, apesar de a dinâmica de família se mostrar de boa funcionalidade. Limitações impedem a generalização dos resultados, porém, fornece subsídios relevantes para o desenvolvimento do programa de saúde familiar e de enfermagem de família.

Família; Idoso de 80 Anos ou mais; Programa Saúde da Família; Enfermagem de Família


Descriptive study aiming to understand the family dynamics of elderly people aged 80 years or older, receiving family care at home. Caregivers and elderly, registered at the family health unit of Greater Porto, comprised a sample of 107 pairs. Data were collected between 09/2009 and 03/2010. The following instruments were applied: family APGAR, quality of life and lifestyle scale. The results that stand out are: increase in male partners serving as caregivers for dependent partners; substantial inclusion in the list of family caregivers: grandchildren, nieces, nephews, siblings. The caregiver lifestyle was considered regular, as well as the caregiver and elderly’s quality of life, although the family dynamics showed to work well. Limitations prevent further generalizations, but offer relevant support for the development of the family health and family nursing program.

Family; Aged, 80 and over; Family Health Program; Family Nursing


Se trata de un estudio descriptivo, que tuvo por objetivo conocer la dinámica de familia de ancianos con 80 años o más, bajo cuidados de familiar, en su domicilio. El cuidador y el anciano, que estaban registrados en la unidad de salud familiar de la grande región de la ciudad de Porto, en Portugal, compusieron la muestra de 107 sujetos pareados. Los datos fueron recolectados entre 09/2009 y 03/2010 por medio del APGAR familiar, de calidad de vida y de estilo de vida; los resultados mostraron: aumento de cuidador masculino; conyugue anciano dependiente de su par; e, inclusión substancial de familiares en el elenco de cuidadores (nietas(os), sobrinos(os), hermanas(os). A pesar de la dinámica de la familia mostrarse de buena funcionalidad, el estilo de vida del cuidador y la calidad de vida de ambos (cuidador y anciano) se mostraron regulares. Las limitaciones del estudio impiden la generalización de los resultados; sin embargo ofrece subsidios relevantes para el desarrollo del programa de salud familiar y de enfermería de familia.

Familia; Anciano de 80 o Más años; Programa de Salud Familiar; Enfermería de la Familia


ARTIGO ORIGINAL

A dinâmica da família de idosos mais idosos no contexto de Porto, Portugal1

Lucia Hisako Takase GonçalvesI; Maria Arminda Mendes CostaII; Maria Manoela MartinsIII; Silvia Modesto NassarIV; Roberta ZuninoV

IDoutora em Enfermagem. Professor, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: lucia.takase@pq.cnpq.br

IIDoutora em Educacão. Professora, Universidade do Porto, Portugal. E-mail: arminda@esenf.pt

IIIDoutora em Enfermagem. Professora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal. E-mail: mmartins@esenf.pt

IVDoutora em Ciências Estatísticas e da Computação. Professora, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: silvianassar@ctc.ufsc.br

VAluna do curso de graduação em enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: roberta.zunino@hotmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Este é um estudo descritivo que objetivou conhecer a dinâmica de família de idosos com 80 anos ou mais, sob cuidados do familiar cuidador, em domicílio. Cuidadores e idosos, registrados na unidade de saúde familiar da grande região do Porto, compuseram amostra de 107 unidades. Dados colhidos entre 9/2009 e 3/2010, por instrumentos de dinâmica familiar, qualidade de vida e de estilo de vida, resultaram em: aumento de cuidador masculino e de cônjuge idoso de seu par dependente e inclusão substancial no elenco de familiares cuidadores: netas(os), sobrinhas(os) e irmãs(os). Estilo de vida do cuidador revelou-se regular como também a qualidade de vida de ambos: cuidador e idoso, apesar de a dinâmica de família se mostrar de boa funcionalidade. Limitações impedem a generalização dos resultados, porém, fornece subsídios relevantes para o desenvolvimento do programa de saúde familiar e de enfermagem de família.

