Acessibilidade / Reportar erro

Transtornos Mentais Comuns: perfil sociodemográfico e farmacoterapêutico 1 1 Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 478814/2012-7.

Resumos

OBJETIVO:

neste estudo objetivou-se verificar a associação entre Transtornos Mentais Comuns e fatores sociodemográficos e farmacoterapêuticos em 106 pacientes atendidos em Unidade Básica de Saúde do interior paulista.

MÉTODO:

trata-se de estudo transversal, descritivo-exploratório, com abordagem quantitativa. Para coleta dos dados, utilizou-se entrevista estruturada, prontuários e instrumentos validados e, para análise, o programa Statistical Package for the Social Science.

RESULTADOS:

a prevalência de Transtornos Mentais Comuns foi de 50%. Houve associação entre Transtornos Mentais Comuns e as variáveis ocupação, renda familiar, número de medicamentos prescritos e de comprimidos, utilizados diariamente. Houve maior prevalência de não adesão aos medicamentos entre pacientes positivos para Transtornos Mentais Comuns.

CONCLUSÃO:

os resultados deste estudo evidenciam a importância de os profissionais de saúde, que atuam na atenção primária, estarem aptos para detectar necessidades de esfera psíquica em sua clientela e fornecerem subsídios para a implementação de ações para prevenção de agravos em pacientes com Transtornos Mentais Comuns.

Transtornos Mentais; Atenção Primária à Saúde; Adesão à Medicação; Saúde Mental; Uso de Medicamentos


OBJECTIVE:

this study reports an association between Common Mental Disorders and the socio-demographic and pharmacotherapy profiles of 106 patients cared for by a Primary Health Care unit in the interior of São Paulo, Brazil.

METHOD:

this is a cross-sectional descriptive exploratory study with a quantitative approach. Structured interviews and validated instruments were used to collect data. The Statistical Package for Social Science was used for analysis.

RESULTS:

The prevalence of Common Mental Disorders was 50%. An association was found between Common Mental Disorders and the variables occupation, family income, number of prescribed medications and number of pills taken a day. Greater therapy non-adherence was observed among those who tested positive for Common Mental Disorders.

CONCLUSION:

this study's results show the importance of health professionals working in PHC to be able to detect needs of a psychological nature among their patients and to support the implementation of actions to prevent the worsening of Common Mental Disorders.

Mental Disorders; Primary Health Care; Medication Adherence; Mental Health; Drug Utilization


OBJETIVO:

este estudio verificó la asociación entre Trastornos Mentales Comunes y factores sociodemográficos y farmacoterapéuticos en 106 pacientes atendidos en una Unidad Básica de Salud del interior del estado de Sao Paulo.

MÉTODO:

se trata de estudio transversal, descriptivo-exploratorio, con abordaje cuantitativo. Para la recolección de los datos se utilizó entrevista estructurada, fichas médicas e instrumentos validados y, para el análisis, el programa Statistical Package for the Social Science.

RESULTADOS:

la prevalencia de Trastornos Mentales Comunes fue de 50%. Hubo asociación entre Trastornos Mentales Comunes y las variables: ocupación, renta familiar, número de medicamentos prescritos y de pastillas utilizadas diariamente. Hubo mayor prevalencia de no adhesión a los medicamentos entre pacientes positivos para Trastornos Mentales Comunes.

CONCLUSIÓN:

los resultados de este estudio evidencian la importancia de que los profesionales de la salud, que actúan en la atención primaria, deben estar aptos para detectar necesidades del aspecto psíquico en su clientela y para ofrecer subsidios para la implementación de acciones para prevención de perjuicios en pacientes con Trastornos Mentales Comunes.

Trastornos Mentales; Atención Primaria de Salud; Cumplimiento de la Medicación; Salud Mental; Utilización de Medicamentos


Introdução

Pesquisas têm sido desenvolvidas mundialmente a fim de analisar a ocorrência e o impacto de Transtornos Mentais Comuns (TMC) na população. O conceito de TMC caracteriza casos que apresentam sintomas não psicóticos, tais como insônia, fadiga, nervosismo, cefaleia, sintomas depressivos, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas inespecíficas, que produzem incapacidade funcional, mas que não preenchem os requisitos para os diagnósticos do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV)( 11. Fonseca MLG, Guimarães MBL, Vasconcelos EM. Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: uma revisão bibliográfica. Rev APS. 2008;11(3):285-94. ).

Não se enquadrar em categorias diagnósticas definidas, no entanto, não diminui o grau de sofrimento dos pacientes e pode levar a gastos desnecessários com encaminhamentos e exames, visto que se observa, por parte dos profissionais, enfoque apenas na queixa imediata( 22. Fortes S, Villano LAB, Lopes CS. Nosological profile and prevalence of common mental disorders of patients seen at the Family Health Program (FHP) units in Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):32-7. ). Além disso, acredita-se que os TMCs podem gerar alto custo social, econômico e individual, pois contribuem com um terço dos dias perdidos por doença no trabalho e um quinto de todas as consultas de atenção primária( 22. Fortes S, Villano LAB, Lopes CS. Nosological profile and prevalence of common mental disorders of patients seen at the Family Health Program (FHP) units in Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):32-7. ).

