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Análise dos planos de ação e planos de enfrentamento de obstáculos para a redução do consumo de sal entre mulheres com hipertensão arterial sistêmica

Resumos

Este é um estudo transversal, baseado na teoria Implementation Intentions, cujo objetivo foi descrever planos de ação desenvolvidos por mulheres hipertensas (n=49) para adicionar, no máximo, 4g de sal/dia aos alimentos e reduzir o consumo de alimentos salgados, bem como barreiras percebidas e estratégias de enfrentamento para efetivar os planos de ação. Os planos foram categorizados quanto à similaridade e submetidos à análise de frequência. A maioria dos planos de ação e enfrentamento de obstáculos referiu-se à efetivação do comportamento para adicionar, no máximo, 4g/sal/dia/pessoa aos alimentos. As estratégias de ação foram voltadas para a quantificação do sal adicionado, e os principais obstáculos foram relacionados à menor palatabilidade dos alimentos com menos sal. Os planos de enfrentamento apontaram para o preparo, em separado, dos alimentos e uso de temperos naturais em substituição ao sal. Esses dados podem auxiliar o enfermeiro para direcionar atividades clinicoeducativas, visando a redução de consumo de sal entre pacientes que preparam sua alimentação.

Hipertensão; Cloreto de Sódio na Dieta; Comportamento Alimentar


This cross-sectional study, based in implementation intention theory, describes action plans developed by women with hypertension (n=49) to add no more than 4g of salt per day to food and to reduce consumption of salty foods, as well as describing the barriers perceived and the coping strategies adopted for putting the action plans into practice. The plans were categorized according to similarities and were submitted to frequency analysis. The majority of the action and coping plans had to do with the effectuation of the behavior involving adding up to 4g of salt per day per person to food. The action strategies were aimed at quantifying the salt added, and the main obstacles were related to the reduced palatability of the food made with less salt. The coping plans have to do with preparing foods separately and to using natural seasonings instead of salt. This data can help the nurse to design activities for clinical education, with a view to reducing salt consumption among patients who prepare their own food.

Hypertension; Sodium Chloride; Dietary; Feeding Behavior


Este estudio transversal, basado en la teoría Implementation Intentions, describe los planes de acción desarrollados por las mujeres hipertensas (n=49) para añadir hasta 4g de sal/día a los alimentos y comer menos alimentos salados, así como las barreras percibidas y estrategias de afrontamiento para llevar a cabo los planes de acción. Los planes fueron agrupados como la similitud y la sometieron a un análisis de frecuencia. La mayor parte de los planes se refiere a la eficacia de la conducta de añadir a los alimentos 4g/sal/día/persona. Los planos de acción estaban dirigidos a la cuantificación de la sal y los principales obstáculos estaban relacionados con disminución de la palatabilidad de los alimentos bajos en sal. Estrategias de afrontamiento fueron dirigidos a preparar la comida por separado y en uso de especias naturales. Estos datos pueden ayudar a la enfermera en la dirección de las actividades clínicas y educativas.

Hipertensión; Cloruro de Sodio Dietético; Conducta Alimentaria


ARTIGO ORIGINAL

Análise dos planos de ação e planos de enfrentamento de obstáculos para a redução do consumo de sal entre mulheres com hipertensão arterial sistêmica1

Rúbia de Freitas AgondiI; Maria Cecília Bueno Jayme GallaniII; Marilia Estevam CornélioI; Roberta Cunha Matheus RodriguesII

IDoutorandas, Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

IIPhD, Professor Associado, Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Este é um estudo transversal, baseado na teoria Implementation Intentions, cujo objetivo foi descrever planos de ação desenvolvidos por mulheres hipertensas (n=49) para adicionar, no máximo, 4g de sal/dia aos alimentos e reduzir o consumo de alimentos salgados, bem como barreiras percebidas e estratégias de enfrentamento para efetivar os planos de ação. Os planos foram categorizados quanto à similaridade e submetidos à análise de frequência. A maioria dos planos de ação e enfrentamento de obstáculos referiu-se à efetivação do comportamento para adicionar, no máximo, 4g/sal/dia/pessoa aos alimentos. As estratégias de ação foram voltadas para a quantificação do sal adicionado, e os principais obstáculos foram relacionados à menor palatabilidade dos alimentos com menos sal. Os planos de enfrentamento apontaram para o preparo, em separado, dos alimentos e uso de temperos naturais em substituição ao sal. Esses dados podem auxiliar o enfermeiro para direcionar atividades clinicoeducativas, visando a redução de consumo de sal entre pacientes que preparam sua alimentação.

