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Comportamentos de risco frente ao vírus da imunodeficiência humana entre frequentadores de motéis

Resumos

Este estudo teve por objetivo verificar comportamentos de risco referentes à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) em pessoas que frequentaram motéis. Trata-se de estudo transversal, realizado em dois motéis de dois municípios do interior de Minas Gerais, com amostra de 308 indivíduos, seguindo cálculo amostral, selecionados aleatoriamente, com idade entre 18 e 60 anos. Foram realizados testes estatísticos bivariados (qui-quadrado e teste t para amostras independentes) e multivariados (regressão logística). Dentre os participantes, 45,8% relataram não ter usado preservativo na última relação sexual vaginal, 48,4% não utilizaram preservativo na última relação sexual oral, enquanto 26,3% afirmaram não ter usado na última relação anal. Ter um parceiro fixo foi o maior preditor do não uso do preservativo. Prováveis crenças de fidelidade, envolvidas em um relacionamento estável, podem estar contribuindo para o não uso do preservativo nas relações, aumentando o risco de infecção pelo HIV.

HIV; Comportamento Sexual; Preservativos; Sexualidade


This study aimed to verify risk behavior for infection with the Human Immunodeficiency Virus in people who attended motels. This is a cross-sectional study conducted in two motels in two municipalities in the state of Minas Gerais, Brazil, with a sample of 308 randomly selected individuals, aged between 18 and 60 years. Bivariate (chi-square and t test for independent samples) and multivariate (logistic regression) statistical tests were performed. A total of 45.8% of the participants reported not having used a condom during the last vaginal sexual intercourse, 48.4% did not use a condom during the last oral sex, while 26.3% reported not having used a condom in the last anal intercourse. Having a steady partner was the strongest predictor of not using condoms. Probable beliefs regarding loyalty involved in a stable relationship may be contributing to the failure to use condoms during intercourse, increasing the risk of HIV infection.

HIV; Sexual Behavior; Condoms; Sexuality


Este estudio tuvo como objetivo determinar las conductas de riesgo al virus de inmunodeficiencia humana en personas que asistieron moteles. Estudio transversal realizado en dos moteles en dos municipios de Minas Gerais con una muestra de 308 personas. Bivariado se realizaron pruebas estadísticas (Jue-cuadrado y t para muestras independientes) y multivariado (regresión logística). La mayoría (42,5%) tenían entre 18 y 25 años y el 45,8% no había utilizado preservativo en sus últimas relaciones sexuales vaginales, 48,4% no usó condón para sexo oral, mientras que 26,3 % reportó no haber utilizado el su última relación anal. Tener una pareja estable fue el mejor predictor para no usarse condones. Llegamos a la conclusión de que la lealtad tiende a estar involucrada en una relación estable puede estar contribuyendo a la no utilización de preservativos en las relaciones, aumentando la vulnerabilidad.

VIH; Conducta sexual; Condones; Sexualidad


ARTIGO ORIGINAL

IDoutoranda, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Professor Assistente, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil

IIAlunos do curso de Graduação em Enfermagem, Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, Brasil

IIIAluno do curso de Graduação em Enfermagem, Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, Brasil. Bolsista do Programa de Iniciação Científica PIC Unileste

IVPhD, Professor Adjunto, Departamento de Ciências Básicas, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo teve por objetivo verificar comportamentos de risco referentes à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) em pessoas que frequentaram motéis. Trata-se de estudo transversal, realizado em dois motéis de dois municípios do interior de Minas Gerais, com amostra de 308 indivíduos, seguindo cálculo amostral, selecionados aleatoriamente, com idade entre 18 e 60 anos. Foram realizados testes estatísticos bivariados (qui-quadrado e teste t para amostras independentes) e multivariados (regressão logística). Dentre os participantes, 45,8% relataram não ter usado preservativo na última relação sexual vaginal, 48,4% não utilizaram preservativo na última relação sexual oral, enquanto 26,3% afirmaram não ter usado na última relação anal. Ter um parceiro fixo foi o maior preditor do não uso do preservativo. Prováveis crenças de fidelidade, envolvidas em um relacionamento estável, podem estar contribuindo para o não uso do preservativo nas relações, aumentando o risco de infecção pelo HIV.

