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Mudanças no contexto do cuidado: desafios para a enfermagem

Resumos

Este trabalho teve por objetivo identificar mudanças globais, relacionadas à forma de fazer e entender o cuidado, assim como as demandas geradas pela mudança populacional e as implicações para cuidadores familiares e profissionais. Realizou-se revisão integrativa da literatura, identificando-se 284 artigos com os descritores: cuidado e cuidadores, associados ao descritor "Enfermagem", entre os anos 2005 e 2010, selecionando-se 41 artigos que correspondem ao objetivo proposto. Os resultados apontam para um modelo de transição no cuidado, reconfigurado pelas novas demandas de atenção associadas, principalmente, ao incremento das doenças crônicas e ao envelhecimento populacional. Além disso, a mudança nos papéis sociais e individuais situam o cuidado além do âmbito familiar e o aproximam da responsabilidade social compartida. O cuidado é o eixo onde gravitam as enfermeiras, daí resulta indispensável analisar esse contexto que demanda evolução no desenvolvimento do cuidado profissional.

Cuidado; Cuidadores; Enfermagem


This research aimed to identify global changes in the way of practicing and understanding care, as well as the demands population change has generated and the implications for family and professional caregivers. An integrative literature review was performed, identifying 284 papers with the following descriptors: care and caregivers, associated with the descriptor "Nursing", published between 2005 and 2010. Forty-one papers were selected that correspond to the intended goal. The results point towards a care transition model, reconfigured by new care demands, which are mainly associated with the increase in chronic conditions and population aging. In addition, the change in social and individual roles takes care beyond the family sphere and closer to shared social responsibility. Care is the axis around which nurses rotate. Hence, it is fundamental to analyze this context, which demands evolution in professional care development.

Care; Caregivers; Nursing


Este trabajo tuvo por objetivo identificar cambios globales relacionados con la forma de hacer y entender el cuidado, así como las demandas generadas por el cambio poblacional y las implicaciones para cuidadores familiares y profesionales. Se realizó una revisión integradora de la literatura, identificando 284 artículos con los descriptores: cuidado y cuidadores, asociados al descriptor Enfermería, entre los años 2005 y 2010, seleccionando 41 artículos que corresponden al objetivo planteado. Los resultados apuntan a un modelo de transición en el cuidado, reconfigurado por las nuevas demandas de atención asociadas principalmente al incremento de las enfermedades crónicas y el envejecimiento poblacional. Además, el cambio en los roles sociales e individuales sitúan al cuidado mas allá del ámbito familiar y lo aproximan a la responsabilidad social compartida. El cuidado es el eje gravitatorio de las enfermeras, por ello resulta indispensable analizar este contexto que demanda evolución en el desarrollo del cuidado profesional.

Cuidado; Cuidadores; Enfermería


ARTIGO DE REVISÃO

Mudanças no contexto do cuidado: desafios para a enfermagem

Maribel Cruz-OrtizI; Cristina Jenaro-RíoII; Ma. Del Carmen Pérez-RodríguezIII; María Lourdes Hernández-BlancoIV; Noelia Flores-RobainaV

IDoutoranda, Universidad de Salamanca, Espanha. E-mail: redazul@hotmail.com

IIDoutora em Psicologia, Professor Titular, Departamento de Personalidad, Evaluación y Tratamiento Psicológico, Facultad de Psicología, Universidad de Salamanca, Espanha. E-mail: crisje@usal.es

IIIDoutora em Enfermagem, Professor, Facultad de Enfermería de San Luís Potosí, Universidad Autónoma de San Luís Potosí, México. E-mail: salina67@hotmail.com

IVEnfermeira, Facultad de Enfermería de San Luís Potosí, Universidad Autónoma de San Luís Potosí, México. E-mail: mlourdeshb@hotmail.com

VDoutora em Psicologia, Professora, Facultad de Psicología, Universidad de Salamanca, Espanha. E-mail: nrobaina@usal.es