Descritores: Hipertensão; Cloreto de Sódio na Dieta; Comportamento Alimentar.

Introdução

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma afecção de origem multicausal, sendo o elevado consumo de sódio um fator-chave na elevação dos níveis pressóricos entre hipertensos e normotensos(1). Estudos experimentais, populacionais e de revisão sistemática demonstram relação direta entre a redução do consumo dietético de sódio e a diminuição dos níveis de pressão arterial (PA) e, consequentemente, do risco cardiovascular, decorrentes de quadros hipertensivos(2-4).

A restrição dietética de sal é importante medida não farmacológica do manejo terapêutico do sujeito hipertenso, sendo recomendado para esses indivíduos o consumo de, no máximo, 4g/sal/dia ou 1600mg/sódio/dia(5). Contudo, estudos recentes evidenciam consumo de sal em torno de 12,5 a 13g/dia, entre hipertensos, dado majoritariamente pela adição de sal no preparo dos alimentos(6-7).

Assim, o desenvolvimento de intervenções para redução da adição de sal ao preparo dos alimentos, nessa população, passa a ser prioritário. O desenho da intervenção depende, contudo, do estabelecimento dos fatores determinantes da realização ou não do comportamento.

Estudo pregresso(7), realizado para identificação dos fatores preditores de consumo de sal entre hipertensos, por meio do emprego de versão ampliada da Teoria do Comportamento Planejado (TPB)(8), constatou que a intenção foi o principal preditor do comportamento de adição de sal aos alimentos. Contudo, apesar de reproduzir o pressuposto dos modelos cognitivo-comportamentais, segundo os quais a motivação para agir (intenção) é o principal determinante para a ação (comportamento)(8-10), observou-se que a intenção explicou somente 22% de sua variabilidade. Tal resultado caracteriza o que, na literatura, tem sido chamado de gap na relação intenção/comportamento, dado principalmente por indivíduos que possuem intenção positiva para a realização do comportamento, mas que falham em sua implementação(11).

A estratégia chamada Implementation Intentions tem como finalidade auxiliar indivíduos a traduzirem intenções positivas em comportamento efetivo. Essa estratégia tem sido dividida por alguns autores em dois componentes: Planejamento de Ação (Action Planning)(12) e Planejamento de Enfrentamento de Obstáculos (Coping Planning)(13). O planejamento de ação consiste em simulação mental, ligando pistas situacionais e respostas comportamentais concretas a situações futuras, especificando quando, como e onde será realizada uma determinada ação. O planejamento de ação é visto como ferramenta para o desenvolvimento de habilidades autorregulatórias para auxiliar na mudança comportamental, trazendo à consciência do indivíduo o pareamento entre as situações futuras de realização do comportamento e as respostas de enfrentamento possíveis(12).

O planejamento de enfrentamento de obstáculos é focado nas situações de risco ou barreiras que podem impedir ou interferir negativamente na realização de um comportamento-alvo(13). Trata-se de um planejamento cognitivo independente e representa uma ligação mental entre a antecipação de situações de risco, para a não realização do comportamento planejado, e as respostas de enfrentamento possíveis. Esse planejamento visa capacitar o indivíduo para agir de acordo com sua intenção, mesmo em situações em que as barreiras ou obstáculos mudam a ação destinada ou quando comportamentos contraintencionais são evocados(14).