Assim, tem sido demonstrado que dentre os fatores relacionados à ocorrência de TMC estão aqueles associados às piores condições socioeconômicas em diversos países( 33. Marín-Léon L, Oliveira HB, Barros MB, Dalgalarrondo P, Botega NJ. Social inequality and common mental disorders. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(3):250-3. ), inclusive no Brasil. Em estudos brasileiros, destacam-se a baixa escolaridade, gênero feminino, estado civil separado ou viúvo, baixa renda, desemprego e classe social, regiões de grande desigualdade socioeconômica e eventos de vida produtores de estresse( 22. Fortes S, Villano LAB, Lopes CS. Nosological profile and prevalence of common mental disorders of patients seen at the Family Health Program (FHP) units in Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):32-7. ).

No cenário brasileiro, pesquisas sobre TMC mostraram taxas de prevalência que variaram de 17 a 35%( 44. Coelho FMC, Pinheiro RT, Horta BL, Magalhães PVS, Garcias CMM, Silva CV. Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):59-67. ), podendo chegar a 50%( 55. Fortes S, Lopes CL, Villano LAB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. ). Além da alta prevalência na população e dos possíveis custos relacionados à presença de TMC, alguns estudos têm, ainda, se associado à presença de TMC com o uso de medicamentos e comorbidades crônicas, tais como hipertensão arterial, diabetes e doenças da tireoide( 44. Coelho FMC, Pinheiro RT, Horta BL, Magalhães PVS, Garcias CMM, Silva CV. Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):59-67. , 66. Aikens JE, Perkins DW, Lipton B, Piette JD. Longitudinal analysis of depressive symptoms and glycemic control in type 2 diabetes. Diabetes Care. 2009;32:1177-81. ). Mais relevante ainda, estudo demonstrou a associação dos TMCs com polifarmácia( 77. Moreira JKP, Bandeira M, Cardoso CS, Scalon JDS. Prevalência de transtornos mentais comuns e fatores associados em uma população assistida por equipes do Programa Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2011;60(3):221-6. ). Fica evidente a importância de estudos que se preocupem em caracterizar o perfil farmacoterapêutico desses pacientes, visando sua própria segurança, visto que a utilização concomitante de vários medicamentos, por exemplo, configura-se como fator que pode levar a interações medicamentosas e a maior índice de efeitos indesejáveis, podendo comprometer a saúde do usuário( 66. Aikens JE, Perkins DW, Lipton B, Piette JD. Longitudinal analysis of depressive symptoms and glycemic control in type 2 diabetes. Diabetes Care. 2009;32:1177-81. ).

Outra medida capaz de subsidiar a caracterização de aspectos relacionados à segurança do paciente em uso de medicamentos refere-se à adesão à terapia farmacológica. Nesse sentido, a literatura tem demonstrado que, em condições crônicas, tais como as possíveis comorbidades que podem ser encontradas em TMCs, a não adesão dos pacientes pode chegar a 75%. As razões para taxas de não adesão tão altas podem estar relacionadas à não compreensão, por parte dos pacientes, de que a adesão pode influenciar futuramente em sua qualidade de vida e independência( 88. Araújo MFM, Freitas RWJ, Fragoso LVC, Araújo TM, Damasceno MMC, Zanetti ML. Cumprimento da terapia com antidiabéticos orais em usuários da atenção primária. Texto Contexto Enferm. 2011;20(1):135-43. ). Sabe-se, também, que a quantidade de comprimidos ingeridos diariamente pode interferir negativamente sobre a adesão pela maior probabilidade de efeitos colaterais. Estudo revelou que, para cada comprimido ingerido, o risco de não adesão aumenta 12%( 99. Colombrini MRC, Lopes MHBM, Figueiredo RM. Adesão à terapia antiretroviral para HIV/Aids. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):576-81. ).

Tais estudos, contudo, não investigaram a relação entre as referidas variáveis e TMC. Observa-se, dessa forma, lacuna na literatura no sentido de caracterizar o perfil farmacoterapêutico e a adesão ao uso de medicamentos em pacientes com TMC. O conhecimento de tais aspectos pode fornecer subsídios para a implementação de ações de saúde direcionadas para esse público de maneira a fomentar sua segurança no uso de medicamentos. Além disso, tais dados podem contribuir para a resolutividade no âmbito do Sistema Único de Saúde, ao fornecer informações para compreensão da necessidade dos pacientes com maior assertividade.

Considerando o alto custo social, econômico e individual que pode resultar dos TMCs, bem como a possibilidade de uso indiscriminado de medicamentos por seus portadores, neste estudo teve-se como objetivos identificar a prevalência de Transtornos Mentais Comuns em usuários de Unidade Básica de Saúde de município do interior paulista, bem como sua possível associação com variáveis inerentes ao perfil sociodemográfico e farmacoterapêutico.

