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Educação em saúde: análise do ensino na graduação em enfermagem

Resumos

Na perspectiva da saúde coletiva, objetivou-se analisar como se processa, na contemporaneidade, o ensino de educação em saúde em cursos de graduação em Enfermagem. As instituições de ensino foram selecionadas de maneira a representar o setor público e o privado. Os sujeitos, docentes responsáveis pelo desenvolvimento da temática, foram identificados a partir da indicação dos coordenadores dos cursos. Desenvolveu-se pesquisa de caráter exploratório-descritivo-analítico, com abordagem qualitativa, que se utilizou de análise documental, de entrevista semiestruturada, com base em roteiro, cuja análise seguiu os passos da análise de conteúdo e identificação de núcleos temáticos. Os resultados evidenciaram que o ensino desenvolvido permanece majoritariamente vinculado ao modelo biomédico preventivo, e que as concepções de educação crítica e as práticas educativas ‘populares’ são escassas, devido à deficitária formação política dos docentes e, mais amplamente, como consequência do enfrentamento de contexto acadêmico de implementação do ideário neoliberal.

Educação em Saúde; Educação em Enfermagem; Educação Superior; Docentes de Enfermagem


From the perspective of Collective Health, this study aimed to analyze how the teaching of health education in undergraduate Nursing courses is processed contemporarily. The Educational Institutions were selected so as to represent the public and private sectors. The subjects, teachers responsible for developing the theme, were identified from the indications of the Coordinators of the Courses. An exploratory, descriptive, analytical, study with a qualitative approach was developed, which utilized documental analysis and a semi-structured interview based on a script, the analysis of which followed the steps of content analysis and identification of thematic nuclei. The results showed that the teaching developed remains largely linked with the biomedical preventive model and that the concepts of critical education and ‘popular’ educational practices are scarce, due to the deficient political education of the teachers, and more broadly, as a consequence of coping with an academic context of the implementation of the neoliberal ideas.

Health Education; Education, Nursing; Education, Higher; Faculty, Nursing


En la perspectiva de la Salud Colectiva, se objetivó analizar como se procesa en la contemporaneidad la enseñanza de educación en salud en cursos de graduación en Enfermería. Las Instituciones de Enseñanza fueron seleccionadas de manera a representar al sector público y al privado. Los sujetos, docentes responsables por el desarrollo de la temática, fueron identificados a partir de la indicación de los Coordinadores de los Cursos. Se realizó una investigación de carácter exploratorio, descriptivo y analítico, de abordaje cualitativo, que se utilizó del análisis documental, de entrevista semiestructurada, con base en un guión, cuyo análisis siguió los pasos del análisis de contenido e identificación de núcleos temáticos. Los resultados evidenciaron que la enseñanza desarrollada permanece mayoritariamente vinculada al modelo biomédico preventivo, y que las concepciones de educación crítica y las prácticas educativas ‘populares’ son escasas, debido a la deficitaria formación política de los docentes, y más ampliamente, como consecuencia del enfrentamiento de un contexto académico de implementación del ideario neoliberal.

Educación en Salud; Educación en Enfermería; Educación Superior; Docentes de Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Educação em saúde: análise do ensino na graduação em enfermagem

Alva Helena de AlmeidaI; Cássia Baldini SoaresII

IEnfermeira, Doutora em Ciências, Coordenadoria Regional de Saúde - Sudeste, Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: alvahelena@uol.com.br

IIEnfermeira, Doutora em Educação, Professor, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: cassiaso@usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Na perspectiva da saúde coletiva, objetivou-se analisar como se processa, na contemporaneidade, o ensino de educação em saúde em cursos de graduação em Enfermagem. As instituições de ensino foram selecionadas de maneira a representar o setor público e o privado. Os sujeitos, docentes responsáveis pelo desenvolvimento da temática, foram identificados a partir da indicação dos coordenadores dos cursos. Desenvolveu-se pesquisa de caráter exploratório-descritivo-analítico, com abordagem qualitativa, que se utilizou de análise documental, de entrevista semiestruturada, com base em roteiro, cuja análise seguiu os passos da análise de conteúdo e identificação de núcleos temáticos. Os resultados evidenciaram que o ensino desenvolvido permanece majoritariamente vinculado ao modelo biomédico preventivo, e que as concepções de educação crítica e as práticas educativas 'populares' são escassas, devido à deficitária formação política dos docentes e, mais amplamente, como consequência do enfrentamento de contexto acadêmico de implementação do ideário neoliberal.

