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A enfermagem no processo de acreditação hospitalar: atuação e implicações no cotidiano de trabalho

Resumos

Os objetivos neste estudo foram conhecer a atuação e as influências da enfermagem no processo de acreditação hospitalar. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada em um hospital privado de Belo Horizonte, MG. Esta pesquisa ficou composta por nove enfermeiros e quinze técnicos de enfermagem. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado, submetidas à análise de conteúdo. Os resultados mostraram que a atuação da enfermagem na acreditação envolve questões assistenciais, administrativas, educativas e de pesquisa. Os sujeitos da pesquisa apresentaram percepções diversas sobre a influência do processo de acreditação no seu trabalho. Foram destacados aspectos positivos como crescimento pessoal e valorização do currículo e aspectos negativos como estresse e pouca valorização profissional. Assim, é necessário que os profissionais entendam a lógica do processo, atuem com vistas à interdisciplinaridade e superação da fragmentação da assistência, alcançando assim o cuidado integral e a qualidade assistencial desejada.

Enfermagem; Qualidade da Assistência à Saúde; Acreditação


The aim of this study was to investigate the role and influence of nursing in the hospital accreditation process. It is a qualitative study, conducted in a private hospital of Belo Horizonte. The study subjects were nine nurses and 15 nursing technicians. Data collection was through semi-structured interviews, which were subjected to content analysis. The results showed that the role of the nursing team in the accreditation involves care, administrative, educational and research issues. The study subjects presented different perceptions regarding the influence of the accreditation process in their work. The positive aspects of personal growth and valorization of the curriculum were highlighted as well as negative aspects such as stress and little professional valorization. Therefore, it is necessary that the professionals understand the logic of the process and act with a view to the interdisciplinarity and overcoming the fragmentation of care, thus achieving integral healthcare and the quality of care desired.

Nursing; Quality of Health Care; Accreditation


Este estudio investigó el papel y la influencia de la enfermería en el proceso de acreditación de hospitales. Se trata de un estudio cualitativo realizado en un hospital en Belo Horizonte. Los sujetos del estudio fueron 09 enfermeras y 15 técnicos de enfermería. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas, las que fueron sometidas a análisis de contenido. Los resultados mostraron que la actuación de la enfermería en el proceso de acreditación implica cuestiones relacionadas con la atención, administración, educación e investigación. Los profesionales tenían percepciones diferentes acerca de la influencia del proceso de acreditación en su trabajo. Se destacaron aspectos positivos como el crecimiento personal y el desarrollo del currículo; los negativos fueron estrés y poco desarrollo profesional. Por lo anterior es necesario que los profesionales entiendan la lógica del proceso y actúen con una finalidad interdisciplinaria superando la fragmentación en el cuidado, logrando así la atención integral y la calidad de la atención.

Enfermería; Calidad de la Atención de Salud; Acreditación


ARTIGO ORIGINAL

A enfermagem no processo de acreditação hospitalar: atuação e implicações no cotidiano de trabalho1

Bruna Figueiredo ManzoI; Helen Cristiny Teodoro Couto RibeiroII; Maria José Menezes BritoIII; Marília AlvesIV

IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: brunaamancio@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Mestranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: helenctcouto@yahoo.com.br

IIIEnfermeira, Doutor em Administração, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: brito@enf.ufmg.br

IVEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: marilix@ufmg.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Os objetivos neste estudo foram conhecer a atuação e as influências da enfermagem no processo de acreditação hospitalar. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada em um hospital privado de Belo Horizonte, MG. Esta pesquisa ficou composta por nove enfermeiros e quinze técnicos de enfermagem. Os dados foram coletados por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado, submetidas à análise de conteúdo. Os resultados mostraram que a atuação da enfermagem na acreditação envolve questões assistenciais, administrativas, educativas e de pesquisa. Os sujeitos da pesquisa apresentaram percepções diversas sobre a influência do processo de acreditação no seu trabalho. Foram destacados aspectos positivos como crescimento pessoal e valorização do currículo e aspectos negativos como estresse e pouca valorização profissional. Assim, é necessário que os profissionais entendam a lógica do processo, atuem com vistas à interdisciplinaridade e superação da fragmentação da assistência, alcançando assim o cuidado integral e a qualidade assistencial desejada.

Descritores: Enfermagem; Qualidade da Assistência à Saúde; Acreditação.