Endereço para correspondência

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo identificar mudanças globais, relacionadas à forma de fazer e entender o cuidado, assim como as demandas geradas pela mudança populacional e as implicações para cuidadores familiares e profissionais. Realizou-se revisão integrativa da literatura, identificando-se 284 artigos com os descritores: cuidado e cuidadores, associados ao descritor "Enfermagem", entre os anos 2005 e 2010, selecionando-se 41 artigos que correspondem ao objetivo proposto. Os resultados apontam para um modelo de transição no cuidado, reconfigurado pelas novas demandas de atenção associadas, principalmente, ao incremento das doenças crônicas e ao envelhecimento populacional. Além disso, a mudança nos papéis sociais e individuais situam o cuidado além do âmbito familiar e o aproximam da responsabilidade social compartida. O cuidado é o eixo onde gravitam as enfermeiras, daí resulta indispensável analisar esse contexto que demanda evolução no desenvolvimento do cuidado profissional.

Descritores: Cuidado; Cuidadores; Enfermagem.

Introdução

Configuram-se, na atualidade, mudanças quer nas pessoas que oferecem cuidados como nas pessoas que são cuidadas, interatuando essa dupla em entorno que reflete e condiciona ditas mudanças. Por meio de uma perspectiva de sistemas poder-se-ia assinalar que, no âmbito do macrossistema, as mudanças na estrutura demográfica, geradas principalmente pela diminuição da mortalidade e da natalidade, e pelo incremento na esperança de vida, têm levado ao chamado envelhecimento populacional, que acarreta, por sua vez, incremento notável na necessidade de cuidados familiares(1).

Devido ao fato de que a família tem sido historicamente a instituição central, no que diz respeito ao cuidado das pessoas, esse fato explicaria porque as mudanças que experimenta influenciam decisivamente na maneira de atender aqueles que requerem atenção. O cuidado, da mesma maneira que a família, se reconceitualiza, o que tem impulsionado mudanças que condicionam transformações na forma de entender e fazer o cuidado(2). Tudo isso se tem percebido potenciado por questões concretas como o colapso dos sistemas sociossanitários e as mudanças na composição e na função da família, e isso se dá através das mulheres, que são as principais fornecedoras de cuidados e geradoras de modificações na sua tradicional distinção de cuidado, no contexto institucional ou no lar(3).

Metodologia

Trata-se de revisão integrativa da literatura, que teve por objetivo responder a seguinte pergunta: sob perspectiva sistêmica, quais são as mudanças mais relevantes que se tem gerado no âmbito do cuidado e quais são as suas implicações para cuidadores profissionais e familiares?

Para tanto, revisaram-se as bases de dados SciELO e LILACS, no período de 2005 a 2010, utilizando os descritores cuidadores e cuidado, associados ao descritor Enfermagem, e se identificaram 284 artigos. Uma vez identificados os artigos, realizou-se a leitura dos resumos, selecionando-se 41 deles, relacionados ao objetivo do trabalho.

A agrupação dos artigos se realizou sobre 3 categorias temáticas, identificadas e definidas pela equipe, como segue.

- Mudanças populacionais estruturais, relacionados à transição demográfica e epidemiológica.

- Mudanças nos sistemas familiares e sociossanitários.

- Mudanças nas formas de entender e fazer o cuidado.

Resultados

O incremento de publicações, identificadas neste trabalho, foi de 75% em 2010 com referência a 2005 (58 e 33 publicações, respectivamente), destacando-se o crescente interesse que tem suscitado o tema cuidado.

Os grupos de idade são, majoritariamente, aqueles que focam os estudos em crianças e idosos (19,4%), a complexidade da temática se direciona mais à análise de condições que transcendem grupos etários, como a deficiência (14,6%), a dependência (24,2%) e a cronicidade (17%). Por outro lado, identifica-se que a análise da experiência do cuidado sob a perspectiva do cuidador (familiar ou profissional) é o tópico mais recorrente nesse grupo de artigos (48,7%), aparecendo menos outras temáticas como o empoderamento da pessoa que recebe cuidado ou o apoio social requerido (Tabela 1).

