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Marcadores de vulnerabilidade ao câncer de colo do útero em mulheres infectadas pelo HIV

Resumos

Objetivou-se identificar as dimensões e os marcadores de vulnerabilidade entre mulheres infectadas pelo HIV, para o desenvolvimento do câncer cérvico-uterino. Participaram 76 mulheres, infectadas pelo HIV, de outubro de 2007 a junho de 2008, atendidas em Fortaleza, CE, Brasil. Entrevista semiestruturada propiciou avaliar dados sociodemográficos, clínicos, sexuais e situações relacionadas ao seguimento em saúde e à prevenção contra câncer cérvico-uterino. Os dados possibilitaram o agrupamento de situações indicadas nas dimensões e marcadores de vulnerabilidade. As mulheres infectadas pelo HIV possuem diferentes situações que as tornam vulneráveis ao desenvolvimento do câncer de colo uterino, ligadas às dimensões individual, programática e social. Conclui-se ser essa população vulnerável ao câncer de colo do útero e serem necessárias ações preventivas específicas, para fornecer informações associadas à detecção precoce da doença, melhoria do nível de conhecimento, estímulo ao autocuidado e melhoria da qualidade dos serviços de saúde destinados a essa clientela.

Vulnerabilidade; Neoplasias do Colo do Útero; Mulheres; HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida


This study identifies the dimensions and markers of vulnerability among women infected with HIV regarding the development of cervical cancer. A total of 76 HIV-infected women cared for in Fortaleza, CE, Brazil from October 2007 to June 2008 participated in the study. Semi-structured interviews were used to collect socio-demographic, clinical, and sexual data, as well as situations related to health care follow-up and the prevention of cervical cancer. Identified situations were grouped according to the dimensions and markers of vulnerability. HIV-infected women experience different situations linked to individual, programmatic and social dimensions that leave them vulnerable to the development of cervical cancer. The conclusion is that this population is vulnerable to cervical cancer and specific preventive actions are necessary to supply information associated with early detection, improve knowledge, encourage self-care, and improve the quality of health services directed to this population.

Vulnerability; Uterine Cervical Neoplasms; Women; HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome


Se objetivó identificar las dimensiones y los marcadores de vulnerabilidad entre mujeres infectadas por el HIV, en el caso del desarrollo del cáncer cérvico uterino. Participaron 76 mujeres, infectadas por el HIV, de octubre de 2007 a junio de 2008, atendidas en Fortaleza, estado de Ceará, en Brasil. La entrevista semiestructurada propició evaluar datos sociodemográficos, clínicos, sexuales y situaciones relacionadas al seguimiento en salud y a la prevención contra cáncer cérvico uterino. Los datos posibilitaron el agrupamiento de situaciones indicadas en las dimensiones y marcadores de vulnerabilidad. Las mujeres infectadas por el HIV presentan diferentes situaciones que las tornan vulnerables al desarrollo del cáncer de cuello uterino, ligadas a las dimensiones individual, programática y social. Se concluye que esta población es vulnerable al cáncer de cuello uterino y que son necesarias acciones preventivas específicas, para ofrecer informaciones asociadas a la detección precoz de la enfermedad, mejorar el nivel de conocimiento, estimular el autocuidado y mejorar la calidad de los servicios de salud destinados a esa clientela.

Vulnerabilidad; Neoplasias del Cuello Uterino; Mujeres; VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida


ARTIGO ORIGINAL

Marcadores de vulnerabilidade ao câncer de colo do útero em mulheres infectadas pelo HIV

Daniele Mary Silva de BritoI; Marli Teresinha Gimeniz GalvãoII; Maria Lúcia Duarte PereiraIII

IEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Hospital São José de Doenças Infecciosas, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: danemel6@hotmail.com

IIEnfermeira, Doutora em Doenças Tropicais. Professora, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: marligalvao@gmail.com

IIIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. E-mail: luciad029@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se identificar as dimensões e os marcadores de vulnerabilidade entre mulheres infectadas pelo HIV, para o desenvolvimento do câncer cérvico-uterino. Participaram 76 mulheres, infectadas pelo HIV, de outubro de 2007 a junho de 2008, atendidas em Fortaleza, CE, Brasil. Entrevista semiestruturada propiciou avaliar dados sociodemográficos, clínicos, sexuais e situações relacionadas ao seguimento em saúde e à prevenção contra câncer cérvico-uterino. Os dados possibilitaram o agrupamento de situações indicadas nas dimensões e marcadores de vulnerabilidade. As mulheres infectadas pelo HIV possuem diferentes situações que as tornam vulneráveis ao desenvolvimento do câncer de colo uterino, ligadas às dimensões individual, programática e social. Conclui-se ser essa população vulnerável ao câncer de colo do útero e serem necessárias ações preventivas específicas, para fornecer informações associadas à detecção precoce da doença, melhoria do nível de conhecimento, estímulo ao autocuidado e melhoria da qualidade dos serviços de saúde destinados a essa clientela.

Descritores: Vulnerabilidade; Neoplasias do Colo do Útero; Mulheres; HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida.

Introdução

O surgimento da epidemia de AIDS foi fenômeno determinante para pesquisadores e profissionais de saúde repensarem o conceito de risco. Desse modo, propuseram a utilização do conceito de vulnerabilidade para as pessoas infectadas pelo HIV/AIDS como estratégia de superação do enfoque de risco, considerado conceito insuficiente para explicar a ocorrência da doença(1-2).

As mulheres infectadas pelo HIV apresentam maior vulnerabilidade para aquisição do câncer de colo do útero(3), em função da imunossupressão induzida pelo HIV, que aumenta a suscetibilidade às doenças oportunistas(4-5). A literatura é enfática ao divulgar que o estado de imunossupressão do hospedeiro, no caso a mulher com HIV, produz evolução das lesões cervicais com maior grau de severidade(4-5). Em função da rápida evolução do câncer cervical, essa neoplasia foi a primeira doença de gênero específico a ser incluída na definição de caso de AIDS no mundo(3).

No Brasil, o Ministério da Saúde indica o rastreamento do câncer cervical mediante o exame citopatológico, como estratégia para a prevenção contra câncer do colo uterino. Tal exame preventivo tem reduzido as taxas de incidência de câncer cervical invasor a proporções de até 90%(6).

As mulheres infectadas pelo HIV estão expostas a diferentes situações de vulnerabilidade ao câncer de colo do útero, sobressaindo: falta do conhecimento sobre o câncer cervical entre a população e entre os profissionais de saúde, ausência ou pouca qualidade de programas de detecção precoce de câncer, acesso limitado aos serviços de saúde e falta de sistemas para referência no acompanhamento de casos(7).

Diante disso, há necessidade de se identificar a vulnerabilidade à qual estão expostas as mulheres infectadas pelo HIV. Segundo pesquisadores, certas situações conduzem os indivíduos a se tornarem mais vulneráveis em determinadas ocasiões. No âmbito da AIDS, a literatura apresenta um modelo referencial(8) e de marcadores de vulnerabilidade(9).

A vulnerabilidade envolve três dimensões ou planos inter-relacionados: a dimensão individual, programática e a social(8). A partir dessas dimensões, foram propostos marcadores de vulnerabilidade, possibilitando identificar situações de adoecimento que se encontram referidos em cada uma das dimensões, ou seja, na individual, na programática e social(9).

No relacionado à infecção pelo HIV, a dimensão individual abrange cinco subgrupos: conhecimentos e significados da AIDS, características pessoais e relacionais, impacto do diagnóstico, recursos disponíveis (pessoais e experiências que interferem no enfrentamento) e modo de enfrentamento (práticas e comportamentos). Na dimensão programática constam os programas de prevenção e de assistência e o acesso aos meios de controle, relacionados à estrutura e dinâmica de organização dos serviços de saúde e à operacionalização das ações. Essa dimensão é subdivida em dois subgrupos: 1 - estrutura e dinâmica de organização do serviço de saúde e 2 - operacionalização das ações(9).