Introdução

O conceito de qualidade em saúde não é simples, nem unívoco, mas complexo e polivalente. Mesmo com o crescente interesse em se definir qualidade nos últimos anos, essa tarefa ainda representa desafio para os atores que operam no campo da saúde, os quais não chegaram a um acordo sobre uma definição operacional apropriada e compartilhada(1). Um serviço de saúde para ter qualidade deve estar integrado numa rede, ou seja, estar conectado a outros serviços de saúde de diferentes complexidades e a outras redes como a educacional, a de ciência e tecnologia, a de transportes e de infraestrutura, as quais, articuladas ao setor saúde, lhe darão suporte para assistência de qualidade(2).

A falta de qualidade nos serviços de saúde resulta em sérios impactos para a sociedade e os sistemas de saúde, manifestando-se de muitas formas, como, por exemplo, serviços ineficazes, que não alcançam os resultados esperados; serviços ineficientes, com custos elevados para alcançar o mesmo resultado; serviços inacessíveis, tanto geográfica, econômica, como cultural ou socialmente, refletindo em longas listas e insatisfação dos usuários e profissionais de saúde. Esse cenário é causado por fatores, como falta de priorização da qualidade na agenda do setor saúde; deficiência dos marcos regulatórios (normas técnicas, sistemas de acreditação e habilitação e cartas de deveres e direitos dos pacientes), formação de profissionais de baixa qualidade e inadequada para a gestão de recursos materiais, humanos e financeiros, falta de programas de desenvolvimento profissional, transferência financeira desconectada com o desempenho e os resultados de saúde, ausência de trabalho em equipe, modelo paternalista de assistência que não envolve o usuário na tomada de decisão e condições de trabalho inadequadas(3).

No sentido de superar esse panorama, faz-se necessário, dentre outras ações políticas e sociais, qualificar a gestão das organizações de saúde, buscando novas ferramentas e modelos de gestão para se lograr êxito no desempenho e resultados apresentados para a sociedade. Para tanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a adoção de programas de acreditação, que classifica em níveis de qualidade as instituições, promovendo aprendizagem consubstanciada no valor que se dá a uma realidade em face de uma referência ou padrão(4-5).

A acreditação de serviços de saúde tem sua origem nos trabalhos do cirurgião emérito do Hospital da Universidade de Harvard - Dr. Ernest Amory Codman (1869-1940) - que, profundamente comprometido com a qualidade da assistência, ajudou a fundar o Colégio Americano de Cirurgiões (CAC) e, em 1917, esse Colégio desenvolveu, a partir dos estudos de Codman, uma proposta de "Padrões Mínimos para Hospitais". Em 1918, o CAC visitou 692 hospitais, dos quais somente 89 atenderam os requerimentos desses padrões mínimos, porém, em 1950, já havia 3.200 aprovados. Nessa época, em 1951, o Colégio Americano de Clínica Médica, a Associação Americana de Hospitais, a Associação Médica Americana e a Associação Médica do Canadá se juntam ao CAC para fundar a Comissão Conjunta de Acreditação de Hospitais, organização não governamental, sem fins de lucro, cujo objetivo era oferecer a acreditação(5).

A história do Sistema Brasileiro de Acreditação inicia bem mais tarde, no final dos anos 80, quando a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) estabeleceu um conjunto de padrões para os hospitais da América Latina, os quais, se alcançados, dariam à organização a certificação de acreditado. O Ministério da Saúde criou, em 1997, uma comissão nacional de especialistas para desenvolver o modelo brasileiro de acreditação e, em 1999, surgiu a Organização Nacional de Acreditação (ONA), entidade não governamental, sem fins lucrativos, com a atribuição de coordenar o sistema de acreditação(6). Nesse ano também, após a formulação dos padrões da Opas e projetos pilotos em vários hospitais do país, foi publicado o Manual de Acreditação de Hospitais do Brasil(5).

Esse manual sofreu várias revisões e, a partir de 2006, foi lançado o Manual Brasileiro de Acreditação das Organizações Prestadoras de Serviços de Saúde (MBA/OPSS), agregando, assim, outras instituições de saúde no mesmo instrumento. A versão mais atual do MBA/OPSS da ONA é referente a 2010 e representa instrumento fundamental para guiar os avaliadores e as instituições de saúde no processo de acreditação(7). A ONA preconiza uma classificação por níveis: nível 1 refere-se aos requisitos básicos da qualidade; nível 2 refere-se às evidências do planejamento na organização da assistência e nível 3 contempla as políticas de melhoria contínua nas estruturas hospitalares(8).

