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Estudo das propriedades métricas da versão portuguesa para Portugal do Well-Being Questionnaire12 (W-BQ12) em mulheres com perda de gravidez

Resumos

A avaliação do bem-estar pode constituir um dos parâmetros importantes na monitorização do processo de luto. Neste estudo, pretendeu-se avaliar a aplicabilidade do W-BQ12 - Questionário de Bem-estar - numa amostra de 74 mulheres, entre as quatro e as seis semanas pós-perda de gravidez, analisando as suas capacidades de mensuração. A análise de componentes principais e da validade convergente/discriminante dos itens permitiu confirmar a estrutura dimensional de três subescalas, propostas pela autora. A escala evidenciou boa fidelidade (coeficiente alpha de Cronbach global de 0,84). De forma global, os itens apresentaram boa correlação com a subescala correspondente. O W-BQ12 apresentou boa validade convergente quando correlacionado à PBGS - Escala de Avaliação do Luto Perinatal. Pode-se dizer que esse instrumento, neste estudo, mostrou ser medida fidedigna e válida, podendo ser utilizada pelos enfermeiros para avaliar o bem-estar em mulheres com esse tipo de perda.

Aborto; Pesar; Felicidade


The assessment of well-being can be an important parameter in monitoring the process of mourning. In this study we sought to assess the applicability of the W-BQ12 - Well-Being Questionnaire - in a sample consisting of 74 women between four and six weeks following their respective pregnancy losses, analyzing its measurement capabilities. As proposed by the author, the analysis of the scale's primary components and the discriminating convergent validity confirmed the dimensional structure of three subscales. The scale showed good reliability (global Cronbach's Alpha coefficient = 0.84), and, overall, the items showed a good correlation with the corresponding subscale. Generally speaking, the W-BQ12 showed good discriminative validity when correlated with the PBGS - Perinatal Bereavement Grief Scale. This tool, applied to this study, was found to be both reliable and valid for use by nurses in assessing the well-being of women who have experienced this type of loss.

Miscarriage; Grief; Happiness


La evaluación del bienestar puede ser un de los parámetros importantes en el monitoreo del proceso de luto. En este estudio se ha pretendido evaluar la aplicabilidad del W-BQ12 - Cuestionario de Bienestar - en una muestra constituida por 74 mujeres entre las cuatro y las seis semanas después de la pérdida del embarazo, analizando sus capacidades de mensuración. El análisis de componentes principales y la validad convergente discriminante de los ítems permitieron confirmar la estructura dimensional de tres subescalas, propuesta por la autora. La escala evidenció una buena fiabilidad (coeficiente Alpha de Cronbach global de 0,84). De manera global, los ítems presentaron una buena correlación con la subescala correspondiente. El W-BQ12 presentó una buena validad convergente cuando correlacionado con la PBGS - Escala de luto perinatal. Podemos decir que este instrumento, en este estudio, demostró ser una medida fidedigna y válida para ser utilizada por los enfermeros en la evaluación del bienestar en mujeres con este tipo de pérdida.

Aborto Espontáneo; Pesar; Felicidad


ARTIGO ORIGINAL

IDoutoranda, Universidade Católica Portuguesa, Portugal. Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

IIPhD, Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

Endereço para correspondência

RESUMO

A avaliação do bem-estar pode constituir um dos parâmetros importantes na monitorização do processo de luto. Neste estudo, pretendeu-se avaliar a aplicabilidade do W-BQ12 - Questionário de Bem-estar - numa amostra de 74 mulheres, entre as quatro e as seis semanas pós-perda de gravidez, analisando as suas capacidades de mensuração. A análise de componentes principais e da validade convergente/discriminante dos itens permitiu confirmar a estrutura dimensional de três subescalas, propostas pela autora. A escala evidenciou boa fidelidade (coeficiente alpha de Cronbach global de 0,84). De forma global, os itens apresentaram boa correlação com a subescala correspondente. O W-BQ12 apresentou boa validade convergente quando correlacionado à PBGS - Escala de Avaliação do Luto Perinatal. Pode-se dizer que esse instrumento, neste estudo, mostrou ser medida fidedigna e válida, podendo ser utilizada pelos enfermeiros para avaliar o bem-estar em mulheres com esse tipo de perda.