Descritores: Família; Idoso de 80 Anos ou mais; Programa Saúde da Família; Enfermagem de Família.

Introdução

Em todo o mundo, principalmente nos países desenvolvidos, em especial no conjunto dos países da União Europeia, as questões que provêm do envelhecimento da população e do aumento da longevidade das pessoas têm levantado discussões das mais variadas naturezas, notadamente das políticas públicas de assistência de saúde e de cuidados prolongados e contínuos para a população que envelhece(1). Desde o final da década de 90, Portugal vem demonstrando alteração na estrutura demográfica com número de idosos (65 anos e mais) a aumentar, tanto em números relativos quanto absolutos. O censo de 2001(2) revela que Portugal conta com população de 10,356 milhões de habitantes com 16,4% de idosos (1,693 milhões), sendo que quase a metade é composta por idosos mais idosos (690.125), indicando o envelhecimento simultâneo no próprio estrato. A distribuição da população idosa, contudo, não é homogênea: a assimetria socioeconômica coincide com a assimetria geográfica entre o litoral e o interior. Esse último com população mais envelhecida e empobrecida. Associada principalmente às condições socioeconômicas desfavoráveis, a longevidade repercute negativamente nos idosos em sua funcionalidade, fragilizando-os. A pobreza afeta, sobretudo, os idosos(2), pois a atual taxa de risco de pobreza em idosos (24%) situa-se acima da taxa geral (15%). É possível muitos idosos manterem-se ativos e plenamente independentes até o final de sua existência, apesar das ameaças concretas de prevalência de afecções crônico-degenerativas(3). A prevalência da cronicidade e longevidade tem contribuído para o aumento de idosos com limitações funcionais, implicando em cuidados constantes por parte dos serviços de saúde e, sobretudo, das famílias(3-4). Geralmente esses cuidados são dispensados no domicílio, recaindo notadamente sobre um de seus membros, como o cuidador principal. Outros membros da família podem auxiliar em atividades complementares, daí serem chamados cuidadores secundários(5-6). O domicílio é visto hoje como espaço em que pessoas dependentes, idosas ou não, podem se manter estáveis e com qualidade de vida. A experiência de cuidar em casa tem-se tornado cada vez mais frequente no cotidiano familiar(6-7). Em consonância com essa tendência, as políticas de atenção ao idoso defendem que o domicílio se constitui no melhor local para o idoso envelhecer, com possibilidades de garantir a autonomia e preservar sua identidade e dignidade. Cuidar de idosos dependentes, acometidos por afecções crônicas ou agudas, constitui-se em condição frequente entre as famílias.

Ao longo da história, na maioria dos países, o cuidado do idoso é exercido por mulheres, principalmente esposas, filhas e netas, o qual se explica pela tradição de as mulheres desempenharem funções essencialmente domésticas e familiares. Contudo, essa realidade vem sendo modificada pela participação progressiva da mulher no mercado de trabalho, entre outros fatores. Mesmo assim, elas vêm exercendo o papel de cuidadora, acumulando suas atividades de cuidar com as atividades domésticas, além de trabalho fora do lar. Tal sobrecarga tem contribuído para o descuido de outrem e comprometimento da própria saúde(5-7). Embora a literatura atual sinalize as múltiplas características e necessidades da família cuidadora de idosos dependentes, faltam conhecimentos contextualizados, considerando que esses idosos têm se tornado mais velhos, mais ou menos fragilizados, dependendo das circunstâncias, indicando novas demandas a emergir. Assim, o presente estudo teve por objetivo conhecer a dinâmica do funcionamento familiar no contexto das relações de cuidado diuturno, entre a família cuidadora e o parente mais idoso (80 anos e mais), dependente de cuidados.

