Acessibilidade / Reportar erro

Estresse laboral e capacidade para o trabalho de enfermeiros de um grupo hospitalar

Resumos

Este estudo teve como objetivo avaliar a relação entre o estresse laboral e o índice de capacidade para o trabalho, de 368 enfermeiros (82,1% da população) de um grupo hospitalar. Utilizou-se um questionário com questões sócio-ocupacionais e duas escalas: a Job Stress Scale e o índice de capacidade para o trabalho. O grupo de enfermeiros era predominantemente feminino (93,2%), trabalhando em atividades assistenciais (63,9%), possuía pelo menos um curso de pós-graduação (76%) e satisfeito com a unidade onde trabalhava (70,5%). O estresse laboral está presente em 23,6% dos enfermeiros, e, desses, 15,2% apresentam alta exigência no trabalho e 8,4% trabalho passivo. O apoio social exerce influência positiva significativa sobre todos os grupos - expostos e não expostos ao estresse laboral. Quanto à capacidade para o trabalho, essa é moderada (28-36 pontos) para 51,4% dos enfermeiros e boa (37-43 pontos) para 47,4%. Não há correlação entre o estresse e a capacidade para o trabalho.

Estresse Fisiológico; Enfermeiros; Saúde do Trabalhador; Condições de Trabalho; Pesquisa em Enfermagem


The study aimed to evaluate the relationship between occupational stress and the work capacity index of 368 nurses (82.1% of the population) of a Hospital Group. A questionnaire with socio-occupational questions was used as well as two scales: the Job Stress Scale and the Work Capacity Index. The group of nurses was predominantly female (93.2%), worked in care activities (63.9%), had undertaken at least one Postgraduate course (76%) and were satisfied with the unit where they worked (70.5%). Occupational stress was present in 23.6% of the nurses, of these 15.2% presented High Strain work and 8.4% Passive Work. Social Support exercised a significant positive influence on all groups - exposed or not to occupational stress. Regarding the Work Capacity, this was Moderate (28-36 points) for 51.4% of the nurses and Good (37-43 points) for 47.4%. There was no correlation between stress and work capacity.

Stress, Physiological; Nurses, Male; Occupational Health; Working Conditions; Nursing Research


Se trata de un estudio con objetivo de evaluar la relación entre el estrés laboral y el índice de capacidad para el trabajo de 368 enfermeros (82,1% de la población) de un Grupo Hospitalario. Se utilizó un cuestionario con cuestiones socio ocupacionales y dos escalas: la Job Stress Scale y el Índice de Capacidad para el Trabajo. El grupo de enfermeros es predominantemente femenino (93,2%), trabaja en actividades asistenciales (63,9%), posee por lo menos un curso de posgraduación (76%) y está satisfecho con la unidad donde trabaja (70,5%). El estrés laboral está presente en 23,6% de los enfermeros, de estos 15,2% presentan Alta Exigencia en el trabajo y 8,4% Trabajo Pasivo. El Apoyo Social ejerce influencia positiva significativa sobre todos los grupos expuestos y no expuestos al estrés laboral. En cuanto a la Capacidad para el Trabajo, está es Moderada (28-36 puntos) para 51,4% de los enfermeros y Buena (37-43 puntos) para 47,4%. No se encontró correlación entre el estrés y la capacidad para el trabajo.

Estrés Fisiológico; Enfermeros; Salud Laboral; Condiciones de Trabajo; Investigación en Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Estresse laboral e capacidade para o trabalho de enfermeiros de um grupo hospitalar1

Christian NegeliskiiI; Liana LautertII

IEnfermeiro, Especialista em Terapia Intensiva, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre, RS, Brasil. Professor, Centro Universitário FEEVALE, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: chnegel@feevale.br