Descritores: Aborto; Pesar; Felicidade.

Introdução

Para a mulher, uma perda involuntária da gravidez, além de envolver sobrecarga psicológica, pode ser fator importante para o desenvolvimento de ampla gama de transtornos físicos e emocionais. Essa situação, como evento negativo, tem merecido maior atenção devido ao seu potencial e, também,ao impacto negativo no bem-estar. Raramente fica claro, com exatidão, o que foi perdido, dado que, inerente à perda da gravidez e de uma pessoa amada, real ou imaginária, pode haver perda de autoestima, perda de estatuto (maternidade, mulher) e perda existencial(1).

O processo de luto é complexo e varia muito quanto à sua duração, de indivíduo para indivíduo, no entanto, são desejáveis reações que, apesar de dolorosas, direcionem a mulher no sentido da aceitação da perda e da capacidade para continuar a sua vida(2), com confiança e segurança em si própria, contribuindo para o afeto positivo e o bem-estar, os quais podem constituir um dos parâmetros importantes na monitorização da resolução do luto.

A literatura recomenda a utilização de instrumentos fiáveis, cujos resultados possam ser comparados internacionalmente. Além da adaptação transcultural, é fundamental a validação das suas propriedades métricas, nas diferentes populações que se utilizam desses instrumentos. Nesse sentido, pretendeu-se, com este estudo, avaliar as capacidades métricas de um instrumento de medida do bem-estar, que possa constituir mais um contributo importante para a avaliação do processo de luto dessas mulheres.

Objetivo

Estudo das propriedades métricas da versão portuguesa para Portugal do Well-Being Questionnaire12 (W-BQ12), numa amostra de mulheres em situação de perda involuntária de gravidez.

Método

O processo de validação do W-BQ12 desenvolveu-se por meio de um conjunto de procedimentos, de modo a avaliar a sua equivalência métrica, realizando-se, para tal, a análise da sua fidelidade e validade de construto para a população portuguesa.

A validade de uma escala de medida é a garantia de que o teste mede o que se propõe medir(2). Inspecionámos a validade de construto da escala através da organização fatorial dos itens, recorrendo ao método de análise de componentes principais, seguindo os procedimentos adotados pelas autoras. No sentido de se confirmar a organização da escala na amostra em estudo, procedeu-se à análise da validade convergente/discriminante dos itens, através da correlação de Pearson entre os itens e as diferentes subescalas, definindo como critério de discriminação do item - subescala, valor de correlação superior a 0,10. A validade convergente "... refere-se à extensão em que a correlação do instrumento com instrumentos que medem o mesmo constructo é maior do que a correlação com os que medem constructos diferentes"(2). Nesse contexto, analisaram-se os valores da correlação de Pearson entre a escala em análise e a Escala de Avaliação do Luto Perinatal (PBGS), preenchida simultaneamente, no sentido de se percebera relação entre os construtos teóricos por elas avaliados.

Para a análise da fiabilidade da escala, analisou-se a consistência interna de cada uma das subescalas e da escala global, considerando os valores de alpha de Cronbach superiores a 0,80 como uma boa consistência interna(3), embora sejam aceitáveis valores acima de 0,60, em escalas com número reduzido de itens(2).

Instrumentos

O W-BQ foi originalmente concebido em 1982(4-5), como um instrumento de medida de estados depressivos, ansiedade e alguns aspetos de bem-estar positivo, e aplicado em um estudo da Organização Mundial de Saúde, para avaliação de novos tratamentos na gestão da diabetes. Embora a sua versão inicial de 22 itens continue a ser recomendada para estudos nessa área, surgiram, posteriormente, em resultado de estudos desenvolvidos pela autora e seus colaboradores(4-7) e derivando da escala inicial, uma versão reduzida de 12 itens para medir o bem-estar psicológico e, mais recentemente, outra versão mais longa, com 28 itens, incorporando uma subescala de estresse específica para indivíduos diabéticos (ibidem).