Dinâmica familiar – uma referência conceitual

Na investigação da dinâmica familiar, é importante explorar suas relações na qual se visualiza a harmonia ou desarmonia no funcionamento da unidade de cuidados, como no presente caso, em que há um membro em condição de dependência, o idoso em situação de fragilidade pela idade avançada, requerendo, por parte da família, proteção, cuidado, solidariedade, afeição e amor. Contudo, a idealização de família como cenário de proteção e cuidados pode tomar contornos como de um lugar de violência e de opressão(7-8). Ante essa possibilidade, a avaliação é essencial para intervenção de saúde. O APGAR(8-9), eficiente teste de screening de funcionamento familiar, avalia por meio de cinco questões as dimensões: adaptação (adaptation), companheirismo (partnership), desenvolvimento (growth), afetividade (affection) e capacidade resolutiva (resolve). A função familiar refere-se à maneira pela qual a família é vista por seus membros no atendimento desse compromisso e permite identificar as percepções individuais dos valores da família, como recurso psicossocial ou como suporte social. Como o indivíduo percebe a eficácia e a qualidade desse recurso influenciará, significativamente, seu estado de saúde. A família saudável é a que demonstra a integridade desses componentes, por representar sua unidade de sustentação e cuidados. Altos índices do APGAR demonstram maior capacidade de adaptação da família à nova situação e possíveis e prováveis mudanças de papéis, enquanto baixo índice pode representar ambiente estressante de baixa adaptabilidade à nova situação e, assim, requerer intervenções rápidas e apropriadas.

Método

Trata-se de estudo do tipo exploratório, de natureza diagnóstico-avaliativa e cujos participantes constituíram-se por par formado por familiar cuidador principal e idoso de 80 e mais anos, dependente de cuidados da saúde e nas atividades do seu viver diário. Porto, localizado no litoral norte de Portugal, foi o contexto do estudo. A grande região do Porto(2,10) concentra população de 263.131 habitantes. Segundo projeções demográficas, sua taxa é de 19,4%, maior que a média do país (16,4%) e, em números absolutos, são 51.047, dos quais 32.517 (63,7%) mulheres e 18.530 (36,3%) homens. Quanto ao grupo etário de 85 e mais anos, são de 3.947 (1,5%).