A adesão eficaz à acreditação em hospitais pressupõe a interligação em rede dos setores e seus colaboradores, visto que é considerado um sistema complexo, em que estruturas e processos estão interligados de tal maneira que um componente interfere no resultado institucional. No hospital, a equipe de enfermagem é fundamental para um programa de qualidade, devido à expressiva quantidade de profissionais e por sua atuação direta e permanente com os clientes internos e externos. A enfermagem interage com todas as áreas de apoio, com autonomia e corresponsabilidade, por meio de instrumentos da estrutura organizacional, como regimento interno, organograma, rotinas, sistemas de comunicação e controle. Ademais, o enfermeiro tem familiaridade, desde a formação acadêmica, com questões gerenciais, de liderança, de auditoria clínica, sendo educador e pesquisador. Tendo, assim, habilidade singular para assessorar a equipe multiprofissional durante a implementação e monitorização de um processo de Acreditação(8-9). Assim, os processos de acreditação são influenciados pelas ações da enfermagem e, ao mesmo tempo, têm importantes implicações no cotidiano de trabalho da equipe.

Em face das considerações apresentadas, surgem os seguintes questionamentos: qual é o papel da enfermagem no processo de acreditação hospitalar? Quais são as implicações desse processo para a equipe de enfermagem? As respostas para as questões apresentadas poderão fornecer subsídios para ampliar as discussões e reflexões acerca da participação da enfermagem no processo de acreditação, proporcionando maior adesão da equipe na prestação de atendimento qualificado. Assim, o objetivo do presente estudo foi conhecer a atuação e as influências da enfermagem no processo de acreditação hospitalar.

Metodologia

Trata-se de estudo de caso descritivo, de natureza qualitativa. Os estudos qualitativos aplicam-se ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os sujeitos sociais fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos, sentem e pensam(10). O estudo de caso visa investigar fenômenos contemporâneos em seu contexto real e se caracteriza pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de modo a permitir conhecimento amplo e detalhado do mesmo(11).

O estudo foi realizado em um hospital privado, de médio porte de Belo Horizonte, MG, inaugurado em 2004 na perspectiva de ser referência de qualidade no atendimento para todos os hospitais da rede conveniada. Em 2006, o hospital foi acreditado em nível de excelência, atingindo êxito em todas as etapas do processo de acreditação. Foram incluídos na pesquisa os setores de internação, Bloco Cirúrgico (BC) e Unidade de Cuidados Progressivos (UCP), por terem sido criados no momento da inauguração e terem participado da primeira auditoria externa realizada no hospital.

A escolha dos sujeitos da pesquisa foi realizada de maneira intencional, utilizando como critérios de inclusão a participação de profissionais enfermeiros e técnicos de enfermagem que participaram no processo de acreditação hospitalar, desde a primeira auditoria. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas, utilizando um roteiro semiestruturado, com pelo menos um profissional de cada setor. Para tanto, foi utilizado o critério de saturação das informações, a qual pressupõe interrupção de inclusão de novos participantes na pesquisa, quando os dados obtidos passam a apresentar certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados(12). A amostra da pesquisa ficou composta por 15 técnicos de enfermagem e 9 enfermeiras.

Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo, buscando alcançar a interpretação mais profunda do fenômeno, além de ultrapassar o alcance meramente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem(13). Como resultados do processo de análise, foram construídas duas categorias temáticas: a atuação da equipe de enfermagem no processo de acreditação hospitalar e implicações do processo de acreditação hospitalar para equipe de enfermagem. Com vistas a assegurar o anonimato dos sujeitos da pesquisa, as entrevistas foram numeradas de acordo com a sequência em que ocorreram e com a sigla, de acordo com o profissional entrevistado, a saber, ENF para enfermeiros e TE para técnicos de enfermagem.