Descritores: Educação em Saúde; Educação em Enfermagem; Educação Superior; Docentes de Enfermagem.

Introdução

No amplo processo de redemocratização da sociedade brasileira, a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) apresentou às Instituições de Ensino Superior (IES) um dos seus maiores desafios: a formação dos trabalhadores do setor saúde segundo o ideário desse projeto político.

A enfermagem, enquanto um segmento social organizado da área da saúde, articulou através da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) amplo movimento envolvendo instituições de ensino, gerentes de serviços e organismos sindicais em torno da proposição de mudanças nos currículos dos cursos de graduação de forma a adequá-los à realidade social e epidemiológica do país e ao projeto político em construção(1-2).

A proposição publicada em 1994 estabelecida como currículo mínimo dos cursos de graduação, salvo poucas alterações, tornou-se a proposição referência para as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Enfermagem, publicada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2001.

Uma das alterações identificadas nessa proposição referiu-se à exclusão dos conteúdos relacionados à formação pedagógica dos enfermeiros, restringindo-a aos cursos de Licenciatura. Já o preparo para as práticas educativas pareceu estar implícito no perfil profissional proposto, assim denominado enfermeiro promotor da saúde integral(3).

As práticas educativas em saúde, por sua vez, vêm sendo discutidas na literatura da área desde o início do século passado, em decorrência da estreita relação entre essas ações e as políticas de saúde e econômicas implementadas na sociedade brasileira, a serviço de um controle social determinado para garantir os interesses da classe dominante(4-6).

Alguns pesquisadores(7-10), têm revelado a sua preocupação acerca do objeto educação em saúde no ensino de enfermagem em estudos que expressaram, em síntese, as relações entre a prática educativa desenvolvida pelos profissionais de saúde e a realidade do preparo do enfermeiro na graduação para desempenhar o papel de educador. Mas no que consistem essas ações educativas? Como vêm sendo retratadas na literatura da área?

A análise das publicações revelou que a educação em saúde, na concepção de prática entre sujeitos e mediadora dos cuidados com a saúde, é de indiscutível relevância para a prática social da enfermagem. Ainda que tais práticas permaneçam restritas à abordagem biomédica, focadas nos aspectos preventivos, evidenciou-se a compreensão de que as peculiaridades do processo educativo exigem uma capacitação específica que não é inerente à formação técnica do enfermeiro. Além disso, foi reconhecida a necessidade de formação do docente para assegurar a ambos – educador e educando -, a função educadora comprometida com o desenvolvimento social.

A evolução do processo político-social no cenário nacional, a partir do final da década de 80, se submeteu a um contexto de mudanças da política econômica internacional, cujo ideário neoliberal vem determinando modificações nas questões sociais mais gerais. Dentre tantas, no ensino alterou-se profundamente o papel da Universidade, tanto no setor público quanto no setor privado. Uma das expressões dessa lógica é o que foi denominado universidade operacional: restrição do papel institucional ao atendimento das necessidades do mercado produtivo(11).

Ainda que a organização da área de enfermagem tenha concretizado importantes mudanças nos processos educativos em resposta ao projeto político do setor saúde, esse processo tornou-se secundário ao ideário neoliberal no momento da implementação das DCN, mediante a incorporação de princípios pedagógicos pragmatistas e escolanovistas, expressos primordialmente no aprender a aprender e no discurso das competências(12).

Nesse contexto social e científico, a denominada crise da ciência foi criticamente interpretada como uma decorrência da insuficiência da lógica predominante, a lógica formal, frente ao constante desenvolvimento da ciência e da complexidade dos problemas existentes(13). A necessidade de explicação dos processos objetivos e subjetivos e a velocidade das transformações propuseram a adoção do raciocínio dialético em substituição ao formal.

Dessa forma, o movimento de mudanças curriculares na saúde, e na enfermagem em particular, elaborou estruturas formativas que contemplassem a interdisciplinaridade curricular, como estratégia passível de atender ao ensino do objeto complexo que é o processo saúde-doença (psd), e assim, responder às questões mais amplas do setor, em particular ao princípio da integralidade do sistema, além de atender às proposições das DCN.

O reconhecimento de que o fenômeno da saúde e da doença tem especificidades de um processo social, que se articula com os demais processos sociais e tem um caráter histórico, constitui o contexto que alimentou a raiz teórica da Saúde Coletiva (SC). De natureza essencialmente crítica e de inspiração marxista, a SC emerge no Brasil nos anos 70, no contexto da crise da saúde pública institucionalizada, constituindo um campo teórico e de práticas contra-hegemônico para lidar com as necessidades e problemas de saúde dos distintos grupos sociais(14).