O Ministério da Saúde encontra-se empenhado na implementação das Unidades de Saúde Familiar em todo o território nacional(11-12), e é onde se encontram cadastrados os idosos convivendo em família. Enfermeiros da equipe de saúde familiar têm sido essenciais, participando da vinculação das famílias em torno das ações de promoção e cuidados de saúde, desenvolvidas no âmbito comunitário e doméstico. As Unidades de Saúde Familiar do Porto têm expandido, somando atualmente 64 unidades das 119 existentes em toda a Região Norte do país(11-12). A população alvo do estudo constituiu-se de famílias com idosos dependentes de cuidados, aos 80 e mais anos, vivendo em ambiente doméstico/familiar, cujo controle e cuidados da vida e saúde são realizados por seus familiares. A amostra foi obtida por conveniência, localizando-se os pares nas unidades de saúde familiar onde havia maior concentração de idosos registrados e mais accessíveis à equipe de pesquisa. Os critérios de inclusão, definidos na seleção dos participantes, foram: famílias registradas na Unidade de Saúde Familiar, cujos idosos tinham indicação de visita domiciliária por serem dependentes de cuidados, ambos do par em condições de responder as perguntas do pesquisador e, ao mesmo tempo, aceitar voluntariamente participar do estudo, e, à época da coleta de dados, o idoso não deveria estar hospitalizado. A coleta de dados se deu no período entre 9/2009 e 3/2010. Os pares selecionados foram convidados e, após aceitarem, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e os instrumentos foram aplicados. O QPFC - questionário de perfil da família cuidadora(13) foi aplicado ao familiar cuidador para responder as questões de identificação, acerca das variáveis sociodemográficas, do estado de saúde e situações de cuidado de ambos, o familiar cuidador e o idoso dependente. Ao idoso foi-lhe aplicado o já referido Family APGAR(8-9), contendo cinco questões simples sobre adaptação intrafamiliar, convivência e comunicação, crescimento e desenvolvimento, afeto e dedicação da família, com as seguintes opções de resposta: sempre, quase sempre, algumas vezes, raramente e nunca, com pontuação de, respectivamente, quatro, três, dois pontos, um ponto e zero. A avaliação se faz pelo valor da pontuação total obtida, classificando a família em três tipos: a altamente funcional, moderadamente funcional e família com disfunção acentuada. Os estudos de validade e credibilidade desse teste garantem a segurança na sua aplicação(9). Para complementar os resultados da dinâmica familiar, avaliou-se, também, a percepção individual em aspectos correlatos, como qualidade de vida e estilo de vida. Assim, aos familiares e aos idosos, foi aplicado o WHOQOL(14-16), instrumento de avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde (OMS). A versão WHOQOL-Brief, de 26 questões, que abrange quatro domínios, preservadas as vinte e quatro facetas do original WHOQOL-100, foi aplicada aos familiares. Cada questão tem cinco opções de resposta do tipo Likert, oscilando de 1 a 5 pontos. Para os idosos, além do WHOQOL – Brief, aplicou-se o WHOQOL – Old de 24 questões, que inclui facetas específicas, como: funcionamento do sensório; autonomia; atividades passadas, presentes e futuras; morte e morrer e intimidade Em todas as variantes, o WHOQOL foi testado, obtendo bons índices de validade e confiabilidade(15-16). Ademais, para os familiares, aplicou-se também a escala de bem-estar(17), que avalia o estilo de vida de comportamentos que afetam a saúde. Essa escala avalia cinco ações habituais: nutrição, atividades físicas, comportamentos preventivos para a saúde, relações sociais e controle de estresse, que refletem atitudes, valores e oportunidades das pessoas. Cada ação com 3 itens, perfazendo o total de 15 questões, poderá receber resposta com pontuação de zero a 3 para cada item. A pontuação máxima total, na escala, é de 45, que corresponde ao ótimo estilo de vida, e a pontuação mínima zero, ao inadequado estilo de vida. Seus testes conferem aceitável validade e confiabilidade(17). O presente projeto, para replicação em vários centros, foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC (sede da coordenação do projeto), conforme a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, Brasil, sendo aprovado e registrado sob nº051/08.

Resultados

Caracterização da amostra

A amostra, composta por 107 idosos de 80 e mais anos de idade e seus respectivos familiares cuidadores principais, está apresentada nas Tabelas 1 e 2 .

A maioria da amostra foi composta por mulheres e viúvas. Contudo, 31,8% da amostra são ainda casados, mesmo com 80 e mais anos de idade, dos quais a metade é cuidada pelo cônjuge.

Os cuidadores contam com média etária de 58 anos, oscilando entre 30 e 89 anos. São majoritariamente casados, muitos ainda trabalham fora de casa, cuidam de outros dependentes na família. Perguntados sobre como percebem sua própria saúde, prevaleceu a resposta saúde regular. Tal percepção mostra equivalência entre a avaliação obtida na qualidade de vida e estilo de vida, cuja média dos escores atingiu nível mediano.

Qualidade de vida do idoso e familiar cuidador

A qualidade de vida(14-16) representa a percepção individual da posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores, nos quais se insere, e em relação aos objetivos e expectativas, padrões e preocupações. Essa percepção tem valor subjetivo importante, pois influi diretamente no estado de bem-estar, de saúde e na sensação de maior ou menor competência para administrar a própria vida em qualquer circunstância. As respostas dos idosos ao WHOQOL-Brief foram de baixa pontuação no domínio físico e no de relações sociais. Já familiares se avaliaram com pontuação mais baixa no meio ambiente e no psicológico, como se observa na Tabela 3.