Nenhum estudo, até o momento, aplicou a estratégia de implementation intentions para redução do consumo de sal, dentre os conhecimentos da autoria deste estudo. A identificação, tanto da maneira como pacientes hipertensos imaginam ser possível efetivar um consumo restrito de sódio como das possíveis barreiras antecipadas e as estratégias identificadas para superá-las, fornece subsídios para a atuação do enfermeiro que deseja implementar intervenção visando a redução do consumo de sódio também em outras populações. Assim, este estudo teve como objetivo descrever os planos de ação desenvolvidos por essas mulheres hipertensas, para adição de, no máximo, 4g de sal/dia aos alimentos e redução do consumo de alimentos com alto teor de sal, bem como as barreiras percebidas e respectivas estratégias de enfrentamento hipotetizadas para conseguir efetivar tais planos de ação.

Método

Trata-se de estudo de um corte transversal de estudo experimental mais amplo(15), que verificou o efeito da intervenção de planejamento de ação e de enfrentamento de obstáculos sobre a redução do consumo de sal entre mulheres hipertensas. No presente estudo, foi realizada análise descritivo-exploratória dos planejamentos elaborados pelas mulheres hipertensas. O estudo foi realizado em três ambulatórios especializados no atendimento ao paciente hipertenso e numa unidade básica de saúde de Campinas, SP, Brasil. Foram sujeitos deste estudo as 49 mulheres hipertensas incluídas no grupo-intervenção do estudo experimental(15), cujos critérios de inclusão no estudo foram idade superior a 18 anos, estar em acompanhamento clínico há mais de seis meses e serem responsáveis pelo preparo de suas refeições. As participantes foram caracterizadas quanto a variáveis sociodemográficas (idade, etnia, escolaridade em anos completos, estado civil, vínculo empregatício e renda mensal individual e familiar por instrumento previamente validado(6-7)) e clínicas (pressão arterial(16) e índice de massa corporal, obtidos por exame físico no momento da entrevista). A caracterização do consumo de sal foi realizada por meio de dois instrumentos de autorrelato validados em estudos anteriores(6-7) (consumo de sal per capita e questionário de avaliação do consumo de temperos prontos) e da excreção urinária de 24h de sódio, obtida pela análise de espectrometria de reabsorção atômica de amostra de urina de 24h.

Estratégias de Planejamento

As estratégias de planejamento foram realizadas em sessões individuais, uma semana após a inclusão do indivíduo no estudo, com o emprego dos seguintes formulários, mostrados a seguir.

Planejamento de Ação: formulário no qual o sujeito de pesquisa apontou, com a ajuda da pesquisadora, até três planos de ação sobre quando, onde e como diminuir a adição de sal no preparo dos alimentos, nos próximos dois meses. O formulário inicia-se com a instrução: pense sobre a sua alimentação no dia a dia, nos próximos dois meses. Quando, onde e como você planeja diminuir a adição de sal aos alimentos? Vamos escrever juntos seus planos na tabela que vou lhe mostrar. Lembre-se que quanto mais você for preciso e realista na determinação dos seus planos e quanto mais você fizer os seus planos por sua conta, mais chance terá de conseguir implementá-los. O formulário termina com a seguinte informação: memorize os seus planos cuidadosamente. Visualize as situações e o que você planejou. Procure manter um forte comprometimento para agir conforme planejou.

Planejamento de Enfrentamento de Obstáculos: formulário no qual o sujeito aponta, com ajuda ou não do profissional, até três possíveis obstáculos para reduzir o consumo de sal e as respectivas estratégias para superá-los. O formulário começa com a instrução: pense nos obstáculos ou barreiras que podem interferir na sua redução do consumo de sal. Como você poderia superar estes obstáculos ou barreiras? Vamos escrever juntos seus planos na tabela que vou lhe mostrar. Mais uma vez, lembre-se de que quanto mais você for preciso e realista na determinação dos seus planos e quanto mais você fizer os seus planos por sua conta, mais chance terá de conseguir implementá-los. O formulário termina com a seguinte orientação: visualize as situações e seus planejamentos para enfrentar os obstáculos e procure manter um forte comprometimento para agir conforme planejou.