A continuação se apresenta de forma integrada à informação obtida, como feito nos artigos analisados, dado que a abordagem do tema cuidado claramente ultrapassa a abordagem marcada pela padronização, centrada em fatores unidimensionais como a idade, a situação (crônica, aguda) ou a condição (doença, deficiência).

Mudanças populacionais estruturais relacionadas à transição demográfica e epidemiológica

As mudanças na estrutura populacional estão se produzindo em todo o mundo, mas a tendência ao envelhecimento é mais clara nos países desenvolvidos(4). Dita tendência tem sido descrita pelas teorias da transição demográfica,(5) e epidemiológica(6), que aludem às mudanças na estrutura etária da população como a diminuição das doenças infecciosas a expensas das crônicas degenerativas. Mesmo que essas teorias tenham limitações para explicar as variantes presentes em distintas realidades sociais, e deixem de lado a análise do componente social nas mudanças estruturais(5,7-8), são úteis para mostrar como se tem modificado as necessidades de cuidado e, como consequência, a carga que esse gera.

Ao analisar de forma mais específica as cifras implícitas, na nova pirâmide populacional, é evidente que se trata não somente do fenômeno do envelhecimento, relacionado ao incremento na da esperança de vida e à diminuição da mortalidade, mas a silhueta cada vez mais extensa desses gráficos de população mostra o reflexo da queda na taxa de natalidade e, com isso, a diminuição no tamanho da população e das famílias(9). Trata-se, pois, de fenômeno de incremento da população com necessidades de cuidado e diminuição da disponibilidade de cuidadores no lar(10).

De acordo com o relatório mundial de envelhecimento, apresentado pela ONU, em 2008, as pessoas idosas representavam 10% dos habitantes no mundo, quer dizer, quase 700 milhões(4). Por outro lado, a pesquisa sobre envelhecimento do Departamento de Assuntos Sociais e Econômicos, do mesmo órgão, estima que, no ano 2050, a porcentagem de idosos com 60 anos aumentará em todo o mundo e superará 30% na Europa e 20% nos países em vias de desenvolvimento(11).

Os fenômenos populacionais assinalados multiplicam e aumentam a complexidade das atividades que formam parte do cuidado atual. Dito de outro modo, atualmente, no núcleo familiar, pode-se encontrar, em maior ou menor medida, crianças, idosos, pessoas doentes, pessoas com deficiência, ou a combinação, em uma mesma pessoa, de várias dessas condições(10). Isso evidencia não somente o incremento na complexidade do cuidado fornecido no lar, mas, também, a necessidade constante de inovação e adaptações que facilitem e melhorem o cuidado.

Mudanças nos sistemas familiares e sociossanitários

Quando combinados à transição demográfica e epidemiológica com a evolução social e as conseguintes modificações nos papéis sociais e de gênero, o cuidado se traslada do âmbito privado ao público, transformando-se numa função social, através da participação do Estado, mediante políticas sociais que buscam satisfazer as necessidades básicas dessas pessoas, ultrapassando, com isso, o limite do âmbito familiar como espaço exclusivo do cuidado(9,12).

Nos países que têm incorporado os serviços sociais como quarto pilar do estado de bem-estar, o Estado tem assumido tarefas que as famílias já não podem abordar, seja pelo tipo de conhecimentos que requerem ou porque a disponibilidade é agora menor. Isso inclui boa parte das atividades relacionadas ao cuidado das pessoas, que se entende cada vez mais como direito social que proporciona não somente o Estado, mas, também, as sociedades de bem-estar(13), que atuam oferecendo serviços públicos de cuidado aos que precisam e respondendo, assim, diretamente às necessidades dos que não podem se valer por si mesmos, e concedendo tempo liberado da atividade laboral para cuidar de familiares que precisam. Isso supõe que se inverte a prioridade que geralmente tem a atividade produtiva sobre a reprodutiva, e que, implicitamente, sugere que o mundo do emprego deve ceder espaço às responsabilidades familiares dos trabalhadores(9,14).