Para a SC a enfermagem é um campo de saber e de práticas cujos profissionais desenvolvem de forma específica, cooperativa e interdisciplinar processos de trabalho que compõem o processo de produção de serviços de saúde. Dentre esses processos destaca-se o processo de trabalho de assistência à saúde, para o qual a educação em saúde constitui um dos instrumentos necessários(15).

A educação em saúde desenvolvida mediante a utilização de uma metodologia crítica emancipatória, contribuirá para a compreensão dos determinantes do psd em acordo com os interesses populares(15-19).

No contexto da SC a Educação em saúde abordada tanto no enfoque individual quanto no coletivo vem sofrendo modificações, incorporando conceitos, ampliando as práticas denominadas comportamentalistas para abordagens que configurem a participação, a cidadania, a articulação com movimentos sociais, de forma a recuperar o sentido político da ação educativa(6).

Reafirma-se assim a intencionalidade da ação humana frente à concretização de um dado projeto previamente idealizado que mediado pela ação educativa resultará em uma práxis reiterativa ou criadora. Os diferentes níveis de práxis decorrem do grau de consciência revelado pelo sujeito no processo prático e o grau de criação demonstrado pelo produto de sua atividade(16).

Estabeleceu-se assim como pressupostos deste estudo que: a influência dos referenciais teóricos e a complexidade das práticas propostas pelo campo da SC, assim como a participação da enfermagem na discussão a respeito da importância da interdisciplinaridade e de outros avanços teórico-metodológicos, ancorados na perspectiva dialética, sobre a produção do conhecimento e comprometidas com as diretrizes do projeto político do SUS, constituem condições favoráveis ao desenvolvimento de práticas educativas não tradicionais, coerentes com esses referenciais e com as mudanças assistenciais propostas.

Dessa forma o objetivo geral foi analisar como se processa na contemporaneidade o ensino de educação em saúde em cursos de graduação em Enfermagem no Estado de São Paulo.

Metodologia

O contexto social reconstruído revelou-se mutável, contraditório, tensionado pelas forças sociais que representam, por um lado, um cenário conservador e, por outro, as mudanças, as rupturas a favor de um novo projeto com vistas ao combate às desigualdades. No interior deste contexto irrequieto atuam os agentes das práticas sociais de saúde, que cotidianamente são demandados pela turbulência das relações estabelecidas no próprio trabalho, pelas concepções de sociedade, de saúde e de educação que orientam as próprias práticas, na perspectiva de mudanças ou de manutenção e reprodução da estrutura e da dinâmica que conformam a estrutura social.

Diante disso, decidiu-se favorecer a apreensão do objeto – o ensino da temática educação em saúde nos cursos de graduação em enfermagem - mediante a utilização de uma abordagem qualitativa, pois esta "considera o contexto do fenômeno social que se estuda, [...] que se procura desvendar em seus aspectos essenciais e acidentais"(17).

O processo educativo em saúde enquanto fenômeno social resulta da intencionalidade dos sujeitos, implica assunções do educador, posicionamento do graduando, consequências na formação deste e na prática profissional junto à população. Foi desse lugar, que se denominou de campo político, na condição de sujeito implicado com o fenômeno, que se buscou a interpretação dessa realidade complexa, interfacetada, valendo-se da potencialidade da pesquisa qualitativa que se sabe "ser capaz de incorporar o significado e a intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, como construções humanas significativas"(18).

Além do enfoque qualitativo que explicita as implicações entre o sujeito e o objeto de conhecimento, buscou-se interpretar o fenômeno estudado em uma perspectiva de compreensão dialética, na tentativa de identificar as proposições educacionais e os vários aspectos que compõem essa dinâmica.

A problematização da realidade e o referencial teórico adotado possibilitaram a proposição de três categorias de análise para interpretação dos dados empíricos:

- o processo educativo - entendido como um trabalho dotado de objeto, finalidade, meios e instrumentos para obter um dado resultado. Esse processo de trabalho utiliza - a concepção crítica de educação - uma educação comprometida com a interpretação crítica da realidade na perspectiva da transformação das desigualdades sociais e da emancipação dos sujeitos co-partícipes da ação educativa e - a interdisciplinaridade - como condição ou meio para atender à integralidade da assistência à saúde dos indivíduos e dos grupos sociais na perspectiva da saúde coletiva, através da abordagem educativa.

