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O custo de desperdício de materiais de consumo em um centro cirúrgico 1 1 Artigo extraído da tese de doutorado “O custo de desperdício de materiais de consumo em um Centro Cirúrgico”, apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

OBJETIVOS:

identificar os tipos, as quantidades e o custo dos materiais de consumo encaminhados, utilizados, estornados e desperdiçados nas cirurgias; classificar os desperdícios como perdas evitáveis e não evitáveis, e calcular o índice de desperdício dos materiais de consumo no intraoperatório no Centro Cirúrgico de um hospital universitário de São Paulo, SP.

MÉTODO:

estudo de caso, descritivo e exploratório, com abordagem quantitativa. A amostra de conveniência correspondeu a 105 tipos de materiais de consumo encaminhados para 275 cirurgias observadas, entre fevereiro e maio de 2011.

RESULTADOS:

os itens mais desperdiçados foram fios cirúrgicos, fio cirúrgico algodão e as compressas de gaze. O custo total de desperdício foi de R$ 709,84. O percentual médio de desperdício na amostra foi de 9,34%, sendo 1,23% evitável e 8,14% não evitável.

CONCLUSÃO:

o estudo evidenciou que o gerenciamento eficiente dos recursos materiais reduz custos dos processos e diminui desperdícios.

Recursos Materiais em Saúde; Centro Cirúrgico Hospitalar; Custos e Análise de Custo; Enfermagem


OBJECTIVES:

to identify the types, quantities and cost of the consumable materials sent, used, returned unopened and wasted in surgical operations; to classify the incidences of waste as avoidable or unavoidable losses, and to calculate the rate of waste of the consumable materials in the peri-operative period in the Surgical Center of a São Paulo university hospital.

METHOD:

a descriptive-exploratory case study with a quantitative approach. The convenience sample corresponded to 105 types of consumable materials sent for the 275 operations observed between February and May 2011.

RESULTS:

the items wasted most were surgical sutures, surgical cotton sutures, and gauze compresses. The total cost of the waste was R$ 709.84. The mean percentage of waste in the sample was 9.34%, of which 1.23% was avoidable and 8.14% unavoidable.

CONCLUSION:

the study evidenced that the effective management of material resources reduces the costs of the processes, and reduces waste.

Materials Resources in Health; Surgery Department, Hospital; Cost and Analysis of Cost; Nursing


OBJETIVOS:

identificar los tipos, las cantidades y el costo de los materiales de consumo encaminados, utilizados, extornados y desperdiciados en las cirugías; clasificar los desperdicios como pérdidas evitables y no evitables, y calcular el índice de desperdicio de los materiales de consumo en el intraoperatorio en el Centro Quirúrgico de un hospital universitario de Sao Paulo.

MÉTODO:

estudio de caso, descriptivo y exploratorio, con abordaje cuantitativo. La muestra de conveniencia correspondió a 105 tipos de materiales de consumo encaminados para 275 cirugías, observadas entre febrero y mayo de 2011.

RESULTADOS:

los ítems más desperdiciados fueron hilos quirúrgicos, hilo quirúrgico de algodón y las compresas de gasas. El costo total del desperdicio fue de R$ 709,84. El porcentaje promedio de desperdicio en la muestra fue de 9,34%, siendo 1,23% evitable y 8,14% no evitable.

CONCLUSIÓN:

el estudio evidenció que la administración eficiente de los recursos materiales reduce costos de los procesos y disminuye desperdicios.

Recursos Materiales en Salud; Servicio de Cirugía en Hospital; Costos y Analisis de Costo; Enfermería


Introdução

Devido ao aumento da demanda, aos altos custos assistenciais e recursos limitados, as organizações de saúde precisam se tornar eficientes, aumentando a sua produtividade e minimizando os gastos. Para o alcance dessas metas devem estudar profundamente seus processos assistenciais e gerenciais com a finalidade de alinhar recursos e ações e, também, eliminar desperdícios.

