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Capacidade para o trabalho, características sociodemográficas e laborais de enfermeiros de um hospital universitário

Resumos

O estudo transversal avaliou a capacidade para o trabalho de 195 enfermeiros de um hospital universitário, a partir do cálculo amostral com IC de 95%. Os dados foram coletados por meio do instrumento Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) e analisados por estatística analítica, sendo que 94,5% da amostra era composta por mulheres com idade média de 42,6 anos (dp=8,5), 66,5% com companheiros e 76,7% tinham pós-graduação. Quanto ao turno de trabalho, 36% atuava à noite; 28,4% pela manhã e 20,8% à tarde. O escore médio de capacidade para o trabalho foi Bom (41,8 pontos) e houve correlação significativa com a remuneração (p-valor<0,05), satisfação com o local de trabalho (p-valor=0,001), valorização por parte da instituição (p-valor=0,003). E o grupo que realiza programas em família apresentou escores superiores no ICT aos daqueles que não as realizam (p-valor=0,009). Os enfermeiros apresentaram aspectos sociodemográficos e laborais diferenciados, com elevada capacidade para o trabalho.

Saúde do Trabalhador; Avaliação da Capacidade de Trabalho; Enfermeiras


This cross-sectional study evaluated the work capacity of 195 nurses at a university hospital, from a calculation of sample size with a Confidence Interval (CI) of 95%. The data was collected by means of the Work Capacity Index (WCI) instrument and analyzed by statistical analysis. 94.5% of the sample was made up of women; the average age was of 42.6 years (sd=8.5); 66.5% had partners and 76.7% were educated to post-graduate level. 36.0% worked the night shift; 28.4% the morning shift and 20.8% the afternoon shift. The average score given to work capacity was Good (41.8 points) and there was a significant correlation with pay (p-value<0.05), satisfaction with workplace (p-value=0.001) and feeling valued by the institution (p-value=0.003). The group which carried out family activities showed higher scores in the WCI compared to those who did not (p-value=0.009). The nurses presented differing sociodemographic and work aspects, with a high capacity for work.

Occupational Health; Work Capacity Evaluation; Nurses


El estudio transversal evaluó la capacidad de 195 enfermeras que trabajan en un hospital universitario del cálculo de la muestra es del 95%. Los datos fueron recogidos por el Índice de Instrumento Capacidad para el Trabajo y analizados por estadísticas y análisis y, 94,5% de la muestra eran mujeres, edad media de 42,6 años (SD=8,5), el 66,5% con los compañeros y 76,7% tiene un post-grado. El puntaje promedio de la capacidad de trabajo fue buena (41,8 puntos) y una correlación significativa con la remuneración (p<0,05), satisfacción con el trabajo (p=0,001), la recuperación por la institución (p=0,003). Y el grupo que lleva a cabo programas en las familias presentan puntuaciones superiores en las ICT a los que no las realizan (p=0,009). Las enfermeras tenían diferentes aspectos de los cambios demográficos y laborales, con alta capacidad para el trabajo.

Salud laboral; Evaluación de Capacidad de Trabajo; Enfermeras


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeira MSc

IIPhD, Professor Associado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil

Endereço para correspondência

RESUMO

O estudo transversal avaliou a capacidade para o trabalho de 195 enfermeiros de um hospital universitário, a partir do cálculo amostral com IC de 95%. Os dados foram coletados por meio do instrumento Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) e analisados por estatística analítica, sendo que 94,5% da amostra era composta por mulheres com idade média de 42,6 anos (dp=8,5), 66,5% com companheiros e 76,7% tinham pós-graduação. Quanto ao turno de trabalho, 36% atuava à noite; 28,4% pela manhã e 20,8% à tarde. O escore médio de capacidade para o trabalho foi Bom (41,8 pontos) e houve correlação significativa com a remuneração (p-valor<0,05), satisfação com o local de trabalho (p-valor=0,001), valorização por parte da instituição (p-valor=0,003). E o grupo que realiza programas em família apresentou escores superiores no ICT aos daqueles que não as realizam (p-valor=0,009). Os enfermeiros apresentaram aspectos sociodemográficos e laborais diferenciados, com elevada capacidade para o trabalho.

