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O enfermeiro e o cuidado à mulher idosa: abordagem da fenomenologia social

Resumos

OBJETIVO: compreender a ação de cuidar da mulher idosa, sob a perspectiva do enfermeiro. MÉTODO: estudo fenomenológico, com dez enfermeiros que atuam em Unidades de Atenção Primária à Saúde, entrevistados entre setembro de 2010 e janeiro de 2011. RESULTADOS: o enfermeiro considera, para a realização do cuidado, a bagagem de conhecimentos e a situação biográfica da mulher idosa e valoriza a participação da família como mediadora do cuidado. Esse profissional possui acuidade para captar as demandas específicas da idosa, contudo, depara-se com dificuldades para cuidar dessa clientela. Espera realizar um cuidado qualificado para essas mulheres. CONCLUSÃO: a abordagem teórico-metodológica da fenomenologia social permitiu develar que o enfermeiro projeta o cuidado qualificado à mulher idosa como uma possibilidade no contexto em que está inserto. Tal perspectiva de cuidado inclui a participação de diversos atores sociais e setores da saúde, pressupondo investimento coletivo em estratégias de ação e formação profissional, consoantes às particularidades e necessidades de cuidado da mulher idosa, identificadas pelo enfermeiro.

Enfermagem; Saúde do Idoso; Cuidados de Enfermagem; Assistência Integral à Saúde; Pesquisa Qualitativa


OBJECTIVE: To understand how nurses see care delivery to elderly women. METHODS: In this phenomenological study, ten nurses working at Primary Health Care Units were interviewed between September 2010 and January 2011. RESULTS: In care delivery, nurses consider the elderly women's knowledge background and biographical situation, and also value the family's participation as a care mediator. These professionals have the acuity to capture these women's specific demands, but face difficulties to deliver care to these clients. Nurses expect to deliver qualified care to these women. CONCLUSION: The theoretical and methodological approach of social phenomenology permitted revealing that the nurse designs qualified care to elderly women, considering the possibilities in the context. This includes the participation of different social actors and health sectors, assuming collective efforts in action strategies and professional training, in line with the particularities and care needs of elderly women nurses identify.

Nursing; Health of the Elderly; Nursing Care; Comprehensive Health Care; Qualitative Research


OBJETIVO: Comprender la acción de cuidar a la mujer adulta mayor, a partir de la perspectiva del enfermero. MÉTODO: En este estudio fenomenológico se entrevistaron, entre septiembre del 2010 y enero del 2011, diez enfermeros que trabajaban en Centros de Salud. RESULTADOS: Para la realización del cuidado, el enfermero considera el bagaje de conocimientos y la situación biográfica de la mujer adulta mayor, así como, valoriza la participación de la familia como mediadora del cuidado. Ese profesional posee acuidad para captar las demandas específicas de la mujer adulta mayor, sin embargo se depara con dificultades para cuidar a esa clientela. El enfermero tiene la expectativa de realizar un cuidado calificado para esas mujeres. CONCLUSIÓN: El abordaje teórico-metodológico de la fenomenología social permitió develar que el enfermero se proyecta para ofrecer un cuidado calificado para la mujer adulta mayor, considerando las posibilidades en el contexto en el que está inserto. Eso incluye la participación de diversos actores sociales y sectores de salud, reconociendo un esfuerzo colectivo en estrategias de acción y formación profesional consonantes con las particularidades y necesidades del cuidado para la mujer adulta mayor identificadas por el enfermero.

Enfermería; Salud del Anciano; Atención de Enfermería; Atención Integral de Salud; Investigación Cualitativa


ARTIGO ORIGINAL

O enfermeiro e o cuidado à mulher idosa: abordagem da fenomenologia social

Sebastião CaldeiraI; Miriam Aparecida Barbosa MerighiII; Luz Angelica MuñozIII; Maria Cristina Pinto de JesusIV; Selisvane Ribeiro da Fonseca DomingosV; Deíse Moura de OliveiraVI

IPhD, Professor, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

IIPhD, Professor Titular, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, Brasil

IIIPhD, Professor Titular, Universidad Andrés Bello, Chile

IVPhD, Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

VPós-Doutoranda, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, Brasil

VIDoutoranda, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: compreender a ação de cuidar da mulher idosa, sob a perspectiva do enfermeiro.