O desperdício está diretamente atrelado ao desenvolvimento de ações que não favorecem nem agregam valor ao produto ou serviço, mas geram custos e despesas desnecessárias, sem que seja efetivamente satisfeita a demanda do cliente( 11. Sacramento F. Desperdícios em instituições hospitalares. RIAE Rev Ibero-Am Estratégia. [Internet] . 2002 [acesso 15 dez 2011];1(1):15-25. Disponível em: http://www.revistaiberoamericana.org/ojs/index.php/ibero/article/view/9
Disponível em: http...
). Contudo, identificar desperdício é uma atividade que exige análise criteriosa e exaustiva, por todos os envolvidos nos processos, pois o que é valor para um pode ser desperdício para outro.

No setor saúde, a complicada rede de ações necessárias para a atenção à clientela, as inúmeras informações geradas e o complexo suporte logístico, dificultam o mapeamento dos diferentes processos e, consequentemente, a identificação e mensuração dos desperdícios( 22. Toussaint J, Gerard RA. On the Mend: Revolutionizing Healthcare to Save Lives and Transform the Industry. Cambridge: Lean Interprise Institute; 2010. 181 p. ). No entanto, pacientes esperando para serem atendidos, inúmeros retrabalhos por falta de capacitação dos funcionários ou processos mal desenhados, movimentações e transportes desnecessários, exames e procedimentos dispensáveis, materiais e medicamentos em excesso, ao mesmo tempo em que há faltas e desvios, equipamentos mal calibrados, colaboradores estressados e/ou ociosos, entre outros, são fontes de desperdícios considerados rotineiros nessas organizações( 22. Toussaint J, Gerard RA. On the Mend: Revolutionizing Healthcare to Save Lives and Transform the Industry. Cambridge: Lean Interprise Institute; 2010. 181 p. - 33. Bentley TG, Effros RM, Palar K, Keeler EB. Waste in the U.S. Health care system: a conceptual framework. Milbank Q. 2008;86(4):629-59. ). Todavia, independente do tipo de desperdício, o cliente não deve pagar pela ineficiência das organizações, por seus processos mal elaborados e gestores ineficientes( 44. Perroca MG, Jericó MC, Facundin SD. Surgery cancelling at a teaching hospital: implications for cost management. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(5):1018-24. ).

Nessa perspectiva, apenas a identificação e o incentivo para redução dos desperdícios não podem modificar comportamentos nas organizações. Esses exigem investimentos constantes em educação, treinamentos e conhecimento de ferramentas gerenciais para a reestruturação dos processos administrativos, operacionais e clínicos no setor saúde( 33. Bentley TG, Effros RM, Palar K, Keeler EB. Waste in the U.S. Health care system: a conceptual framework. Milbank Q. 2008;86(4):629-59. ).

Estudos sobre desperdícios, realizados em dois hospitais-escola apontam que, conforme opiniões dos profissionais médicos e de enfermagem das instituições estudadas, a maior fonte de desperdício está relacionada à categoria recursos materiais, com 32,1 e 36%, respectivamente, gerando custo estimado de desperdício anual em torno de R$479.262,86, no último estudo( 55. Aranha GTC, Vieira RW. Estudo de um dos indicadores do custo da qualidade: o desperdício. Rev Adm Saúde. 2004;6(23):43-55. - 66. Castilho V, Castro LC, Couto AT, Maia FOM, Sasaki NY, Nomura FH, et al. Levantamento das principais fontes de desperdício de unidades assistenciais de um hospital universitário. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(n.esp):1613-20. ). Destaca-se que essas pesquisas não mensuraram os desperdícios, seu valor está na indicação dos profissionais sobre as fontes que consideravam importantes em seus locais de trabalho.

Os estudos e as preocupações acerca dos recursos materiais têm suscitado reflexões e discussões constantes, pois representam o segundo maior custo das organizações de saúde, consumindo de 15 a 45% do orçamento hospitalar( 77. Castilho V, Leite MMJ. Administração de recursos materiais. In: Kurcgant P, coordenadora. Administração em Enfermagem. São Paulo: EPU; 1991. 256 p. - 88. Vecina G Neto, Ferreira WC Júnior. Administração de materiais para sistemas locais de saúde. In: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Administração. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2001. ).