Descritores: Saúde do Trabalhador; Avaliação da Capacidade de Trabalho; Enfermeiras.

Introdução

As condições atuais de trabalho envolvem, cada vez mais, modelos de produção e prestação de serviços com cadência acelerada e intensificada, os quais determinam o aumento da produtividade, por meio da combinação do ritmo de trabalho, da carga de responsabilidade e da redução dos intervalos de descanso na jornada de trabalho, o que leva à tendência progressiva de riscos ocupacionais, pode originar efeitos crônicos à saúde e ao envelhecimento dos trabalhadores. A isso, pode se associar o descontentamento de alguns profissionais, decorrente da lacuna existente entre o sistema laboral no qual estão inseridos e suas expectativas em relação ao trabalho e à qualidade de vida(1). Para o trabalhador que está sob essas condições, o trabalho, que deveria ser uma fonte de realização e reconhecimento, pode se tornar fonte de sofrimento e afetar a capacidade para o trabalho(2).

A capacidade para o trabalho é o princípio do bem-estar laboral, podendo ser entendido como a capacidade física e mental, apresentada pelo profissional, para execução das tarefas, a partir das exigências do trabalho. Estudo realizado na Finlândia demonstrou que a capacidade para o trabalho não permanece satisfatória por toda vida, sendo que alguns fatores, tais como o ambiente ocupacional e o estilo de vida, influenciam-na de maneira importante, nos mais variados contextos laborais(3).

Nos serviços de atenção à saúde, de forma geral, e em especial no ambiente hospitalar, verifica-se também aumento da complexidade do trabalho, a qual se deve a diversos fatores, entre os quais a inserção de novas tecnologias (duras, leve-duras e leves) e em consequência das relações interpessoais. Essas mudanças no campo produtivo levantaram questões inerentes ao processo de trabalho no espaço das práticas de saúde, ao mesmo tempo em que é discutida a reestruturação dos modelos assistenciais, que se referem à organização dos serviços de saúde a partir do rearranjo dos saberes, decorrente das ações dos profissionais e suas implicações nas relações de trabalho(4).

Na Enfermagem, da mesma forma, houve reestruturação das formas produtivas para atender o aumento da demanda de trabalho, decorrente das exigências dos usuários e do crescente controle dos processos laborais. Assim, o fazer da equipe de enfermagem que atua em hospital é complexo e envolve diferentes exigências físicas e mentais que influenciam o binômio saúde/adoecimento. Esse conjunto de fatores leva à ansiedade, tensão e sofrimento, o que potencializa as cargas psíquicas(5-6).

No Brasil, a atenção à saúde do trabalhador vem sendo discutida com maior ênfase a partir das décadas de 80 e 90, quando foram implantados Programas de Atenção à Saúde do Trabalhador, na rede de saúde, voltados para ações de prevenção, assistência, recuperação e promoção da saúde dos trabalhadores. Preconizam o controle social tanto no planejamento quanto na execução e avaliação das propostas e dos projetos(7).

Nessa perspectiva, entender como os enfermeiros percebem a sua capacidade para o trabalho pode fornecer elementos para o planejamento de programas de manutenção e melhoria da aptidão para o trabalho desses profissionais. Desse modo, podem-se prevenir osdanos à saúde decorrentes do trabalho e a consequente aposentadoria precoce, o que reduz custos sociais e repercute na qualidade de vida, mantendo as pessoas economicamente ativas e propiciando, ainda, o envelhecimento ativo desse trabalhador.

A partir da problemática acerca da saúde do trabalhador, esta investigação teve por objetivo avaliar a capacidade para o trabalho e descrever as características sociodemográficas e laborais de enfermeiros de um hospital universitário.