Em relação aos aspectos éticos, o estudo foi realizado atendendo às determinações da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, a qual estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, sob Parecer nº2567/08. Todos os sujeitos que concordaram em participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados e discussão

A atuação da equipe de enfermagem no processo de acreditação hospitalar

Os sujeitos da pesquisa relatam que no processo de acreditação são realizadas ações de enfermagem relativas tanto a questões assistenciais quanto administrativas, sendo que nessa última observou-se um enfoque maior, sendo responsabilidade dos enfermeiros a sua execução. Implantamos a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) que foi fundamental para melhoria contínua dos indicadores (ENF2). A enfermagem montou todos os Procedimentos Operacionais Padrão (POP) e esses são revisados continuamente (ENF5). Manter o paciente em ordem, fazer medicação e checar de forma correta (...) realizar todos os procedimentos de acordo com a rotina (TEC5). A enfermagem controla a qualidade do serviço, humaniza, e tenta prestar assistência segura com o menor risco para o paciente, com o menor impacto. Menor tempo de internação, melhor assistência com menor custo (ENF1).

A equipe de enfermagem, de forma geral, tem por essência o cuidado ao ser humano, individualmente, na família ou na comunidade, desenvolvendo importantes ações por meio do cuidado, responsabilizando-se pelo conforto, acolhimento e bem-estar dos pacientes(14). O líder dessa equipe - o enfermeiro, por outro lado, tem por especificidade prover condições para que esse cuidado ocorra de forma segura e com qualidade, por meio de ações gerenciais. Os entrevistados apontam as tarefas gerenciais como prerrogativas do enfermeiro. Somos responsáveis pela escala de funcionários adequada, conforme a nossa legislação, participo da comissão de padronização de medicamentos e prontuário (ENF4). Agora nós temos o gerenciamento de risco e implantamos uma planilha para seu controle. Toda vez que acontece um evento adverso a gente lança na planilha e aí identifica: vermelho é grave, laranja é moderado, de acordo com a gravidade. A gente avalia os indicadores de qualidade e discute com a equipe o que pode melhorar (ENF1).

A prática administrativa do enfermeiro tem evoluído para se adaptar às novas exigências apresentadas em cada contexto histórico, social, político e econômico. Num passado próximo, o enfermeiro era chefe do setor, hoje o mercado exige que ele seja gestor da unidade estratégica de negócio, com entendimento do todo e não apenas da parte tradicional que lhe cabia, a enfermagem(15). Isso pode ser percebido, no relato da ENF4, a qual menciona participar de comissões e avaliar indicadores, extrapolando suas ações setoriais, alcançando nível de atuação institucional.

Além disso, uma importante atuação do enfermeiro que emergiu no processo de acreditação foi a capacitação dos profissionais, enquanto estratégia de reorganização dos processos de trabalho, para a busca contínua de melhoria. Treinamentos, revisão de POPs, levantamento de necessidades, estamos sempre revisando algum processo ou rotina, tentando melhorar sempre (ENF1). A enfermagem realiza treinamentos para tentar se adequar. Passa as informações para a equipe, inclusive para a equipe médica (ENF7). Só conseguimos ter qualidade com treinamento para que todos façam do mesmo jeito, com segurança (TEC4).

Os profissionais recebem formação básica e fundamental para exercerem seu trabalho durante a formação, porém, ao final dessa e no decorrer da sua vida profissional, os conhecimentos e as habilidades ainda permanecem em construção e remodelagem. Assim, conforme o depoimento do TEC4, a educação permanente é importante por permitir atualização das práticas realizadas cotidianamente pelos profissionais e construção de relações e processos que vão das equipes em atuação às práticas institucionais. Assim, a educação continuada em saúde constitui-se em estratégia fundamental para que o trabalho se traduza numa prática de transformação, reflexiva, crítica e propositiva, com vistas à constante melhoria da qualidade das ações e serviços de saúde prestados aos pacientes(16).

Nesse sentido, no processo de aprimoramento profissional do enfermeiro é imprescindível ressaltar a liderança. Em estudo recente, desenvolvido em 14 hospitais certificados pela ONA e pela Joint Commission International (JCI), no município de São Paulo, a liderança é a competência mais importante e mais presente nos gerentes de enfermagem dessas instituições acreditadas, na visão dos seus superiores hierárquicos(17). Porém, durante a formação dos profissionais de enfermagem, os aspectos técnicos são mais valorizados em detrimento de aspectos gerenciais, os quais são necessários ao enfermeiro quando está inserido na prática e necessita tomar decisões que vão impactar na qualidade e resultado institucional.