Muitos dos países que têm assumido esse modelo de bem-estar, privilegiando a atividade produtiva sobre a reprodutiva, apresentam fenômeno consolidado denominado segunda transição demográfica. Trata-se de mudança acunhada por Lesthaeghe para descrever as mudanças relacionados à dissolução da família e as uniões, e nos padrões de reconstituição das mesmas que se encontram presentes nos países ocidentais, desde a Segunda Guerra Mundial(15). A essa segunda transição demográfica se soma o efeito da primeira transição, cujo efeito é o envelhecimento e se caracteriza por: (a) incremento dos solteiros, (b) atraso do matrimônio, (c) postergação do primeiro filho, (d) expansão das uniões consensuais, (e) expansão dos nascimentos fora do matrimônio, (f) aumento das rupturas matrimoniais e (g) diversificação das modalidades de estruturação familiar.

Sem lugar a dúvidas, essas mudanças condicionam a transformação do modelo tradicional de família que pressupunha matrimônio estável, uma mulher em casa que se ocupava do seu mantimento e da educação dos filhos, e um homem que obtinha os recursos necessários para a sobrevivência familiar fora do lar(16). Então, a transformação inclui mudança na função através de orientação muito mais individualista dos seus membros e, também, na composição, ampliando o conceito de família muito além da inclusão de pai, mãe e filhos e apresentando novas formas de família(2,15).

Mudanças nas formas de entender e fazer o cuidado

No fim da década de oitenta, na maior parte dos países ocidentais, houve a crise dos sistemas de proteção social, e isso incentivou a reinterpretação do cuidado familiar frente às falhas e limites da solidariedade pública ou coletiva. É a soma e a potenciação de todos esses fatores o que tem dado visibilidade e nova relevância ao cuidado como conceito e atividade(9, 17-18).

O cuidado procura garantir a vida do sujeito e melhorar sua autonomia(19), mas tem sido entendido, muitas vezes, somente como enfoque clínico, voltado, fundamentalmente, ao controle da doença. Entendido em sua acepção mais básica, o objetivo do cuidado se centra na garantia da sobrevivência através da satisfação das necessidades básicas. Porém, ao se produzir o alongamento da esperança de vida das pessoas com doença, ou deficiência, e se reivindicar seu direito à obtenção de vida integrada como as demais pessoas, gera-se um movimento centrado na vida independente e autodeterminada, o que implica que o objetivo do cuidado tem tido que se entender e se diversificar a tantos âmbitos e apoios de acordo com as necessidades da pessoa(18,20- 21).

Nesse sentido, as disciplinas enquadradas na medicina, caracterizadas predominantemente pela busca da cura, têm variado essa tendência, entre outras coisas pelo incremento das doenças e condições crônicas. Isso tem levado a acentuar as questões relacionadas à qualidade de vida, quando a cura é impossível, e a converter o objetivo do tratamento na manutenção da máxima funcionalidade e em proporcionar existência boa, com qualidade de vida. Como consequência, cobra uma nova preponderância à família e ao cuidado(22).

Olhando sob essa perspectiva, no âmbito da saúde, cobra relevância a evolução da concepção de curar (cure), para cuidar (care), e de sarar para se recuperar22). Isso se refere não somente à "recuperação" pelo transtorno, mas sobretudo à recuperação do projeto vital, uma vez que tem aparecido a doença e tem levado a se deslocar do enfoque de cuidado da doença para outro centrado na potencialização das capacidades presentes na pessoa(23).