Descritores: HIV; Comportamento Sexual; Preservativos; Sexualidade.

Introdução

As preocupações emergentes no início da década de 90, devido ao grande número de pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), geraram questionamentos à sociedade sobre as práticas sexuais, com a intenção de melhor compreender a relação entre essas práticas e o contágio pelo HIV. No Brasil, o perfil epidemiológico do HIV e da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) apresenta diferenças regionais importantes e diversas formas de afetar a sociedade, com variações no que diz respeito a gênero, raça, classes sociais e nível intelectual(1). De 1980 a junho de 2011, foram notificados no Brasil 608.230 casos de AIDS, sendo que, entre 2000 e 2010, houve declínio das taxas de incidência do HIV na Região Sudeste, reduzindo de 24,5 para 17,6 casos por 100 mil habitantes. Entretanto, houve crescimento nas taxas de incidência para as demais regiões, com acréscimo de 27,1/100.000 para 28,8 casos/100.000 habitantes na Região Sul; crescimento de 7,0/100.000 para 20,6/100.000 casos na Região Norte; 13,9/100.000 para 15,7/100.000 na Região Centro-Oeste e 7,1/100.000 para 12,6/100.000 no Nordeste(2).

Em pesquisa realizada nas cinco regiões brasileiras, 13,2% dos homens entrevistados relataram ter se relacionado com mais de cinco parceiros sexuais casuais no ano anterior ao estudo. Entre as mulheres, a porcentagem foi menor (4,1%). Em relação ao período em que iniciaram a vida sexual, 36,9% dos homens e 17% das mulheres declararam ter iniciado essa prática com idade inferior a 15 anos. A pesquisa constatou ainda que 45,7% dos entrevistados do sexo masculino relataram utilizar preservativo nas relações, enquanto apenas 16,4% das mulheres afirmaram utilizar preservativo em suas relações(3).

Estudo desenvolvido com 200 participantes casados ou com união estável demonstrou que, apesar de conhecerem os modos de prevenção das DSTs/AIDS, os participantes apresentaram comportamento de risco, justificando esse comportamento pela confiança no parceiro fixo. Dos pesquisados, 95% conheciam o preservativo como forma de prevenção, porém, apenas 14% relataram o seu uso nos últimos 12 meses, e 9% da população pesquisada teve relação extraconjugal sem utilizar o preservativo(4).

Dados semelhantes sobre o uso de preservativo nas relações casuais foram publicados pelo Ministério da Saúde, indicando que o número de indivíduos que mantiveram relações sexuais com mais de cinco parceiros casuais aumentou de 4% em 2004 para 9,3% em 2008. Nesses relacionamentos casuais, a frequência de uso de preservativo reduziu de 51,6% em 2004 para 46,5% em 2008. Outro dado a ser ressaltado é a prática de relações extraconjugais, em que 7,1 milhões de habitantes que vivem em relação estável relataram ter relações extraconjugais, sendo que 63% dos indivíduos relataram não ter adotado o uso do preservativo em todas as relações eventuais(5).

O comportamento apresentado por casais heterossexuais com relação à prática de sexo seguro e consciente tem se mostrado um obstáculo para prevenção da disseminação do HIV/AIDS, uma vez que ainda existe a concepção de que um relacionamento embasado no amor, cumplicidade, respeito, fidelidade e confiança garantirá que homens e mulheres estarão protegidos do risco de se infectarem(4).

Estudo nacional acerca do conhecimento da população, entre 15 e 64 anos, sobre a infecção pelo HIV aponta que 96,6% concordam com a afirmação de que o uso de preservativos é a melhor maneira de se evitar a infecção pelo HIV e 95,7% concordam que uma pessoa pode ser infectada nas relações sexuais sem preservativo(3). Entretanto, o conhecimento em si não garante a apreensão e a sua incorporação ao comportamento(6).