Metodologia

Trata-se de estudo transversal, descritivo-exploratório, com abordagem quantitativa, desenvolvido em Unidade Básica de Saúde (UBS) de município do interior paulista. O estudo foi desenvolvido após ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo nº1474/2011) e foi solicitado aos participantes que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. A amostra foi constituída por 106 pacientes com consulta médica agendada no referido serviço, no período de maio a julho de 2012. A equação para o cálculo do tamanho amostral foi a seguinte:

Na equação acima, P representa a prevalência do evento de interesse, z α/2 representa o nível de significância adotado e o ε é o erro tolerável de amostragem. O erro tolerável de amostragem foi de 5% e o nível de significância de 5%. Foi acrescentada taxa de não resposta equivalente a 15%. Foram considerados critérios de inclusão ter idade igual ou superior a 18 anos, ser capaz de se comunicar verbalmente em português e ter consulta agendada nas especialidades atendidas na unidade (clínica médica ou ginecologia e obstetrícia). Foram estabelecidos como critérios de exclusão: comparecer ao serviço unicamente com a finalidade de utilização da farmácia, sala de curativos e/ou sala de vacinas (sem consulta médica agendada), ter idade inferior a 18 anos e apresentar impossibilidade de comunicação verbal. A fim de testar se, por meio de seu conteúdo e forma, o instrumento elaborado poderia atingir os objetivos propostos, foi realizado pré-teste no local de pesquisa. Os sujeitos entrevistados na fase pré-teste não fizeram parte da amostra.

Durante a coleta de dados os pesquisadores permaneceram no local de pesquisa todos os dias, em horários alternados, de maneira que fosse possível abranger todo o horário de funcionamento da unidade. Assim, os pacientes foram abordados enquanto esperavam por sua consulta médica e, se aceitassem participar do estudo, as entrevistas eram realizadas na própria unidade, em local privativo, designado pela mesma, ou, se preferissem, tinham seus nomes, telefones e endereços anotados para o agendamento de visita em domicílio.

Foi utilizada a técnica de entrevista estruturada, norteada por roteiro, que visou assegurar que as perguntas fossem feitas de forma padronizada a todos os sujeitos. O roteiro constituiu-se por questões relacionadas ao perfil sociodemográfico e farmacoterapêutico dos pacientes. Posteriormente, foram verificados os prontuários dos participantes do estudo, a fim de identificar corretamente os fármacos prescritos, buscando minimizar a chance de falhas.

No que diz respeito aos medicamentos, a descrição dos mesmos foi realizada utilizando-se o primeiro nível da classificação Anatomical Therapeutical Chemical - ATC( 1010.World Health Organization. ATT/DDD Index 2009 [Internet] [acesso 27 abr 2011]; Disponível em: http://www.whocc.no/atcddd/indexdatabase.
Disponível em: http...
). Para identificar a prevalência dos TMCs foi utilizada a versão brasileira validada do SRQ-20 (Self-Reporting Questionnaire), composta por 20 questões( 1111. Mari JJ. Williams PA. Validity study of a Psychiatric Screening Questionnaire (SRQ-20) in Primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry. 1986;148(1):23-6. ). Trata-se de escala dicotômica, na qual cada resposta afirmativa pontua com o valor um para compor o escore final. São considerados como positivos os indivíduos que respondam "sim" a oito ou mais questões do instrumento( 1111. Mari JJ. Williams PA. Validity study of a Psychiatric Screening Questionnaire (SRQ-20) in Primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry. 1986;148(1):23-6. - 1212. Goncalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad Saúde Pública. 2008;24(2):380-90. ).

O grau de adesão foi definido pela aplicação do Teste de Medida de Adesão (MAT)( 1313. Delgado AB, Lima ML. Contributo para a validação concorrente de uma medida de adesão aos tratamentos. Psicol Saúde & Doenças. 2001;2(2):81-100. ). Esse teste é composto por sete questões. Como exemplo, a primeira delas é "Alguma vez o sr(a) esqueceu de tomar os medicamentos?". Para cada questão, seguem-se as respostas tipo Likert, as quais podem ser pontuadas de 1 a 6. A pontuação 1 corresponde a "sempre" (indicando menor adesão) e a pontuação 6 corresponde a "nunca" (indicando maior adesão). Após a obtenção dos dados, os valores referentes às respostas de cada questão do MAT são somados e divididos pelo número total de questões. Foram considerados como não aderentes os pacientes que obtiveram valores de 1 a 4, relacionados às respostas sempre, quase sempre, com frequência e às vezes. Para aqueles aderentes ao tratamento foram considerados os valores 5 e 6, referentes às respostas raramente e nunca.

Para a análise dos dados, foi utilizada abordagem quantitativa. Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 17.0. Foram investigadas associações estatísticas entre as variáveis do estudo usando o teste exato de Fisher, sendo a hipótese de associação aceita quando p encontrado foi menor ou igual a 0,05.

Resultados

Caracterização dos sujeitos do estudo e Transtornos Mentais Comuns

Participaram da pesquisa 106 usuários de UBS do interior paulista. Identificou-se que a amostra foi composta predominantemente por mulheres (88,7%), sendo a idade média dos pacientes de 40 anos, variando de 18 a 68 anos. Observa-se, na Tabela 1, que metade dos pacientes entrevistados (50%) apresentou resultado positivo para TMC. A presença de TMC mostrou-se associada às variáveis ocupação (p<0,01) e renda familiar (p=0,05). Nota-se que a prevalência de TMC foi maior nos indivíduos desempregados (64,7%) e aposentados (85,7%). Observa-se tendência à associação de TMC em função da escolaridade (p=0,06).

Tabela 1
Prevalência de transtornos mentais comuns, segundo as variáveis sociodemográficas e econômicas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012

Perfil farmacoterapêutico e Transtornos Mentais Comuns

Quanto às classes de medicamentos utilizadas pelos sujeitos (Tabela 2), segundo a Anatomical Therapeutic Chemical Code (ATC), adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), destacam-se os medicamentos normalmente utilizados para a hipertensão arterial, tais como C09 (agentes que atuam no sistema renina-angiotensina), C03 (diuréticos) e C07A (betabloqueadores) que estiveram presentes em 25% das prescrições. Ressalta-se que 12,9% das prescrições são pertencentes à classificação N06A (antidepressivos) e N05B (ansiolíticos), sendo que todos os ansiolíticos encontrados são benzodiazepínicos.