Os planejamentos foram desenvolvidos em duas vias, uma em posse do pesquisador e outra do sujeito de pesquisa, que foi orientado a mantê-la em ambiente visível e consultá-la sempre que tiver dúvida. Os indivíduos foram estimulados a desenvolver seus planos para efetivação do comportamento de adição de até 4g/sal/dia por pessoa adulta, no preparo dos alimentos e redução do consumo de alimentos com alto teor de sal. Quando necessário, o pesquisador auxiliou na elaboração dos planos.

Análise dos dados e Aspectos Éticos

A análise dos planos desenvolvidos foi efetuada segundo recomendações para análise de conteúdo no contexto de teorias do estudo do comportamento(17-18). Três listas foram elaboradas: uma para os planos da ação, uma para os obstáculos antecipados e outra para os planejamentos de enfretamento de obstáculos. Os planejamentos, assim como os obstáculos, foram agrupados segundo similaridades, em cada um dos domínios pesquisados, possibilitando a determinação de sua frequência. Cada um dos itens foi numerado, de acordo com o questionário de origem, possibilitando a identificação do contexto e futuros cruzamentos de informações. Em todas as listas, os planejamentos e os obstáculos foram separados de acordo com o comportamento visado (reduzir a adição de sal aos alimentos ou reduzir o consumo de alimentos com elevado teor de sal). Dois pesquisadores realizaram a análise e categorização dos dados de maneira independente. Os dados foram submetidos à análise descritiva (médias, desvio-padrão e medianas para as variáveis contínuas e de frequência para as variáveis categóricas). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local (Parecer nº259/2009). Todos os sujeitos de pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e dele receberam cópia.

Resultados

Caracterização Sociodemográfica e Clínica e do Consumo de Sal

A Tabela 1 descreve as características sociodemográficas e clínicas, bem como o consumo de sal das pacientes do estudo. A amostra foi constituída principalmente de mulheres casadas, inativas profissionalmente ou donas de casa, obesas, com baixo nível de escolaridade e de renda mensal. O consumo de sódio, estimado por meio da excreção urinária de sódio, foi pelo menos duas vezes maior que o recomendado para portadores de HAS.

Planejamento de Ação e Planejamento de Enfrentamento de Obstáculos

Foram desenvolvidos, em média, 2,5 (±0,6) planos de ação e 1,6 (±0,91) planos de enfrentamento de obstáculos por sujeito de pesquisa. A Tabela 2 descreve os planos de ação, obstáculos percebidos e planos de enfrentamento para a adição de até 4g/sal/dia/pessoa aos alimentos. Os planos de ação mais frequentes foram referentes a se utilizar ou separar uma colher de chá de sal/dia/pessoa para adicionar aos alimentos (97,9%) e separar uma colher de chá para utilizá-la como medidor do sal a ser adicionado aos alimentos (51,0%).

Os obstáculos mencionados com frequência equivalente foram: reclamação da família em relação ao sabor dos alimentos (36,4%), presença de visitas para refeições no domicílio (36,4%) e menor palatabilidade do alimento (34,0%). Os planos de enfrentamento elaborados para superar os obstáculos foram: uso de temperos naturais em substituição ao sal ou temperos prontos (27,3%), preparo em separado dos alimentos para consumo próprio (25,0%) e solicitar a familiares/visitas para adicionar sal às suas refeições após o seu preparo (22,7%).

Para o comportamento de reduzir o consumo de alimentos com alto teor de sal e temperos prontos, o plano de ação mais frequente foi deixar de comprar ou diminuir a frequência/porção de consumo de temperos prontos (65,3%). O obstáculo mais relatado (52,3%) foi comer fora de casa (em restaurantes ou em casa de familiares), o que dificulta o controle sobre a quantidade de sal adicionada aos alimentos. No que se refere ao planejamento de enfrentamento de obstáculos, o mais frequente foi servir-se fora de casa preferencialmente de alimentos não temperados (saladas cruas, legumes cozidos sem sal) (36,4%).

A Figura 1 apresenta a associação entre os planos de ação, obstáculos percebidos e as estratégias de enfrentamento possíveis.