MÉTODO: estudo fenomenológico, com dez enfermeiros que atuam em Unidades de Atenção Primária à Saúde, entrevistados entre setembro de 2010 e janeiro de 2011.

RESULTADOS: o enfermeiro considera, para a realização do cuidado, a bagagem de conhecimentos e a situação biográfica da mulher idosa e valoriza a participação da família como mediadora do cuidado. Esse profissional possui acuidade para captar as demandas específicas da idosa, contudo, depara-se com dificuldades para cuidar dessa clientela. Espera realizar um cuidado qualificado para essas mulheres.

CONCLUSÃO: a abordagem teórico-metodológica da fenomenologia social permitiu develar que o enfermeiro projeta o cuidado qualificado à mulher idosa como uma possibilidade no contexto em que está inserto. Tal perspectiva de cuidado inclui a participação de diversos atores sociais e setores da saúde, pressupondo investimento coletivo em estratégias de ação e formação profissional, consoantes às particularidades e necessidades de cuidado da mulher idosa, identificadas pelo enfermeiro.

Descritores: Enfermagem; Saúde do Idoso; Cuidados de Enfermagem; Assistência Integral à Saúde; Pesquisa Qualitativa.

Introdução

O aumento da expectativa de vida traz novos contornos à população mundial. Esse fato se desdobra em uma modificação global da pirâmide demográfica, com aumento expressivo da população idosa. No que diz respeito ao Brasil, a Organização Mundial da Saúde estima que, até 2025, esse será o sexto país no mundo com maior número de idosos, alcançando 30 milhões de pessoas. Entre 1980 e 2000, a população com 60 anos ou mais aumentou de forma importante, passando de 7,3 milhões para 14,5 milhões, com aumento paralelo na expectativa média de vida no país(1).

Quanto à população feminina, a estatística mostra que é mais numerosa que a masculina. No último censo, realizado em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, foram contabilizadas 8.549.259 pessoas idosas do sexo masculino e 10.732.790 do sexo feminino. Esse resultado também vem acompanhado de maior expectativa de vida para as mulheres, com 77,01 anos, quando comparada com os 69,4 anos estimados para a população masculina(2).

Esse panorama do Brasil é evidenciado em nível global. As mulheres vivem mais que os homens em todo o mundo, além de utilizarem mais o sistema de saúde e necessitarem de maiores cuidados devido aos problemas associados aos fatores biológicos, sociais e econômicos(3). Tal fato indica, portanto, superposição da população idosa feminina mundial, o que repercute em demandas específicas de saúde, relacionadas a essa nova realidade.

Tais demandas estão relacionadas a especificidades inerentes ao processo de envelhecimento populacional, que trazem consequências importantes para a saúde dos idosos. Dessa maneira, destaca-se maior carga de doenças nessa população, incluindo mais incapacidades e maior uso dos serviços de saúde(4).

As mudanças sociais e demográficas, evidenciadas atualmente, geram novas necessidades de cuidado orientadas para essa população. Nesse contexto, destaca-se o papel primordial do enfermeiro, seja no cuidado direto ao paciente idoso ou na capacitação do seu cuidador e/ou familiares(5).

No que diz respeito ao cuidado à mulher idosa pelo enfermeiro, sabe-se que esse profissional está intimamente relacionado com seu cuidado, quer seja de forma direta e/ou indireta. Portanto, o enfermeiro deve estar preparado para cuidar da pessoa idosa, com vistas a atendar as necessidades de saúde dessa população(6).

Diante do aumento expressivo de idosos – especialmente do sexo feminino – e da importância de conhecer como o cuidado a esse público tem sido realizado pelos enfermeiros, as seguintes perguntas orientaram a presente investigação: como o enfermeiro cuida da mulher idosa? Como o enfermeiro percebe as necessidades de cuidado dessa mulher? O que o enfermeiro espera na assistência à mulher idosa?