Diante do exposto, faz-se necessária a realização de trabalho diferenciado em locais que são frequentados por casais heterossexuais e homossexuais, com o intuito de sugerir o desenvolvimento de programas de educação em saúde. A maioria dos estudos que envolvem a temática prevenção de HIV e outras DSTs foi desenvolvida com amostras de conveniência com populações específicas, tais como homossexuais(7-8), imigrantes latinos que vivem nos EUA(9) e mulheres chinesas casadas(10). Não foi encontrado nenhum estudo na literatura realizado com uma amostra de frequentadores de motéis. Considerando-se que essa instituição atrai público diversificado em relação à orientação sexual, idade, sexo, estado civil, entre outras características, é relevante investigar os fatores relacionados ao uso de preservativos nas relações sexuais dessa população diversificada e heterogênea, com o intuito de se conhecer os fatores de risco a que essa população está exposta, o que possibilitará planejamentos de ações de prevenção.

Conhecer as características relacionadas ao comportamento de risco relacionado à infecção por DST pode contribuir para o planejamento de ações e estratégias a serem executadas, com programas educativos direcionados para os ambientes que são procurados majoritariamente para a prática de relações sexuais.

Considerando-se esses aspectos, o objetivo geral do presente trabalho consistiu em se verificar comportamentos de risco para infecção pelo HIV em pessoas que frequentaram motéis de dois municípios do interior de Minas Gerais.

Metodologia

Trata-se de estudo transversal, realizado em dois motéis de dois municípios (Timóteo e Coronel Fabriciano) do interior de Minas Gerais, localizados na região do Vale do Aço, no período de março a julho de 2009. A Região Metropolitana do Vale do Aço, conhecida também por Região Siderúrgica, localiza-se no leste do Estado de Minas Gerais, Sudeste brasileiro.Possui o 11º maior PIB do Brasil. Timóteo possuía população de 81.243 habitantes, estimada pelo Censo Demográfico de 2010 e seu IDH é de 0,831, o que é consideradocomo elevado em relação ao Estado de Minas Gerais. Coronel Fabriciano possuía, no ano 2010, população estimada em 103.694 habitantes, com IDH0,789, considerado como médio, em relação ao Estado de Minas Gerais(11).

O estudo foi realizado com pessoas presentes nos motéis participantes da pesquisa, entre os meses de março a julho de 2009. A seleção dos horários para o desenvolvimento da pesquisa ocorreu de forma aleatória, sendo que a coleta dos dados ocorreu durante todos os dias da semana, incluindo finais de semana, nos três turnos - manhã, tarde e noite -, evitando-se, assim, vieses de seleção. Foi solicitado que o participante respondesse apenas uma vez ao questionário, caso ele estivesse presente em outros dias no motel e já houvesse respondido ao instrumento de coleta de dados em outro momento.

Para que a entrega dos questionários ocorresse de forma a garantir o sigilo e privacidade dos participantes, o convite para a participação na pesquisa ocorreu por telefone, no momento em que os clientes dos motéis ligavam para a recepção solicitando a conta, quando os pesquisadores explicavam sobre a pesquisa e convidavam para a sua participação. O questionário da pesquisa era disponibilizado juntamente com a conta do cliente, na roleta do quarto, o que garantiu o sigilo da participação. O tempo gasto estimado para o preenchimento do questionário foi calculado em torno de três minutos e foi esclarecido, por telefone, que na instituição há o tempo de tolerância de cinco minutos para que os clientes se retirem do local, após o pagamento da conta. Dessa forma, não houve transtornos para a instituição e/ou para o cliente.

Em média, 300 casais frequentam semanalmente cada motel participante. Para o cálculo estatístico do tamanho amostral, considerou-se uma proporção desconhecida do uso do preservativo na população (proporção estimada de 50%), uma vez que não foi encontrado estudo semelhante que tenha investigado a proporção do uso do preservativo em frequentadores de motéis. Foi considerado um nível de significância de 95% e margem de erro admitida de 6%, resultando em amostra mínima a ser estudada de 267 indivíduos. Para compensar eventuais perdas, foram acrescentados 15% ao cálculo, resultando em amostra final de 307 indivíduos.