Ademais, a equipe de enfermagem, e principalmente o enfermeiro no processo de acreditação, também realiza ações de natureza científica, como é apontado. Participamos também de grupo de pesquisa e discussão clínica (ENF6). A participação da enfermagem tanto em desenvolvimento de pesquisas como nas discussões clínicas dos pacientes são fundamentais para a qualidade da assistência. Porém, a pesquisa em enfermagem é pouco incentivada nas organizações hospitalares, sendo o quantitativo bem inferior quando comparadas àquelas desenvolvidas pelas Universidades e Escolas de Enfermagem(18).

Assim, pode-se notar que a atuação da enfermagem no processo de acreditação, segundo os sujeitos da pesquisa, se assemelha ao processo de trabalho da enfermagem, relatado na literatura, o qual envolve ações direcionadas às dimensões do cuidar, administrar/gerenciar, ensinar e pesquisar. Entretanto, percebe-se, de forma enfática nas falas dos sujeitos, que a atuação gerencial, peculiar dos enfermeiros, prevalece num processo de acreditação em detrimento da atuação exercida por profissional técnico de enfermagem.

Implicações do processo de acreditação hospitalar para equipe de enfermagem

A percepção dos profissionais sobre as implicações do processo de acreditação no seu cotidiano de trabalho se diferenciou em percepções positivas e negativas. Os aspectos positivos se relacionaram à possibilidade de crescimento pessoal e valorização do currículo e os negativos com o estresse e alta cobrança, conforme exemplificado. É bom para o profissional. Quem trabalha num hospital que tem a ONA é bom para o currículo. Acho que isso é um ponto positivo, e negativo é o estresse mesmo (TE5). De certa forma, o funcionário cresce. Porque ele deixa de se envolver só com a prescrição médica, começa a ter pensamento crítico. Mas, ao mesmo tempo, ele tem que se dividir, se desdobrar. Tem que ficar um tempo se dedicando à ONA, às folhas, à checagem e à toda burocratização de assistência. É muito pesada, e nisso o paciente perde, e o funcionário sai daqui estressado, porque ele tem sempre a sensação "eu não dou conta de fazer tudo". Isso desmotiva o funcionário (ENF3).

Os aspectos positivos do processo de acreditação estão ainda atrelados aos sentimentos de orgulho e satisfação, pois se responsabilizam pela conquista e valorização do hospital. A gente fica muito satisfeito quando passa a auditoria, o hospital foi acreditado e que a gente está envolvido, lá fora vai fazer a diferença para a gente (TE15). A esse respeito, a qualidade é tudo que agrega valor ao trabalho ou às relações(19) e está diretamente ligada aos resultados organizacionais e ao desenvolvimento profissional e pessoal.

A questão da segurança profissional também foi mencionada pelos entrevistados, como aspecto positivo. Os profissionais abordaram que o funcionário inserido num serviço acreditado sente-se mais bem preparado para atender as necessidades dos clientes à medida que oferecem recursos materiais, técnicos e humanos mais qualificados pela padronização de rotinas e maior organização. Segurança de você estar trabalhando em uma empresa reconhecida, uma empresa que está buscando cada vez melhorar e que também nos dá segurança de realizar um bom trabalho (TE15). A partir do momento que se padronizam certos quesitos (...) acaba sendo benéfico porque é um ambiente melhor para trabalhar. Não que a acreditação isente de qualquer problema, ocorre da mesma forma, mas a partir do momento que tem certas coisas padronizadas isso ajuda (ENF4).

Os profissionais relatam, ainda, que o processo de acreditação proporciona clima organizacional favorável e propício para fortalecer as relações. O hospital vai estar buscando que o clima seja legal para o profissional, que, entre a clientela interna, exista um relacionamento legal, preocupar também com a satisfação do trabalhador, com as condições de trabalho dele (TE3). Nessa busca pela acreditação a gente acaba virando uma família (TE13). Acho que eu fiquei mais envolvida porque a gente tem um grupo de enfermeiros, um nível bom de amizade, de companheirismo, de um ajudar ao outro, de cooperar, a gente acaba crescendo (ENF3). A melhoria nas condições de trabalho favorece a relação de crescimento, de entusiasmo e de prazer dos funcionários, facilitando o desenvolvimento eficiente do trabalho, com qualidade, em um ambiente de satisfação e alegria(20).

