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Qualidade de vida e sintomas depressivos entre cuidadores e dependentes de drogas

Resumos

O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade de vida e a presença de sintomas depressivos entre cuidadores e dependentes de drogas, dos CAPSad. Foi utilizado, como método, o estudo transversal, com 109 usuários de quatro Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas, de Mato Grosso, e seus cuidadores, aplicando-se os instrumentos: Medical Outcomes Studies 36 (SF-36), inventário de depressão de Beck (BDI) e variáveis sociodemográficas. Constatou-se, pelos resultados, que a qualidade de vida (QV) dos cuidadores, nos domínios capacidade funcional, aspecto físico, dor e vitalidade, estava mais afetada, quando comparada aos usuários. Encontrou-se forte correlação entre QV e sintomas depressivos nos dois grupos. Conclui-se que as comparações realizadas demonstram comprometimento da qualidade de vida de ambos, sendo essa mais afetada no grupo de cuidadores, confirmando a situação de dependência de drogas como importante interveniente na percepção do cuidador, quanto à sua qualidade de vida.

Qualidade de Vida; Depressão; Relações Familiares; Transtornos Relacionados ao uso de Substâncias


The aim of this study was to evaluate the quality of life and the presence of depressive symptoms among the caregivers and drug dependent people of the CAPSad. This is a cross-sectional study, with 109 users of four Psychosocial Care Centers for alcohol and other drugs of Mato Grosso and their caregivers, using the instruments: Medical Outcomes Studies 36 (SF-36), Beck Depression Inventory (BDI) and a sociodemographic variables questionnaire. The QoL of the caregivers in the domains functional capacity, physical aspect, pain and vitality were more affected when compared to the users. A strong correlation between QoL and depressive symptoms was found in both groups. The comparisons performed demonstrate a compromise in the quality of life of both, with the group of caregivers most affected, confirming the situation of drug dependence as an important factor in the perception of the caregiver regarding their quality of life.

Quality of Life; Depression; Family Relations; Substance use Disorders


Este estudio tuvo por objetivo evaluar la calidad de vida y los síntomas depresivos en cuidadores y adictos a drogas. Se trata de un estudio transversal en 109 usuarios y sus cuidadores en cuatro Centros de Atención Psicosocial de alcohol y otras drogas en el estado de Mato Grosso. Se aplicaron los instrumentos: Medical Outcomes Studies 36 (SF-36), Inventario de Depresión de Beck (BDI) y sociodemográficos. Se encontró que la calidad de vida de los cuidadores en los dominios de funcionamiento físico, dolor y vitalidad fueron más afectados en comparación a los usuarios. Se obtuvo una fuerte correlación entre la calidad de vida y los síntomas depresivos en ambos grupos. Las comparaciones demuestran que la calidad de vida del cuidador y del usuario están comprometidas, siendo que la más afectada corresponde al grupo de cuidadores, lo que confirma la situación de la dependencia de drogas como un actor importante en la percepción del cuidador sobre su calidad de vida.

Calidad de Vida; Depresión; Relaciones Familiares; Los Trastornos Relacionados con el Consumo de Sustancias


ARTIGO ORIGINAL


Qualidade de vida e sintomas depressivos entre cuidadores e dependentes de drogas1

Samira Reschetti MarconI; Elizete Aparecida RubiraI; Mariano Martinez EspinosaII; Dulce Aparecida BarbosaIII

IEnfermeira, Doutor em Ciências da Saúde, Professor Adjunto, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil. E-mail: Samira - samira.marcon@gmail.com, Elizete - earubira@gmail.com

IIEstatístico, Pós-doutor em Confiabilidade, Professor Adjunto, Departamento de Estatística, Universidade Federal Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil. E-mail: marianomphd@gmail.com