Participaram da pesquisa 308 indivíduos (154 de cada município, 51,6% do sexo feminino), com idade entre 18 e 60 anos,que estavam presentes nos motéis participantes, no período de coleta de dados.

Foi utilizado como instrumento um questionário contendo 16 perguntas objetivas. O questionário enfocou a última relação sexual que aconteceu no motel no dia da coleta de dados e solicitou-se que apenas uma pessoa que estivesse no quarto respondesse ao instrumento. As questões estavam relacionadas ao uso do preservativo nas relações sexuais vaginais, orais e anais, tempo de relacionamento com a pessoa com quem estava no quarto, se possuía parceiro fixo, se ingeriu álcool na última relação ou se compartilhou drogas, dentre outras questões. Havia a opção "não realizou" para os itens do questionário.

Os dados foram analisados utilizando-se o programa StatisticalPackage for Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Inicialmente foram realizadas análises descritivas. Posteriormente, foram realizadas análises estatísticas bivariadas (qui-quadrado e teste t para amostras independentes) com o intuito de se verificar a associação entre as variáveis independentes (idade, tempo de relacionamento, uso de álcool e drogas, quantidade de parceiros, se possui parceiro fixo) e a variável dependente (uso do preservativo). Foi adotado nível de significância p<0,05. Com o intuito de verificar quais variáveis seriam preditoras do comportamento de uso do preservativo, foi realizada análise multivariada de regressão logística.

A pesquisa foi aprovada previamente pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Unileste, MG, sob Protocolo nº2112508. Foi garantido o sigilo e anonimato, e em nenhuma hipótese os participantes foram identificados.Cabe ressaltar que o CEP dispensou o uso do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), especificamente nesta pesquisa, por considerar que pela assinatura do TLCE os participantes seriam identificados, o que geraria constrangimento aos participantes.

Resultados

Dentre os participantes, 42,5% apresentavam idade entre 18 e 25 anos. Houve diferenças significativas em relação à distribuição da frequência dos gêneros em cada faixa etária (X2=13,59; p<0,009), sendo que a frequência de participantes do sexo feminino decresceu com o aumento da idade.Ocorreu crescimento da frequência de participantes do sexo masculino a partir dos 35 anos de idade, como demonstrado na Tabela 1.

Analisando-se o comportamento de risco para a infecção de DST, verificou-se que 45,8% dos participantes relataram não ter usado preservativo na última relação sexual vaginal, 48,4% não utilizaram preservativo na última relação sexual oral, enquanto 26,3% afirmaram não ter usado na última relação anal.

A média de idade de início das relações sexuais foi de 16,86 anos (dp=2,91). Não foram encontradas diferenças significativas em relação à média de idade de início das relações sexuais e o uso de preservativo (t=1,15; gl=1; p=0,249).

Analisando-se os resultados do uso de preservativo com o compartilhamento de drogas, observou-se que, dentre os participantes que afirmaram ter compartilhado drogas na última relação, 47,8% afirmaram ter utilizado preservativo na última relação vaginal. Por outro lado, 51,6% dos frequentadores que afirmaram não ter compartilhado drogas relataram ter usado preservativo na última relação vaginal (X2=9,01, gl=1, p=0,01), revelando diferenças significativas no uso de preservativos entre usuários e não usuários de drogas, para essa amostra.

Com relação ao uso do álcool, não foi encontrada associação entre o consumo de álcool e o uso de preservativos. Dentre os participantes que afirmaram ter utilizado preservativo na última relação vaginal, 48,1% relataram ter ingerido álcool, enquanto dentre aqueles que não utilizaram preservativo, 51,9% não haviam ingerido álcool (X2=0,182, df=1, p=0,201).

Foram encontradas diferenças significativas no uso de preservativo entre os participantes que afirmaram estar com parceiro fixo e os participantes que relataram não estar com parceiro fixo naquele momento. A frequência de uso de preservativos foi maior entre os participantes que não estavam com parceiro fixo, como apresentado na Tabela 3.