No referente aos marcadores de vulnerabilidade, na dimensão social, incluem-se as condições de organizações sociais governamentais, ou não, relacionadas à AIDS, às relações de gênero e ao aparato jurídico/político. Tais fatores se refletem direta e indiretamente na vulnerabilidade de pessoas infectadas pelo HIV.

Ante as diferentes dimensões de vulnerabilidade(8) e respectivos marcadores, questiona-se: como se apresentam as dimensões de vulnerabilidade de mulheres infectadas pelo HIV, para o desenvolvimento do câncer do colo de útero?

Nessa perspectiva, objetivou-se neste estudo identificar as dimensões e os marcadores de vulnerabilidade entre mulheres infectadas pelo HIV, para o desenvolvimento do câncer cérvico-uterino, acompanhadas em serviço de referência, em Fortaleza, Ceará.

Método

Desenvolveu-se estudo transversal. Trata-se de investigação que estuda um fenômeno em um determinado momento, examinando-se, nos integrantes da casuística, a presença ou ausência de exposição e a presença ou ausência do efeito(10). Nesse caso, estudaram-se os marcadores de vulnerabilidade ao câncer de colo do útero em mulheres infectadas pelo HIV.

O estudo foi desenvolvido no Instituto de Prevenção do Câncer (IPC), em Fortaleza, CE, Brasil. Participaram 76 mulheres infectadas pelo HIV, atendidas de outubro de 2007 a junho de 2008. Não houve recusa para participação no estudo, desse modo, a amostra foi constituída pelo universo de mulheres infectadas pelo HIV atendidas no IPC, no período.

Para inclusão das mulheres, adotou-se: idade ≥18 anos, aceitar participar voluntariamente da pesquisa, não ter história anterior de câncer cervical e não ter sido submetida à histerectomia total.

Para a coleta de dados, utilizou-se formulário semiestruturado, cujas variáveis possibilitaram avaliar os diferentes aspectos da vida da mulher que incluía questões sociodemográficas, sexuais, do acompanhamento da infecção pelo HIV e da prevenção do câncer cérvico-uterino.

Como variáveis sociodemográficas do estudo, incluíram-se: idade, procedência, grau de instrução, critério de classificação econômica Brasil (CCEB), renda familiar, situação ocupacional e religião. As variáveis relacionadas à doença foram: estádio da infecção, categoria de exposição, resultado da contagem dos linfócitos TCD4, uso de antirretroviral e frequência às consultas ao infectologista.

Nas questões inerentes à sexualidade, as variáveis foram: número de parceiros sexuais nos últimos 12 meses, tipo de parceria, convivência com o parceiro, uso de preservativo e conhecimento da sorologia anti-HIV do parceiro. As variáveis relacionadas às questões ginecológicas foram: menarca, coitarca, tempo do último exame de prevenção, exame pós-diagnóstico de HIV, periodicidade da realização do exame de prevenção, acesso ao sistema de saúde para realização do exame, local do último exame, informações e encaminhamento do exame por profissionais de saúde, história e tipo de infecções sexualmente transmissíveis.

As variáveis relacionadas ao resultado do exame preventivo de câncer cervical (Papanicolau) foram: teste de Schiller, presença de lesões condilomatosas visíveis, encaminhamento para colposcopia pós-resultado. Para o diagnóstico descritivo da coleta, utilizou-se a nomenclatura brasileira do resultado do exame de prevenção: atipias celulares em células escamosas e em células glandulares.

Cada uma das respostas das variáveis (quanti e qualitativa) se constituiu como informação para a elaboração dos resultados da pesquisa. Para cada resultado foi atribuído um significado que expressava ou indicava situações de vulnerabilidade, de acordo com a literatura(9,11). Dessa forma, nomeou-se uma lista de condições. Dessa lista faziam parte situações de vulnerabilidade, as quais foram novamente lidas e relidas, formulando-se, ao final, uma relação de circunstâncias às quais estavam expostas as mulheres com HIV.