O projeto de pesquisa atendeu a todos os preceitos éticos, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. As IES em número de quatro, representando o âmbito público e o privado, foram selecionadas segundo os critérios de: exemplaridade social, capacidade técnico-científica, capacidade de inserção e expansão no mercado privado. Obteve-se a autorização para realização da pesquisa junto à Direção, em uma das instituições, e aos Coordenadores dos Cursos, nas demais.

A captação dos dados empíricos ocorreu por meio da análise documental do Projeto Político Pedagógico (PPP) dos cursos, das proposições curriculares (ementas, propósitos, referências) e de entrevistas semi-estruturadas segundo um roteiro, dirigidas aos docentes envolvidos com o ensino da temática, que indicados pela coordenação dos Cursos e de Departamentos, aceitaram participar da pesquisa, foram individualmente orientados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Treze foi o total de professores pesquisados. As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora, no período de abril a outubro de 2008, cujos dados transcritos e submetidos a exaustivas leituras possibilitaram a identificação de núcleos temáticos. Constaram do roteiro de pesquisa os dados de identificação e sócio-demográficos, o perfil profissional, as estratégias para atender a função de docente, a concepção de educação, em que se baseavam os conteúdos e as estratégias adotadas, o perfil de graduando formado, e as contribuições do ensino da temática educativa. A análise documental e dos dados obtidos na pesquisa de campo seguiu os encaminhamentos da análise de conteúdo(19). Partiu-se do arcabouço teórico-metodológico construído por autores da enfermagem em SC(9), cuja contribuição, a partir da categoria analítica processo educativo, possibilitou a identificação das categorias empíricas que foram expressas, respectivamente, por temas - Agente do processo educativo, Potencialidades da enfermagem, A intencionalidade das ações na organização curricular, As condições de trabalho, A prática social realizada, e sub-temas - Perfil dos docentes, Trajetórias profissionais, Proximidade da relação enfermeiro-paciente-cidadão e vínculo criado, Compreensão ampliada do sujeito, Definição do cuidado como eixo norteador das ações, Concepção de educação adotada, Estratégias utilizadas, Articulação dos conteúdos, Integração entre teoria e prática, Dificuldade em compreender a prática social do Professor, Formação básica deficitária dos alunos, Falta de articulação entre as disciplinas, Perfil do graduando, Ganho do docente.

Resultados

Os sujeitos da pesquisa constituíram um grupo majoritariamente feminino, casado, que auto-declarou a cor branca, com doutorado, que reconheceu a necessidade de formação para exercer a função de docente e buscou essa formação por iniciativa própria. Três foram as trajetórias profissionais construídas pelos sujeitos: os que precocemente se dedicaram ao ensino, os que consolidaram a prática como enfermeiro e depois se tornaram professores e aqueles que construíram as duas práticas simultaneamente. A formação em Saúde Pública pareceu assegurar uma condição especial em relação às demais especializações.

Majoritário também foi o entendimento de que a Enfermagem tem uma potencialidade maior ou diferente para o desenvolvimento da ação educativa. Foram apontadas como justificativas a proximidade da relação enfermeiro-paciente-cidadão e o vínculo criado; a percepção ampliada do sujeito da ação educativa, assim como do processo assistencial, pautados no referencial holístico e o reconhecimento do cuidado como eixo norteador das ações da Enfermagem.