IIEnfermeira, Doutora em Psicologia. Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: lila@enf.ufrgs.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar a relação entre o estresse laboral e o índice de capacidade para o trabalho, de 368 enfermeiros (82,1% da população) de um grupo hospitalar. Utilizou-se um questionário com questões sócio-ocupacionais e duas escalas: a Job Stress Scale e o índice de capacidade para o trabalho. O grupo de enfermeiros era predominantemente feminino (93,2%), trabalhando em atividades assistenciais (63,9%), possuía pelo menos um curso de pós-graduação (76%) e satisfeito com a unidade onde trabalhava (70,5%). O estresse laboral está presente em 23,6% dos enfermeiros, e, desses, 15,2% apresentam alta exigência no trabalho e 8,4% trabalho passivo. O apoio social exerce influência positiva significativa sobre todos os grupos - expostos e não expostos ao estresse laboral. Quanto à capacidade para o trabalho, essa é moderada (28-36 pontos) para 51,4% dos enfermeiros e boa (37-43 pontos) para 47,4%. Não há correlação entre o estresse e a capacidade para o trabalho.

Descritores: Estresse Fisiológico; Enfermeiros; Saúde do Trabalhador; Condições de Trabalho; Pesquisa em Enfermagem.

Introdução

O estresse é termo comum nos dias atuais e no cotidiano dos profissionais de saúde. Relatos por parte dos enfermeiros que se sentem estressados são verbalizados diariamente, na realidade de um hospital de ensino de Porto Alegre, RS, respaldando a enfermagem como a quarta mais estressante entre as profissões(1). Além disso, a ocorrência crescente de afastamentos do trabalho, por motivo de saúde, tem causado preocupação entre gestores e colegas, face às repercussões que geram no cotidiano laboral.

No período de maio de 2007 até abril de 2008, segundo dados fornecidos pelo departamento de pessoal dessa instituição, ocorreram 782 licenças saúde de enfermeiros. Essas somaram 1.087 dias de atestados médicos (afastamento de até 15 dias) e 676 dias de afastamento, termo utilizado para caracterizar período superior a 15 dias, quando os enfermeiros foram encaminhados ao Instituto Nacional de Seguridade Social. Considerando que, nessa época, a instituição possuía 456 enfermeiros no quadro de pessoal, os mesmos tiveram, em média, 1,71 dias de licença saúde e 3,86 dias de afastamento, no ano. A maioria das licenças foi devido a problemas que poderiam ser decorrentes do estresse, tais como doenças imunológicas, osteomusculares, cardiovasculares e gastrointestinais(2-3).

Quando se visualizou o estresse como nocivo à saúde dos enfermeiros dessa instituição, surgiu a motivação para investigar os elementos com potencial para seu desencadeamento, a fim de obter subsídios para instaurar ações que preservem a capacidade para o trabalho e a qualidade de vida(2) desses profissionais.

Um indivíduo está submetido ao estresse quando necessita fazer frente a demandas que ele avalia como superiores a seus recursos, de maneira que não pode produzir uma resposta efetiva(3). Nesse tipo de situação, o organismo emite uma resposta de estresse, com importante aumento da ativação fisiológica, cognitiva e motora. As consequências dessa ativação dependem da duração e intensidade do evento estressor. Assim, quando a resposta ao estresse é frequente e intensa, poderá repercutir negativamente, com manifestações psicofisiológicas ou psicossomáticas. O estresse ocupacional, por sua vez, se refere aos estímulos do ambiente de trabalho e às respostas aversivas frente a esses estímulos(3). Nesse estado, a pessoa poderá estabelecer relações interpessoais, permeadas por conflitos, tornando o ambiente de trabalho cenário tensivo nas relações humanas, sociais e hierárquicas.

A manutenção da saúde física e mental da pessoa, ou seu adoecimento, está relacionada à interpretação do mundo exterior e aos recursos que dispõe para atender às demandas e aos estímulos aos quais está exposta. Quanto maior a compreensão e o controle das pressões e das situações que a influenciam melhor será a adaptação e as respostas que essa pessoa produzirá. No entanto, se o estresse laboral prevalecer, seu efeito sobre o indivíduo será negativo, desestimulando a realização de suas tarefas, provocando sentimentos de solidão, impotência, desânimo(2) e diminuindo sua capacidade para o trabalho, a qual é conceituada como o quão bem está o trabalhador e quão capaz ele pode executar seu trabalho, em função das exigências, de seu estado de saúde e de seus recursos físicos e mentais(4).