O objetivo deste estudo foi compreender a ação de cuidar da mulher idosa, a partir da perspectiva do enfermeiro. Investigações desse tipo geram contribuições importantes para a enfermagem, ao oferecer elementos que permitam refletir sobre a prática desse profissional para com a pessoa idosa, considerando suas necessidades, nesse momento do ciclo vital.

Estudos atuais, em nível nacional e internacional, publicados neste periódico sobre a temática em estudo trazem evidências científicas oriundas da perspectiva do idoso – com ênfase nos aspectos relacionados à qualidade de vida(7-8) e à capacidade funcional desse grupo(9-10). A perspectiva do enfermeiro sobre o cuidado à mulher idosa representa, portanto, contribuição importante à construção do conhecimento produzido sobre o tema, na presente revista.

Suscita, ainda, reflexões que transcendem essa dimensão, conferindo visibilidade à gestão dos serviços de saúde e às instituições formadoras de profissionais de enfermagem no que tange à assistência à pessoa idosa. Dessa maneira, é possível construir um paralelo entre o cuidado prestado e aquele que se pretende alcançar por parte dos profissionais que cuidam – direta ou indiretamente – dessa clientela.

Referencial teórico

Estudo qualitativo baseado na Fenomenologia Social de Alfred Schütz, que busca compreender a ação de cuidar da mulher idosa, a partir da perspectiva do enfermeiro. Para esse propósito foram usados os seguintes conceitos: mundo de vida, intersubjetividade, acervo de conhecimentos, situação biográfica, reciprocidade de perspectiva, ação social e tipificação(11).

O mundo da vida é o cenário de interação humana em que a pessoa utiliza o acervo de conhecimentos derivado de suas vivências e que são transmitidos aos pares que lhe antecedem e sucedem para a significação de suas experiências(11). Essa interpretação se faz de acordo com a posição cultural e ideológica – denominada situação biográfica – que permite aos sujeitos refletir e compreender suas ações e sua relação com o mundo(11). Nesse contexto, a intersubjetividade é uma precondição da vida social e a vivência é a fonte dos significados humanos. Esses últimos não são individuais, pois, à medida que são contextualizados na relação intersubjetiva, configuram um sentido social(11).

Na situação face a face, essa relação é permeada por interesses comuns apreendidos entre sujeitos, o que se denomina reciprocidade de intenção(11). Essa se traduz em construções típicas de objetos de pensamento que revelam a apreensão desses e de seus aspectos conhecidos pelos sujeitos que se relacionam no mundo social(11).

O sujeito atua nesse mundo através de motivos existenciais. O "motivo para" é a orientação para a ação futura (ato antecipado, imaginado, significado subjetivo da ação). O "motivo porque" está relacionado às vivências passadas e presentes (explicação posterior ao acontecimento). Orienta-se para os conhecimentos disponíveis, sendo uma categoria objetiva e acessível ao pesquisador(11).

Mesmo considerando as diversas perspectivas originadas de diferentes situações biográficas, objetos reais ou potencialmente comuns são escolhidos e interpretados de maneira idêntica. Assim, a objetivação dos significados é feita através de um esquema conceitual que permite agrupar as informações do senso comum – a tipificação – que leva à compreensão do homem nas suas relações sociais(11).

Método

Tendo como eixo orientador as premissas conceituais apresentadas anteriormente, este estudo foi desenvolvido com dez enfermeiros que desenvolvem atividades em Unidades de Atenção Primária à Saúde, em uma cidade do oeste do Estado de Paraná. Seus depoimentos foram obtidos entre setembro de 2010 e janeiro de 2011.

Os enfermeiros pertenciam, predominantemente, ao sexo feminino, com idade entre 23 e 47 anos e sem título de especialização na área de saúde do idoso, foram incluídos aqueles que prestavam cuidados diretos a essas mulheres e excluídos aqueles que não atendiam esse critério.

Os depoimentos foram coletados através de entrevista aberta, gravada, após obter o consentimento livre e informado por escrito, mediante as seguintes perguntas: como você percebe as necessidades de cuidado à saúde de uma idosa? Como você cuida dessa mulher? O que você espera quando cuida de uma idosa?