Métodos

Trata-se de investigação transversal, de natureza quantitativa, pelo método de levantamento de dados (survey)(8), com aplicação de questionário, de forma presencial. A população-alvo foram enfermeiros do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Definiu-se comocritérios de inclusão para o processo de amostragem: enfermeiros contratados pelo regime da Consolidação das Leis Trabalhistas há pelo menos um ano, por possuírem experiência no local de trabalho, de ambos os sexos, de todos os turnos e unidades de trabalho em atividade assistencial. Foram excluídos os enfermeiros que estiveram de licença saúde, afastamento ou férias e enfermeiros chefes de serviço. Esses últimos, por serem professores da universidade e, consequentemente, não atuarem diretamente na assistência.

A população de estudo foicomposta por 456 enfermeiros, dos quais permaneceram 425, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Para estimativa de tamanho amostral utilizou-se confiança de 95%, margem de erro máxima para proporção de 5%. A aplicação desses parâmetros para o cálculo amostral, realizado com o softwareWinPepi, versão 1.31, de 2004, produziu tamanho amostral de 195 enfermeiros.

O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, posteriormente, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (HCPA; nº100.005).

Os profissionais foram abordados no ambiente de trabalho, esclarecidos e convidados a participar da pesquisa. Houve 12 recusas, o que representa taxa de, aproximadamente, 6%, considerada satisfatória para essa modalidade de pesquisa(9). As recusas, assim como as nãorespostas (missings), por se tratarem de resultados de pesquisa, foram devidamente analisadas e tratadas através de técnicas estatísticas de análise de respostas faltantes (dados perdidos), de acordo com a descrição dos dados.

A coleta de dados foi realizada por meio de questionário autoaplicado, que avaliou aspectos sociodemográficos e laborais, e o Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), que descreve a autoavaliação do trabalhador sobre a capacidade para o trabalho(2) . O período da coleta de dados foi de 25 de junho a 25 de agosto de 2010, totalizando 60 dias.

A escala que mensura o ICT foi traduzida e adaptada para o Português por pesquisadores da Universidade de São Paulo, em colaboração com outras universidades e instituições brasileiras(9). Os aspectos avaliados por meio deessa escala permitem a descrição de um perfil geral da capacidade para o trabalho, da capacidade funcional, dos fatores que os afetam e podem ser usados de forma coletiva ou individual(3). A maneira pela qual a saúde do trabalhador se apresenta, demonstra a sua capacidade para o trabalho. A avaliação do ICT, por meio da saúde autopercebida, oferece informações acerca do comprometimento da capacidade de cada trabalhador, de forma isolada, respeitando as peculiaridades e permitindo ofertar medidas de apoio(3). Os resultados podem atingir escores de 7 a 49 pontos, sendo de 7 a 27, classificado como grupo com baixa capacidade para o trabalho, de 28 a 36, moderada, de 37 a 43 boa, e de 44 a 49, ótima(2). A partir dos escores obtidos, através do instrumento propõe-seexplorar medidas utilizadas pelos trabalhadores no seu cotidiano pessoal e laboral para suplantar estressores, manter e melhorar sua capacidade de trabalho em níveis elevados.

Os dados foram processados no softwareStatisticalPackage for the Social Sciences®15 e analisados por estatística descritiva e inferencial. O ICT foi avaliado por meio dos testes Mann-Whitney e Kruskal Wallis para comparações entre grupos. Foram realizadas também análises de correlação entre o ICT e as demais variáveis quantitativas, por meio do coeficiente de correlação de Spearman e considerados os valores de p<0,05.

Resultados

A amostra de 195 enfermeiros foi caracterizada como predominantemente feminina (94,5%) e 37,3 % estão na faixa etária predominante de 40 a 49 anos.