Tabela 2
Distribuição dos medicamentos utilizados pelos participantes do estudo, de acordo com a Classificação Anatomical Therapeutic Chemical Code e presença de transtornos mentais comuns. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012

Evidencia-se, ainda, que os pacientes positivos para TMC configuram a maior parte das prescrições em geral. Além disso, houve associação entre a utilização de psicofármacos e TMC (p<0,01). Nesse caso, constata-se que entre as prescrições de psicofármacos 90,9% dos antidepressivos (N06A) e 83,3% dos ansiolíticos (N05B) foram para pacientes positivos para TMC.

Verifica-se, na Tabela 3, que houve associação entre a presença de TMC e as variáveis farmacoterapêuticas "utilização de medicamentos" (p=0,05), "número de medicamentos prescritos" (p=0,034) e "número de comprimidos utilizados por dia" (p=0,036).

Tabela 3
Prevalência de transtornos mentais comuns, segundo as variáveis relacionadas ao perfil farmacoterapêutico. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012

A adesão à terapêutica medicamentosa

Em relação à adesão à terapêutica medicamentosa, verificou-se que o número de pacientes que responderam ao MAT (48) é maior do que o número de pacientes analisados como usuários de medicamentos, descritos anteriormente neste trabalho (43). Tal discrepância deve-se ao fato de que cinco pacientes referiram fazer uso de medicamentos contínuos, tendo então respondido ao MAT, mas não foram encontrados medicamentos prescritos em seus prontuários. Optou-se, aqui, por utilizar os dados referentes ao prontuário, buscando minimizar a chance de falhas.

Dessa maneira, constatou-se que 27,1% dos pacientes foram considerados não aderentes à terapêutica medicamentosa mediante a aplicação do MAT. Ainda, observou-se, quanto ao número de tipos de medicamentos, que pacientes com mais de três tipos de medicamentos prescritos tiveram maior percentual de adesão (76,2%), comparados àqueles que possuíam até dois tipos de medicamentos prescritos (54,5%). O mesmo ocorreu com o número de comprimidos administrados por dia, sendo maior o percentual de adesão entre pacientes que utilizavam três ou mais comprimidos diários (78,6%), em relação ao percentual daqueles que utilizavam até dois comprimidos por dia (40%). No entanto, tais diferenças não foram significativas pelo teste de Fisher (p=0,99).

A análise estatística não mostrou associação entre TMC e adesão aos medicamentos (p=0,52). No entanto, observou-se que entre os pacientes com resultado positivo para TMC, 69% eram aderentes aos medicamentos e entre os negativos tal porcentagem era de 78,9%.

Discussão

A análise do perfil sociodemográfico revelou que a maioria dos sujeitos era do sexo feminino. Nesta pesquisa, um dos critérios de inclusão dos sujeitos era ter consulta médica agendada nas especialidades médicas do local de estudo, incluindo a clínica de ginecologia e obstetrícia. Tal aspecto pode, em parte, justificar tal achado. Destaca-se, todavia, que há estudos que demonstram maior utilização de serviços de saúde pelas mulheres, bem como sua associação com TMC( 55. Fortes S, Lopes CL, Villano LAB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. , 1414. Ludemir AB, Melo DA Filho. Condições de vida e estrutura ocupacional associadas a transtornos mentais comuns. Rev Saúde Pública. 2002;36(2):213-21. - 1515. Lima MCP, Menezes PR, Carandina L, Cesar CLG, Barros MBA, Goldbaum M. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos: impacto das condições socioeconômicas. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):717-23. ). As possíveis causas dessa associação com sexo feminino não foram ainda esclarecidas, embora haja indícios de predisposição social e biológica para isso, na qual o sistema neuroendocrinológico e o papel social juntos aumentem a susceptibilidade das mulheres( 1616. King SL, Hegadoren KM. An integrative science approach: value added in stress research. Nurs Health Sci. 2006;8(2):114-9. ). Por outro lado, em concordância com os resultados da presente pesquisa, há estudos que não demonstraram associação entre sexo e TMC( 22. Fortes S, Villano LAB, Lopes CS. Nosological profile and prevalence of common mental disorders of patients seen at the Family Health Program (FHP) units in Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):32-7. , 44. Coelho FMC, Pinheiro RT, Horta BL, Magalhães PVS, Garcias CMM, Silva CV. Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):59-67. ). Os autores dos referidos estudos não apontaram justificativas para tal achado e indicaram a necessidade de outras investigações com o objetivo de melhor compreender a relação entre tais variáveis.