Sendo assim, os serviços de saúde do trabalhador devem ter sua atenção focada tanto na participação do colaborador, nas questões relacionadas à sua saúde, quanto na dinâmica de determinação social, política e histórica, ponderando que a associação desses elementos influencia a capacidade para o trabalho e o processo saúde/adoecimento(4). E, nessa perspectiva, devem ser promovidas ações e vigilância à saúde e estimular a construção de conduta direcionada ao bem-estar dos indivíduos e à adoção de modelo de vida saudável.

Os próprios profissionais e as instituições, portanto, devem criar mecanismos para analisar a capacidade dos trabalhadores nas diferentes realidades. Para tanto, foram construídos alguns instrumentos, entre os quais está o índice de capacidade para o trabalho (ICT), o qual avalia a capacidade do trabalhador para realizar seu trabalho, bem como pode prever o risco de incapacidade no futuro próximo(4). Seus autores recomendam que seja reaplicado periodicamente para acompanhar a evolução da saúde do trabalhador.

Isso posto, realizou-se este estudo para avaliar a relação entre o estresse laboral de enfermeiros que atuam em um grupo hospitalar e a sua capacidade para o trabalho.

Método

Trata-se de pesquisa descritiva, com abordagem quantitativa. O campo do estudo foi um grupo hospitalar (GH), localizado na cidade de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O GH é uma instituição de assistência, ensino e pesquisa voltada exclusivamente ao atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde, sendo composto por quatro hospitais e 12 unidades básicas de saúde (UBS). O GH possui 1.490 leitos e 7.300 funcionários, dos quais 502 são enfermeiros.

A amostra do estudo foi do tipo senso e incluiu todos os 448 enfermeiros que estavam exercendo suas funções habituais no GH, no mês de julho de 2009. Desses, 34 (7,6%) não devolveram o questionário, 45 (10,1%) não aceitaram participar do estudo e um (0,2%) foi excluído por preenchimento inadequado. Ao final da coleta de dados essa ficou composta por 368 enfermeiros (82,1% da população).

Para a coleta de dados, foi utilizado questionário composto por questões para a caracterização dos sujeitos, pela escala Job Stress Scale (JSS), para medir o estresse dos enfermeiros e o índice de capacidade para o trabalho (ICT). A JSS é uma versão reduzida do Job Content Questionnaire de Karasek, elaborada na Suécia, por Töres Theorell, em 1988, contendo 17 questões – cinco para avaliar demanda, seis para controle e seis para apoio social(5).

O modelo demanda/controle no trabalho avalia a demanda de trabalho (construto relacionado ao estresse) e o controle da atividade (dimensão que avalia os aspectos referentes ao uso de habilidades e à autoridade decisória sobre o próprio trabalho). O apoio social avalia a qualidade do ambiente de labor, o tipo de apoio que recebe da chefia imediata, assim como dos colegas. O modelo foi categorizado em quatro quadrantes: trabalho passivo (baixa demanda e baixo controle), trabalho ativo (alta demanda e alto controle), alta exigência (alta demanda e baixo controle) e baixa exigência (baixa demanda e alto controle). Os valores que não se enquadram em baixo ou alto são classificados no grupo intermediário. O estresse surge quando os sujeitos enfrentam alta exigência, ou seja, demandas de trabalho elevadas com reduzido controle para afrontá-las. O trabalho passivo, também, pode desencadear problemas nocivos à saúde devido ao declino da aprendizagem, à perda gradual das habilidades previamente adquiridas e ao desinteresse dos profissionais acometidos(6-7).