Tabela 3

Discussão

Observou-se, no grupo estudado, consumo médio de sal (estimado pelo sódio urinário) maior que o dobro do recomendado pela literatura, para portadores de hipertensão arterial(5), relacionado principalmente à adição de sal no preparo dos alimentos, corroborando achados de estudos anteriores(6-7), confirmando a necessidade do desenvolvimento de intervenções focadas nesse comportamento.

Este estudo teve como objetivo analisar os planos de ação, obstáculos e planos de enfrentamento elaborados por mulheres hipertensas, para redução da adição de sal no preparo nos alimentos, bem como do consumo de alimentos com alto teor de sal e temperos prontos. A realização desses planejamentos é etapa central na estratégia de Implementation Intentions, que visa auxiliar o indivíduo a implementar uma intenção positiva em comportamento efetivo, servindo como um "guia para a ação"(12-14).

A análise das entrevistas apontou para a diversidade de planos de ação, assim como de antecipação de obstáculos e de planos de enfrentamento coerentes entre si e formulados pelas próprias pacientes de modo independente ou com auxílio da pesquisadora, como previsto na estratégia de Implementation Intentions.

Observa-se que as pacientes elaboraram maior número de planos de ação e de enfrentamento de obstáculos para o comportamento de utilizar no máximo 4g de sal no preparo dos alimentos. Uma vez que o sal adicionado aos alimentos é a principal fonte contribuidora para o consumo total de sal nesse grupo, a implementação desses planejamentos deve colaborar, de maneira significativa, para a redução da ingestão do nutriente.

A seguir são discutidos alguns aspectos referentes aos planos de ação, obstáculos e planos de enfrentamento mais frequentes no grupo estudado.

Dentre os planejamentos de ação para a efetivação do comportamento de adicionar, no máximo, uma colher de chá de sal/dia/pessoa aos alimentos, destaca-se o plano de utilizar uma medida para quantificar o sal utilizado no preparo dos alimentos. Estudo prévio que avaliou os determinantes desse comportamento em mulheres hipertensas(7) constatou que quanto mais elevado o escore do hábito de não controlar o uso do sal menos motivado encontrava-se o indivíduo, para adoção do comportamento. No referido estudo, as crenças que obtiveram maior escore foram: "usar mais que 4g de sal por dia no preparo dos alimentos é: algo que faço automaticamente, faço frequentemente e faz parte do meu dia a dia".

Hábito é definido como uma sequência de atos aprendidos que se tornam respostas automáticas no cotidiano, sendo a automaticidade e inconsciência os mais importantes elementos que o caracterizam. Nesse contexto, o comportamento é guiado por estruturas implícitas, sem a tomada de decisão(19). Assim, os planos elaborados retratam a tentativa de modificar o caráter automático que cerca a prática alimentar da falta de controle na adição de sal e se revelam importantes para essa população.

Dentre os obstáculos referidos para a redução do consumo de sal destacaram-se a reclamação da família, em relação ao sabor dos alimentos, presença de visitas para refeições no domicílio e menor palatabilidade dos alimentos. Resultados semelhantes foram observados também em pacientes portadores de insuficiência cardíaca e insuficiência renal(20-21). Frente às estratégias de enfrentamento de obstáculos, formuladas para esse comportamento, como utilizar temperos naturais em substituição à parte do sal adicionada aos alimentos, demonstra-se que as próprias pacientes buscam contornar a redução do prazer na alimentação causada pela redução do sal, com a substituição desse por outros temperos. Observa-se a importância dada pelas pacientes ao fato de se reconhecer e respeitar o aspecto hedônico que cerca a alimentação, com adoção de práticas alternativas ao uso do sal.

No que se refere à redução do consumo de alimentos com alto teor de sal, mais da metade das pacientes referiram como obstáculo o fato de comer fora de casa. Em estudo realizado com 246 portadores de insuficiência cardíaca, aproximadamente metade dos entrevistados referiu como barreira o fato de amigos ou familiares não oferecerem opção de alimentos com pouco sal em seus domicílios(20). Porém, observou-se que as pacientes foram capazes de formular estratégias para sobrepor essa dificuldade, como servir-se preferencialmente de alimentos não temperados.