Em relação às características laborais dos enfermeiros, 53,4% atuavam em unidade fechada e 44% em unidades abertas; 36% trabalhavam à noite, fazendo plantões de 12 por 36 horas, 28,4% pela manhã e 20,8% à tarde. No turno da tarde foram incluídos os enfermeiros do intermediário. Esse turno refere-se às jornadas de trabalho em horários diferentes das tradicionais adotadas em hospitais. Os turnos intermediários existentes no HCPA ocorrem entre 17h30 e 23h15 ou 19h e 1h15, são flexíveis e são determinados conforme a necessidade do serviço da instituição.

Em uma escala análogo-visual de zero a dez, a média da satisfação dos enfermeiros com a remuneração foi de 6,5 (dp=1,81, mediana 7), sendo mínimo um e o máximo dez.

O estudo demonstrou que 88% dos enfermeiros possuem boa ou ótima capacidade para o trabalho. Não foram constatados casos de baixa capacidade para o trabalho.

Houve correlação significativa (p-valor<0,05) do ICT e o grau de satisfação com a remuneração (r=0,202).

O escore médio de ICT dos enfermeiros foi de 41,8 pontos, (dp=4,2) classificado como boa capacidade para o trabalho. Também foi observada elevada média na autoavaliaçãodesses enfermeiros quanto à capacidade atual para o trabalho, comparada com a melhor de toda a vida em uma escala de 0 a 10 pontos (8,6 dp=1,1).

Foi realizada uma comparação do ICT médio dos enfermeiros por grupos de variáveis sociodemográficas e laborais. Nessa análise, constatou-se que o grupo solteiro ou sem companheiro apresentou ICT médio de 42,31, em relação ao grupo casado ou com companheiro, que obteve ICT médio de 41,50 (p=0,310). Também não houve diferença significativa entre os grupos de enfermeiros que apresentaram escore de ICT Bom e Médio.

Quanto aos hábitos de vida, foi constatado que o grupo que realiza programas em família apresentou diferença estatística significativa (p-valor=0,009) com ICT médio de 42,1, superior ao grupo que não pratica essa convivência com seus familiares 40,0.

Tabela 3

A partir da análise de correlação, foi constatado que se sentir satisfeito com o local de trabalho e valorizado pela instituição apresentou correlação positiva em relação ao ICT. Da mesma forma, houve evidências de diferença estatística significativa do ICT médio para as variáveis: satisfação com o local de trabalho (p-valor=0,001), sentimento de valorização por parte da instituição (p-valor=0,003) e turno de trabalho (p-valor=0,032).

Quanto às doenças e sua relação com a capacidade para o trabalho, foram analisadas somente aquelascom diagnóstico médico, conforme recomendação dos autores do instrumento ICT. O estudo constatou que as doenças prevalentes foram, em ordem decrescente: musculoesqueléticas, metabólicas, respiratórias, psiquiátricas e geniturinárias. Sendo que somente foram constatadas diferenças estatísticas significativas do ICT nos tipos de doenças (p-valor<0,05) digestivas (12,6%), geniturinárias (5,5%) e psiquiátricas (14,8%) por meio de técnicas de múltiplas comparações (Least Significance Difference - LSD), sendo que essas podem ser consideradas fatores significativos na diminuição do Índice de Capacidade para o Trabalho dos enfermeiros da instituição analisada.

Discussão

Essa investigação permite generalizar os resultados para a população de enfermeiros do hospital universitário em estudo, haja vista que a amostragem foi aleatória e probabilística, contendo, portanto, todas as unidades amostrais da população contempladas.

A caracterização sociodemográfica dos enfermeiros da instituição em estudo assemelha-se a amostras de enfermeiros de outras investigações. Achados distintos foram encontrados no estudo que avaliou os trabalhadores de enfermagem de um pronto-socorro de um hospital universitário público, com amostra predominante de mulheres (74,1%); a média de idade foi cinco anos menor (37,3 anos), faixa etária prevalente de 30 a 39 anos (44,4%) e escore médio do ICT levemente maior (42 pontos); no entanto, evidenciou-se perda funcional em trabalhadores mais jovens, os quais apresentavam idade inferior a 35 anos e o ICT abaixo de 37 pontos(10).