A outra escala utilizada foi o ICT que avalia sete aspectos: 1) capacidade para o trabalho atual comparada com a melhor de toda sua vida; 2) capacidade para o trabalho em comparação com as exigências do labor; 3) número total de doenças autopercebidas e diagnosticadas pelo médico; 4) perda estimada no trabalho devido à doença; 5) falta ao trabalho por doença; 6) prognóstico próprio sobre a capacidade laboral e 7) recursos mentais. Os resultados podem atingir escores de sete a 49 pontos, sendo de sete a 27 classificado como grupo com baixa capacidade para o trabalho, de 28 a 36, como moderada, 37 a 43 como boa e de 44 a 49, como ótima capacidade para o trabalho. Os resultados podem ser usados de forma coletiva ou individual(4).

A coleta de dados foi realizada de março a agosto de 2009, pelo pesquisador, por meio de convite individual aos enfermeiros da instituição, com a entrega e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e do instrumento, nos respectivos locais de trabalho.

A análise dos dados foi realizada pelo software Statistical Package for Social Sciences. Inicialmente, calculou-se a consistência interna das três dimensões da JSS (demanda, controle e apoio social) e do ICT, pelo coeficiente de correlação alfa de Cronbach, o qual estima a consistência global de uma escala. Os valores acima de 0,70 são geralmente aceitáveis(8). Posteriormente, foram realizadas as análises descritivas das variáveis em estudo (dados de identificação, escores da JSS e pontuação no ICT). Para testar as diferenças entre os grupos da JSS e do ICT, utilizou-se o teste de qui-quadrado e o teste de Mann-Witney(8). Também foi utilizada uma escala análogo visual de zero a 100, para avaliar a satisfação com a remuneração do trabalho.

Para testar as diferenças entre os escores dos grupos do JSS, os dados dos enfermeiros foram reunidos em dois grupos denominados: sem estresse (baixa exigência e trabalho ativo) e com estresse (alta exigência e trabalho passivo). Quanto aos dados do ICT, devido aos baixos percentuais de enfermeiros com baixa e ótima capacidade para o trabalho, os dados foram agrupados em dois grupos – capacidade baixa/moderada e capacidade boa/ótima – para realizar os testes estatísticos. A partir dessa alocação, foram testadas as diferenças entre as distribuições dos enfermeiros, segundo as demais variáveis estudadas.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da instituição em estudo, sob nº247/08, em 11 de fevereiro de 2009. O estudo respeitou os critérios estabelecidos na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, assegurando os direitos e os deveres no que diz respeito à comunidade científica e aos sujeitos da pesquisa(9).

Resultados

Foi calculada, inicialmente, a consistência interna das escalas, utilizando-se o alfa de Conbrach. A Job Stress Scale apresentou 0,72 na dimensão demanda, 0,65 em controle e 0,77 em apoio social; o índice de capacidade para o trabalho obteve alfa de 0,77.

A caracterização dos participantes mostrou prevalência do sexo feminino (93,2%), sendo que 64,8% (n=237) são casados ou possuem companheiro. A idade média de 40,7 anos (dp=9,4), com tempo médio de formado de 14,6 anos (dp=8,9) e o tempo médio em que trabalham na instituição é de 10,9 anos (dp=9,8).

Os enfermeiros trabalham 36 horas semanais e se sentem satisfeitos com a remuneração, a qual obteve média de 69,3 pontos, com dp=18,4, em escala de zero a 100. O maior percentual dos profissionais (54,3%) atua nas unidades abertas.

Quanto aos cursos de pós-graduação, realizados pelos enfermeiros do GH, verificou-se que 279 (76%) possuem pelo menos um curso de pós-graduação, desses, 30% possuem dois ou mais cursos. Entre os cursos, 7,69% são de mestrado e os demais lato sensu nas áreas: hospitalar (24,45%), administração (23,08%), saúde coletiva (10,99%), pediatria (7,69%), ensino (4,39%), saúde mental (1,39%) e especializações em geral (11,26%).