De posse desses resultados, as situações foram agrupadas e classificadas de acordo com a literatura, identificando-se os marcadores de vulnerabilidade apreendidos e que se relacionavam ao desenvolvimento do câncer de colo do útero. Os marcadores de vulnerabilidade seguiram as formulações do modelo concebido e proposto por pesquisador no Brasil(11). Por sua vez, esses marcadores foram subdivididos nas três dimensões(9), assim construídas:

- dimensão individual: características pessoais e relacionais, conhecimentos e significados e impacto do diagnóstico, recursos disponíveis (pessoais e experiências que interferem no enfrentamento) e modo de enfrentamento;

- dimensão programática: estrutura e dinâmica de organização do serviço de saúde e operacionalização das ações e

- dimensão social: referente às condições materiais de existência, ideologia e cultura.

De acordo com o divulgado na literatura, alguns marcadores não foram contemplados por não haver identificação entre eles e as variáveis do presente estudo, como: recursos disponíveis e modo de enfrentamento. Entretanto, outras situações entendidas como vulnerabilidade ao câncer de colo do útero foram adicionadas em face das percepções apreendidas durante a pesquisa, como a revelação das mulheres do temor de encontrar pessoas conhecidas no serviço de saúde. Essa circunstância foi classificada na dimensão individual. Outra situação referiu-se à estrutura física não apropriada das unidades de saúde, diferentemente do exigido na dimensão programática. Essa situação referia-se a salas com difusão acústica e, portanto, conferindo pouca privacidade às mulheres nos seus atendimentos.

O estudo seguiu todas as instruções da Resolução nº196, de 19 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, referente a estudos que envolvem seres humanos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São José de Doenças Infecciosas, sob Protocolo nº022/2007. Todas as participantes receberam as devidas informações e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Para melhor compreensão dos diferentes aspectos das dimensões e dos marcadores de vulnerabilidade, descritos no decorrer da pesquisa, encontra-se, a seguir, breve descrição sobre as participantes.

Das 76 participantes do estudo, a média da idade foi de 37,4 anos, e 42,1% viviam com companheiro. Do total, 90,8% foram infectadas pelo HIV por exposição sexual, 76,3% já haviam desenvolvido AIDS e 94,7% tinham algum tipo de prática religiosa. Quanto à situação de trabalho, 51,3% não exerciam atividade remunerada, 65,8% disseram ter até o ensino fundamental; quase a totalidade, 92,2%, vivia em estrato social indicado como classe baixa (classes D e E) e 73,3% informaram rendimento familiar de um a quatro salários mínimos.

Em relação aos exames de contagem de linfócito T CD4+ dos últimos três meses, os resultados mostraram que 40,8% delas estavam com linfócitos abaixo de 350 células/mm3.

Quanto ao uso de preservativo, 84,3% o utilizavam com o parceiro fixo. Em relação aos parceiros casuais, 47,4% já tinham tido esse tipo de parceiro, mas metade delas não usou preservativo nesses relacionamentos. A existência de relações sexuais pagas foi informada por 10,5% das mulheres e, dessas, 12,5% informaram o não uso de preservativo.

No concernente ao último exame de prevenção de câncer do colo uterino, 44,8% das mulheres tinham tempo inferior a um ano, 51,3% acima de dois anos e 3,9% nunca tinham feito o exame.

Ao se investigar a realização do exame de prevenção após o diagnóstico de HIV, 31,6% das mulheres responderam negativamente. Sobre o tempo do exame, 3,9% o realizavam semestralmente, 44,8% anualmente e 5,3%, bianualmente. Contudo, 46% das mulheres não souberam precisar o espaço de tempo entre a realização dos exames.

O acesso ao exame era considerado difícil por 85,5% das participantes. Esse fato relacionava-se a dificuldades de agendamento do exame, dificuldades financeiras e de transportes, má qualidade dos serviços de saúde e tempo elevado de espera para conseguir consulta.