O envelhecimento causa alterações no organismo e perdas progressivas de capacidade para o trabalho. Aos 30 anos, o indivíduo atinge o máximo do desenvolvimento intelectual, sensorial e motor, podendo alcançar a excelência no seu desempenho; porém, as adversidades podem antecipar o envelhecimento fisiológico e afetar a capacidade para o trabalho(11). Por outro lado, este estudo evidenciou que programas em família, festas, passeios e confraternizações afetam de modo positivo a capacidade para o trabalho, e os enfermeiros que realizam essas atividades possuem ICT médio de 42,1, sendo significativamente maior ao do grupo que não as realiza (p-valor=0,009). O apoio social é apontado como elemento que reduz o estresse de enfermeiros que trabalham em hospital(12) e, ao que parece, tem efeito similar no escore do ICT. A demanda com a família também apareceu como mecanismo protetor do adoecimento, à medida em que atua na preservação da saúde mental do individuo(13). Logo, atividades relacionais deveriam ser estimuladas e oportunizadas entre os profissionais de enfermagem. Por outro lado, neste estudo, o fato de se ter ou não companheiro e ter filhos não influenciou os escores do ICT. Algumas investigações apontam o fato de ter companheiro e filhos, sugerindo que o indivíduo possa ter demanda extra com a família, ainda que tenha empregado e babá(14). Além disso, outros estudos demonstram que a prática de atividade física também reduz a fadiga e aumenta a capacidade para o trabalho, e que o uso de bebidas alcoólicas reduz a capacidade para o trabalho(15-16). Esses resultados reforçam a importância de os trabalhadores desenvolverem hábitos de vida saudáveis para melhorar ou manter os escores de ICT .

É importante salientar que estão ocorrendo mudanças estruturais na sociedade, à medida que as pessoas vivem cada vez mais sozinhas - as chamadas famílias unipessoais, o que, necessariamente, não as deixa isoladas, tendo em vista que exploram recursos diversos de relacionamento social, por exemplo, a internet, vivendo sozinhas por opção e considerando-se felizes nessa condição(17).

Os enfermeiros têm buscado cada vez mais qualificação. Este estudo revela que 76,7% possuem pós-graduação. Ainda que não tenha apresentado relação com o escore do ICT, a qualificação profissional pode refletir na melhora do atendimento ao paciente e conferir visibilidade ao profissional e à instituição, à medida que esteja orientado para o desenvolvimento de competências.

Do ponto de vista da escolaridade e da especialização, na Enfermagem há tendência à substituição do trabalho físico intensivo por atividade mais intelectualizada, o que exige conhecimentos específicos. No atual contexto de trabalho se verifica a necessidade de um trabalhador qualificado, capaz de se responsabilizar por processos cada vez mais complexos e integrados(18). Para tanto, é necessário domínio do conhecimento, o que permite a possibilidade de enfrentar diferentes demandas, em especial as tecnológicas.

O turno de trabalho em que o enfermeiro está inserido é apontado, em algumas investigações,como fator que interfere na vida social do trabalhador, pois pode criar dificuldades de planejar a própria vida, conciliar o relacionamento com o companheiro e o tempo para os filhos(14,19). Neste estudo verificou-se que o ICT médio dos enfermeiros que atuam no turno da tarde e intermediário (43,29) foi superior às médias dos grupos manhã e noite (41,58) (p-valor=0,032). Já outro estudo que avaliou a fadiga e a capacidade para o trabalho, em turnos fixos de doze horas, evidenciou que os trabalhadores do noturno possuem escores mais elevados, quando comparados com os demais, resultado atribuído ao melhor enfrentamento(20) dos trabalhadores desse turno.