Ponto central relacionado ao cuidado tem a ver, precisamente, com a mudança de postura que implica o papel central e ativo das pessoas naquilo que se tem denominado autocuidado(18). É assim que se tem estruturado programas e intervenções enfocadas na promoção da autodeterminação, através da provisão de apoios gerais e, também, se têm desenvolvido iniciativas relacionadas à capacitação específica para o manejo de medicamentos, controle de sinais e sintomas, afrontamento de doenças e, em geral, fomento à vida independente, num sentido amplo(23-27). Esses apoios, necessários nas distintas esferas do desenvolvimento do indivíduo, requerem participação de distintos atores que conformam a rede social e que, em diferentes contextos, oferecem apoios naturais e apoios formais. Dito de outro modo, são necessários de cuidados que se oferecem e desenvolvem per se no seio familiar e social, como daqueles que são desenhados ex professo com finalidade específica e oferecidos por instâncias externas à família(28).

Tem-se assinalado que a origem do cuidado reside claramente na família, e que no entendimento mais simples procura garantir a sobrevivência dos seus membros. Isso não quer dizer que há um caráter inato. Mesmo que se tenham produzido grandes mudanças sociais, modificando a posição das mulheres dentro da família, não é menos certo que a naturalização e biologização de que são determinadas socialmente ao cuidado, continuam etiquetando as mulheres como as melhores ou mais adequadas para cuidar. Porém, mesmo com a persistência dessa naturalização se percebe já evolução na concepção do cuidado(29-30).

Na abordagem exposta sobre a evolução do cuidado, as características intrínsecas dos que a realizam no lar parecem ser aquelas que menos têm mudado, já que estão vinculadas a diferenças de gênero que permanecem, e cujo melhor reflexo é a existência da maioria de mulheres como cuidadoras. Essa situação ocorre, embora o crescente papel laboral que têm as mulheres, acompanhado pela escassa contribuição dos homens, no âmbito doméstico/familiar, seus requerimentos cotidianos(9,16) e às mudanças que se podem observar, na nova dinâmica, há três personagens: mulheres migrantes, pessoas idosas e homens(10,31).

O fenômeno migratório poderia ser entendido como contribuinte da segunda transição demográfica. O Fundo Mundial de População das Nações Unidas informou que 3% da população mundial havia migrado(31-32). Esse fenômeno tem como um dos seus estímulos principais a possibilidade de encontrar um emprego, e a provisão de cuidados tem gerado mercado especialmente atrativo para mulheres provenientes de países escassamente desenvolvidos que, por sua vez, trocam o cuidado das suas próprias famílias com outras mulheres dando origem a um fenômeno denominado correntes globais de cuidados, definidos como elos de dimensões transnacionais que se conformam com o objetivo de sustentar cotidianamente a vida, e naquelas que, nos lares, transferem trabalhos de cuidados de uns para os outros, com base em eixos de poder, entre os quais se pode destacar o gênero, a etnia, a classe social e o lugar de procedência(32-35). Nesse caso, se referem às mulheres cuidadoras, as que se têm centrado basicamente no cuidado dos adultos idosos e enfermos(36), onde uma mulher é substituída por outra.

No caso dos idosos, nos países com estruturas demográficas envelhecidas, os cuidados parecem estar sendo realizados basicamente pelos seus netos ou cônjuges, o que corresponde à incorporação da mulher no mercado laboral e ao envelhecimento da população, assim, são necessárias políticas sociais acordes com essas realidades(9,37).

No caso da participação masculina, as mudanças parecem se orientar ao cuidado realizado pelos filhos. Estudos sobre o cuidado das pessoas mostram esse desafio para o século XXI. Estudo, elaborado na Espanha, assinala que os homens se implicam mais nas tarefas gratificantes ou naquelas que têm relação com a esfera pública (passeios, banhos, jogos, ajuda para engatinhar ), enquanto que as mães continuam realizando as tarefas mais pesadas e monótonas que se desenvolvem no âmbito doméstico(9). Tendência semelhante se observa no México onde o estudo Homem e Mulheres no México assinala que os homens incrementam sua participação nos cuidados de doentes temporais, mas se envolvem pouco no cuidado das crianças e das pessoas com limitações físicas ou mentais(38).