IIIEnfermeira, Pós-doutor em Nefrologia, Professor Adjunto, Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: dulce.barbosa@unifesp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade de vida e a presença de sintomas depressivos entre cuidadores e dependentes de drogas, dos CAPSad. Foi utilizado, como método, o estudo transversal, com 109 usuários de quatro Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas, de Mato Grosso, e seus cuidadores, aplicando-se os instrumentos: Medical Outcomes Studies 36 (SF-36), inventário de depressão de Beck (BDI) e variáveis sociodemográficas. Constatou-se, pelos resultados, que a qualidade de vida (QV) dos cuidadores, nos domínios capacidade funcional, aspecto físico, dor e vitalidade, estava mais afetada, quando comparada aos usuários. Encontrou-se forte correlação entre QV e sintomas depressivos nos dois grupos. Conclui-se que as comparações realizadas demonstram comprometimento da qualidade de vida de ambos, sendo essa mais afetada no grupo de cuidadores, confirmando a situação de dependência de drogas como importante interveniente na percepção do cuidador, quanto à sua qualidade de vida.

Descritores: Qualidade de Vida; Depressão; Relações Familiares; Transtornos Relacionados ao uso de Substâncias.

Introdução

A literatura tem discutido amplamente as consequências coletivas e/ou individuais da dependência de drogas, na sociedade(1-3), sendo que, coletivamente, a família é a primeira a ser afetada em sua dinâmica funcional e organizacional(1).

Dessa forma, estudos têm fornecido informações acerca dos problemas enfrentados pelos familiares de dependentes de drogas, frente às situações geradas pelo uso, ocasionando desentendimento e fragilização nas relações interpessoais(1-3). Essas situações são reveladas por sentimentos mais diretamente ligados ao âmbito emocional como ambiguidade, impotência, ansiedade, medo, sentimento de culpa, decepção, frustração, depressão, e outros problemas relacionados às situações rotineiras do dia a dia. Dentre outros prejuízos, o distanciamento dos amigos e a redução das atividades sociais, com consequente comprometimento da qualidade de vida (QV), são vivenciados tanto pelo familiar quanto pelo dependente de drogas(1-2).

Na presença da dependência, toda a estrutura familiar pode estar abalada, porém, os familiares sofrem graus variados de aproximação e de distanciamento, frente aos impactos negativos desse comportamento. Comumente, na família, um membro assume o papel de cuidador(2), sendo esse a pessoa mais diretamente ligada ao cuidado e/ou afetivamente ao dependente de drogas(3), condição que não somente afeta diretamente a QV como predispõe o surgimento de sintomas depressivos no cuidador(4).

Estudo com familiares de dependentes de drogas evidenciou aumento no risco do surgimento de transtornos mentais em 58% dos cônjuges, e maior frequência de agressões físicas, morte de familiares e envolvimentos com problemas policiais nesses lares(4). Em relação ao usuário, na última década, a coocorrência de transtornos mentais e dependência de drogas tem sido largamente reconhecida na clínica psiquiátrica(5). Um levantamento epidemiológico nacional sobre condições relacionadas ao álcool pelo National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions (NESARC) entre adultos da população em geral, nos Estados Unidos (USA), evidenciou prevalência de 20% de transtornos de humor e 18% de transtornos de ansiedade em indivíduos que faziam uso de substâncias psicoativas(6).

A relação entre qualidade de vida e a presença de sintomas depressivos tem sido investigada, em sua grande maioria, na literatura americana com enfoque em usuários de drogas injetáveis, usuários em uso de terapia de substituição (metadona), ou com os seus familiares, separadamente(7-8), não sendo encontrados estudos comparativos entre essa população. No Brasil, são poucos os estudos existentes abordando a temática QV entre dependentes de drogas e, dentre esses, alguns se direcionam à população usuária de álcool(2,9).

As políticas nacionais, atualmente, direcionadas à dependência de drogas, preconizam a atenção comunitária do usuário, e têm na família importante aliado no processo de recuperação, e na melhoria das condições de qualidade de vida(10). No entanto, apesar da necessidade de participação e responsabilização dos familiares no processo terapêutico, muitas vezes os serviços, que atendem essa clientela, focam os cuidados aos usuários, deixando os cuidadores relegados a uma atenção secundária, não valorizando a necessidade de atendimento e apoio, implicados por esses(2). Diante disso, questiona-se: como está a qualidade de vida dos cuidadores quando comparada aos dependentes de drogas?