Outros depoimentos apontam a maturidade profissional como aspecto positivo do processo da acreditação, proporcionando trocas de experiências e possibilitando maiores chances no mercado de trabalho. Aqui, em 5 anos eu cresci muito mais do que 10, 12 anos que eu trabalhei fora, justamente porque tem processos, tem exigências, porque eles acreditam nisso. O mercado tem carência de funcionários qualificados nesse processo. Eu acredito que mais lá para frente, esses profissionais vão ter mais oportunidades de trabalho (ENF6). É um processo que oferece condições de aperfeiçoamento profissional, abre o campo pra esses profissionais (ENF9). Sobre esse aspecto, a implantação de um processo de acreditação deve mobilizar os recursos institucionais para a construção de um novo paradigma, para tanto se desenvolvem rotinas, procedimentos, processos e metodologias no sentido de satisfazer os pacientes. Assim, a mudança de atitude é resultado de um processo de construção fundamentado no compartilhamento de informações, definição clara de objetivos e metas(8).

Já em relação às percepções negativas sobre a acreditação, a falta de valorização é uma queixa que emergiu dos depoimentos. Os profissionais se sentem pouco valorizados em face do desafio vivenciado, relatam que seus erros são notados e criticados, ao passo que os elogios das metas e vitórias conquistadas não apresentam grandes repercussões. Eu acho que o profissional se sente estressado com tanta cobrança, a todo o momento ele sempre é cobrado por um erro, às vezes ele não tem tanto elogio de alguma coisa que ele fez bem feita. São sempre os erros que estão sendo buscados (ENF9). O processo de acreditação tem como meta a mudança dessa cultura de procurar o culpado, sendo que os erros são vistos como um evento sistêmico, o qual ocorreu em virtude de diversos fatores. Porém, as ferramentas da qualidade são, por vezes, utilizadas para atribuir culpa, medo e desenvolver controle sobre as pessoas e não sobre o processo de trabalho e capacitação(19).

A equipe de enfermagem aponta ainda uma cobrança desigual em relação às diferentes categorias, sendo esse cenário desfavorável para o atendimento de qualidade, uma vez que sobrecarrega a enfermagem. A equipe não participa de forma geral, acaba que a enfermagem fica tampando buraco que os outros não conseguiram resolver. A equipe médica participa muito pouco, praticamente nada (ENF4). No meu ponto de vista a gente vê mais cobrança na enfermagem (...) dos médicos eu não vejo. Pelo menos nos treinamentos eu não os percebo lá participando, não! Então eu acho que é mais cobrado da enfermagem mesmo (TE5). A equipe de Enfermagem, como um todo, tem uma cobrança muito grande. A maioria dos indicadores é avaliada por nós (...). Fica muito centrado ainda na Enfermagem. Isso talvez tivesse que mudar um pouco, porque é creditado na gente todas as mudanças, tanto boas como ruins. Mas nem tudo está com a gente, nem tudo é resolvido a partir da Enfermagem (ENF9).

Os entrevistados mencionam a falta de integração da equipe multiprofissional e relatam a inexistência de coesão entre os profissionais, ainda que devessem estar unidos em busca da excelência dos serviços. A situação revelada contraria os princípios preconizados pela ONA, quanto ao trabalho em equipe interdisciplinar e o cuidado integral. Sob essa lógica, o desinteresse da equipe multiprofissional, em especial da equipe médica, fragiliza todo o processo de acreditação, já que sem o apoio desses profissionais o processo de avaliação da qualidade assistencial possui valor limitado(21). Assim, a participação efetiva de todas as categorias profissionais da organização é de extrema importância para a busca da excelência dos serviços de saúde(4).

O cenário permeado por cobrança e pressão para engajamento às metas institucionais, relatado pelos sujeitos da pesquisa, é por vezes associado ao aumento da renumeração. Para nós profissionais não faz a diferença, não mudou nada! Porque você ganhou o título não tem um aumento de salário. Não melhora. Com ou sem ONA não muda nada. Acho que é pior ter ONA: a cobrança é muito grande (TEC10). Quando a gente entrou, eles falaram que quando ganhasse a ONA, o salário ia aumentar (...). Falaram que a gente ia ter o 14º se a gente ganhasse, diz agora que é até mentira, que nós os técnicos que criamos isso. Quem criou? Por que a gente ia criar uma coisa dessas, mentirosa? Não! É porque foi falado realmente! Então nós começamos a cobrar (TE6). Nesse sentido, no processo de acreditação, a instituição necessita formular um sistema de recompensas e reconhecimento dos esforços de seus colaboradores, para estimular e motivar as pessoas para o compromisso com a qualidade e com a excelência dos serviços prestados(22).