Ao buscar conhecer em cada uma das IES como estava organizado o ensino da educação em saúde aos graduandos, identificou-se: IE1 – o conceito de promoção da saúde configurou-se como o marco do conteúdo teórico; as docentes citaram Paulo Freire como o nome de referência para a concepção de educação adotada; identificou-se relação entre os conteúdos teóricos e as práticas propostas, em decorrência do esforço e da experiência dos profissionais. As estratégias adotadas foram os seminários e os projetos educativos para abordar problemas como o uso de drogas, violência, DST, sexualidade. Para os docentes, o aluno apreende o papel de educador em qualquer que seja o cenário de prática profissional. IE2 - Os conteúdos são abordados de forma a responder às especificidades de pelo menos quatro disciplinas, a partir da concepção da temática como um processo de trabalho, cujo objeto compreende o indivíduo com problemas de saúde e as propostas assistenciais, as necessidades de informações para interpretar o contexto social, os grupos sociais, assim como as necessidades educativas dos trabalhadores. Desenvolveu-se a ação educativa mediante a elaboração de projetos focados no indivíduo ou no coletivo – do tipo educação popular ou direcionada aos trabalhadores. Estabeleceu-se integração entre os conteúdos teóricos e a prática. Constatou-se o esforço dos docentes para formar um profissional mais comprometido socialmente, com discernimento da realidade social, cultural e epidemiológica de uma dada localidade, além de expressar conhecimento do sistema no qual atuará; ético e portador de um grande respeito à diversidade humana. Apesar do esforço, houve a percepção de que o perfil obtido ainda não é o desejado. IE3 - Os conteúdos são definidos segundo diferentes concepções: a partir do referencial da abordagem cognitiva comportamental, o modelo de crenças, o conceito de empowerment e o de auto-eficácia, todos elementos das teorias comportamentais da Psicologia; houve quem vinculou os conteúdos ao contexto social mais amplo e aos seus determinantes, buscando-se a leitura, a problematização da realidade e a elaboração de proposta(s) de intervenção, alicerçadas na vertente da nova promoção da saúde e no empowerment comunitário; houve quem discutiu a temática como um instrumental inerente ao processo de trabalho assistencial, pautado em valores éticos de respeito, acolhimento, reflexão, com foco na autonomia das famílias para decidir, referenciada por Rogers e Paulo Freire e ainda, quem pautou-se na prática assistencial ampliada, com foco no contexto cultural e nos conceitos de alteridade e de resiliência. Constatou-se integração entre os conteúdos teóricos e práticos, e inexistência de articulação entre as disciplinas. Há entre os docentes quem não perceba o perfil de enfermeiro educador como resultado do seu trabalho. Os demais identificam o perfil de um profissional com competência técnica, e clínica, mais amadurecido, mais sensível à problemática social da população e estimulado para o desenvolvimento da pesquisa científica. IE4 - O currículo é integrado, organizado por ciclos pedagógicos, mantendo estreita vinculação com a realidade social e a prática profissional, de tal forma que as aproximações, pedagogicamente organizadas para interpretar estas realidades, são as proponentes dos conteúdos a serem desenvolvidos. A realidade constitui o ponto de partida para a teorização e para o desenvolvimento da identidade profissional, reconhecendo o SUS como o projeto orientador dessa formação. O resultado desse trabalho tem buscado contribuir para a construção de experiências dos graduandos que os tornem conscientes da dinâmica social de uma dada localidade, reconheçam as necessidades dos indivíduos e do coletivo, compreendam os propósitos do projeto político do setor – o SUS –, a integralidade do cuidado e a obrigatoriedade da continuidade dos estudos.

Alguns entrevistados informaram que: não costumam citar os nomes dos autores utilizados como referências; a formação básica deficitária dos alunos, a imaturidade de muitos, e o pequeno interesse pelas questões políticas são percebidos como dificuldades para o desenvolvimento do trabalho educativo. Independente das particulares trajetórias profissionais, o ofício de ensinar produziu um saldo positivo para os agentes da ação, é um trabalho dinâmico, gratificante, que os colocam em contato com a realidade.

Discussão

O trabalho docente – o processo educativo - é um trabalho não material, que toma como objeto de transformação os pensamentos, os valores e exige que o profissional da educação esteja em constante processo de atualização, tendo em vista os conhecimentos produzidos pela humanidade. A formação inicial e continuada desses professores é de responsabilidade das Instituições de Ensino, a fim de que possam compreender o significado da prática docente(20). A educação em saúde destina-se a desempenhar um papel de controle dos doentes ou das populações de risco(21). Assim, o enfoque educativo predominante foi o preventivo, sob hegemonia da cultura da biossociabilidade – expressa pela excessiva valorização do corpo saudável e dos parâmetros biológicos(22). O enfoque da escolha informada, do desenvolvimento pessoal e o enfoque radical foram citados pelos pesquisados. O enfoque da Educação Popular foi citado, mas não como ação política, reafirmando a dificuldade em operacionalizá-lo nos serviços de saúde. Constatou-se que o conceito de Promoção da Saúde foi mencionado, sem que, contudo, fosse possível perceber na maioria dos discursos as diferenças e as implicações conceituais nas práticas predominantes – a Behaviorista e a Nova Promoção da Saúde(23). Nas múltiplas referências a Paulo Freire percebeu-se que os princípios humanistas do autor estão sendo utilizados pelos docentes e apreendidos pelos alunos, sem a necessária articulação com os referenciais políticos do educador, de maneira desvinculada de um projeto de sociedade e dos conflitos inerentes aos interesses em disputa. As estratégias educativas foram bastante diversificadas, ocorrendo tanto nos equipamentos da saúde quanto nos espaços da comunidade, tendo sido desenvolvidas junto a outros cursos e até em parceria com outras Secretarias. Em algumas situações, ocorreu o privilegiamento da abordagem prática e simplificação dos conteúdos teóricos, resultando na 'abordagem instrumental' do processo educativo, uma desarticulação teórico-prática e técnico-política, tanto por parte dos alunos quantos dos professores, desvalorizando a dimensão política desse processo. As mudanças curriculares propiciaram um nível de articulação disciplinar indicativa de interdisciplinaridade curricular e na IE cujo currículo é integrado, pareceu existir a interdisciplinaridade pedagógica, cujos agentes em atitude interdisciplinar se comprometem com a construção de novos conhecimentos, com vistas à concretização de um projeto educativo coeso(24).