Considerando, portanto, a escassez de dados internacionais e nacionais referentes à temática e à política de assistência que visa a família como objeto de atenção, por meio deste trabalho pretendeu-se contribui para conhecer essa população, além de fornecer informações que possam subsidiar o planejamento de intervenções na prática clínica, visando minimizar os prejuízos individuais e coletivos, ocasionados pela dependência de drogas, resultando na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos envolvidos. Este estudo objetivou avaliar a qualidade de vida e a presença de sintomas depressivos entre os cuidadores e dependentes de drogas.

Material e Método

Desenho e local do estudo

O delineamento deste estudo foi transversal, desenvolvido em quatro Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPSad), de quatro Municípios do Estado de Mato Grosso (MT): Cuiabá (capital), Várzea Grande, Rondonópolis e Barra do Garças.

População e Amostra

A população foi constituída por 109 usuários de drogas ilícitas, independente do tipo de droga utilizada, que se encontravam cadastrados nos quatro CAPSad de MT e seus respectivos cuidadores (n=109). Neste estudo, foi definido como cuidador o familiar ou a pessoa que o usuário tinha como referência, ou que se responsabilizava pelo acompanhamento do tratamento no serviço. A amostra foi obtida pelo método de amostragem aleatória estratificada, proporcional ao tamanho da população, método utilizado pelo fato de os CAPSad dos quatros municípios possuírem tamanhos populacionais diferentes. Dessa forma, considerou-se o número médio de usuários que se encontravam em tratamento nas CAPSad nos quatro municípios, em 2007. Foi considerado o número médio de usuários por mês, pois os mesmos podiam estar em tratamento por vários meses, consecutivamente, em seus respectivos municípios. Assim, o tamanho de amostra foi de 109 de usuários, sendo 42 de Cuiabá, 32 de Várzea Grande, 20 de Rondonópolis e 15 de Barra do Garças. Cabe destacar que, para determinar esse número de amostra, foi utilizada confiança de 95%, um erro de estimação de 0,05 e uma proporção de 0,5.

Critérios de inclusão

Incluiu-se o usuário de drogas ilícitas, independente do tipo de droga utilizada, com possibilidade de drogas lícitas associadas. Critério de inclusão para o cuidador: ser familiar ou pessoa responsável pelo tratamento do usuário no CAPSad.

Critérios de exclusão para usuários e cuidadores

Indivíduos que não apresentaram condições cognitivas para compreensão do termo de consentimento livre e esclarecido, aqueles que não aceitaram participar da pesquisa, os menores de 18 anos e cuidadores usuários de qualquer tipo de droga lícita e/ou ilícita.

Instrumentos de coleta de dados

Foram utilizados 3 instrumentos: questionário elaborado para coleta de dados demográficos, socioeconômicos e do tipo de drogas utilizadas em ambos os grupos. O Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey(11): instrumento multidimensional traduzido, adaptado e validado no Brasil, em 1997, compostos por 36 itens, divididos em 8 escalas ou domínios: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (4 itens), dor (2 itens), estado geral de saúde (5 itens), vitalidade (4 itens) aspectos sociais (2 itens), aspectos emocionais (3 itens) e saúde mental (5 itens). Para avaliar os resultados finais é dado um escore de zero (que corresponde ao pior estado de saúde) a 100 (correspondendo ao melhor estado de saúde). Ao final, é atribuído um valor numérico para cada domínio. Inventário de depressão de Beck(12): uma escala de autoavaliação para depressão, composta por 21 itens, a fim de avaliar atitudes e sintomas depressivos que refletem o estado atual do indivíduo: tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta ou perda de satisfação, sentimento de culpa, sensação de punição, autodepreciação, autoacusação, ideação suicida, crises de choro, irritabilidade, isolamento ou retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho, distúrbios do sono, fadiga, perda do apetite, perda de peso, preocupação somática e diminuição da libido. Cada item engloba quatro afirmativas (0, 1, 2 ou 3). Pode se obter mais de uma resposta para cada questão, sendo considerada a alternativa de maior valor. Dependendo da natureza da amostra, existem diferentes pontos de corte. O ponto de corte utilizado foi de <15=normal ou depressão leve 16-20=disforia e >20=depressão.