Essa evolução marcha à mesma velocidade da transferência de múltiplos conhecimentos técnicos para os que realizam o cuidado em casa. Assim, as alternativas como a alta precoce, o manejo ambulatorial e o manejo de tecnologia médica no lar, ainda. com o incremento de doenças crônicas degenerativas na população, em geral, faz com que o cuidado hoje seja diferente daquele de algumas décadas passadas(1,39-40) (Figura 1). O anterior, junto à crescente aceitação dos benefícios de manter as pessoas vinculadas ao seu ambiente familiar, tem promovido a aquisição de conhecimentos dirigidos à realização de atividades de cuidado especializadas. Essas vão além da ajuda tradicional, acelerando a necessidade de transferir conhecimentos ao cuidador e também à pessoa que recebe o cuidado(30,41).


Esse entendimento do cuidado e a evolução de sua complexidade levam a configurar. de forma distinta. o perfil do cuidador informal e o da pessoa cuidada. As fronteiras entre o cuidado como profissão e o trabalho familiar são desvirtuados quando atender um parente implica em pagamento, a cargo do Estado, e representa trajetória de mudança nas condições nas quais o cuidado é realizado e na natureza da participação do Estado e da família(42).

Em alguns países da Europa, a atenção a dependentes constitui estratégia para aumentar o trabalho feminino(43). Essa possibilidade abre a discussão sobre as implicações do cuidado no âmbito sociopolítico, como no caso espanhol, no qual a Lei de Promoção da Autonomia Pessoal e Atenção às pessoas em situação de dependência propõe compensação econômica para os que se dedicam ao cuidado de um familiar, e, por tal motivo, não têm a possibilidade de desempenhar trabalho remunerado fora do lar (Lei nº39/2006, de 14 de novembro).

A esse respeito, desde que a Lei foi promulgada, surgiu a questão da possível profissionalização das cuidadoras frente à consideração tradicional do seu papel cuidador, e, em 2009, se avivou essa discussão ao se anunciar a possibilidade de que as pessoas que tivessem carecido da oportunidade de se formar no âmbito do cuidado pudessem obter um título profissional, ao acreditar experiência familiar na atenção a menores ou familiares dependentes, com o fim de integrá-las no mercado laboral. O Real Decreto nº1224/2009, para o reconhecimento das competências profissionais, adquiridas pela experiência laboral, pretende facilitar a empregabilidade dos cidadãos, a mobilidade, fomentar o aprendizado ao longo da vida e favorecer a coesão social, especialmente daqueles coletivos que carecem de qualificação reconhecida (R.D. nº1224/2009, de 17 de julho).

Esse reconhecimento abre nova questão que radica na perspectiva de encontrar uma forma mista entre o cuidador formal e o informal, dada sua inserção laboral, e, com isso, a possibilidade de novos mercados de trabalho(44). Essa possibilidade reflete que o âmbito do cuidado está experimentando nova feminização e que, de alguma forma, o estabelecimento dessa nova opção laboral volta a colocar a mulher no âmbito doméstico(41). Mantém-se, assim, a pressão familiar para que a mulher, que tem cuidado de forma gratuita, continue fazendo-o, embora agora com ajuda econômica e seguridade social, o que reforça todos os aspectos de naturalização feminina do cuidado(43).