Ao se investigar história de infecções sexualmente transmissíveis, 40,8% das mulheres informou infecção prévia. Quanto à necessidade de maior frequência para a realização do exame, em virtude do HIV, 46,1% revelavam desconhecer essa situação.

Para a apresentação dos marcadores de vulnerabilidade, pode-se observar, na Figura 1, as situações apreendidas pelas diferentes análises obtidas pelas características e condições das mulheres infectadas pelo HIV. Tais observações dos dados, em conjunto, possibilitaram descrever as vulnerabilidades a que estavam expostas as mulheres para o desenvolvimento do câncer de colo uterino. Esses, concomitantemente, foram classificados, de acordo com a literatura(9), nas dimensões individual, programática e social.


Na dimensão individual, os marcadores observados relacionam-se a três aspectos: características pessoais e relacionais; conhecimentos e significados e impacto do diagnóstico. Na dimensão programática, em consonância com o proposto na literatura, foram identificados os marcadores de estrutura e dinâmica de organização do serviço de saúde e operacionalização das ações. Já, na dimensão social, apreendem-se, na avaliação dos dados captados nesta pesquisa, a apresentação dos marcadores referentes às condições materiais de existência, ideologia e cultura (Figura 1).

Discussão

O indivíduo vulnerável não tem meios para se proteger, tampouco acesso aos cuidados com sua saúde, acesso à educação, nem ao trabalho, à fonte de renda ou à moradia, além de não ser alguém livre para escolher ou propor(11).

No presente estudo, as mulheres infectadas pelo HIV fazem parte dessa população. Assim, embora tenham direitos garantidos como recursos para promoção da saúde, elas estão desprovidas da garantia de ampla prevenção contra câncer ginecológico, pois não são orientadas, desconhecem a necessidade da realização sistemática do exame de prevenção, e o serviço no qual são acompanhadas não cumpre, em sua integralidade, a função de serviço de assistência especializada para acompanhamento em saúde. Dessa forma, a vulnerabilidade vai da dimensão individual à programática.

A vulnerabilidade individual diz respeito à ação individual de prevenção diante de uma situação de risco. Envolve aspectos relacionados a características pessoais, ao desenvolvimento emocional, percepção do risco e atitudes voltadas à adoção de medidas de autoproteção, atitudes pessoais em face da sexualidade, bem como de conhecimentos adquiridos(12). No presente estudo, a maioria das mulheres possuía conhecimento incorreto e insuficiente sobre a realização do exame de prevenção pela técnica de Papanicolau; não tinham frequência adequada ao exame, desconheciam a relação entre imunossupressão e o câncer de colo. Além disso, número elevado de mulheres não havia se submetido ao exame, após o diagnóstico da infecção.

Os conhecimentos e significados podem influenciar as condutas após o diagnóstico, a prescrição do tratamento, a modalidade de enfrentamento e a adesão ao tratamento terapêutico(9). No entanto, para propor mudanças nos comportamentos, para diminuir a vulnerabilidade dessas pessoas, é necessário compreender o que a influencia. Nesse aspecto, esta investigação mostrou que o conhecimento incorreto ou insuficiente das mulheres quanto à realização do exame Papanicolau dificultava o próprio autocuidado, bem como implicava o favorecimento da vulnerabilidade ao desenvolvimento do câncer de colo do útero.

Ainda, no que se refere às características pessoais e relacionais, a população estudada convive com diferentes situações favoráveis à vulnerabilidade, destacando-se a pouca inserção em ambiente escolar, a vivência em ambiente familiar com recursos escassos de renda, pouca inserção no mercado de trabalho formal, além de determinados meios de proteção individual, como uso inconstante ou inexistente de preservativo masculino ou feminino com parceiros sexuais, sejam fixos ou não.

Os caracteres pessoais configuram condição de vulnerabilidade e exclusão social, como viver com baixa escolaridade e renda familiar, desemprego e condições precárias de vida(9). De acordo com o presente estudo, tais situações originam maior dificuldade de acesso a serviços básicos, como educação e saúde, e podem agravar a condição do indivíduo, interferindo em sua saúde e elevando a vulnerabilidade ao adoecimento.