Ressalta-se, ainda, como outro aspecto negativo levantado pelos entrevistados, a implementação da acreditação como um processo de cima para baixo, ou seja, a alta administração decidiu pela sua implementação sem haver informado antecipadamente a proposta para a equipe de profissionais. Foi colocado para nós que o hospital teria que ser acreditado e pronto (ENF2). As coisas mudavam de um dia para outro sem a gente saber o que estava acontecendo (TE12). Tais achados afirmam que, à medida que os colaboradores não entendem o processo, eles ignoram seus objetivos e suas propostas, demonstrando, num desdobramento natural, contrariedade ou resistência ao novo método(21). Dessa forma, pressupõe que a maneira pela qual os profissionais, e especificamente neste estudo os enfermeiros, vivenciam o processo de acreditação, influenciam na ruptura de uma cultura organizacional, levando a um caminho que gere ou não qualidade e excelência da prestação de cuidados em saúde.

Considerações finais

A acreditação hospitalar para trazer melhorias para a qualidade da assistência exige trabalho com vistas à interdisciplinaridade e superação da fragmentação institucional da assistência, fazendo com que os profissionais se organizem para entender a lógica do cuidado integral e atingirem, consequentemente, a qualidade desejada.

Nessa ótica, o profissional enfermeiro tem atuação fundamental junto à sua equipe no processo de acreditação, uma vez que participa ativamente em momentos decisórios, estratégicos e operacionais. A atuação da equipe de enfermagem envolveu ações direcionadas para as dimensões do cuidar, administrar/gerenciar, ensinar e pesquisar. Mas, percebeu-se, nos depoimentos dos sujeitos da pesquisa, que a atuação gerencial, peculiar dos enfermeiros, prevalece num processo de acreditação em detrimento da atuação exercida por profissional técnico de enfermagem. De fato, faz sentido, a atuação gerencial exercida tendo em vista que a acreditação é um instrumento e modelo de gestão. Porém, a qualidade resultante da acreditação será refletida principalmente no cuidado cotidiano dos pacientes, os quais são executados não apenas pelo enfermeiro ou tampouco pela equipe de enfermagem, mas por uma equipe multiprofissional. Esse cenário traz reflexões importantes no sentido de incluir mais as outras categorias profissionais no processo de acreditação, que, juntos com a diversificação de olhares, práticas e métodos, poderão proporcionar cuidado mais integral e de qualidade.

Foi possível observar tanto percepções positivas quanto negativas. Os aspectos positivos se relacionaram à possibilidade de maturidade profissional; orgulho e satisfação por serem também os responsáveis pelo reconhecimento do hospital junto à sociedade; segurança profissional estabelecida por meio de rotinas, padronização e organização do serviço com recursos materiais, técnicos e humanos mais qualificados e disponíveis; clima organizacional favorável ao aprendizado profissional pelas trocas de experiências e possibilidade de maiores chances no mercado de trabalho. Já os negativos relacionaram-se à falta de reconhecimento e valorização, inclusive financeira, em face do desafio vivenciado, cobrança da enfermagem maior em detrimento das demais categorias, pouca participação da equipe multiprofissional e a implementação da acreditação como algo imposto pela alta administração sem sensibilização dos profissionais.

Assim, a partir deste estudo, espera-se que novas pesquisas e publicações referentes à temática sejam realizadas, haja vista a relevância da atuação dos profissionais no processo de acreditação e as influências desse processo no cotidiano de trabalho, na qualidade de atendimento e satisfação dos clientes internos e externos da organização. No entanto, este estudo refere-se ao caso de um hospital, não sendo passível de generalização para outros contextos.

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  • Corresponding Author:
    Bruna Figueiredo Manzo
    Rua Professor Baroni, 235, Apto. 601
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    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master's Thesis "Acreditação Hospitalar na perspectiva dos profissionais de saúde", presented to Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Abr 2011
    • Aceito
      25 Nov 2011
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