Apesar desse instrumento, nas suas várias versões, ter sido desenhado para estudos com diabéticos, a sua aplicabilidade não se restringe a essa área. Encontra-se traduzido em mais de 35 idiomas(5), tendo sido utilizado em estudos de natureza vária e em diferentes culturas(5-8). A versão portuguesa foi disponibilizada pela autora

O W-BQ12 apresenta-se sob a forma de doze afirmações e pretende-se que as pessoas respondam sobre a frequência da sua ocorrência, no período compreendido entre as quatro e as seis semanas pós-perda da gravidez, usando uma escala tipo Likert de 4 pontos, em que o valor 0 corresponde a nunca e o valor 3 a sempre. É constituído por três subescalas de quatro itens cada: uma pretende avaliar o bem-estar negativo (itens 1 a 4), uma outra a energia (itens 5 a 8) e, por último, a que avalia o bem-estar positivo (itens 9 a 12). A subescala energia é a única que apresenta mistura de itens de natureza positiva (itens 5 e 8) e negativa (itens 6 e 7), implicando a respetiva inversão, desses últimos, nos procedimentos estatísticos. O score de cada subescala pode variar entre 0 e 12. O score da escala total de bem-estar é a soma dos 12 itens (depois de invertidos os scores dos itens 6 e 7), podendo variar entre 0 e 36. Elevados scores indicam elevada perceção de bem-estar.

Para se avaliara validade convergente do W-BQ12, usou-se a Perinatal Bereavement Grief Scale (PBGS), desenvolvida para estudos sobre o luto perinatal(9), traduzida, adaptada e validada para a população portuguesa(10). Destina-se a avaliar o luto e o anseio, ou saudade, pela gravidez e pelo bebé perdidos. A escala apresenta-se sob a forma de 15 afirmações, e pretende-se que as participantes respondam sobre a frequência, e não a intensidade, em que ocorreram esses sentimentos na última semana, usando uma escala tipo Likert de 4 pontos, em que o valor 1 corresponde a raramente ou nunca (menos de 1/dia), o valor 2 corresponde a às vezes (1 a 2 dias), o valor 3 a muitas vezes (3 a 4 dias) e o valor 4 a sempre ou quase sempre (5 a 7 dias). O score da PBGS é uma soma aritmética simples dos scores individuais dos itens e pode variar entre 15 e 60. Um score elevado representa uma manifestação mais intensa de luto, ou seja, um luto menos resolvido.

Participantes

Para a validação psicométrica da versão portuguesa do W-BQ12, recorreu-se a uma amostra de conveniência, composta por mulheres que tivessem passado por uma experiência de perda involuntária de gravidez, independentemente da causa e com tempo de gestação até 22 semanas, possuidoras de telefone e que, de forma informada e livre, aceitassem participar no estudo. Das 135 mulheres contactadas obteve-se uma amostra de 74. Embora todas, inicialmente, tivessem concordado participar, algumas desistiram posteriormente, outras não atenderam nas várias tentativas de contacto seguintes.

A média da idade das participantes era de 31,82 (dp=6,01), com intervalo de idade entre 17 e 44 anos. Quanto ao estado civil, 81,1% (n=60) eram casadas, 14,9% (n=11) viviam em união de facto, as restantes 4,1% (n=3) incluíam solteiras e separadas. A idade gestacional média em que ocorreu a perda era de 10,65 semanas (dp=3,92). Para 28,4% (n=21) das mulheres, essa era a primeira gravidez. O número médio de filhos era de 0,5 (dp=0,74), no entanto, 54,1% (n=40) não tinham nenhum filho. Quanto ao facto da gravidez ter sido planeada, 75,7% (n=56) responderam sim. Para 91,9% (n=68) das inquiridas, essa tinha sido uma gravidez aceite, enquanto para as restantes 8,1% (n=6) a gravidez não foi aceite no início, ou nunca foi aceite. Do total das participantes, 64,9% (n=48) passaram por processo espontâneo de expulsão do produto de concepção, enquanto 35,1% (n=26) necessitaram de algum tipo de intervenção cirúrgica.

Procedimentos

Foram estabelecidos os contactos necessários com a autora e assinado protocolo para a utilização da versão portuguesa do W-BQ12.