Os enfermeiros foram identificados pela letra E, seguida da numeração de 1 a 10. O número de sujeitos não foi determinado a priori, sendo os depoimentos encerrados quando houve a repetição dos conteúdos significativos, oriundos das falas, e o alcance do objetivo proposto pelo estudo.

A organização e análise geral das declarações foram realizadas de acordo com as premissas teóricas e metodológicas indicadas pelos estudiosos da Fenomenologia Social(12): a) leitura cuidadosa de cada depoimento para captar o sentido global da experiência vivida pelos sujeitos; b) agrupamento de aspectos significativos presentes nos depoimentos para compor as categorias; c) análise das categorias, buscando compreender os "motivos para" e os "motivos porque" da ação dos participantes e d) discussão dos resultados à luz da Fenomenologia Social de Alfred Schütz e outros referenciais relacionados ao tema.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, sob Protocolo nº357/2010.

Resultados

O enfermeiro, ao referir como cuida da idosa, suas necessidades de cuidado e o que espera quando cuida dessa clientela, permitiu a apreensão do contexto de significados inscrito nessa ação de cuidar, traduzido pelas categorias "especificidades no cuidado" e "participação da família", que expressam os "motivos porque", e pela categoria "cuidado qualificado", que expressa os "motivos para".

Especificidades no cuidado (motivos porque)

Ao prestar o cuidado, o enfermeiro considera o contexto de vida, o conhecimento e a experiência da mulher idosa. Indica utilizar essas informações no planejamento e na implementação de atividades assistenciais a essa clientela. [...] têm muitas experiências, boas e más, e nós enfermeiros precisamos usar isso para planejar e realizar o cuidado [...] (E8).

Nesse sentido, o enfermeiro percebe que fatores como o nível educacional e o contexto social podem interferir na saúde da idosa, bem como no cuidado a ela direcionado. [...] a saúde depende do social [...] a educação, por exemplo: como vou ensinar se elas não sabem ler e têm dificuldade para aprender? [...] (E3).

Além desse contexto, evidenciam-se limitações típicas do processo de envelhecimento que dificultam a comunicação com a idosa, particularmente a fragilidade, as perdas na mobilidade, comunicação verbal e audição. [...] é bastante difícil a comunicação com elas [...]. Não escutam bem, não conseguem entender o que a gente fala [...] (E4). [...] têm problemas físicos, de audição e visão que agravam ainda mais a situação (E10).

As particularidades presentes na fase de envelhecimento fazem com que o enfermeiro identifique necessidades de saúde específicas para essa clientela. Entre essas, destaca-se a prevenção de lesões como algo indispensável nesse momento da vida da mulher. [...] acho que temos que prevenir, para se ter uma velhice saudável. Proporcionar uma atenção que possa levar ao restabelecimento e ao mesmo tempo prevenir outras complicações, outras doenças que irão acontecer. Então, acho que o principal é a prevenção (E9).

Entre as atividades realizadas para a idosa, o trabalho educativo em grupo é identificado como uma estratégia de cuidado importante, sendo considerado pelo enfermeiro como um espaço de comunicação corporal e de socialização da mulher. [...] nessas atividades de grupo, vejo que elas se sentem melhor [...] na dança, por exemplo, você vê a felicidade estampada nos seus rostos. Vejo isso porque o corpo fala (E8).

Participação da família (motivos porque)

A família é considerada uma parceira para a efetivação do cuidado prestado a essas mulheres. Essa coparticipação é vista como positiva, tanto para o trabalho da equipe de saúde quanto para conferir à mulher o apoio físico e afetivo necessário nesse período da vida. [...] a família tem que participar junto com a equipe da unidade de saúde [...]. Se a família não se envolve, eu vou cuidar dela, orientá-la, acompanhar aqui, mas não vai ter essa continuidade em casa (E9).