Como neste estudo, que demonstrou a associação entre TMC e as variáveis sociodemográficas ocupação e renda familiar, pesquisas têm atribuído alta prevalência de TMCs a tais indicadores de desvantagem social( 1515. Lima MCP, Menezes PR, Carandina L, Cesar CLG, Barros MBA, Goldbaum M. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos: impacto das condições socioeconômicas. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):717-23. , 1717. Costa AG, Ludermir AB. Transtornos mentais comuns e apoio social: estudo em comunidade rural da Zona da Mata de Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21:73-9. ). Em relação à associação entre TMC e ocupação, a literatura revela que a instabilidade do vínculo de trabalho, os baixos salários, a ausência de benefícios sociais e de proteção da legislação trabalhista propiciam o desenvolvimento de ansiedade e depressão entre trabalhadores informais e desempregados( 1414. Ludemir AB, Melo DA Filho. Condições de vida e estrutura ocupacional associadas a transtornos mentais comuns. Rev Saúde Pública. 2002;36(2):213-21. , 1717. Costa AG, Ludermir AB. Transtornos mentais comuns e apoio social: estudo em comunidade rural da Zona da Mata de Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21:73-9. ). Obviamente, a situação de trabalho dos sujeitos influencia a renda familiar, sendo que trabalhadores informais ou desempregados e com menor renda familiar estão mais sujeitos à presença de TMC( 1414. Ludemir AB, Melo DA Filho. Condições de vida e estrutura ocupacional associadas a transtornos mentais comuns. Rev Saúde Pública. 2002;36(2):213-21. ). Tais aspectos podem, em parte, explicar os resultados dessa pesquisa no que se refere à ocupação e renda.

Quanto à escolaridade, os resultados do estudo reforçam dados anteriores que demonstram a associação entre a mesma ser baixa e TMC. A escolaridade aumenta a possibilidade de melhores oportunidades na vida, além de influenciar aspirações, autoestima e aquisição de novos conhecimentos, os quais podem motivar atitudes e comportamentos. A falta de estudo estaria relacionada ao menor poder de decisão do indivíduo, gerando relativa incapacidade de influenciar o meio e, consequentemente, propiciando dano à saúde psicológica( 22. Fortes S, Villano LAB, Lopes CS. Nosological profile and prevalence of common mental disorders of patients seen at the Family Health Program (FHP) units in Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):32-7. , 1414. Ludemir AB, Melo DA Filho. Condições de vida e estrutura ocupacional associadas a transtornos mentais comuns. Rev Saúde Pública. 2002;36(2):213-21. ).

Diante do conhecimento do perfil sociodemográfico de desvantagem social associado fortemente à presença de TMC, no âmbito da atenção primária à saúde, objeto do presente estudo, evidencia-se a necessidade de estratégias e de preparo dos profissionais voltados para esse público. A Política Nacional de Saúde Mental vigente prevê a inserção de ações de saúde mental nesse âmbito. Sugere, ainda, algumas propostas de implementação dessas ações, tais como o Apoio Matricial. Contudo, o que se observa é ausência de tais ações em grande parte dos serviços, haja vista a alta prevalência de TMC demonstrada na literatura( 44. Coelho FMC, Pinheiro RT, Horta BL, Magalhães PVS, Garcias CMM, Silva CV. Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):59-67. - 55. Fortes S, Lopes CL, Villano LAB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. ) e, também, nesta pesquisa. O despreparo dos profissionais é ainda um entrave, pois muitos, além de serem incapazes de detectar sinais de transtornos mentais, não atribuem ações de saúde mental como um de seus papéis em atenção primária( 1818. Silva MCF, Furegato ARF, Costa ML Júnior. Depression: viewpoints and knowledge of nurses from the basic health network. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2003;11(1):7-13. - 1919. Matumoto M, Vieira KCS, Pereira MJB, Santos CB, Fortuna CM, Mishima SM. Production of nursing care in primary health care services. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(4):710-7. ). Nesse contexto, o enfermeiro na atenção primária exerce papel importante no sentido de adequar as ações de saúde mental a usuários com indicadores de desvantagem social, visto que conhece a realidade de cada um, efetivando, dessa maneira, o atendimento integral.

Considerando os objetivos do estudo e a relevância para a prática clínica, chama a atenção o fato de exatamente metade dos pacientes entrevistados terem apresentado TMC. Embora tal porcentagem corrobore a literatura, na qual as prevalências mundiais para TMCs variam de 22,7 a 50,3%( 44. Coelho FMC, Pinheiro RT, Horta BL, Magalhães PVS, Garcias CMM, Silva CV. Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):59-67.

5. Fortes S, Lopes CL, Villano LAB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6.
- 66. Aikens JE, Perkins DW, Lipton B, Piette JD. Longitudinal analysis of depressive symptoms and glycemic control in type 2 diabetes. Diabetes Care. 2009;32:1177-81. , 1717. Costa AG, Ludermir AB. Transtornos mentais comuns e apoio social: estudo em comunidade rural da Zona da Mata de Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21:73-9. , 2020. Gholoum S, Bener A, Abou-Saleh MT. Prevalence of mental disorders in adult population attending primary health care setting in Qatari population. J Pak Med Assoc. 2011;61(3):216-21. ), é preocupante, visto seu grande impacto na assistência no âmbito da atenção primária em saúde. Em concordância com a literatura, os resultados revelaram a associação entre TMC e utilização de psicofármacos. A taxa de utilização de psicofármacos observada (12,9%) foi semelhante à encontrada na população em geral, que se estima ser de 9 a 13%( 1515. Lima MCP, Menezes PR, Carandina L, Cesar CLG, Barros MBA, Goldbaum M. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos: impacto das condições socioeconômicas. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):717-23. ). No entanto, se considerada a percentagem de pacientes positivos para TMC, é possível inferir que grande parcela dos mesmos não recebe tratamento relacionado à esfera psíquica embora apresente essa necessidade. Tais aspectos apontam para a necessidade de novas formas de abordagem dessa problemática, nos serviços, considerando as representações da doença em grupos específicos, as quais podem ser diferentes daquelas que embasam o saber médico moderno, centrado na dicotomia corpo e mente, bem como valorizem o acolhimento e escuta( 11. Fonseca MLG, Guimarães MBL, Vasconcelos EM. Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: uma revisão bibliográfica. Rev APS. 2008;11(3):285-94. , 1919. Matumoto M, Vieira KCS, Pereira MJB, Santos CB, Fortuna CM, Mishima SM. Production of nursing care in primary health care services. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(4):710-7. , 2121. Azevedo LFM. Um estudo sobre a "Doença dos Nervos" para além de um sofrimento incorporado. Rev Interinst Psicol. 2012;5(2):223-35. ).