Na Tabela 4, encontram-se os escores médios discriminados em estrato etário, do WHOQOL-Old. O escore médio geral foi influenciado por valores mais baixos em funcionamento do sensório, participacão social e morte/morrer.

A análise da associação entre os escores obtidos no WHOQOL-Brief e WHOQOL-Old, testada pelo coeficiente de correlação de Spearman, resultou em r 0,63013, com significância estatística p<0,000001. Tal coeficiente foi adotado porque os dados não apresentaram distribuição normal. Evidencia-se moderada relação positiva entre os escores de ambos os instrumentos.

Funcionalidade familiar

A avaliação da dinâmica familiar, sob a óptica dos idosos, com a aplicação do APGAR de Família, demonstra que a maioria dos idosos, neste estudo, vê sua família como unidade de relações de cuidado com boa funcionalidade ou com moderada funcionalidade (Tabela 1 ).

Estilo de vida relacionado à saúde dos cuidadores

O estilo de vida foi avaliado pela escala de bem-estar(17), cujo escore total médio foi de 26,2, dentro da amplitude de respostas possíveis de zero a 45, situou os cuidadores em nível mediano ou regular de estilo de vida, equivalendo ao resultado também regular de qualidade de vida obtido.

Discussão

A predominância de idosas na amostra confirma a tendência da já conhecida feminizacão da velhice(2,10). A baixa escolaridade encontrada também já era previsível, considerando a realidade pregressa de quem hoje conta com 80 ou mais anos de idade. A prevalência de afecções crônico-degenerativas se constitui em panorama epidemiológico comum às populações envelhecentes(3-4). O fato irremediável de conviver com a cronicidade, de modo prolongado pelo aumento da longevidade, pode fazer as pessoas perderem qualidade de vida, caso a política pública de rede de cuidados continuados e integrados(18), para a atenção à vida e à saúde dos idosos, não seja colocada em marcha. É importante que se dê cobertura prioritária às famílias mais empobrecidas (86%, neste estudo), que reparte o único recurso da aposentadoria do idoso. No estudo, os idosos são ainda majoritariamente cuidados por mulheres, entre filhas, sobrinhas, netas e irmãs, como já identificado em outros estudos(5-6,19-20), embora um fato novo se desponte: o crescimento de cuidadores masculinos. Em comparação com estudo anterior(5), realizado há quatro anos, no mesmo contexto, essa percentagem dobrou. Tal crescimento, porém, já foi apontado, em 1999, no relatório do programa de apoio aos idosos do Ministério da Saúde(11), estimando que a participação dos homens como cuidadores informais estava em torno de 28 a 37%, embora pouco se conheça acerca do cuidador informal masculino, mesmo em âmbito internacional(21-22), cuja literatura é ínfima. Estudo qualitativo, realizado junto a idosos cuidadores de suas esposas doentes, despendia substancial tempo e energia, contrariando os tradicionais estereótipos de gênero de atribuição do cuidado da família à mulher(23). Os motivos de serem cuidadores foram: o dever e a obrigação, o compromisso conjugal, a reciprocidade e a gratidão pela vida conjugal duradoura. Quanto aos sentimentos, experimentavam uma gama deles, muitas vezes ambíguos: satisfação e orgulho, como também tristeza, frustração e revolta. Estudo semelhante(23-24) buscou interrogar a decisão dos idosos de cuidar de suas esposas com afecção demencial. Nos resultados, destacaram-se: o amor, a reciprocidade de obrigações, a redenção. Segundo a autora, o que leva o idoso a decidir cuidar é o elemento crucial dessa experiência e, provavelmente, a maior diferença de cuidar no masculino e cuidar no feminino. Expandir conhecimentos acerca do homem cuidador e, ainda, idoso é essencial, contudo, quaisquer dados de que se disponha têm implicações diretas com a prática da assistência de família. É necessário que os profissionais, especialmente os enfermeiros, revejam o estereótipo de o cuidar ser sempre da mulher, é preciso e é possível encorajar homens a essa tarefa familiar, a exemplo daqueles que decidiram cuidar de suas esposas, contrariando corajosamente os valores sociais e culturais, e lançando-se à tarefa de cuidar, classificada como eminentemente feminina.

