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A vacinação contra hepatite B é realidade entre trabalhadores da Atenção Primária à Saúde?

Resumos

OBJETIVO: verificar a prevalência e os fatores associados à vacinação contra hepatite B entre trabalhadores da Atenção Primária à Saúde de Montes Claros, MG. MÉTODO: trata-se de estudo transversal, analítico, cujos dados foram coletados utilizando um formulário, contendo variáveis sociodemográficas, ocupacionais, de saúde geral e comportamentais. Associações foram investigadas por análises bivariadas e regressão de Poisson multivariada, empregando-se o programa SPSS 17.0. RESULTADOS: a questão sobre vacinação foi respondida por 95,5% dos trabalhadores; 47,5% não completaram o esquema vacinal. A prevalência dos vacinados foi menor entre os mais velhos, nos contratados, entre os que não participaram de atualização na área de saúde do trabalhador e naqueles que consumiam bebidas alcoólicas. Foi maior naqueles com mais anos de estudo e nos que relataram contato com instrumentos perfurocortantes. CONCLUSÕES: a formação profissional, o conhecimento e a percepção do risco de infecção são importantes na determinação da vacinação. Sugere-se que a instabilidade no trabalho pode levar à negligência e que os comportamentos negligentes se repetem. A caracterização dos profissionais que não se vacinaram direcionará ações educativas, visando a saúde do trabalhador.

Hepatite B; Vacinação; Saúde do Trabalhador; Atenção Primária à Saúde


OBJECTIVE: To verify the prevalence and factors associated with vaccination against hepatitis B among Primary Health Care workers in Montes Claros/MG. METHOD: A cross-sectional, analytic study was undertaken. Data were collected through a form, which contained sociodemographic, occupational, general health and behavioral variables. Associations were investigated through bivariate analysis and Poisson's multivariate regression, using SPSS 17.0. RESULTS: 95.5% answered the question about vaccination; 47.5% did not complete the vaccination scheme. The prevalence of vaccinated professionals was lower among older workers, who were hired, did not participate in occupational health updates and consumed alcohol. Prevalence levels were higher among professionals with more years of education and who reported contact with piercing and cutting instruments . CONCLUSIONS: Professional education, knowledge and perception of infection risks are important determinants of the vaccination scheme. Instability at work may lead to negligence and negligent behaviors may repeat themselves. The characterization of professionals who did not get vaccinated will direct educative actions in occupational health.

Hepatitis B; Vaccination; Occupational Health; Primary Health Care


OBJETIVO: Verificar la prevalencia y los factores asociados a la vacunación contra hepatitis B entre trabajadores de la Atención Primaria de Salud en Montes Claros/MG, Brasil. MÉTODO: Se trata de un estudio transversal, analítico, cuyos datos fueron recolectados mediante un formulario con variables sociodemográficas, ocupacionales, de salud general y comportamentales. Asociaciones fueron investigadas por análisis bivariados y regresión de Poisson multivariada, mediante el programa SPSS 17.0. RESULTADOS: La pregunta sobre vacunación la respondió el 95,5%; 47,5% no completó el esquema de vacuna. La prevalencia de los vacunados fue menor entre los más viejos, los contratados, entre aquellos que no participaron de actualización en el área de salud del trabajador y aquellos que consumían bebidas alcohólicas. Fue mayor en aquellos con más años de educación y los que relataron contacto con instrumentos punzantes y cortantes. Se sugiere que la instabilidad en el trabajo pueda llevar a negligencia y que los comportamientos negligentes se repiten. La caracterización de los profesionales que no se vacunaron dirigirá acciones educativas, visando a la salud del trabajador.

Hepatitis B; Vacunación; Salud Ocupacional; Atención Primaria de Salud


ARTIGO ORIGINAL

IDoutoranda e Professor, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Professor, Faculdades Integradas Pitágoras, Montes Claros, MG, Brasil. Professor, Faculdade de Saúde Ibituruna, Ibituruna, MG, Brasil

IIPhD, Professor, Departamento de Odontologia, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Professor, Faculdades Unidas do Norte de Minas, Montes Claros, MG, Brasil

IIIDoutorando e Professor, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Professor Titular, Faculdades Unidas do Norte de Minas, Montes Claros, MG, Brasil

IVAluno do curso de graduação em Odontologia, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil

VAluna do curso de graduação em Medicina, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil

VIPhD, Professor Adjunto, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: Verificar la prevalencia y los factores asociados a la vacunación contra hepatitis B entre trabajadores de la Atención Primaria de Salud en Montes Claros/MG, Brasil.