A organização das unidades de trabalho do GH, apesar de apresentar algumas variações de um setor para o outro, é considerada satisfatória por 44,9% dos enfermeiros. Também é importante destacar que 70,5% desses profissionais se sentem satisfeitos com o local em que trabalham. No entanto, apenas 26% se sentem valorizados frequentemente na instituição em que trabalham, ou seja, no GH.

Os enfermeiros do grupo com alta exigência/trabalho passivo, denominados estressados, percebem menor apoio social dos colegas e da chefia, comparados aos do grupo baixa exigência/trabalho ativo, fator que pode potencializar o estresse vivenciado ou ser gerador do mesmo.

Entre os enfermeiros das UBSs, 70,4% apresentam capacidade para o trabalho baixa/moderada, 59,4% trabalham em unidades abertas e 57,9% atuam com pacientes adultos. Apesar da prevalência de enfermeiros com doenças com diagnóstico médico (66,3%), apenas as lesões nos braços e nas mãos apresentaram diferença estatística entre os grupos com capacidade para o trabalho baixa/moderada e boa/ótima (p<0,05).

Os grupos alta exigência/trabalho passivo (estressados) e trabalho ativo/baixa exigência (não estressados) não apresentaram diferenças estatísticas com os escores do ICT baixo/moderado e boa/ótima capacidade para o trabalho (p<=0,548).

De forma resumida, a Tabela 5 demonstra as variáveis laborais e pessoais que apresentaram diferenças estatísticas com os grupos das escalas JSS, alta exigência e trabalho passivo e baixa exigência e trabalho ativo, e o ICT, capacidade baixa e moderada e capacidade boa e ótima. O local de trabalho classificado como unidade adulto ou pediátrico foi o único que demonstrou diferença em ambas as escalas.

Discussão

Na análise da consistência interna das escalas utilizadas nesta investigação, os valores alfa de Cronbach das duas são semelhantes aos encontrados em estudos com outras amostras(5,10-11), e asseguram a consistência interna e confiabilidade desses instrumentos para a amostra em estudo(8).

A qualificação profissional da amostra, na qual 76% possui pós-graduação, foi elevada quando comparada com outros estudos (72,72(11), 50,8(12) e 70,8%(13)) com enfermeiros. No entanto, as demais características são similares às descritas em outras pesquisas, desenvolvidas em instituições públicas(1,13-14), ou seja, mostrando idade e tempo de serviço mais elevados que em órgãos privados(15-16). A satisfação com a remuneração, que é de 69,3 pontos, mostrou-se superior aos dados de outro estudo(13) que a apontou como baixa e fonte de estresse. Infere-se que essas distinções decorrem da estabilidade no emprego, proporcionada pelo concurso público e da garantia salarial, as quais ratificam e estimulam o enfermeiro a manter vínculo empregatício por tantos anos (10,9, dp=9,8 anos).

Quanto à organização das unidades de trabalho do GH, essa é considerada satisfatória pelos enfermeiros e 70,5% se sente satisfeito com o local em que trabalha, evidenciando bom gerenciamento dos diferentes locais de trabalho e a importância da alocação adequada dos profissionais nos postos de trabalho. No entanto, apenas 26% se sente valorizado na instituição, sentimento que pode estar associado ao ambiente de trabalho e às relações interpessoais(13).

A falta de valorização dos enfermeiros da amostra pode ser atribuída à sua falta de participação nas instâncias decisórias da instituição, cujos cargos são indicados pelos gestores, influenciados pelo Ministério da Saúde. Devido a esse sistema, as gerências do grupo hospitalar, em geral, são trocadas a cada mandato político, rompendo a continuidade de algumas ações. E essas alterações sistemáticas inviabilizam projetos de longa duração e, por vezes, interrompem ações produtivas, suscitando desmotivação do trabalhador.