Em contrapartida, o abandono da idosa pelos seus familiares foi considerado pelo enfermeiro como um agravante para o planejamento e a continuidade do cuidado. [...] a família lhe abandona e não vem como ela para a consulta, eu dou a orientação [...] daí a pouco ela volta perdida, porque é sozinha em casa [...] assim é muito difícil (E1).

Um tema destacado pelo enfermeiro é a participação da idosa como cuidadora no contexto familiar, especialmente dos filhos e netos. Isso é assinalado como contraponto importante ao se pensar o cuidado para esse público, já que, ao assumir esse papel, a mulher rompe um ciclo de solidão muito comum, quando se encontra distante de seus familiares. [...] hoje vemos as idosas assumindo atividades do cotidiano. Além de ser alguém que cuida da família, também são elas que cuidam dos netos (E8).

Cuidado qualificado (motivos para)

Ao cuidar da mulher idosa, o enfermeiro espera prestar atenção qualificada, tanto na maneira em que essa assistência é oferecida quanto na forma de conduzir esse cuidado, pois tenta integrar pessoas e serviços envolvidos no cuidado. [...] deve-se melhorar os programas, a intersetorialidade e o trabalho conjunto. São necessárias a qualificação, a sensibilização e discutir o problema, criar estratégias (E3).

Ao refletir sobre a maneira como cuida, o enfermeiro percebe que sua formação é insuficiente para esse tipo de cuidado. O enfermeiro considera o investimento na sua formação profissional como um caminho possível para a qualificação do cuidado. [...] ainda temos muitas falhas, que vieram da formação [...]. Espero que tenha mais treinamento e cursos de capacitação sobre a saúde do idoso [...]. O que se faz aqui está baseado em nossa experiência de trabalho (E1).

No que diz respeito ao investimento no cuidado do idoso, o enfermeiro aspira a definição e direção de atividades a serem praticadas por ele, na Atenção Primária à Saúde, junto a essa clientela. [...] devemos ter algo que nos dirija, como um protocolo, para poder dar uma resposta sólida, para que a mulher possa seguir essa indicação, porque às vezes é difícil [...] você fala uma coisa, o outro diz outra coisa e a idosa não sabe quem escutar (E7).

Discussão

A reflexão que surge sobre o cuidado do enfermeiro à idosa acontece no mundo da vida, no contexto das experiências que vive (motivos porque). Isso permitiu desvelar que o típico da ação de cuidar é baseado tanto nas particularidades dessa fase da vida da mulher como no contexto de vida em que está inserida.

Cuidar desse grupo envolve estabelecer relação pautada na intersubjetividade, que permite ter acesso à realidade vivida pela pessoa. Ao planejar e prestar o cuidado, o enfermeiro considera a bagagem de conhecimentos e a situação biográfica da mulher. Isso pressupõe a valorização dos aspectos biológicos, psicológicos, sociais, tendo como referência os valores, as crenças, a cultura e as experiências vividas(13).

O enfermeiro destaca, como um aspecto que limita esse cuidado, a fragilidade da idosa, que se expressa nas deficiências de mobilidade, audição e visão, dificultando a comunicação efetiva no cuidado. Ao considerar tais particularidades, o enfermeiro é capaz de prevenir o desenvolvimento ou agravamento da fragilidade, diminuindo os índices de institucionalização e hospitalização, assim como as taxas de mortalidade dessa população(14).

O enfermeiro destaca as atividades envolvidas na promoção à saúde e na prevenção de doenças das idosas. O trabalho educativo grupal foi mencionado como uma estratégia de cuidado que propicia a promoção à saúde, influenciando positivamente na qualidade de vida das mulheres.

Sobre a participação dos idosos em atividades grupais, em estudo ficou constatado que tal convivência traz grandes melhorias e mudanças no que diz respeito a aspectos da saúde, autoestima e valorização da vida. Muitos idosos relataram que as atividades realizadas em grupo contribuíram para a realização das suas atividades cotidianas, além de gerar reconhecimento e valorização, tanto pelos familiares como pela sociedade em geral(15).