Os cuidadores aqui estudados convivem na mesma casa do idoso cuidado em 75% dos casos, motivados, por vezes, pela facilidade para o cuidado, mas, principalmente, pelo empobrecimento das famílias. Esse dado corrobora resultados de alguns estudos(5,7,19-22) com destaque peculiar da proporção de 17% de cônjuges cuidadores aqui encontrados e que tem confirmação de algumas pesquisas que sinalizam o aumento de cuidadores idosos, cônjuges de ambos os sexos, exercendo o encargo do cuidado de seus parceiros. Esses cuidadores também são tomados por sentimentos de solidão e isolamento social, como se observou aqui na avaliação da qualidade de vida, nos domínios psicológico e meio ambiente, com escores mais baixos. Por isso, na prática, é necessário articular redes locais de suporte social a partir dos serviços de saúde para manutenção da inclusão social das famílias.

Muitos dos cuidadores, aqui, (64,5%) responderam que sua saúde era regular ou má, como também mostraram estilo de vida com escore total médio em nível regular, possivelmente pelo estresse e pela sobrecarga da tarefa de cuidar, restando-lhes pouco tempo para o cuidado de si e daqueles já idosos, acrescido do desgaste do próprio envelhecimento, o que é demonstrado em muitas pesquisas estrangeiras e confirmadas por alguns estudos em nosso meio(5-7,23-24).

Na óptica dos idosos dependentes sob cuidados de seus familiares, a avaliação da dinâmica familiar, obtida com a aplicação do APGAR, demonstrou característica de adequada funcionalidade familiar em 67,3%. A princípio, tal resultado positivo mais dinâmico não isenta o alerta para a intervenção de assistência familiar às novas condições experimentadas pela família, sobre a necessidade e expectativas de cuidar do idoso, em âmbito doméstico. É o lugar da intervenção antecipada de prevenção de possíveis crises na família(12,19). O estudo revela, ainda, 32,7% dos idosos inseridos em famílias com elevada e moderada disfunção familiar, o que não é de se estranhar, considerando que o cuidado de um idoso com afecções crônicas e outros agravos pode desenvolver alguma forma de estresse na família, como a falta de adaptabilidade às mudanças de papéis de seus membros, aos novos estilos de relações intrafamiliares, e às próprias relações de cuidado. Tal resultado remete à intervenção de assistência familiar por profissionais, sobretudo os enfermeiros que estão envolvidos na administração das dificuldades familiares em lidar com problemas do idoso dependente, a ser cuidado ou sendo cuidado. Quando o paciente idoso relata uma crise familiar, geralmente os recursos familiares estão inadequados para responder às necessidades e/ou sinaliza a existência de áreas fragilizadas, ou vulneráveis, do contexto familiar que podem estar interferindo na habilidade dos membros da família para encontrar estratégias e recursos para desenvolver o papel de cuidadores(10,12,19).

As percepções pessoais dos membros de uma família acerca de certas variáveis, contudo, como qualidade de vida e estilo de vida saudável ou não, podem influir na dinâmica familiar, fazendo-a mais ou menos adaptativa, mais ou menos funcional, em face de situação que se apresenta como fato novo a enfrentar: um membro idoso que adoece e se torna cada dia mais frágil e dependente a exigir cuidados, e criando impactos sobre as relações intrafamiliares.