Procedimento de coleta dos dados

Para a coleta de dados foram construídas quatro listas nominais dos usuários cadastrados nos 4 CAPSad. Posteriormente, foi realizado sorteio para a composição da amostra, gerando uma listagem final. Os componentes da lista foram informados quanto ao objetivo do estudo, sendo solicitada a permissão para entrevistar seu familiar. As entrevistas foram agendadas previamente e realizadas individualmente no serviço, com duração de 40 a 50 minutos, para os dois grupos. Além da pesquisadora principal, um acadêmico do Curso de Graduação em Enfermagem, previamente treinado, participou da coleta. O período de coleta de dados foi de agosto de 2008 a setembro de 2009.

Aspectos Éticos

Este estudo foi precedido da aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, sob registro nº0556/07 e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, por todos os sujeitos. Todos os participantes foram informados quanto aos seus direitos, conforme a Resolução nº196/96, do Conselho Nacional de Pesquisa.

Análise estatística

Para a comparação dos dados amostrais, foram realizadas análises descritivas e inferenciais. Entre as variáveis qualitativas foram utilizados os valores das frequências absolutas (n) e percentuais (%). Para as variáveis quantitativas, foram consideradas as médias, desvios padrão e erro padrão da média. Na comparação entre usuários e cuidadores foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman entre o BDI e os escores médios do SF-36, com nível de significância de α = 0,05. Os programas estatísticos utilizados foram o SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 15.0, e o MINITAB, versão 15.

Resultados

A Tabela 1 indica que as variáveis sexo feminino, situação conjugal casada, nível educacional analfabeto e superior completo, idade média e a renda foram maiores com diferença estatisticamente significantes em relação aos usuários. As variáveis sexo masculino, solteiro, nível fundamental completo foram estatisticamente significantes em relação aos cuidadores (p<0,001).

Quanto à presença de sintomas depressivos, os escores foram mais altos para os usuários em relação aos cuidadores (p=0,026).

Na Tabela 2, evidencia-se que os escores dos cuidadores nos domínios capacidade funcional (p<0,001), aspecto físico (p=0,047), dor (p=0,025) e vitalidade (p<0,001) foram menores quando comparados com os escores dos usuários.

Na Tabela 3, pode-se observar que a maioria dos coeficientes de correlação dos cuidadores são inferiores aos coeficientes dos usuários, com exceção de vitalidade e aspectos emocionais que são maiores, no entanto, sem diferenças estatisticamente significantes. Cabe destacar que a significância de todas as correlações entre o BDI e o SF-36 foram menores do que 0,001 (p<0,001), para ambos os grupos.

Discussão

Em relação às variáveis sociodemográficas, no grupo de cuidadores houve maior predominância do sexo feminino em relação ao grupo dos usuários. Esse achado justifica-se devido ao papel de cuidador ser muitas vezes delegado à mulher, mais especificamente à esposa e/ou familiar. Um estudo com cuidadoras de pacientes psiquiátricos evidenciou, em sua amostra, que 80,0% era de mulheres cuidadoras(13). Outro estudo, investigando o impacto do abuso de álcool na família, obteve majoritariamente a presença do gênero feminino e, dentre elas, as esposas(2), características essas também encontradas em cuidadores de pessoas com doenças crônicas(14-15). Neste estudo, os resultados reafirmam os achados da literatura e refletem a tradição do cuidar, relegando à mulher a responsabilidade pelo cuidado do familiar doente(2). A maior proporção de usuários do sexo masculino confirma a tendência da presença maciça desse gênero nos serviços de atenção a dependentes de drogas. Estudos desenvolvidos com essa população têm demonstrado que os homens utilizam mais as drogas ilícitas em relação às mulheres, e acrescentam ser o sexo masculino fator de risco para a dependência de drogas(9,16).