Quanto ao trabalho, 15,2% dos enfermeiros o consideram com muitas demandas e baixo controle, ou seja, com alta exigência. Somando esse percentual aos 8,4% com trabalho passivo (baixas demandas e baixo controle), verifica-se que 23,6% podem estar vulneráveis ao estresse laboral(6) e apresentarem perda de habilidades e desinteresse. Apesar de esses percentuais serem semelhantes aos da literatura nacional(11,17), a média de apoio social percebido pelos grupos com alta exigência e trabalho passivo é menor do que a dos grupos de baixa exigência e trabalho ativo (p<0,05), o que pode potencializar o estresse vivenciado. Sendo assim, visualiza-se o apoio social como ação a ser utilizada, com vistas à prevenção e/ou redução do estresse laboral.

Em relação ao local/unidade onde trabalha no GH, não há diferença entre os escores dos grupos que atuam em unidades abertas ou fechadas, o que difere de várias publicações que enfatizam o estresse em unidades fechadas ou especializadas(1,11-12,16,18-20). No entanto, os enfermeiros que trabalham em unidades com pacientes adultos, realizando atividades rotineiras e repetitivas e que não realizaram treinamento no último ano, são mais estressados que os demais (p<0,05). Também, entre os enfermeiros sem pós-graduação e os casados encontrou-se percentuais maiores de estressados (p<0,05), o que leva a inferir que a busca pelo conhecimento prepara o indivíduo para se defrontar com as dificuldades laborais, atenuando o estresse e difere de outra pesquisa(13), na qual o apoio do companheiro, ou esposo, atenuou o estresse.

Semelhante a outro estudo(21), há maior proporção de enfermeiros com baixa exigência e trabalho ativo (77,1%) desenvolvendo atividade administrativa, comparado ao grupo com atividades assistenciais, mostrando que assistir o paciente proporciona menos controle da atividade, o que pode ser devido às oscilações do estado de saúde e das diferentes demandas desse indivíduo, ampliando as exigências laborais desses profissionais. Entretanto, a percepção de estresse no trabalho não afetou as medidas do ICT desses enfermeiros, (p<0,548), pois não houve associação entre essas duas escalas. Esse dado pode estar relacionado aos diferentes construtos que avaliam (demanda e controle no trabalho versus percepção da capacidade para realizar o trabalho).

Quanto à capacidade para o trabalho, os dados revelam maior frequência (52%) de escores classificados como moderada ou baixa, prevalência superior a de outros estudos, o que indica necessidade de medidas para restaurar e promover a competência laboral desses trabalhadores. Duas pesquisas com equipes de enfermagem(15,22), com 387 e 269 trabalhadores, respectivamente, identificaram, na primeira investigação, que 83,2% dos seus trabalhadores apresentavam boa capacidade para o trabalho e, na segunda, que 51,7% estavam com boa capacidade e 20,1% com ótima. Em estudo internacional, 32,0% dos sujeitos relataram moderada capacidade(23).

Apesar de a idade ser considerada fator importante na determinação da capacidade para o trabalho(4,10,24-25), nesta investigação não há diferença (p<0,54) entre a proporção de enfermeiros nas diferentes faixas etárias e tampouco por sexo (p<0,14), diferente do estudo realizado com trabalhadores de enfermagem que aponta, além da idade, que os escores mais baixos do ICT estavam associados ao sexo feminino(22), e do estudo que validou a escala(4), encontrando diferenças entre os escores das faixas etárias 50, 55 e 58 anos, o que não ocorreu nesta pesquisa que abordou indivíduos mais jovens (idade média 40,7 anos, com dp=9,4).