As duas versões do WHOQOL avaliaram, de modo equivalente, a qualidade de vida, pois houve associação positiva, testada pela correlação de Spearman. Isso confirma as vantagens do WHOQOL–Old, pois permite avaliar as especificidades das percepções mais positivas ou negativas de idosos nas facetas dos domínios de qualidade de vida. Ambas as avaliações dos idosos recaíram sobre nível mediano ou regular de qualidade de vida. Na avaliação pelo WHOQOL-Brief, o escore médio baixo no domínio físico, que tem relação com a saúde, contribuiu para escore total regular. Na avaliação pelo WHOQOL-Old, o escore médio/baixo na faceta participação social, dos domínios da qualidade de vida, revelou nível geral regular de qualidade de vida. Contudo, a avaliação dada por essa versão permitiu identificar diferenças sensíveis entre as seis facetas, e quando os seus escores foram distribuídos nos estratos etários (80-84, 85-89, 90 e +), verificou-se que as variações não guardam necessariamente regularidade com o avançar da idade, denotando a manifestação da individualidade do idoso, mesmo em idades mais avançadas.

Considerações finais

Guardadas as limitações do estudo, cujos dados foram extraídos de amostra por conveniência, o que impede sua generalização, seus resultados representam subsídios úteis à prática profissional, sobretudo para o enfermeiro de família. Em síntese, os resultados que se destacam acerca do familiar cuidador de idosos tende a mudar ao que se encontra na literatura: aumento do cuidador masculino, aumento de cuidador idoso cônjuge, inclusão mais substancial de parentes cuidadores, como sobrinhas(os), netas(os), irmãs(os).

As famílias do presente estudo parecem vocacionadas para o cuidado do idoso, dada a avaliação favorável da dinâmica familiar. Já a qualidade de vida do cuidador e do idoso tem similaridade em seus resultados em nível mediano. O estilo de vida do cuidador revelou-se em nível mediano à semelhança da qualidade de vida. A falta de oportunidades sociais externas do cuidador e o afetado estado de saúde e bem-estar do idoso parecem convergir para um resultado regular ou mediano.

Implicações para a prática levam à necessidade de compreensão da família cuidadora para além de parceira de cuidados, para uma cliente/usuária dos serviços sociais e de saúde.