Comparando-se a quantidade de parceiros nos últimos seis meses com o uso de preservativos, observou-se que, dentre os participantes que tiveram relação com cinco ou mais parceiros, 63,2% afirmaram não ter utilizado preservativo na última relação vaginal. Dentre os que afirmaram ter mantido relações com um ou menos parceiros nos últimos seis meses, 49,7% afirmaram não ter utilizado preservativo na última relação. Assim, não foi encontrada associação significativa entre a quantidade de parceiros e o uso de preservativos (X2=3,21, df=1, p=0,07), como pode ser observado na Tabela 3.

Foi investigado se havia diferenças quanto ao uso de preservativo entre as relações heterossexuais e homossexuais. Com relação ao uso do preservativo na última relação sexual oral, não foram encontradas diferenças significativas entre as relações heterossexuais e homossexuais (X2=2,67, df=1, p=0,262). Considerando-se o uso do preservativo na última relação sexual anal, 35,3% dos participantes que tiveram relação homossexual afirmaram não ter utilizado preservativo, enquanto 26,2% dos participantes que tiveram relação heterossexual relataram não ter usado o preservativo, sendo que essas diferenças alcançaram significância estatística (X2=8,28, df=1, p=0,01).

Não foram verificadas diferenças significativas quanto ao uso de preservativos entre as diferentes faixas etárias, considerando-se a última relação vaginal (X2=2,53, df=1, p=0,638). Nesse quesito, 53,5% dos participantes, com idade entre 18 e 25 anos, afirmaram ter utilizado preservativo na última relação vaginal, enquanto 83,5% dos participantes com idade superior a 56 anos afirmaram ter utilizado preservativo na última relação vaginal.

Não foi encontrada associação entre o uso de preservativo e o tempo de relacionamento, conforme está apresentado na Tabela 4. Cabe ressaltar que 33,3% dos participantes relataram haver apenas um dia que conheciam seu parceiro e que não fizeram uso do preservativo, e 53,3% das pessoas relataram estar se relacionando com o parceiro havia menos de um mês e que também não utilizaram o preservativo.

Com o intuito de verificar quais fatores seriam os melhores explicativos para o uso do preservativo, foi construído um modelo de regressão logística multivariada, inserindo como variáveis independentes: idade, número de parceiros nos últimos seis meses, parceiro fixo, uso de drogas, uso de álcool, dificuldade para propor o uso do preservativo e tempo de relacionamento e como variável dependente o uso do preservativo na última relação sexual vaginal. A Tabela 5 apresenta os resultados da análise de regressão logística.

Os resultados da regressão logística multivariada indicaram que, no modelo construído, a variável que prediz significativamente o uso de preservativos nas relações sexuais vaginais é ter parceiro fixo. Uma alternativa de interpretação da Razão de Chances é a transformação desse valor em termos de efeitos percentuais, empregando-se a fórmula = efeito percentual na probabilidade de ocorrência do evento = (OR-1)x100(10). Justifica-se, portanto, a constatação dos resultados da variável parceiro fixo = (0,45-1)x100=-55%, indicando que o fato de o participante ter parceiro fixo reduziu em 55% a probabilidade de utilizar preservativo, em comparação com quem não tem parceiro fixo, considerando-se que as demais variáveis independentes do modelo são mantidas constantes.

Discussão

Os dados revelaram que não foi encontrada associação entre a idade de início das relações sexuais e o uso de preservativo, indicando que a média de idade de início das relações sexuais não diferiu entre os participantes que utilizaram e aqueles que não utilizaram preservativo.

Em relação ao compartilhamento de drogas, observou-se que a frequência de uso de preservativo foi significativamente menor entre os participantes que relataram ter compartilhado drogas na última relação.Contrariando dados da literatura que apontam que o consumo de álcool aumenta a vulnerabilidade à prática sexual sem preservativos(3,12), no presente trabalho não foi encontrada associação entre o uso de álcool e o uso de preservativos.