MÉTODO: Se trata de un estudio transversal, analítico, cuyos datos fueron recolectados mediante un formulario con variables sociodemográficas, ocupacionales, de salud general y comportamentales. Asociaciones fueron investigadas por análisis bivariados y regresión de Poisson multivariada, mediante el programa SPSS 17.0.

RESULTADOS: La pregunta sobre vacunación la respondió el 95,5%; 47,5% no completó el esquema de vacuna. La prevalencia de los vacunados fue menor entre los más viejos, los contratados, entre aquellos que no participaron de actualización en el área de salud del trabajador y aquellos que consumían bebidas alcohólicas. Fue mayor en aquellos con más años de educación y los que relataron contacto con instrumentos punzantes y cortantes. Se sugiere que la instabilidad en el trabajo pueda llevar a negligencia y que los comportamientos negligentes se repiten. La caracterización de los profesionales que no se vacunaron dirigirá acciones educativas, visando a la salud del trabajador.

Descritores: Hepatite B; Vacinação; Saúde do Trabalhador; Atenção Primária à Saúde.

Introdução

A hepatite B representa importante problema de saúde pública no mundo, sendo uma das maiores causas de morbidade e mortalidade entre os seres humanos(1). Nos trabalhadores da saúde, a prevalência de infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) pode variar de 4,8 a 11,1%, podendo ser até três vezes maior que na população geral(1). Tal situação pode ser justificada pelo alto risco de exposição ocupacional, atingindo até 40% em exposição percutânea, no caso de paciente-fonte com sorologia HBsAg reativa(2).

A vacinação é a forma mais eficaz de prevenção da hepatite B e, no Brasil, são recomendadas três doses da vacina (0, 1 e 6 meses) para recém-nascidos, adolescentes até 19 anos e para os trabalhadores da área da saúde que podem estar expostos aos materiais biológicos, durante suas atividades, inclusive os que não trabalham diretamente na assistência ao paciente(2). Recomenda-se, ainda, a vacinação antes da admissão do profissional (ou estudante, estagiário) nos serviços de saúde e a verificação da soroconversão de um a dois meses depois da última dose(2).

As investigações sobre vacinação contra a hepatite B incluem, em sua maioria, profissionais de saúde de áreas específicas, tais como odontologia(3) e enfermagem(4), estudantes de graduação na área da saúde(5) e profissionais atuantes em âmbito hospitalar(6). Foram identificados somente dois estudos sobre a vacinação contra a hepatite B entre trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil(7-8) e, apesar da sua reconhecida importância, muitos ainda a negligenciaram, apresentando prevalências de não vacinação de 23,8%(7) e de 35,39%(8).

No Brasil, a Estratégia Saúde da Família (ESF) é o modelo assistencial de saúde que propôs a reorganização da APS. O recurso humano que atua na ESF é organizado a partir do trabalho em equipe multiprofissional composta, minimamente, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de Enfermagem, quatro a seis agentes comunitários de saúde, um odontológico e um auxiliar e/ou técnico em saúde bucal. Esses profissionais vivenciam um processo de trabalho complexo e peculiar, com grandes e crescentes responsabilidades(9). Tal processo demanda desses profissionais habilidades técnicas e de relações interpessoais, além do entender coletivo do processo saúde/doença(9).

Esse processo de trabalho determina diferentes riscos à saúde do trabalhador que podem levar ao adoecimento físico e/ou psíquico, incluindo os riscos biológicos(10-12). Assim, a adesão à vacinação contra hepatite B deve ser considerada no contexto do processo saúde/doença do trabalhador da ESF, incluindo o estudo de variáveis que podem ser associadas a diferentes comportamentos em saúde, como as sociodemográficas, de estilo de vida, da condição de saúde e ocupacionais. Em estudos prévios, a prevalência de vacinação contra hepatite B, entre trabalhadores da APS, foi menor naqueles com menor escolaridade, com vínculo empregatício precário(8) e que não participaram de atualização na área da saúde(7). O contato com material biológico e com instrumentos perfurocortantes e o hábito tabagista foram também fatores associados(8).

O estudo da prevalência e dos fatores associados à vacinação contra hepatite B entre trabalhadores da APS, caracterizando aqueles que não vacinaram, poderá contribuir para o direcionamento de ações que visem diminuir a incidência dessa grave doença. Idealmente, tais ações devem fazer parte de outras voltadas à saúde do trabalhador, que visem a prevenção e o controle de riscos nos ambientes de trabalho.