Os programas de inclusão do idoso têm propósitos em comum, tais como reverter estereótipos e preconceitos relacionados à velhice, promover a autoestima, resgatar a dimensão de cidadania de quem vive essa etapa da vida, incentivar a autonomia, a independência, a autoexpressão e a reinserção social, em busca de uma velhice bem-sucedida. Trata-se de uma alternativa de inclusão do idoso nos espaços sociais, no intuito de melhorar sua qualidade de vida e reafirmar sua cidadania(16).

Outro aspecto típico na ação de enfermeiros no cuidado à mulher idosa (motivos porque) é baseado na importância da família como importante parceira na prestação de cuidados. As relações positivas na convivência com a família ajudam o paciente idoso a manter-se ativo e com autonomia, conforme evidenciado não somente na sua qualidade de receptor da ajuda e do cuidado, mas também na sensação de utilidade, especialmente quando pode ajudar outros membros da família. O vínculo entre essas mulheres e sua família é importante para a construção de uma relação de confiança, de intimidade e para estreitar os laços afetivos. Isso possibilitará que os sujeitos envolvidos (idosa e família) enfoquem a assistência à saúde do mesmo modo, indicando reciprocidade de perspectivas nessa relação.

As idosas bem integradas em suas famílias e em outros grupos sociais têm maior capacidade de recuperação de doenças e de maior sobrevida, considerando que o isolamento social representa fator de risco importante para a morbimortalidade(17).

No presente estudo, em algumas situações, foi evidenciado o abandono da família, tornando a idosa vulnerável. Essa vulnerabilidade é baseada no fato de se sentir carente, sem afeto ou cuidado de pessoas significativas. Sabe-se que, atualmente, o idoso convive com a ausência do apoio familiar, com justificativas pautadas na ausência de condições ou de desejo de assumir o cuidado envolvido no processo de envelhecimento(18).

Em países orientais, a inclusão da família no cuidado dos idosos acontece de forma diferenciada. São os filhos que assumem a preparação dos seus pais para o autocuidado na senilidade(19). Na Holanda, as famílias preparam os filhos cada vez menos para o cuidado dos pais idosos, fazendo com que valorizem e busquem sua independência a partir do autocuidado. Porém, destaca-se que nem sempre é possível cuidar de si mesmo, considerando que as condições crônicas que afetam os idosos podem gerar dependência psicofísica e, na maioria das vezes, dependência financeira(20).

Por outro lado, hoje em dia, esse grupo está assumindo papéis que historicamente não foram indicados na literatura, nem nas políticas públicas. Evidencia-se que esses papéis fazem da idosa uma participante no cuidado da família(21). Principalmente a avó materna é considerada uma extensão da própria mãe. Aquela remete sabedoria e confiança que lhe permite cuidar das pessoas ao seu redor, representando uma figura protetora(22).

Considerando o contexto de experiências no cuidado à idosa, o enfermeiro planeja ações e as reestrutura a partir de diferentes situações, o que serve de base para novas ações de cuidar (motivos para). Essa motivação remete os sujeitos à ação imaginada, que tem origem na bagagem de conhecimentos e na situação biográfica de cada sujeito(11).

O enfermeiro espera que o cuidado prestado à idosa resulte da integração dos profissionais envolvidos, em consonância com a integração dos serviços. Planeja um cuidado orientado para as idosas, por meio da utilização de instrumentos que melhor possam sistematizá-lo.

Com relação ao protocolo clínico, estudos brasileiros discutem a Sistematização da Atenção de Enfermagem como um instrumento científico, utilizado para apoiar os enfermeiros na qualificação do cuidado. Isso pressupõe atenção orientada, com ações de cuidado que contemplem a integralidade, a qualidade e a organização da assistência(23).

O cuidado qualificado foi um projeto de ação do enfermeiro para essa clientela, que deve ser orientado por um serviço integrado, com investimento paralelo na formação profissional (motivos para). O enfermeiro evidencia dificuldades para levar adiante o cuidado da idosa. Essa situação representa desdobramento da deficiência de seu processo de formação. Isso se destaca como um tema complexo, dinâmico e mutável, tanto no que diz respeito às necessidades dos idosos quanto aos requisitos profissionais necessários para dar respostas adequadas a essas necessidades(24).