Este estudo decorreu em três instituições hospitalares públicas da zona Norte do país, após obtenção do parecer positivo das respetivas Comissões de Ética, autorizações das direções de serviço, bem como dos respetivos conselhos de administração.

As possíveis participantes foram contactadas, pessoalmente, pela investigadora principal, durante o curto período de internamento (tempo médio de 24 horas) por perda de gravidez, de forma a serem informadas sobre os objetivos do estudo e convidadas a participar, respeitando-se todos os procedimentos do consentimento informado, de acordo com a Declaração de Helsínquia. O segundo contacto foi efetuado entre as quatro e as seis semanas pós-perda da gravidez para que, através de entrevista telefónica, se pudesse avaliar a perceção de bem-estar da mulher, naquele momento, aplicando-se a versão portuguesa do W-BQ12.

No processamento estatístico dos dados utilizou-se o programa PASW statistics 18.

Resultados

Com o intuito de se avaliar a equivalência métrica do instrumento, na amostra populacional deste estudo, efetuou-se a avaliação da estrutura dimensional, da validade e da confiabilidade.

Validade de construto

Com vistas a se conhecer a forma como os conteúdos dos itens da escala se organizam, conceptualmente, procedeu-se à análise exploratória de componentes principais, tendo-se obtido 4 fatores. Posteriormente, e com vistas à aproximação da escala à sua versão original, conseguiram-se 3 fatores, selecionando-se para análise e, de acordo com a literatura(11), apenas os itens com carga fatorial igual ou superior a 0,30.

No sentido de maximizar a saturação dos itens utilizou-se o método de rotação Varimax com normalização Kaiser. A solução fatorial assim obtida explica 61,84% da variância total da escala, sendo o fator 1 (bem-estar negativo) o que melhor explica a variância da escala (36,17%). Na Tabela 1 pode-se observar como se distribui a carga fatorial dos itens.

Da análise da tabela anterior, pode-se concluir que a estrutura fatorial do W-BQ12 mantém distribuição idêntica à preconizada pela autora. Os itens 6 e 7 agregam-se às duas subescalas bem-estar negativo e energia, no entanto, o peso fatorial mais elevado, e positivo, verifica-se na subescala a que corresponde (energia). O mesmo acontece com o item 8 que se agrega à subescala bem-estar positivo, mas com maior peso fatorial na subescala a que pertence na escala original (energia). De acordo com a carga fatorial, apenas um item (11- sinto entusiasmo para enfrentar as minhas tarefas diárias ou tomar novas decisões) deixa a subescala à qual pertenceria, bem-estar positivo, para se associar aos itens que constituem a subescala energia. Todos os itens apresentam carga fatorial elevada (>0,50), com exceção do item 11 que, ao apresentar carga fatorial em mais de um fator, revela peso inferior a 0,50 no fator ao qual pertence.

Validade convergente/discriminante dos itens

No sentido de se confirmar a estrutura da escala na amostra em estudo, procedeu-se à análise da validade convergente/discriminante dos itens, através da correlação de Pearson entre os itens e as diferentes subescalas. Na Tabela 2, estão apresentados os valores obtidos em cada item.

Tendo como critério que as correlações dos itens com a subescala à qual pertencem deveriam ser superiores a 0,10, relativamente à sua correlação com as restantes subescalas, e analisando os itens que se mostraram problemáticos na análise de componentes principais, constatou-se que os itens 5, 7 e 8 não apresentaram poder discriminativo entre as subescalas. O item 11 (sinto entusiasmo para enfrentar as minhas tarefas diárias ou tomar novas decisões), que também se mostrou problemático na análise de componentes principais, mantém maior correlação com a subescala energia, com diferença superior a 0,10, relativamente à subescala à qual originalmente pertence - bem-estar positivo. Nesse sentido, e dado que a análise da validade convergente/discriminante dos itens reforça os resultados obtidos na análise dos componentes principais, pondera-se a possibilidade de o item 11 passar da subescala bem-estar positivo para a subescala energia. No entanto, tentou-se, ainda, a possibilidade de os construtos se associarem de forma mais adequada, em duas subescalas, pelo que se efetuou novamente a análise de componentes principais, forçando-se a dois fatores. A solução fatorial resultante não foi satisfatória, dado que os itens considerados mais problemáticos se mantiveram, optando-se, finalmente, por manter a estrutura de três dimensões do W-BQ12, alterando o item 11 da subescala bem-estar positivo para a subescala energia.