Neste estudo, investigaram-se a prevalência e os fatores associados à vacinação contra hepatite B, entre trabalhadores da APS, analisando, simultaneamente, fatores considerados importantes na determinação da vacinação contra hepatite B, que não foram previamente estudados.

Método

Trata-se de estudo transversal analítico, conduzido entre agosto e dezembro de 2010, que incluiu todos os 797 trabalhadores da APS de todas as 59 equipes da ESF, de Montes Claros, MG: médicos, enfermeiros, cirurgiões-dentistas, técnicos e auxiliares de enfermagem, técnicos e auxiliares de saúde bucal e agentes comunitários de saúde. Os dados foram coletados por meio de entrevista seguindo um formulário, previamente testado entre trabalhadores não considerados no estudo principal. No formulário de coleta de dados, além de questões elaboradas para a pesquisa, foram incluídas as seguintes escalas validadas no Brasil: Effort-reward imbalance(13),Questionário de Saude Geral (QSG)(14), WHOQOL-bref(15) e o Questionário Internacional de Atividades Físicas (IPAQ)(16).

A variável dependente foi o relato de vacinação, avaliada pela seguinte questão: Você já tomou a vacina contra a hepatite B? Se a resposta for sim, quantas doses você tomou?, com as seguintes opções de respostas: sim, 3 doses; sim, 2 doses; sim, uma dose; sim, não sei quantas doses; não tomou. Foram considerados vacinados os trabalhadores que tomaram três doses da vacina contra hepatite B e não vacinados aqueles que tomaram uma, duas, nenhuma ou não sabiam o número de doses.

As variáveis independentes foram agrupadas em: aspectos sociodemográficos, ocupacionais, da saúde geral e comportamentos relacionados à saúde.

Quanto aos aspectos sociodemográficos foram avaliados o sexo, a idade, a escolaridade em anos de estudo, a situação conjugal (com ou sem companheiro) e a renda mensal em salários-mínimos. As variáveis quantitativas idade e renda mensal foram dicotomizadas, considerando a mediana como ponto de corte.

Quanto aos aspectos ocupacionais, as seguintes variáveis foram avaliadas: a função na ESF [categorizada em três níveis: superior (médicos, cirurgiões-dentistas e enfermeiros), técnico (técnicos em saúde bucal e técnicos em enfermagem) e fundamental e médio (agentes comunitários de saúde)]; o tempo na profissão em meses; o regime de trabalho (efetivo ou contratado); a presença de outro vínculo profissional; a realização de atualização na área da saúde do trabalhador nos últimos dois anos; o contato com instrumento perfurocortante e material biológico na prática atual; o histórico de acidente com instrumento perfurocortante, níveis de estresse no trabalho e satisfação com o trabalho (satisfeito ou insatisfeito). A variável quantitativa "tempo de profissão em meses" foi dicotomizada, considerando a mediana como ponto de corte.

Entre as variáveis referentes aos aspectos ocupacionais, os níveis de estresse no trabalho foram avaliados pela escala de desequilíbrio entre esforço e recompensa no trabalho (Effort-reward Imbalance), composta por 23 questões(13), abrangendo os dois componentes extrínsecos (esforço e recompensa) e o componente intrínseco (comprometimento excessivo). A razão entre o esforço e a recompensa no trabalho foi obtida pela divisão entre a soma dos escores referentes ao esforço pela soma dos escores da recompensa, considerando o fator de correção (0,545455). Em seguida, essa variável foi dicotomizada em escores <1 (esforço menor que a recompensa) ou >1,01 (esforço maior que a recompensa)(17). O comprometimento excessivo foi analisado como uma variável quantitativa, o que significa que, quanto maior o escore, maior o comprometimento no trabalho.