O currículo dos cursos de formação na área da saúde, portanto, deve ser adequado para atender essa demanda. Além disso, o intercâmbio entre gestores, enfermeiros e demais envolvidos na promoção à saúde do idoso é visto como meio que permite a ampliação e qualificação das ações de cuidado a essa população(25).

O conjunto das categorias que congregam os "motivos porque" e os "motivos para" permitiu a construção de características típicas do enfermeiro no cuidado à idosa como sendo o profissional que leva em conta a bagagem de conhecimentos e a situação biográfica da idosa e valoriza a participação da família como mediadora do cuidado. O enfermeiro espera prestar cuidado qualificado a essas mulheres, baseado em uma formação profissional compatível com as necessidades de saúde desse público.

Considerando que o cuidado à idosa envolve uma gama de saberes e práticas, compreendê-lo, a partir da perspectiva de uma única categoria profissional, limita os achados deste estudo, já que traduz as vivências e expectativas específicas do enfermeiro, que podem diferir de outros profissionais.

Espera-se que a evidência emergida no presente estudo se desdobre em possibilidades de reflexão e ação na esfera assistencial, no ensino e na pesquisa, no que tange a saúde da mulher idosa. Essas possibilidades devem ser vinculadas a perspectivas de ampliação do conhecimento nesses campos, mediante a reestruturação das práticas e da formação profissional do enfermeiro.

Conclusão

A compreensão da ação de cuidar da idosa, sob a perspectiva do enfermeiro, permitiu identificar que esse profissional, pautado no acervo de conhecimentos e na situação biográfica da idosa, identifica particularidades que trazem contornos diferenciados para o cuidado.

Esses são delimitados, entre outras coisas, pela fragilidade que caracteriza o envelhecimento e pelo baixo nível socioeconômico e de escolaridade que agem como fatores que dificultam o cuidado a esse grupo.

A importância da rede de apoio social foi evidenciada, demarcada de maneira especial pela presença da família como mediadora do cuidado. Cabe ao enfermeiro envolver a família no cuidado à idosa – do planejamento à execução – para que todos os sujeitos envolvidos (enfermeiro, idosa e família) encontrem sentido no plano de cuidados, no intuito de promover a adesão.

A utilização de protocolos que direcionem o cuidado a essas mulheres é considerada, pelo enfermeiro, como instrumento mediador na atenção à saúde dessa clientela. Deve-se pensar, entretanto, que tais instrumentos propõem abordagem parcial e objetiva do cuidado, cabendo ao enfermeiro utilizá-los de forma qualificada. Isso pressupõe conhecimento teórico-prático que permita reconhecer os aspectos subjetivos circunscritos às necessidades de cuidado da idosa.

É importante destacar que, para atender essas necessidades, são necessários profissionais dotados de formação que os apoie no exercício do cuidado. Demarca-se, nesse sentido, uma considerável lacuna, já que a demanda crescente pela assistência à pessoa idosa não vem acompanhada por profissionais que possam atendê-la de modo qualificado, no cotidiano dos serviços de saúde.

A compreensão do enfermeiro referente ao cuidado prestado à idosa sinaliza que esse profissional possui acuidade para captar as demandas específicas desse grupo, mas se depara com dificuldades para cuidar dessa clientela.

A abordagem teórico-metodológica da fenomenologia social permitiu develar que o enfermeiro projeta o cuidado qualificado à idosa como uma possibilidade, considerando o contexto em que está inserto. Tal perspectiva de cuidado inclui a participação de diversos atores sociais e setores da saúde, pressupondo esforço coletivo que leve ao encontro de estratégias de ação e de formação profissional consonantes às particularidades e necessidades de cuidado dessa clientela.

À medida que o fenômeno se mostra de modo perspectivo, este estudo representa uma faceta do cuidado à saúde da idosa. Portanto, outras perspectivas devem ser investigadas, a fim de somar e aprofundar os aspectos levantados na presente investigação.

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  • Corresponding Author:

    Maria Cristina Pinto de Jesus
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      30 Mar 2012
    • Aceito
      24 Set 2012
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