Cabe destacar, também, a diferença significativa entre os escores dos enfermeiros de unidades abertas e fechadas (p<0,015) e adultas e pediátricas (p<0,024), tendo as unidades abertas percentual significativo de enfermeiros com ICT baixo/moderado (59,4%) e as pediátricas ICT bom/ótimo (60,3%). Entre as unidades abertas, encontravam-se os enfermeiros das UBSs, entre os quais 70,4% estão classificados no grupo com ICT baixo/moderado. Esses dados levam a ponderar que, como identificado em outra investigação(2), esses profissionais necessitam de ações que incentivem a promoção da capacidade para o trabalho, estimulando-os a desenvolver habilidades assistenciais e gerenciais. Por outro lado, ao se analisar os escores dos enfermeiros do hospital 2 (63,8% entre bom/ótimo), observa-se o contrário. A chefia de enfermagem desse hospital estava estruturada e articulada diferenciadamente das demais unidades do grupo, o que talvez tenha influenciado os escores de capacidade para o trabalho dos enfermeiros.

Mediante os achados desta investigação, com elevado número de profissionais com baixa e moderada capacidade para o trabalho (52%) e estresse laboral (23,6%), infere-se que esses dados podem estar associados à carga psíquica de trabalho, que aumenta quando a autonomia profissional diminui, proporcionando o surgimento do sofrimento no trabalho.

Conclusões

Os resultados desta investigação alertam para a necessidade de restaurar o estado de saúde físico e psicológico dos enfermeiros que trabalham principalmente em atividades assistenciais, em unidades abertas e com pacientes adultos. As estratégias apontadas visam a valorização dos trabalhadores e o investimento na educação permanente em saúde, as quais podem ter papel protetor para a saúde do trabalhador contra estressores no cotidiano de trabalho, à medida que proporcionam autonomia aos trabalhadores de enfermagem.

Outro ponto a ser considerado é o apoio social, o qual deve constituir pilar da conjuntura laboral e estratégia da organização social nas instituições, com vistas à prevenção e/ou redução do estresse laboral, pois, ao se valorizar as relações de trabalho, assim como o ambiente, promovem-se benefícios à saúde dos trabalhadores. Assim, atitudes proativas em suas funções, a busca pela construção do conhecimento e reconhecimento científico, a luta por melhores condições de trabalho e a articulação corporativa da categoria profissional são elementos que podem construir o apoio social e fortalecer os enfermeiros.

Enfim, os aspectos considerados na presente investigação são elementos que podem contribuir para a concepção e desenvolvimento de medidas que visem a preservação da capacidade para o trabalho, priorizando o monitoramento e o controle do estresse laboral com ênfase nas relações psicossociais do trabalho, aprimorando, dessa maneira, a promoção, a proteção e restauração da saúde dos trabalhadores.

Considerando o desenho seccional desta pesquisa, obteve-se sucesso com o retorno dos questionários (82,1%), entretanto, foram encontradas determinadas dificuldades para compará-la à literatura e responder algumas inquietações. Logo, estudos longitudinais são adequados para dar continuidade à avaliação dessas variáveis e estabelecer relações causais.