A avaliação da saúde geral incluiu a autoclassificação da saúde, avaliada pela seguinte questão: Como você classifica sua saúde?, com as seguintes opções de resposta: ótima, boa, regular, ruim e péssima. Outras duas questões avaliaram a presença de doença(s) sistêmica(s) diagnosticada(s) por um médico (sim/não) e uso de medicamentos prescritos por um médico (sim/não). A presença de transtornos mentais leves foi avaliada pelo Questionário de Saúde Geral-12 (QSG-12)(14), que contém 12 questões com quatro opções de resposta em escala tipo Likert. Para análise desse instrumento, foi utilizado o sistema de escore 0011, sendo o escore 0 e 1 atribuído para as respostas que indicavam ausência ou presença de alteração para o aspecto avaliado pela questão, respectivamente, totalizando um escore para o instrumento de 0 a 12. O ponto de corte 3/4 foi adotado para definir indivíduos sem e com transtornos mentais leves, respectivamente(18). O WHOQOL-bref(15) foi empregado para avaliação da qualidade de vida geral e seus domínios físico, ambiental, social e psicológico, sendo obtidos escores de 0 a 100, conforme orientações da Organização Mundial de Saúde(19). Os escores de qualidade de vida foram analisados como variável quantitativa.

A atividade física, o consumo de bebidas alcoólicas (sim/não) e de tabaco (fumante atual, não fumante ou ex-fumante) foram os comportamentos relacionados à saúde avaliados. Para avaliação da atividade física, foi empregado o Questionário Internacional de Atividades Físicas (IPAQ)(16), analisado segundo as orientações do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul(20), classificando os trabalhadores em muito ativo, ativo, irregularmente ativo e sedentário, variável posteriormente categorizada em ativo (muito ativo, ativo) e sedentário e irregularmente ativo.

As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software SPSS®, versão 17.0 para Windows. Após análise descritiva, a associação entre o relato de vacinação e as variáveis independentes foi investigada por meio de análise bivariada e regressão de Poisson multivariada. Foram incluídas na análise multivariada as variáveis associadas ao relato de vacinação na análise bivariada com valor p<0,30. Adotou-se um nível de significância de 95%. O modelo final foi ajustado, mantendo-se as variáveis associadas com p<0,05.

O projeto de pesquisa Fatores associados à imunização contra hepatite B entre os trabalhadores da Atenção Primária à Saúde, do qual originou este estudo, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Funorte (CEP/SOEBRAS: 0208/08).

Resultados

No momento da coleta de dados, 797 trabalhadores atuavam nas ESFs de Montes Claros, obtendo-se taxa de resposta de 95,6% (n=762), sendo que 761 (95,5%) responderam a questão acerca da vacinação contra hepatite B. Aproximadamente, metade (52,5%) relatou ter tomado três doses da vacina contra hepatite B. A perda de 4,4% foi de trabalhadores não encontrados após três tentativas.

Os fatores associados ao relato de vacinação contra hepatite B na análise bivariada (p<0,05) foram: escolaridade em anos de estudo, renda mensal, função na ESF; tempo de trabalho na profissão, presença de outro vínculo profissional, atualização na área de saúde do trabalhador nos últimos dois anos, contato com instrumento perfurocortante na prática atual, contato com material biológico na prática atual, histórico de acidente com instrumento perfurocortante, qualidade de vida geral e nos domínios físico, psicológico, social e ambiental, consumo de tabaco e atividade física (Tabelas 1, 2 e 3).

Na análise multivariada, constatou-se que a prevalência de trabalhadores vacinados foi menor entre os mais velhos, entre contratados, naqueles que não participaram de atualização na área de saúde do trabalhador nos últimos dois anos e naqueles que relataram consumir bebidas alcoólicas. A prevalência de vacinação foi maior nos trabalhadores com mais anos de estudo e entre os que relataram contato com instrumentos perfurocortantes na prática atual (Tabela 4).

Discussão

Houve baixa prevalência de relato de vacinação entre os trabalhadores da APS de Montes Claros, MG. Tal fato é preocupante, considerando que o Ministério da Saúde recomenda a vacinação contra hepatite B para 100% dos trabalhadores da área da saúde(2). No Brasil, a prevalência de vacinação entre trabalhadores da APS de Florianópolis(8) e Mato Grosso do Sul(7) foi de 64,61 e 76,2%, respectivamente, valores superiores aos 52,5% observado neste estudo. Os trabalhadores de saúde devem seguir essa recomendação, pois a vacina é comprovadamente segura(3) e a maneira mais eficaz para prevenção da infecção pelo VHB(7-8). Além da vacinação, a aderência às medidas de precaução-padrão e o cuidado por parte dos trabalhadores são fundamentais para evitar a transmissão do VHB nos serviços de saúde, visando não somente a própria proteção, mas, também, de seus pacientes e familiares(5).