Destaca-se que a sintomatologia apresentada por esses pacientes frequentemente é identificada pelo sistema de saúde como sofrimento somático, em concordância com o modelo biológico vigente, no qual é mais aceitável que as pessoas se queixem de doenças orgânicas ou alterações fisiológicas, por serem "objetivas"( 2121. Azevedo LFM. Um estudo sobre a "Doença dos Nervos" para além de um sofrimento incorporado. Rev Interinst Psicol. 2012;5(2):223-35. ). Desse modo, tais pacientes, por não terem sua queixa tratada efetivamente, podem retornar várias vezes ao serviço, o que sobrecarrega o sistema e aumenta os gastos com exames e medicamentos desnecessários.

Os resultados encontrados, relativos à utilização de medicamentos, corroboram essa proposição, visto que dados referentes ao perfil farmacoterapêutico dos usuários demonstrou a associação de TMC com uso de medicamentos, número de medicamentos prescritos e número de comprimidos administrados por dia. Verificou-se que a percentagem de pacientes que utilizam mais de dois tipos de medicamentos por dia e mais que dois comprimidos por dia é maior entre os indivíduos positivos para TMC, em concordância com estudo anterior que verificou a associação entre TMC e polifarmacoterapia( 44. Coelho FMC, Pinheiro RT, Horta BL, Magalhães PVS, Garcias CMM, Silva CV. Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):59-67. ). Tal aspecto é preocupante, pois é fato que a polifarmacoterapia resulta em sérios riscos à saúde, visto que pode levar a maiores chances de interações medicamentosas e efeitos adversos.

A associação entre TMC e uso de medicamentos foi encontrada também em outro estudo( 66. Aikens JE, Perkins DW, Lipton B, Piette JD. Longitudinal analysis of depressive symptoms and glycemic control in type 2 diabetes. Diabetes Care. 2009;32:1177-81. ), no qual indivíduos com TMC apresentaram duas vezes maior chance de fazer uso de medicamentos quando comparados a pessoas sem TMC. O referido estudo também revelou associação entre TMC e comorbidades clínicas. Embora tal variável não tenha sido investigada nesta pesquisa, vale destacar o número elevado de medicamentos prescritos para patologias orgânicas. Segundo a classificação ATC, citada na Tabela 2, a classe de medicamentos mais prevalente foi a utilizada para a hipertensão arterial, seguida de medicamentos para úlcera péptica e diabetes.

Em relação à adesão medicamentosa, constatou-se que 27,1% dos pacientes foram identificados como não aderentes. Considerando os tipos de medicamentos mais prescritos para a amostra em estudo, observa-se que a taxa de adesão encontrada é condizente com a literatura, na qual a adesão medicamentosa para diabetes e hipertensão arterial varia de 36 a 66%( 2222. Irvin MR, Shimbo D, Mann DM, Reynolds K, Krousel-Wood M, Limdi NA, et al. Prevalence and correlates of low medication adherence in apparent treatment-resistant hypertension. J Clin Hypertens. 2012;14(10):694-700. - 2323. Gomes-Villas Boas LC, Foss MC, Freitas MCF, Pace AE. Relationship among social support, treatment adherence and metabolic control of diabetes mellitus patients. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(1):52-8. ).

Embora não tenha sido demonstrada associação estatística entre TMC e adesão à terapêutica farmacológica, houve menor percentual de adesão entre os pacientes com TMC. Como citado acima, é conhecido que fatores como número de medicamentos e número de comprimidos ingeridos por dia podem interferir na adesão a medicamentos( 99. Colombrini MRC, Lopes MHBM, Figueiredo RM. Adesão à terapia antiretroviral para HIV/Aids. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):576-81. , 1515. Lima MCP, Menezes PR, Carandina L, Cesar CLG, Barros MBA, Goldbaum M. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos: impacto das condições socioeconômicas. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):717-23. ). A esse respeito, estudo( 2424. Rocha CH, Oliveira APS, Ferreira C, Faggiani FT, Schtoeter G, Souza ACA et al. Adesão à prescrição médica em idosos de Porto Alegre, RS. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(Sup):703-10. ) revelou que a utilização de múltiplos medicamentos expõe o paciente a tratamento mais complexo, exigindo maior atenção, memória e organização diante dos horários de administração dos fármacos.