Referências

  • 1. Stacciarini JMR, Tróccoli BT. O estresse na atividade ocupacional do enfermeiro. Rev. Latino-Am. Enfermagem. março 2001;9(2):17-25.
  • 2. Trindade LL. O estresse laboral da equipe de saúde da família: implicaçőes para a saúde do trabalhador [dissertaçăo de mestrado]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2007.103 p.
  • 3. Labrador FJ, Crespo M. Estrés: trastornos psicofisiológicos. Madrid: Eudema; 1993. 110 p.
  • 4. Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. Săo Carlos: EdUFSCar; 2005. 59 p.
  • 5. Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Versăo resumida job stress scale: adaptaçăo para o portuguęs. Rev Saúde Pública. abr 2004;38(2):164-71.
  • 6. Alves MGM. Pressăo no trabalho: estresse no trabalho e hipertensăo arterial em mulheres no Estudo Pró-Saúde [Tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública;c 2004. 259 p.
  • 7. Peiró JM. Desencadenantes del estrés laboral. Madrid: Eudema; 1993. 93 p.
  • 8. Hulley SB, Cummings ST, Browner WS, Grady DG, Newman TB. Delineando a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. 3 ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. 384 p.
  • 9
    Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96. Brasília: Diário Oficial da União; out 1996.
  • 10. Martinez MC, Latorre MRDO. Fatores associados ŕ capacidade para o trabalho de trabalhadores do Setor Elétrico. Cad Saúde Pública. abr. 2009;25(4):761-72.
  • 11. Schmidt DRC, Dantas RAS, Marziale MHP, Laus AM. Estresse ocupacional entre profissionais de enfermagem do bloco cirúrgico. Texto Contexto Enferm. abr-jun. 2009;18(2):330-7.
  • 12. Bianchi ERF. Enfermeiro hospitalar e o stress. Rev Esc Enferm USP. dez 2000;34(4): 390-4.
  • 13. Montanholi LL, Tavares DMS, Oliveira GR. Estresse: fatores de risco no trabalho do enfermeiro hospitalar. Rev Bras Enferm. set./out. 2006;59(5):661-5.
  • 14. Spindola T, Martins ERC. O estresse e a enfermagem: a percepçăo das auxiliares de enfermagem de uma instituiçăo pública. Esc Anna Nery. jun 2007;11(2):212-9.
  • 15. Raffone AM, Hennington EA. Avaliaçăo da capacidade funcional dos trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. ago 2005;39(4):669-76.
  • 16. Rodrigues AB, Chaves EC. Fatores estressantes e estratégias de coping dos enfermeiros atuantes em oncologia. Rev. Latino-Am. Enfermagem jan-fev 2008;16(1):24-8.
  • 17. Amaral TR. Dimensőes psicossociais do trabalho da enfermagem e os distúrbios psíquicos menores em unidades críticas [Dissertaçăo]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2006. 114 p.
  • 18. Ferrareze MVG, Ferreira V, Carvalho AMP. Percepçăo do estresse entre enfermeiros que atuam em terapia intensiva. Acta Paul Enferm. jul-set. 2006;19(3):310-5.
  • 19. Cavalheiro AM, Moura DF Junior, Lopes AC. Estresse de enfermeiros com atuaçăo em unidade de terapia intensiva. Rev. Latino-Am. Enfermagem jan/fev 2008;16(1):29-35.
  • 20. Aquino JM. Estressores no trabalho das enfermeiras em Centro Cirúrgico: conseqüęncias profissionais e pessoais [Tese]. Ribeirăo Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirăo Preto da Universidade de Săo Paulo; 2005.154 p.
  • 21. Lautert L. O processo de enfrentamento do estresse no trabalho hospitalar um estudo com enfermeiras. In: Haag GS, Lopes MJM, Schuck JS. A enfermagem e a saúde dos trabalhadores. Goiânia (GO): AB Ed.; 2001. p. 114-40.
  • 22. Moreno LC. Violęncia e Capacidade para o Trabalho entre trabalhadores de enfermagem [dissertaçăo de mestrado]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2003. 221 p.
  • 23. Bethge M, Radoschewski MF, Müller-Fahrnow W. Work stress and work ability: cross-sectional findings from the German sociomedical panel of employees. Disabil Rehabil. 2009;31(20):1692-9.
  • 24. Walsh IAP, Corral S, Franco RN, Canetti EEF, Alem MER, Coury HJCG. Capacidade para o trabalho em indivíduos com lesőes músculo-esqueléticas crônicas. Rev Saúde Pública. abr 2004;38(2):149-56.
  • 25. Bresic J, Knezevic B, Milosevic M, Tomljanovic T, Golubovic R, Mustajbegovic J. Stress and work ability in oil industry workers. Arh Hig Rada Toksikol. 2007;58:399-405.
  • Corresponding Author:
    Christian Negeliskii
    Centro Universitário FEEVALE. Instituto de Ciências da Saúde
    Curso de Enfermagem
    Campus II RS 239, nº 2755
    Vila Nova
    CEP: 93352-000 Novo Hamburgo, RS, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master's Dissertation "O estresse laboral e capacidade para o trabalho de enfermeiros no Grupo Hospitalar Conceição", presented to Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      24 Fev 2010
    • Aceito
      17 Mar 2011
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br