Como se apreende, a vulnerabilidade é processo dinâmico, estabelecido pela interação dos elementos que a compõem, como idade, raça, etnia, pobreza, escolaridade, suporte social e presença de agravos à saúde. Tais elementos foram identificados neste estudo. Entretanto, o estado de vulnerabilidade é definido não só por características intrínsecas da pessoa, como sexo e idade, mas, também, por outras condições adquiridas no decorrer da vida, ou resultantes do estilo de vida, do desenvolvimento de estratégias e habilidades para enfrentar traumas e doenças(8). Nesse sentido, acredita-se, cada indivíduo possui um limiar de vulnerabilidade que, quando ultrapassado, resulta em adoecimento.

Conhecimentos e comportamentos têm significados e repercussões muito diversificados na vida das pessoas, dependendo de uma combinação, sempre singular, de características individuais, contextos de vida e relações interpessoais que se estabelecem no dia a dia(9).

Em relação ao impacto do diagnóstico nas mulheres, no presente estudo, observou-se dificuldade dessas para aceitarem e se identificarem como portadoras do HIV, muitas vezes exigindo sigilo da revelação sobre a situação de pessoa infectada. Tal fato gerou omissão das próprias clientes no seguimento em saúde, mesmo antes de se descobrirem portadoras do HIV, exemplificada pela não realização do exame de prevenção. Esse descaso pode conduzir ao aumento da vulnerabilidade ao desenvolvimento do câncer de colo do útero. Assim, mesmo que o sigilo sobre o diagnóstico seja uma proteção contra o preconceito, impede que o indivíduo receba apoio, torna-o mais vulnerável ao desenvolvimento do câncer de colo do útero(9,13).

Embora, potencialmente, todas as mulheres sejam vulneráveis à AIDS e ao desenvolvimento de câncer do colo, existem alguns grupos de mulheres particularmente sujeitos a determinadas condições que as tornam mais vulneráveis e, portanto, com maiores chances de desenvolver a doença.

O desconhecimento ou conhecimento insuficiente leva as mulheres a serem omissas e a não se perceberem como vulneráveis ao câncer de colo. A centralização da doença na medicalização, por parte dos profissionais de saúde, bem como a falta de empoderamento das mulheres em relação à sua saúde, faz com que elas sejam vistas de forma fragmentada e também se vejam desse modo. Diante desse fato, os profissionais de saúde devem identificar as condições, características e situações de proteção e fortalecimento da pessoa contra o adoecimento, contribuindo para diminuir a vulnerabilidade das mulheres infectadas pelo HIV ao câncer de colo do útero.

Na dimensão programática, quanto à estrutura e dinâmica de organização do serviço de saúde, encontraram-se vários aspectos que participaram do aumento de vulnerabilidade da mulher na aquisição do câncer de colo do útero. Tais situações referiam-se à ausência de serviço de ginecologia para realização da prevenção contra câncer de colo do útero, em hospital de referência, disponibilidade irregular de outros serviços para o exame de câncer do colo, desarticulação com outros serviços de saúde (serviço de doenças infecciosas e serviços de referência em câncer de colo de útero), divulgação insuficiente sobre a importância do exame Papanicolau, acesso difícil para os atendimentos nas unidades de saúde e ausência de educação em saúde para prevenção do câncer de colo, em sala de espera.

Estudo conduzido no Estado de São Paulo evidenciou dados semelhantes em relação ao serviço de saúde, como: assistência fragmentada, tempo de espera para o atendimento prolongado, trabalho em equipe e capacitação limitada dos profissionais, número de vagas insuficiente para atender à demanda, falta de integração entre as ações desenvolvidas, divulgação insuficiente da importância do diagnóstico precoce, entre outros(9).

Neste estudo, a relação entre a qualidade do acesso aos serviços de saúde e a desarticulação desse serviço, com instituições de outras áreas, é definida como marcador de vulnerabilidade por dificultar a realização da prevenção contra câncer de colo do útero, nas mulheres infectadas pelo HIV, pois, para serem avaliadas, precisam se deslocar para outro serviço. De acordo com o programado pelo Ministério da Saúde, os serviços de assistência especializada devem incluir a prevenção contra câncer ginecológico como ação de promoção da saúde.