Quanto à potencialidade da enfermagem para desenvolver as ações educativas, os resultados que pautaram-se no referencial holístico, influenciado diretamente pela produção de Wanda de Aguiar Horta, filiado à teoria dos sistemas gerais e das relações e respostas do comportamento humano, mesmo que tenha representado uma compreensão mais ampliada do fenômeno saúde-doença, ainda assim mostra-se restrito para interpretar o processo de vida e as demais determinações procedentes da totalidade social, uma vez que reduz a análise à dimensão individual, ao psicológico e oculta os conflitos existentes na sociedade, na prática de saúde e no próprio interior da prática de enfermagem(25).

Conclusões

O ensino de Educação em Saúde nos cursos de enfermagem do Estado de São Paulo vem sendo realizado por um grupo constituído majoritariamente por mulheres, que comprovou sólida qualificação profissional nos sentido lato e stricto sensu, em acordo com os requisitos do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) e também reafirmou a necessidade de formação para a função de docência. Observa-se, contudo, que no contexto do ideário neoliberal que alterou o papel da Universidade e investiu nas políticas expansionistas do setor privado, os requisitos de qualificação do corpo docente vêm contribuindo para a formação aligeirada desses professores, comprometendo mais uma vez a qualidade da educação ofertada diretamente aos alunos, e indiretamente a prestação de serviços à população.

A compreensão dessa formação a partir da concepção de práxis educativa pauta-se em dois elementos centrais – pensamento e ação. Nesse sentido, tal processo se inicia nos bancos escolares, quando o professor é ainda aluno, e se estende ao longo de toda a sua carreira, num processo de constante aperfeiçoamento.

Na área da enfermagem observa-se ainda a importância atribuída a uma preparação política para esse papel. Ainda que sejam empreendidos esforços para superar a formação do enfermeiro professor, consolidada na racionalidade técnica, observa-se que há ainda maior disponibilidade de cursos de capacitação específicos para a área de atuação (técnica), secundarizando os aspectos pedagógicos e os temas político-sociais. Esse contexto tende a retro-alimentar o perfil da profissão ressaltado pela excelência na capacidade técnica e empobrecimento na ação política.

A ausência da dimensão política no processo educativo contribui para o desenvolvimento de um ensino conservador, esvaziado de uma perspectiva transformadora, cuja finalidade é a instrumentalização dos sujeitos para interpretar o mundo em que vivem e adoecem. Associa-se a esse cenário as condições em que se desenvolveram esse processo, caracterizando o que foi denominado abordagem instrumental, ora representado pela formação básica deficitária do aluno, ora pela dificuldade dos professores em articular os conteúdos das várias disciplinas, beneficiarem-se da visão ampliada da Saúde Pública, analisar os referenciais teóricos constituintes das proposições de intervenção assistencial ou ainda o contexto que envolveu as DCN.

Diante do contexto contemporâneo de assunção das IES do papel restritivo dos direitos sociais, é imprescindível que os sujeitos em pleno exercício de sua cidadania busquem a articulação com outros sujeitos, favorecendo a conexão com os formuladores de políticas, com outras instituições sociais, na concretização de uma educação transformadora, que ao vincular-se a outros processos e projetos sociais contribuirão para mudanças sociais construídas rumo a uma sociedade justa continente ao sistema público e universal de saúde proposto.

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  • Corresponding Author:
    Alva Helena de Almeida
    Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Coordenadoria Regional Saúde Sudeste
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      08 Mar 2010
    • Aceito
      04 Out 2010
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