Os resultados deste estudo evidenciaram a importância da formação profissional e do conhecimento na determinação da vacinação contra hepatite B, pois a sua prevalência foi maior entre profissionais mais jovens e nos que participaram de curso de atualização na área de saúde do trabalhador nos últimos dois anos. Tais associações podem refletir diferenças no conhecimento desses profissionais quanto às medidas de proteção do trabalhador, incluindo a vacinação. Os trabalhadores mais jovens possivelmente tiveram maior acesso à informação sobre controle de infecção a partir da epidemia da Aids. Além disso, esse grupo foi beneficiado pela disponibilidade da vacina contra hepatite B pelo Ministério da Saúde, a partir de 1995(3).

Houve maior prevalência de vacinação entre trabalhadores com mais anos de estudo, possivelmente pela maior percepção dos riscos ocupacionais(7,21) e maior conhecimento sobre saúde ocupacional(4,8), entre profissionais com maior escolaridade. Adicionalmente, profissionais com curso superior podem ter sido vacinados durante a graduação(21). De maneira semelhante, em um estudo transversal na área hospitalar, foi observada menor prevalência da vacinação entre auxiliares de enfermagem, relacionada à baixa escolaridade, e a maior prevalência de vacinação nas ocupações com maior grau de escolaridade(22). Relacionado a esse achado, foi observado, entre cirurgiões-dentistas de Montes Claros: aqueles que participaram de capacitação na área de saúde do trabalhador apresentaram maior prevalência de relato de vacinação, demonstrando que, mesmo entre os profissionais de nível superior, o maior conhecimento sobre saúde ocupacional é fator que favorece a vacinação para hepatite B(21).

Como previamente observado(7), por estarem mais expostos ao risco de acidentes ocupacionais, trabalhadores que possuíam contato com instrumento perfurocortante, na prática atual, apresentaram maior prevalência de relato de vacinação. Esses profissionais possivelmente conhecem que as exposições percutâneas são as associadas com maior risco de transmissão de patógenos e as responsáveis pela maior prevalência de acidentes ocupacionais(2), levando-os à adoção mais frequente de medidas de autocuidado. Vale ressaltar que os trabalhadores em contato com instrumentos perfurocortantes possuem maior risco de acidente e podem ter sido orientados com maior ênfase para se vacinarem. A variável "histórico de acidente com instrumento perfurocortante" não foi significativamente associada ao relato de vacinação, e a prevalência dos que vacinaram foi semelhante entre os trabalhadores que tiveram ou não acidente. Poderia se discutir se o acidente levaria os profissionais a vacinarem, aumentando a prevalência dos vacinados entre os que sofreram acidentes. Contuto, mesmo entre os que sofreram acidentes, aproximadamente 1/3 não vacinou. No presente estudo, as medidas adotadas pelos profissionais, após a ocorrência de um acidente com material biológico, não foram avaliadas, devendo ser objeto de futuras investigações.

Neste estudo, os trabalhadores que consumiam bebidas alcoólicas apresentaram menor prevalência de vacinação, podendo significar uma repetição de comportamentos negligentes com a própria saúde, incluindo a não vacinação. Contudo, o uso de álcool não significa necessariamente negligência com a saúde e, dependendo do tipo de bebida e das características do uso, pode ser uma medida de autocuidado; por exemplo, o consumo moderado de vinho tinto como medida de prevenção auxiliar para diabetes e doenças cardiovasculares(23). Já o uso abusivo de bebidas fermentadas e destiladas pode ser considerado marcador de negligência com a própria saúde. Neste estudo, a variável "consumo de bebidas alcoólicas" foi avaliada de forma dicotômica, não sendo possível discutir variações na prevalência de vacinação quanto ao tipo, a quantidade e a frequência de bebida alcoólica consumida. Apesar dessa limitação, a variável dicotômica foi capaz de identificar trabalhadores cujos comportamentos, quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, esteve associado a outro comportamento relacionado à saúde: a vacinação. Como essa associação se deu num sentido inverso, levantou-se a hipótese da negligência com a saúde. A consistência desse achado não pôde ser verificada, pois essa variável não foi previamente investigada entre trabalhadores da APS(7-8).