Como observado em estudos anteriores e já descrito acima( 55. Fortes S, Lopes CL, Villano LAB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6. - 66. Aikens JE, Perkins DW, Lipton B, Piette JD. Longitudinal analysis of depressive symptoms and glycemic control in type 2 diabetes. Diabetes Care. 2009;32:1177-81. ), os resultados desta pesquisa corroboram a proposição de que, embora muito prevalentes, os TMCs não são identificados pelos profissionais de saúde, o que é evidenciado pelo grande número de medicamentos para pacientes com TMC, e mais relacionados a queixas orgânicas.

Ressalva-se que não se trata de estimular o uso de psicofármacos, mas de considerar que tais pacientes não estão sendo assistidos em suas necessidades de maneira integral. Nessa perspectiva, é relevante considerar que as comorbidades encontradas normalmente com TMC têm estreita relação com a esfera psíquica do indivíduo, e essa com a segurança no uso de medicamentos.

Considerando o impacto que os TMCs podem ter na atenção primária em saúde, faz-se necessária a implementação de estratégias que possam contemplar a esfera psíquica na assistência em saúde, visto que o presente estudo forneceu resultados que evidenciam maiores riscos relacionados ao uso de medicamentos em pacientes positivos para TMC. A literatura sobre a temática menciona a Terapia Comunitária na atenção básica como possibilidade de acolhimento das situações de sofrimento, viabilizando a escuta, o fortalecimento das redes de apoio social e a problematização de interesses coletivos( 11. Fonseca MLG, Guimarães MBL, Vasconcelos EM. Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: uma revisão bibliográfica. Rev APS. 2008;11(3):285-94. ). Há indícios de que tecnologias em saúde tais como o uso do telefone, pode viabilizar o fortalecimento do vínculo entre profissionais e pacientes, bem como fomentar a adesão ao tratamento medicamentoso( 2525. Zanetti ML. Chronic non-communicable diseases and health technologies [Editorial]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. mai-jun 2011;19(3):449-50. ). Outra abordagem que pode ser utilizada é o atendimento em grupos, utilizando técnicas como a psicoeducação ou a terapia grupal( 2626. Souza AMA, Fraga MNO, Moraes LMP, Garcia MLP, Moura KDR, Almeida PC, Moura EMV. Grupo terapêutico: sistematização da assistência de enfermagem em saúde mental. Texto Contexto Enferm. 2004;13(4):625-32. ).

Visto que os estudos acerca deste tema indicam que, ao contrário de uma postura medicalizante, há forte relação entre os TMCs e raízes psicossociais, as ações dos profissionais de saúde devem ainda levar em consideração os códigos culturais dos indivíduos que são atendidos na atenção primária, por vezes cunhados como "poliqueixosos", "psicossomáticos", "histéricos"( 11. Fonseca MLG, Guimarães MBL, Vasconcelos EM. Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: uma revisão bibliográfica. Rev APS. 2008;11(3):285-94. ). Adicionalmente ao desafio do acolhimento a esses pacientes, a competência e preparo técnico dos profissionais devem ser considerados, visto que, na atenção primária, se encontram generalistas, o que parece dificultar o reconhecimento dos TMCs( 22. Fortes S, Villano LAB, Lopes CS. Nosological profile and prevalence of common mental disorders of patients seen at the Family Health Program (FHP) units in Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):32-7. ).

Por se tratar de estudo transversal, não foi possível estabelecer relação de causalidade nas associações observadas. No entanto, a teoria dos eventos produtores de estresse, a teoria dos papéis sociais e a do suporte social vêm se estabelecendo há anos como explicações para indicadores socioeconômicos e TMC( 2727. Gonçalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Transtornos mentais comuns em comunidade atendida pelo Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2008;24(2):380-90. ). Outra limitação do estudo refere-se ao uso de instrumento de rastreamento para estabelecer a prevalência de TMC e não pelo padrão-ouro (entrevista psiquiátrica). Tal aspecto, todavia, é sanado por estudos de validação do SRQ-20, comparando-o com o padrão-ouro, confirmando o ponto de corte adotado neste estudo( 1212. Goncalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad Saúde Pública. 2008;24(2):380-90. ).

Conclusões

A associação dos TMCs com variáveis socioeconômicas reafirma que sua presença está fortemente ligada a fatores de desvantagem social. Ainda, os resultados deste estudo revelam amostra de pacientes com alta prevalência de TMC e alta utilização de medicamentos e, ainda, com menor segurança na utilização dos mesmos, visto a associação entre TMC e variáveis farmacoterapêuticas e a menor adesão à terapêutica medicamentosa entre os pacientes com TMC.

Destaca-se que grande parte dos medicamentos prescritos é para doenças orgânicas, permanecendo o paciente sem a assistência adequada para seu perfil, que também inclui queixas relacionadas à esfera psíquica. Nessa perspectiva, os resultados deste estudo evidenciam a importância de os profissionais de saúde, que atuam na atenção primária, estarem aptos para detectar queixas psíquicas na população que assistem. Faz-se necessária, ainda, a reflexão acerca da formação dos profissionais de saúde em psiquiatria, a qual normalmente está centrada em serviços especializados, podendo resultar em dificuldade de adoção do conceito biopsicossocial de saúde na prática clínica.

São necessários outros estudos, especialmente longitudinais de base populacional, para se compreender melhor as associações encontradas e subsidiar propostas que contribuam para o fortalecimento da saúde mental na atenção primária.