Não foi encontrada associação entre o uso de preservativos e o tempo de relacionamento. Entretanto, aspecto a ser ressaltado é a elevada frequência do não uso do preservativo em relações casuais, com parceiros conhecidos há menos de um mês, comportamento que aumenta a vulnerabilidade ao contágio por HIV e outras DSTs.

A análise de regressão logística revelou que, considerando-se todos os fatores de risco conjuntamente, o fator que mais contribuiu para o não uso do preservativo foi ter parceiro fixo. Esse dado está em concordância com resultados da literatura reveladores de que a confiança no parceiro estável contribui para não se utilizar preservativos(3,6,9). Estudo realizado com imigrantes mexicanos, residentes nos Estados Unidos, revelou a crença de mulheres casadas de que a solicitação do uso de preservativo indica desconfiança e falta de amor da parceira. Dessa forma, essas mulheres consideram que ter relação sexual sem o uso do preservativo é uma prova de confiança no casamento, comportamento que as expõe a maior risco de contágio pelo HIV(9).

Estudo desenvolvido com mães soropositivas para o HIV revelou que a confiança e a fidelidade são as principais razões para que a pessoa não exija o uso do preservativo, sendo, portanto, facilitadoras da negação do risco. Dessa forma, a convivência prolongada contribui para que a mulher apresente o sentimento de que está imune ao vírus HIV e a confiança no companheiro contribui para que as esposas desconsiderem a vida pregressa do marido(6).

Há ainda questões culturais que precisam ser consideradas. Em sociedades em que há iniquidades de condições de gênero, onde a mulher apresenta papel de submissão em relação ao homem, o uso de preservativos torna-se ainda menos frequente(13). A baixa autoestima da mulher, a ausência de autonomia e a dependência econômica limitam a capacidade de a mulher comunicar-se com seu parceiro e negociar o uso do preservativo. Na instituição do casamento, os papéis de gênero e estereótipos sociais estão presentes em todos os aspectos da vida cotidiana. Cabe ainda ressaltar os aspectos culturais que encorajam os homens a terem mais de um parceiro sexual, enquanto esse comportamento nas mulheres não é tolerado(14). Considerando-se que, na presente pesquisa, o fato de ter um parceiro fixo foi o maior fator explicativo do não uso do preservativo, essa situação eleva o risco da mulher de contrair DST/HIV.

Análises adicionais dos resultados da presente pesquisa revelaram que havia participantes casados e que estavam no motel com um(a) parceiro(a) conhecido(a) havia apenas um dia, e que o preservativo não foi utilizado na última relação sexual. Esses dados serão explorados em um trabalho futuro e fortalecem a hipótese de vulnerabilidade de mulheres casadas ao contágio pelo HIV.

Por meio de outro estudo investigaram-se os fatores relacionados à prática sexual sem preservativos entre participantes do sexo masculino(7). Os resultados indicaram que os principais fatores associados ao não uso do preservativo relacionavam-se a questões da satisfação sexual, aventura e intimidade. Assim, os pesquisadores argumentaram que nas campanhas sobre a prevenção do HIV houve pouca preocupação com os aspectos libidinais, que são elementos psicológicos centrais para adesão ao uso dos preservativos, e que deveriam ser mencionados nas campanhas incentivadoras do uso do preservativo.

Conclusão

Os resultados do presente trabalho revelaram que aproximadamente metade dos participantes não utilizou preservativo na última relação sexual vaginal ou oral. A principal variável determinante para o não uso do preservativo foi o fato de se ter um parceiro fixo. Esse dado fornece subsídios para se pensar na necessidade de campanhas efetivas, envolvendo temáticas que permeiam a crença da população, tais como o estereótipo de segurança e confiança nas relações estáveis.

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  • Comportamentos de risco frente ao vírus da imunodeficiência humana entre frequentadores de motéis

    Helisamara Mota GuedesI; Luciana Oliveira Costa CabralII; Maria Verônica de Barros CostaII; Alex Ferreira dos ReisIII; Simone Gomes PereiraII; Fernanda Oliveira-FerreiraIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Set 2011
    • Aceito
      17 Maio 2012
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