Quanto à variável situação conjugal, houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos, onde 68,8% das cuidadoras relataram viver com um companheiro, enquanto entre os usuários a proporção foi de 31,2%, ou seja, a grande maioria era solteira.

No que tange ao nível educacional (p<0,001), os cuidadores apresentaram maiores percentuais de nível superior em relação aos usuários, contribuindo, provavelmente, para a renda salarial mais elevada desse primeiro grupo. Considerando que 42,2% dos usuários tinha apenas o ensino fundamental completo, acredita-se que a inserção no mercado de trabalho se torna mais difícil, sendo agravada pelo uso da droga e de suas repercussões. Apesar da maioria dos usuários ter relatado algum tipo de ocupação, a baixa média da renda mensal reflete a inconstância de atividades laborais, fato esse observado na entrevista, quando muitos informavam não ter vínculos empregatícios formais.

A idade média dos cuidadores foi maior em relação aos usuários. Neste estudo, a média de idade dos cuidadores foi discretamente menor em relação a outros estudos com cuidadores(15,17). Fato também evidenciado entre os usuários, onde a idade média foi menor quando comparada a outros estudos desenvolvidos entre dependentes de drogas(7,18).

A presença de sintomas depressivos entre os cuidadores foi menor quando comparada com estudo realizado com cuidadores de pacientes infectados por HIV, onde 50% apresentaram sintomas depressivos(18). Outro estudo com esposas de dependentes de álcool verificou a alta frequência de sintomas psicológicos (70,9%), seguidos dos sintomas físicos (19,3%) e psicológicos e físicos conjuntamente (3,2%). Esses achados demonstram que as participantes encontram-se mais vulneráveis psicologicamente(19).

Quanto aos usuários, 37,6% apresentaram ponto de corte do BDI, sugestivo de sinais depressivos e 12,8% de disforia, sendo o escore médio de 16,6±11. Em estudo com usuários em programa de tratamento para a dependência, nos EUA, os achados demonstraram escore médio do BDI de 14,9±0,6, sendo que 58% da amostra apresentou sintomas depressivos(8). A investigação da associação entre depressão e dependência de drogas ilícitas, entre a população latino-americana, evidenciou que 58,4% dos usuários de drogas ilícitas apresentaram depressão, segundo critérios do DSM IV(16). Estudo realizado com indivíduos infectados por HIV, que utilizaram drogas ilícitas, mostra que 69% dos pacientes obtiveram escores sugestivos de depressão(17), sendo superior aos encontrados aqui. Na comparação entre os cuidadores e usuários deste estudo, a maior proporção de sintomas depressivos entre os usuários, pode refletir a comorbidade associada à dependência de drogas. A dependência de drogas tem sido demonstrada como fator de risco para o desenvolvimento de depressão e outros transtornos mentais(6).