A maioria dos enfermeiros da instituição em estudo não trabalha em outro emprego (85,2%), o que pode afetar, de modo positivo, os altos escores do ICT. Por outro lado, um estudo que investigou o trabalho não remunerado, realizado em âmbito doméstico e familiar em uma população de profissionais de saúde, constatou que o mesmo, aliado à jornada dupla de trabalho, foram os responsáveis pela redução de capacidade para o trabalho e que o indivíduo teria pouco tempo para si, em função do excesso de demanda assumida(21).

Estudo com trabalhadores da tecnologia da informação e telecomunicação identificou que a realização de pelo menos uma atividade de lazer diária repercutiu positivamente nos escores de ICT(22). Os autores desse estudo descrevem que, se o trabalhador mantiver sua capacidade para o trabalho e para a vida em níveis elevados, terá, após a aposentadoria, de 10 a 20 anos de vida significativa(3).

O fato de a capacidade para o trabalho dos sujeitos ter sido considerada boa ou ótima para a maioria, não exclui a necessidade de sua promoção, manutenção e melhoria, pois as investigações revelam que a capacidade de trabalho piora com o avanço da idade e o tempo de trabalho. Também, considerando-se que as pessoas permanecem cada vez mais tempo economicamente ativas, exige-se que sejam elaboradas estratégias de atenção à saúde dos enfermeiros, no sentido de preservar a capacidade para o trabalho e o consequente envelhecimento ativo desses profissionais.

Quanto aos problemas de saúde, as alterações osteomusculares foram prevalentes nesse grupo (37,7%). No entanto, as doenças psiquiátricas que acometem 14,8% dos enfermeiros, as digestivas (12,6%) e as geniturinárias (5,5%) é que tiveram associação ao ICT.Os enfermeiros com essas enfermidades tiveram escores baixos no ICT, os quais não apresentaram associação com o prazer relacionado ao local de trabalho e o sentimento de valorização pela instituição. Logo, pode-se inferir que a capacidade para o trabalho pode estar relacionada à organização e às exigências impostas pelo trabalho(23).

Conclusão

O questionário do Índice de Capacidade para o Trabalho - ICT pode ser utilizado no âmbito individual, quando visa verificar a capacidade e adotar medidas de apoio específico e coletivo, quando avalia a capacidade para o trabalho de todos os enfermeiros, a fim de identificar os fatores que afetam os escores do grupo com o propósito de promover medidas abrangentes.

Verificou-se média elevada da autoavaliaçãodos enfermeiros quanto à sua capacidade atual para o trabalho, comparada com a melhor de toda a vida, bem como do ICT. Esses resultados demonstraram relação com o prazer observado no local de trabalho, a remuneração e o sentimento de valorização por parte da instituição, bem como com programas em família, festas, passeios e confraternizações, indicando que as atuais condições de trabalho devem ser preservadas e as atividades sociais devem ser estimuladas, de forma a favorecer a capacidade do trabalhador.

Dentre as limitações deste estudo, salienta-se que, por ser um estudo transversal, não foram incluídos trabalhadores em afastamento devido a doenças ou acidentes, o que pode influenciar os resultados pelo viés do efeito do trabalhador sadio nas medidas do Índice de Capacidade para o Trabalho. Outra limitação desta pesquisa é o método de levantamento de dados por meio de autorrelato, procedimento que pode coletar respostas socialmente aceitas. O estudo pôde demonstrar como o processo de trabalho interfere na vida do trabalhador. Enquanto alguns processos são redutores, outros são potencializadores de capacidades para o trabalho. Assim, quando os processos de trabalho redutores estão presentes, favorecem o surgimento das doenças, o envelhecimento precoce e perda da capacidade para o trabalho. Entretanto, quando a saúde é valorizada e os elementos que proporcionam qualidade de vida estão presentes e são potencializados, esses atuam como promotores de níveis elevados de capacidade para o trabalho.

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  • Capacidade para o trabalho, características sociodemográficas e laborais de enfermeiros de um hospital universitário

    Eunice Fabiani HillesheinI; Liana LautertII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      27 Abr 2011
    • Aceito
      03 Abr 2012
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