Por outra parte, a emergência desse setor de atividade econômica traz consigo a gênese de novas figuras laborais, como, por exemplo, a trabalhadora familiar, o gerocultor ou assistente pessoal para a autonomia. Todas elas emergem em um momento de precarização do mercado laboral e que, dado seu incipiente processo de profissionalização, as coloca em situação vulnerável e redunda em discriminação para os que exercem esses empregos. Isso é, dado que ditos empregos frequentemente se confundem com uma expressão de feminidade, tendem à invisibilidade laboral(33,41). Por outro lado, posto que esses empregos se desenvolvam no âmbito familiar, levam consigo o entendimento implícito da disponibilidade permanente do tempo das mulheres ao serviço da família, ao contrário do que ocorre na esfera econômica, onde as mercadorias se intercambiam por outras mercadorias e existe tempo determinado para essa intermudança(45). Esse fenômeno tem-se denominado domesticação do trabalho, termo que implica que os trabalhos remunerados apresentam, cada vez mais, características similares aos desenvolvidos no âmbito doméstico/familiar: são elásticos, fragmentados e dispersos no que se refere às condições laborais tais como a disponibilidade horária, a flexibilidade, a dedicação e a polivalência. Além disso, e cada vez em maior proporção, supõem a sujeição de uma qualidade – o afeto – que até agora se considerava exclusiva do âmbito privado da vida dos indivíduos, e absolutamente desvinculada de qualquer conceitualização do trabalho(33).

A esse respeito, um estudo(43) assinala que distintos regimes de cuidados dão lugar a tipos específicos de mercados nesse setor. Por exemplo, na Suécia, se tem criado ocupações qualificadas com empregos de qualidade, em um marco de políticas universalistas e de serviços públicos paralelos e integrados nas políticas de igualdade de gênero. Na mudança, nos países do Sul da Europa, com serviços sociais escassos e maior tendência às transferências monetárias, está se gestando um setor de mercado laboral precário e condições de emprego similares àquelas que se dão no caso britânico(33,43).

A respeito dos cuidados prestados pelos cuidadores formais, é previsível que as características da rede de apoio sociossanitário determinem, de forma indireta, o nível de apoio informal proporcionado ao enfermo pelo seu entorno mais próximo(46). O grau de acesso a ajudas técnicas, assim como o preço e a disponibilidade de substitutivos do cuidado informal, pode repercutir na intensidade e na natureza do mesmo. Considerando essas mudanças e a demanda crescente de cuidado, a perspectiva é cada vez mais complexa, já que são requeridos enfoques individualizados que abordem essa diversidade(18).

Conclusões

Nas mudanças populacionais estruturais, relacionadas à transição demográfica e epidemiológica, é possível identificar que o envelhecimento ocorrido em distintos graus, no mundo, tem trazido consigo o incremento do fenômeno da dependência, situação na qual se entrelaçam duas condições: a cronicidade e a deficiência, que trazem consigo incremento da complexidade dos cuidados. Essa situação demanda cada vez mais a participação dos cuidadores familiares e o surgimento de novas figuras de cuidadores profissionais. Por outra parte, também reforça a necessidade de uma nova posição das pessoas que recebem cuidados, transitando para a apropriação do conhecimento para seu autocuidado.

As implicações para os cuidadores profissionais não somente assinalam mudança no desempenho da sua prática de forma individual, mas, também, modificações na organização e posição dos serviços sociossanitários que requerem, ademais de novas modalidades como a atenção domiciliária, nova conceitualização orientada ao entendimento do cuidado como função social mais do que uma questão individual. O incremento de necessidades de apoio social para brindar o cuidado em áreas e populações mais diversificadas põe sobre a mesa a oportunidade e necessidade de que as enfermeiras profissionais participem, não somente na atenção direta às pessoas, mas também no planejamento e gestão do cuidado dado que é esse o eixo gravitacional da disciplina.

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  • Corresponding Author:
    Ma. del Carmen Pérez Rodríguez
    Universidad Autónoma de San Luis Potosí. Facultad de Enfermería.
    Av. Niño artillero s/n Zona Universitaria, C.P. 78290
    San Luis Potosí, San Luis Potosí, México
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      20 Nov 2010
    • Aceito
      17 Maio 2011
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