Referencias

  • 1
    Ministério da Saúde (PT). Direção geral da saúde - Plano Nacional de Saúde 2004-2010: mais saúde para todos. Lisboa: Direção Geral de Saúde do Ministério da Saúde de Portugal; 2004.
  • 2
    Instituto Nacional de Estatística- INE (PT). O Envelhecimento em Portugal: situação demográfica e socioeconômica recente das pessoas idosas. Estatísticas Censitárias e da População. Lisboa: INE; 2002.
  • 3
    Organisation Mondiale de la Santé - OMS. Santé 21: La politique - Cadre de la Santé, pour tous pour la Región Européenne de l'OMS. Série Européenne de la Santé pour tous , n.6 Copenhague: Bereau Regionel de l'Europe, OMS; 1999.
  • 4. Chaimowicz F. Epidemiologia e o envelhecimento no Brasil. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 106-30.
  • 5. Pimenta GMF, Costa MASMC, Gonçalves LHT, Alvarez, AM. Perfil do familiar cuidador de idoso fragilizado em convívio doméstico da Grande Regiăo do Porto, Portugal. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):609-14.
  • 6
    Decreto Lei 309-A/2000, de 30/11/2000 (PT). Altera o artigo 7º do Decreto-Lei nº 265/99, de 14/07/99, que procede à criação de uma nova prestação destinada a complementar a protecção concedida aos pensionistas de invalidez, velhice e sobrevivência dos regimes de segurança social em situação de dependência. Diário da República, PT. [periódico na internet], 30 nov 2000. [acesso 25 ago 2010]. Disponível em: http://www.dre.pt/ pdfgratis/2000/11/277A01.pdf
    » link
  • 7. Meira EC, Gonçalves LHT, Souza AS, Silva JA, Neri IG. Fatores de risco de maus tratos ao idoso na relaçăo idoso/cuidador em convivęncia intrafamiliar. Textos Envelhecimento. 2004;7(2):63-84.
  • 8. Gardner W, Nutting PA, Kelleher KJ, Werner JJ, Farley T, Stewart L, et al. Does the Family APGAR Effectively Measure Family Functioning? J Fam Practice. 2001;50(1):141-9.
  • 9. Duarte YAO. Família: Rede de Suporte ou fator estressor. A ótica de idosos e cuidadores familiares [tese de doutorado]. Săo Paulo (SP): Escola de Enfermagem de Săo Paulo da Universidade de Săo Paulo; 2001. 196 p.
  • 10. Instituto Nacional de Estatística - INE (PT). O envelhecimento em Portugal: Situaçăo demográfica e sócio-econômica recente das pessoas idosas. Rev Estudos Demográficos. 2002; (32):185-208.
  • 11. Ministério da Saúde (PT). Decreto-lei n.301, de 18/94/2008. Enquadramento, organizaçăo e funcionamento da Unidade de Saúde Familiar, 2008. Diário da República nş 77, Série I, 18 abril 2008.
  • 12. Ordem dos Enfermeiros (PT). A Cada Família o seu Enfermeiro. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros, 2002.
  • 13. Gonçalves LHT, Alvarez AM, Santos SMA, Spricigo JS, Portella, MR, Fortes VLF et al. El perfil de la familia cuidadora del anciano enfermo/debilitado em los contextos socioculturales de Florianópolis, SC y Passo Fundo, RS. Rev Panam Enferm. 2005;3:185-94.
  • 14. WHOQOL Group. World Health Organisation - WHO). Measuring quality of life: the development of the World Health Organisation Quality of Life Instrument. Geneve: WHO; 1993.
  • 15. Fleck MP, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, Pinzon V. [Application of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHOQOL-bref]. Rev Saúde Pública. 2000;34(2):178-83. Portuguese.
  • 16. Fleck MPA, Chachamovich E, Trentini CM. Projeto WHOQOL-OLD: método e resultados de grupos focais no Brasil. Rev Saúde Pública. 2003;34(6):793-9.
  • 17. Nahas MV, Barrros MVG, Francalacci VL. Pentáculo do bem estar: base conceitual parta a avaliaçăo do estilo de vida de indivíduos e grupos. Rev Bras Atividades Físicas Saúde. 2000;5(2):48-59.
  • 18. Ministério do Trabalho e Solidariedade. Ministério da Saúde (PT). Serviço de Apoio aos Idosos: Relatório de actividades. [internet]. 1999. [acesso 1 ago. 2010]. Disponível em: http://www.ias.gov.mo/pt/stat/rept1999/ch5/r99-di-p.htm
  • 19. Delgado, JA. A família vivenciando situaçőes de saúde-doença: um conhecimento em construçăo. In: Elsen I, Marcon SS, Santos, MRS. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. Maringá: Eduen; 2002. p. 443-56.
  • 20. Mayor MS, Ribeiro O, Paul C. Estudo comparativo: percepçăo da satisfaçăo de cuidadores de pessoas com demęncia e cuidadores de pessoas com AVC. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2009;17 (5):620-4.
  • 21. Ducharme F, Lévesque L, Lachance L, Zarit S, Vézine J, Gangbč M, et al. Older husbands as caregivers of their wives: a descriptive study of the context and relational aspect of care. Int J Nurse Studies. 2006;43(5):567-79.
  • 22. Crocker HS. Methodological issues in male caregiver research: an integrative review of literature. J Adv Nurs. 2002;40(6):626-40.
  • 23. Pinto CVDT, Silva AL. Razăo e sensibilidade no cuidado informal: narrativas de homens idosos cuidadores. In: Silva AL; Gonçalves LHT. Cuidado ŕ Pessoa Idosa. Porto Alegre: Sulinas, 2010. p. 238-69.
  • 24. Melo G. A Experięncia vivida de homens (cônjuges) que cuidam de mulheres com demęncia. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2009;12(3):319-30.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      04 Abr 2011
    • Recebido
      20 Set 2010
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br