Validade convergente

De forma a se avaliar a validade convergente dos construtos em avaliação nas diferentes subescalas do W-BQ12, calculou-se a sua correlação com a PBGS preenchida simultaneamente. A observação da Tabela 3 permite verificar correlação negativa entre a perceção de bem-estar geral e luto, ou seja, quanto maior a perceção de bem-estar menor é a expressão do luto, isto é, luto mais resolvido correspondente ao esperado. Relativamente à perceção de bem-estar negativo, observa-se correlação positiva com o luto. A correlação da perceção de energia e do bem-estar positivo com o luto não se apresentou estatisticamente significativa.

Em resultado da aplicação do instrumento em análise e, no sentido de se conhecer a perceção de bem-estar que as mulheres manifestam, após uma situação de perda involuntária de gravidez, foram calculadas a amplitude, média e desvio padrão nas várias dimensões, propostas pela autora, bem como na escala global (Tabela 4). A análise dos resultados nas subescalas permite dizer que, nesta amostra, a perceção de bem-estar positivo aparece com o valor mais elevado, seguindo-se a energia e o bem-estar negativo, em último lugar. Quanto ao bem-estar geral, apresenta valor que medeia entre o do bem-estar positivo e o da energia.

Confiabilidade

Pode-se dizer que, quanto à confiabilidade, os resultados deste estudo são similares aos de outros estudos orientados pela autora(5,7), embora as dimensões da amostra difiram. Na subescala bem-estar positivo, observou-se o valor mais baixo de alpha de Cronbach, o que, de acordo com alguns autores(3), traduz mais fraca consistência interna. A subescala energia apresenta razoável consistência interna, facto que também foi verificado num dos estudos da autora, com valor ainda mais baixo do que o aqui apresentado(5), enquanto nas subescalas bem-estar negativo e bem-estar geral, isto é, onde se verificam bons valores de consistência interna, o que se aproxima mais dos estudos referidos pela autora.

Na Tabela 5, são mostrados os resultados da análise da fidelidade das diferentes subescalas e escala global, bem como os resultados obtidos em dois estudos orientados pela autora, os quais foram designados a um estudo efetuado numa amostra de doentes diabéticos(5), e b, um outro, efetuado numa amostra de indivíduos adultos com deficiência da hormona do crescimento(7).

Os resultados obtidos nesta amostra estão muito próximos daqueles do estudo a, embora um pouco inferiores aos obtidos no estudo b.

Discussão

A assistência de qualidade implica em novas relações entre o cuidador e aquele que é cuidado(12), conduz a novas estratégias de cuidado, procurando-se objetivar o subjetivo, sendo para isso fundamental o recurso de instrumentos de avaliação fidedignos e válidos.

Pretendeu-se com este estudo analisar as propriedades métricas do W-BQ12, quando aplicado a uma amostra de mulheres em situação de perda involuntária de gravidez.

Sendo a maternidade uma ideia tão intrínseca e culturalmente desenvolvida pela mulher, entende-se que qualquer acontecimento que a coloque em causa, interfira no seu bem-estar, na medida em que a vai distanciar das suas aspirações, podendo influenciar negativamente o julgamento que fará sobre sua satisfação com a vida(13). Estudou-se, assim, uma amostra de mulheres que havia passado por experiência de perda de gravidez. Decidiu-se aplicar o instrumento em estudo, entre quatro e seis semanas pós-perda, por ser já considerado um período de recuperação e superação(14), embora isso, por ser tão individual, seja tão difícil de definir.