Outro aspecto abordado com frequência nos obstáculos foi a preocupação com a opinião de familiares e de visitas sobre o sabor dos alimentos preparados com menor teor de sal. Para esses obstáculos, as estratégias de enfrentamento propostas foram: preparar separadamente as refeições daquelas do restante da família ou das visitas e, ainda, solicitar aos familiares/visitas que adicionem sal aos próprios pratos, se assim desejarem. As pacientes destacaram ainda a importância de reforçar na família a necessidade do consumo de alimentos com menos sal, não somente para a saúde individual, mas para a saúde da família.

Observa-se que o plano de ação que mais apresentou obstáculos relacionados à sua realização foi o plano referente à utilização de uma colher de chá de sal por dia/pessoa ao preparo dos alimentos (que se relacionou com seis dos dez obstáculos referidos para esse comportamento). Tal fenômeno sugere que esse planejamento, apesar de frequente na população do estudo, reporta-se a comportamento que as pacientes percebem como difícil de ser implementado.

Estudos realizados com mulheres hipertensas e portadoras de insuficiência cardíaca(21-22) identificaram a falta de atividades educativas e de aconselhamento visando a restrição do consumo de sal - realizados por profissional de saúde - como importante barreira percebida para a redução da ingestão de sal. Ainda, nesses estudos, o acompanhamento de profissional de saúde no auxílio à mudança desse comportamento foi apontado como estratégia de enfrentamento das dificuldades percebidas, para a redução do consumo de sal. O emprego das estratégias combinadas de planejamento de ação e de enfrentamento de obstáculos pode ser um meio efetivo para a mudança da prática alimentar relacionada à ingestão de sódio.

É suposto que a formulação do planejamento da ação aumente a chance de o indivíduo agir conforme pretendido e, também, de iniciar mais rapidamente o comportamento-alvo(12). A especificação de quando, onde e como será realizada uma determinada ação permite reportar pistas situacionais e respostas comportamentais concretas a situações futuras, fazendo com que reações espontâneas possam ser substituídas por planejamentos previamente construídos(12). O planejamento de enfrentamento de obstáculos é, por sua vez, focado nas situações de risco ou barreiras que podem impedir ou interferir negativamente na realização de um comportamento-alvo, acionando respostas de enfrentamento autorregulatórias necessárias já acessíveis ao sujeito, em decorrência de suas experiências prévias(13-14).

Assim como a literatura bem destaca(8), o fornecimento da informação, por si só, não é suficiente para mudança de comportamentos em saúde. A força deste estudo recai sobre os elementos identificados na população alvo como importantes para viabilizar a redução do consumo de sal. As pacientes reconheceram meios de como fazê-lo, assim como os obstáculos possíveis e como superá-los. Essas informações são importantes para o enfermeiro que visa auxiliar mulheres hipertensas na redução do consumo de sal. Estudos posteriores, abrangendo maior diversidade de clientela, como homens e mulheres hipertensos que não são responsáveis pelo preparo das próprias refeições, assim como outros comportamentos relacionados ao consumo de sal, poderão trazer subsídios importantes para ampliar o escopo das intervenções clinicoeducativas do enfermeiro.

Conclusões

Constata-se que os planos de ação e de enfrentamento de obstáculos elaborados foram coerentes em sua maioria, destacando-se a quantificação do sal utilizado durante ou após o preparo dos alimentos como o principal plano de ação. A perda da palatabilidade do alimento percebida pela própria paciente ou seus referentes sociais foi a barreira mais frequente; tendo como planos de enfrentamento o preparo em separado dos alimentos para consumo próprio e uso de temperos naturais. Esses dados podem ajudar o enfermeiro a direcionar sua atividade clinicoeducativa, visando a redução de consumo de sal entre pacientes que preparam sua própria alimentação.

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  • Corresponding Author:
    Rúbia de Freitas Agondi
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  • 1
    Paper extracted from Master's Dissertation "Efeito das estratégias de Planejamento da Ação e Enfrentamento de Obstáculos sobre a redução do consumo de sal entre mulheres hipertensas - um estudo piloto", presented to Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Brazil. Supported by Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Jun 2011
    • Aceito
      12 Abr 2012
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