References

  • 1
    Fonseca MLG, Guimarães MBL, Vasconcelos EM. Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: uma revisão bibliográfica. Rev APS. 2008;11(3):285-94.
  • 2
    Fortes S, Villano LAB, Lopes CS. Nosological profile and prevalence of common mental disorders of patients seen at the Family Health Program (FHP) units in Petrópolis, Rio de Janeiro. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(1):32-7.
  • 3
    Marín-Léon L, Oliveira HB, Barros MB, Dalgalarrondo P, Botega NJ. Social inequality and common mental disorders. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(3):250-3.
  • 4
    Coelho FMC, Pinheiro RT, Horta BL, Magalhães PVS, Garcias CMM, Silva CV. Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: a population-based study. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):59-67.
  • 5
    Fortes S, Lopes CL, Villano LAB, Campos MR, Gonçalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(2):150-6.
  • 6
    Aikens JE, Perkins DW, Lipton B, Piette JD. Longitudinal analysis of depressive symptoms and glycemic control in type 2 diabetes. Diabetes Care. 2009;32:1177-81.
  • 7
    Moreira JKP, Bandeira M, Cardoso CS, Scalon JDS. Prevalência de transtornos mentais comuns e fatores associados em uma população assistida por equipes do Programa Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2011;60(3):221-6.
  • 8
    Araújo MFM, Freitas RWJ, Fragoso LVC, Araújo TM, Damasceno MMC, Zanetti ML. Cumprimento da terapia com antidiabéticos orais em usuários da atenção primária. Texto Contexto Enferm. 2011;20(1):135-43.
  • 9
    Colombrini MRC, Lopes MHBM, Figueiredo RM. Adesão à terapia antiretroviral para HIV/Aids. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):576-81.
  • 10
    World Health Organization. ATT/DDD Index 2009 [Internet] [acesso 27 abr 2011]; Disponível em: http://www.whocc.no/atcddd/indexdatabase.
    » Disponível em: http://www.whocc.no/atcddd/indexdatabase
  • 11
    Mari JJ. Williams PA. Validity study of a Psychiatric Screening Questionnaire (SRQ-20) in Primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry. 1986;148(1):23-6.
  • 12
    Goncalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Avaliação de desempenho do Self-Reporting Questionnaire como instrumento de rastreamento psiquiátrico: um estudo comparativo com o Structured Clinical Interview for DSM-IV-TR. Cad Saúde Pública. 2008;24(2):380-90.
  • 13
    Delgado AB, Lima ML. Contributo para a validação concorrente de uma medida de adesão aos tratamentos. Psicol Saúde & Doenças. 2001;2(2):81-100.
  • 14
    Ludemir AB, Melo DA Filho. Condições de vida e estrutura ocupacional associadas a transtornos mentais comuns. Rev Saúde Pública. 2002;36(2):213-21.
  • 15
    Lima MCP, Menezes PR, Carandina L, Cesar CLG, Barros MBA, Goldbaum M. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos: impacto das condições socioeconômicas. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):717-23.
  • 16
    King SL, Hegadoren KM. An integrative science approach: value added in stress research. Nurs Health Sci. 2006;8(2):114-9.
  • 17
    Costa AG, Ludermir AB. Transtornos mentais comuns e apoio social: estudo em comunidade rural da Zona da Mata de Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública. 2005;21:73-9.
  • 18
    Silva MCF, Furegato ARF, Costa ML Júnior. Depression: viewpoints and knowledge of nurses from the basic health network. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2003;11(1):7-13.
  • 19
    Matumoto M, Vieira KCS, Pereira MJB, Santos CB, Fortuna CM, Mishima SM. Production of nursing care in primary health care services. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(4):710-7.
  • 20
    Gholoum S, Bener A, Abou-Saleh MT. Prevalence of mental disorders in adult population attending primary health care setting in Qatari population. J Pak Med Assoc. 2011;61(3):216-21.
  • 21
    Azevedo LFM. Um estudo sobre a "Doença dos Nervos" para além de um sofrimento incorporado. Rev Interinst Psicol. 2012;5(2):223-35.
  • 22
    Irvin MR, Shimbo D, Mann DM, Reynolds K, Krousel-Wood M, Limdi NA, et al. Prevalence and correlates of low medication adherence in apparent treatment-resistant hypertension. J Clin Hypertens. 2012;14(10):694-700.
  • 23
    Gomes-Villas Boas LC, Foss MC, Freitas MCF, Pace AE. Relationship among social support, treatment adherence and metabolic control of diabetes mellitus patients. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(1):52-8.
  • 24
    Rocha CH, Oliveira APS, Ferreira C, Faggiani FT, Schtoeter G, Souza ACA et al. Adesão à prescrição médica em idosos de Porto Alegre, RS. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(Sup):703-10.
  • 25
    Zanetti ML. Chronic non-communicable diseases and health technologies [Editorial]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. mai-jun 2011;19(3):449-50.
  • 26
    Souza AMA, Fraga MNO, Moraes LMP, Garcia MLP, Moura KDR, Almeida PC, Moura EMV. Grupo terapêutico: sistematização da assistência de enfermagem em saúde mental. Texto Contexto Enferm. 2004;13(4):625-32.
  • 27
    Gonçalves DM, Stein AT, Kapczinski F. Transtornos mentais comuns em comunidade atendida pelo Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2008;24(2):380-90.
  • 1
    Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 478814/2012-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2012
  • Aceito
    05 Ago 2013
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br