No que se refere à estrutura conceptual do instrumento para esta amostra, resultante da análise exploratória de três fatores, demonstrou alguma instabilidade no posicionamento de alguns itens, sobretudo no nível da subescala energia, verificando-se que os itens relativos à energia negativa e aqueles relativos à energia positiva apresentavam simultaneamente agregação às subescalas bem-estar negativo e bem-estar positivo, respetivamente, o que, de acordo com alguns autores, se tem, igualmente, verificado em outros estudos(5,8). Esse facto foi confirmado no estudo da validade convergente/discriminante dos itens, uma vez que, embora alguns itens apresentassem boa correlação com a subescala à qual pertenciam, se correlacionavam com outra subescala, apresentando validade discriminante inferior a 0,10. Dado que, após análise exploratória a dois fatores, se mantinham os mesmos itens problemáticos, optou-se por manter a solução com três subescalas, alterando o item 11, o que está de acordo com a opção tomada por outros autores(5,8).

Conclui-se que a subescala menos robusta é a da energia, facto que se deve à estrutura conceptual dos seus itens, que incluem características que, na nossa cultura, podem se refletir no nível de energia, mas, também, no bem-estar.

A dificuldade em discriminar entre alguns itens da subescala energia com bem-estar positivo ou bem-estar negativo pode se dever ao facto de a mesma subescala apresentar uma dimensão de energia positiva e outra de energia negativa e, as respondentes, na situação em estudo, terem alguma dificuldade em dissociar esses dois conceitos.

A subescala bem-estar negativo é a que apresenta a melhor consistência interna, contrariamente, a subescala de bem-estar positivo apresenta consistência interna mais fraca(3), dado que o valor se situa entre 0,60 e 0,70, apesar de muito próximo do valor superior, embora sejam aceitáveis valores acima de 0,60(2), justificáveis, sobretudo, se as escalas têm reduzido número de itens. Apesar desses valores parcelares, o bem-estar geral apresenta boa consistência interna.

O W-BQ12 apresentou resultados consistentes, quando correlacionado ao PBGS - Escala de Avaliação do Luto Perinatal, com a existência de dois construtos díspares (o bem-estar subjectivo e o luto) embora inter-relacionados. Observou-se correlação negativa entre bem-estar geral e luto, ou seja, quanto maior a perceção de bem-estar menor a expressão do luto, isto é, luto mais resolvido. Por outro lado, a subescala bem-estar negativo apresentou correlação positiva com o luto, ou seja, associa-se a um luto mais ativo, menos resolvido.

A perda da gravidez com todas as suas implicações, enquanto evento estressor, poderá interferir negativamente na perceção que cada mulher faz do seu bem-estar. À medida que a expressão desse desgosto vai diminuindo, e se vai resolvendo esse luto, é recuperado o nível de bem-estar, tornando-se gradualmente mais positivo.

Relativamente às subescalas energia e bem-estar positivo, observaram-se correlações negativas com a escala de luto, embora não se mostrassem estatisticamente significativas.

A análise dos resultados aqui mostrados permite inferir que as participantes desta pesquisa apresentavam níveis satisfatórios de bem-estar positivo, bem-estar geral e energia, compatíveis com processo de luto em resolução, revelando satisfação com a sua vida pessoal e entusiasmo e confiança para continuarem o seu percurso na vida.

Conclusão

De acordo com os resultados obtidos, pode-se dizer que a versão portuguesa do W-BQ12 mostrou ser uma medida fidedigna e válida para a avaliação do bem-estar em mulheres em situação de perda involuntária da gravidez, dados os valores razoáveis da consistência interna das subescalas e da escala global, bem como a estrutura resultante da análise fatorial. O questionário mostrou ser sensível para uma população diferente daquela anteriormente utilizada, sendo indicador da sua validade. Seria, no entanto, interessante, considerar a sua aplicabilidade numa amostra maior.

A utilização de um instrumento como esse permite, com maior precisão, avaliar e identificar as mulheres em risco de luto mais prolongado, ou mais complicado, após perda involuntária da gravidez.

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  • Estudo das propriedades métricas da versão portuguesa para Portugal do Well-Being Questionnaire12 (W-BQ12) em mulheres com perda de gravidez

    Cândida KochI; Célia SantosII; Margarida Reis SantosII
  • *
    para a realização deste estudo, mediante o estabelecimento de protocolo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2011
    • Aceito
      17 Maio 2012
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