Sendo a vacinação uma medida preventiva, de autocuidado, recomendada para profissionais de saúde, buscou-se estudar a sua prevalência no contexto mais amplo de saúde, buscando identificar a sua associação com fatores positivos e negativos que poderiam interferir nos comportamentos em saúde. A insatisfação e o estresse no trabalho, o adoecimento psíquico, a baixa qualidade de vida, a alta prevalência de sedentarismo(24) têm sido relatados entre os profissionais da ESF, que reconhecem muitos dos riscos de adoecimento no próprio processo de trabalho(12). Assim, as variáveis como estresse no trabalho, qualidade de vida, atividade física, saúde mental, doenças sistêmicas, que não foram testadas em estudos anteriores, foram incluídas na análise, pois se acreditava que situações desfavoráveis nesses aspectos poderiam interferir nos comportamentos em saúde e medidas de autocuidado, incluindo a vacinação contra hepatite B. Tal hipótese não foi confirmada. Contudo, a variável regime de trabalho, que avaliou a situação de trabalhador quando a estabilidade no trabalho foi significativamente associada ao relato de vacinação.

A prevalência de relato de vacinação entre trabalhadores contratados foi menor que a observada entre efetivos. Em estudo anterior, trabalhadores com vínculo de trabalho precário apresentaram menor prevalência de vacinação(8). O emprego precário pode estar associado à deterioração da saúde do trabalhador em termos de acidentes, risco de doença, exposições perigosas e conhecimento sobre segurança e saúde ocupacional. A ausência de benefícios trabalhistas, a crescente exigência por produtividade e por novas habilidades, a falta de estabilidade no trabalho, o baixo reconhecimento profissional e os altos níveis de rotatividade podem desmotivar os trabalhadores que, de forma geral, podem se preocupar menos com sua saúde(22), ou apresentarem menor bem-estar no trabalho(11,25).

Este estudo indicou a necessidade de capacitação dos trabalhadores da APS de Montes Claros quanto à biossegurança, saúde e segurança no trabalho, incluindo esclarecimentos acerca dos benefícios da vacinação contra hepatite B. As atualizações devem ser parte de um plano de educação permanente em longo prazo, seguidas de mecanismos de avaliação. As diretrizes e propostas na área de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde, constantes da Portaria 1.125, de 2005(3), prevê o apoio à capacitação com ênfase em biossegurança para os trabalhadores expostos a situação de risco. Adicionalmente, a mesma Portaria prevê a redução dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, por meio de ações de prevenção e vigilância na área de saúde, incluindo a atenção integral à saúde. Ainda nesse sentido, os trabalhadores podem ser assistidos pelos Centros Estaduais e Regionais de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), que são pontos de atendimento de média e alta complexidade aptos a diagnosticar os agravos à saúde que têm relação com o trabalho, incluindo a hepatite B.

Adicionalmente, campanhas de vacinação devem ser destacadas como ações imprescindíveis, pois, além de reduzir a prevalência da hepatite B, poderão ter impacto positivo para a satisfação dos trabalhadores, que podem se sentir valorizados no trabalho e, portanto, mais motivados. Em Montes Claros, um resultado favorável na prevalência de relato de vacinação contra hepatite B entre cirurgiões-dentistas, em 2002, a maior descrita no Brasil para a época, 74,9%, pode ter sido decorrente de uma campanha de vacinação destinada aos profissionais e estudantes da área da saúde, ocorrida previamente ao estudo(14). O resultado também evidenciou que os comportamentos negligentes com a saúde parecem se repetir. Tal fato direciona para ações conjuntas de promoção de saúde do trabalhador, agregando, por exemplo, a prevenção do alcoolismo.

Os resultados do estudo apresentam validade interna, pois houve alta taxa de resposta, porém, podem ser superestimados, pois leva em conta o relato dos trabalhadores, que podem optar por respostas consideradas corretas, mesmo que elas não representem a realidade de sua prática. Para minimizar esse viés, os entrevistadores foram treinados, esclarecendo aos participantes sobre a confidencialidade das informações.

Conclusão

Há baixa prevalência de vacinação contra hepatite B entre trabalhadores da APS de Montes Claros. Os resultados evidenciam a importância da formação profissional, do conhecimento e do risco de infecção na determinação da vacinação contra hepatite B. Sugerem, também, que a instabilidade no trabalho pode levar à negligência através da não vacinação e, ainda, que os comportamentos negligentes com a saúde se repitam.

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  • A vacinação contra hepatite B é realidade entre trabalhadores da Atenção Primária à Saúde?

    Fernanda Marques da CostaI; Andréa Maria Eleutério de Barros Lima MartinsII; Pedro Eleutério dos Santos NetoIII; Duran Nunes de Pinho VelosoIV; Vilma Soares MagalhãesV; Raquel Conceição FerreiraVI
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      04 Mar 2012
    • Aceito
      03 Dez 2012
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