Na maioria das vezes, a desatenção às mulheres com HIV determina situação de negligência de cuidado, orientação e detecção precoce de doenças. Diante disso, deve-se reconhecer que o serviço de saúde pode proporcionar vulnerabilidade às mulheres infectadas pelo HIV, reduzindo, dessa forma, as chances de se ter diagnóstico precoce do câncer de colo do útero.

O componente programático da vulnerabilidade compreende a necessidade de investimentos financeiros no setor saúde e educação, em recursos humanos capacitados para prevenção, diagnóstico e assistência, desenvolvimento de ações programáticas e políticas públicas intersetoriais, considerando, ainda, a mediação entre profissionais da saúde e pacientes, a fim de promover a mobilização da sociedade para o desenvolvimento do potencial de saúde dos indivíduos e execução dos seus direitos de acesso à saúde em seus mais variados aspectos(9).

Diante do observado no referente à dimensão programática, faz-se necessária a ampliação do serviço de saúde especializado e a disponibilidade de recursos que viabilizem a intensificação do diagnóstico precoce do câncer de colo do útero, com vistas à promoção da qualidade de vida dessas mulheres.

A dimensão social compreende um conjunto de características associadas ao contexto político, econômico e sociocultural que caracteriza o risco individual, tornando conhecida e indiscutível a relação entre problemas de saúde e pobreza, baixos salários, educação inadequada, entre outros(9). No presente estudo, destacaram-se como vulnerabilidade as condições materiais de existência, ideologia e cultura, sendo identificadas condições insuficientes para se ter uma vida saudável, existência e acesso insuficiente aos equipamentos sociais em relação ao exame de câncer de colo do útero. Identificaram-se situações como empobrecimento, baixos salários, baixa escolaridade, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, entre outros aspectos, que interferem diretamente na prevenção contra câncer do colo do útero.

Há, também, situações de desigualdade econômica, social e cultural no contexto de vida das mulheres de classes populares que são geradoras de vulnerabilidade ao adoecimento(14). Esses processos sociais se inter-relacionam, dificultando o autocuidado. Assim, desenvolver o cuidado em saúde de mulheres infectadas pelo HIV, a partir dos marcadores de vulnerabilidade, amplia as possibilidades de compreensão e reflexão acerca das situações que podem torná-las mais ou menos vulneráveis ao câncer cervical.

Conclusão

De modo geral, as mulheres apresentavam diferentes contextos de vulnerabilidade para o desenvolvimento do câncer de colo do útero nos aspectos sociodemográficos, epidemiológicos, clínico, sexual e ginecológico, dominantes nas dimensões individual, social e programática.

Os diferentes dados e informações possibilitam o planejamento de ações baseadas no conceito de vulnerabilidade, valorizando as informações e as mudanças de comportamento individual, programático e social, com vistas a reduzir as chances das mulheres infectadas pelo HIV de apresentarem câncer de colo do útero. Urge que os profissionais de saúde promovam meios que permitam o fortalecimento e a capacidade de compreensão e de uso das informações, por essa população. Esses meios devem ser capazes de resultar na transformação de suas práticas em relação ao câncer de colo do útero, além de prover acesso adequado aos diversos serviços que contribuam para promoção e proteção da saúde.

Vale ressaltar que cabe aos serviços de saúde, independente do nível hierárquico de atenção, principalmente o serviço de referência em HIV/AIDS, garantir a integralidade das ações de saúde direcionadas às mulheres infectadas pelo HIV. Nessa perspectiva, é necessário, também, disponibilizar programas de vigilância ginecológica que garantam a realização do exame Papanicolau, conforme indicam os diferentes organismos de controle de saúde.

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  • Corresponding Author:
    Marli Teresinha Gimeniz Galvão
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2011
    • Recebido
      30 Jun 2010
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