Em relação à qualidade de vida, pode-se observar que os escores médios dos cuidadores, nos domínios capacidade funcional, aspecto físico, dor e vitalidade, foram menores quando comparados aos escores dos usuários. Enquanto a qualidade de vida tem sido avaliada em diferentes populações de cuidadores de doenças crônicas(13-15), na dependência de drogas os estudos são escassos e quase sua totalidade se direciona ao cuidador de dependente de álcool(1-2,19), sendo excluídos os cuidadores de usuários de drogas ilícitas que, no entanto, apresentam, segundo tais estudos, comprometimento da qualidade de vida(1,20). A dependência de drogas representa disfunção ou inadequação às atividades da vida cotidiana, dessa forma, os cuidadores passam grande parte de sua vida na tentativa de recuperar a estabilidade familiar(21). A maioria das cuidadoras esposas e/ou mães de dependentes de drogas, muitas vezes, são obrigadas a gerenciar a casa, filhos e a vida profissional sozinhas. Sofrem, ainda, com a falta de informação, incapacidade e sentimentos de frustração por não conseguirem ajudar na recuperação da dependência do companheiro/filho, gerando intenso sentimento de culpa(21), situação essa que provoca instabilidade física e emocional, interferindo diretamente na qualidade de vida. Entre os cuidadores do presente estudo, os escores médios são muito inferiores quando comparados com outros cuidadores de doenças crônicas, utilizando o mesmo instrumento(14-15). Uma possível hipótese para esse achado refere-se ao fato de que, na dependência de drogas, cuidar do familiar pode ser uma escolha negociada ou não, ou mesmo até negada. A relação do cuidado nem sempre é uma relação de solidariedade e abnegação, mas, inclusive, uma prática de obrigatoriedade, cuja única opção acarreta sofrimento(1). O cuidador vivencia mais diretamente cansaço, desânimo e sensação de impotência, na medida em que sucedem as recaídas. Essas geram expectativas situadas na dimensão do desacreditável/desacreditado, sentimento que tem como consequência alta sobrecarga, agravada à perda de esperança e à raiva pela sensação de impotência para reverter a situação, resultando, além do comprometimento da QV, em alguns casos no surgimento da depressão(1).

Apesar de os usuários terem escores de QV maiores do que seus cuidadores, em relação à população de doentes crônicos seus escores são menores(15). No entanto, quando comparados aos pacientes do Ambulatório de Gastroenterologia e Ambulatório Especializado no Tratamento de Dependência de Drogas, os achados deste estudo foram discretamente maiores em todas as dimensões do SF-36(9). Os escores, aqui, foram maiores também quando se comparou com estudo realizado com alcoolistas que buscaram atendimento em Centro de Referência da cidade de Porto Alegre, RS, e os autores ressaltam que quanto maior o grau de consumo da bebida, maior o prejuízo da qualidade de vida(19).

A comparação do BDI e os escores médios dos domínios do SF3-6 entre os cuidadores e usuários, utilizando o coeficiente de correlação de Spearman (Ρ), demonstrou que todas as correlações foram estatisticamente significantes (p<0,001), tanto para cuidadores quanto para usuários, sendo que em ambos os grupos os domínios saúde mental e vitalidade foram os mais afetados, quando correlacionados aos sintomas depressivos. Dessa forma, evidencia-se que a presença de sintomas depressivos compromete a qualidade de vida de ambos os grupos.

Considerando o atual modelo de assistência, no qual a família constitui-se em unidade de saúde para seus membros, a rede de atenção à saúde deve se configurar dando suporte aos cuidadores e usuários, com ênfase nos aspectos emocionais, psicológicos e sociais, e, para esse tipo de abordagem, a qualidade de vida pode ser valioso recurso a ser utilizado(10).

Conclusões

Os resultados obtidos em relação ao usuário e seu cuidador, quanto ao comprometimento na qualidade de vida, presença de sintomas depressivos e a forte correlação entre a QV e o BDI, chamam a atenção para a necessidade de intervenções junto a essa população, por meio de ações de enfermagem integradas à equipe multiprofissional tais como: o esclarecimento da família quanto à dependência de drogas, realização de trabalhos em grupos com cuidadores, visando a troca de experiências, além de estimular a discussão das dificuldades e possibilidades da convivência com o problema, bem como atividades comunitárias que busquem a integração entre dependentes de drogas e seus cuidadores.

Considerando a escassez de trabalhos relacionados a essa temática, ressalta-se a necessidade de novos estudos com esse grupo populacional, a fim de investigar os possíveis fatores intervenientes no comprometimento da qualidade de vida e, consequentemente, no aparecimento de sintomas depressivos ou outros transtornos psíquicos, advindos da interação cuidador/dependente de drogas.

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  • Corresponding Author:
    Dulce Aparecida Barbosa
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Maio 2011
    • Aceito
      06 Jan 2012
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