Considera-se que esse custo está associado à complexidade das atividades, bem como procedimentos diferenciados, atendimentos diversificados, incorporando cada vez mais tecnologias na assistência com maior variedade e consumo de recursos materiais( 99. Mendes KGL, Castilho V. Determinação da importância operacional dos materiais de enfermagem segundo a classificação XYZ. Rev Inst Ciênc Saúde. 2009;27(4):324-9. - 1010. Paschoal MLV, Castilho V. Consumo de materiais em centro cirúrgico após implementação de sistema de gestão. Rev Bras Enferm. 2010;63(6):887-893. ).

Nesse cenário, principalmente nas instituições públicas, observa-se a escassez, a falta e/ou a má qualidade dos materiais de consumo, acarretando estresse na equipe multiprofissional, descontinuidade da assistência prestada e possíveis danos aos pacientes. Essa realidade evidencia a inexistência de planejamento eficaz e coerente nos processos de compra, controle e informações sobre o gerenciamento de materiais.

Nesse contexto, ainda assim os profissionais de saúde e também os administradores são pouco informados, conscientizados e sensibilizados sobre a capacidade e as contribuições que o gerenciamento de materiais têm para reduzir os custos da assistência prestada aos pacientes( 1010. Paschoal MLV, Castilho V. Consumo de materiais em centro cirúrgico após implementação de sistema de gestão. Rev Bras Enferm. 2010;63(6):887-893. ).

Para reduzir o desperdício e melhorar a eficiência do consumo de recursos materiais, no entanto, faz-se essencial o seu planejamento, controle e utilização adequada( 1111. Dallora MELV. Gerenciamento de custos de material de consumo em um Hospital de Ensino [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade São Paulo; 2007. 103 p. ), com o objetivo de garantir que a assistência não sofra interrupções por insuficiência na quantidade ou qualidade dos mesmos( 1212. Castilho V, Gonçalves VLM. Gerenciamento de recursos materiais. In: Kurcgant P, coordenadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p. 157-69. ).

Nessa perspectiva, no Hospital Universitário da Universidade São Paulo (HU-USP), a partir de 2008, no Centro Cirúrgico, passou-se a utilizar o gerenciamento de recursos materiais por meio do Sistema de Gestão de Materiais Informatizado (SGM), construído segundo os princípios da ferramenta gerencial Just in Time, que propõe um estoque mínimo com reposição contínua dos materiais com base no consumo, distribuição com maior frequência e em menores quantidades, em tempo hábil e menor custo. A avaliação, após a implementação do SGM, mostrou que houve maior controle dos estoques de materiais e, consequentemente, de seus custos, apontando que o sistema informatizado é eficaz na redução dos materiais médicos utilizados no Centro Cirúrgico, bem como maior controle dos materiais dispensados às salas de operação, que são estornados após os procedimentos cirúrgicos( 1010. Paschoal MLV, Castilho V. Consumo de materiais em centro cirúrgico após implementação de sistema de gestão. Rev Bras Enferm. 2010;63(6):887-893. ). Entretanto, em relação ao material utilizado na sala operatória, durante o período intraoperatório, não foi possível apreender se ocorria ou não desperdício. Havia evidências empíricas que desperdícios importantes de materiais ocorrem nesse período, principalmente, pela oferta/disponibilidade de muitos materiais por meio dos kits cirúrgicos.

Assim, o presente estudo teve como objetivos levantar as quantidades de materiais de consumo utilizados, estornados e desperdiçados, classificar os desperdícios como evitáveis e não evitáveis, mensurar os custos dos materiais desperdiçados e calcular o índice de desperdício dos materiais de consumo utilizados, no período intraoperatório do Centro Cirúrgico do HU-USP.

Métodos

Trata-se de um estudo de caso exploratório descritivo, com análise quantitativa. O estudo foi realizado no Centro Cirúrgico do HU-USP, após a aprovação da Câmara de Ensino e Pesquisa do HU-USP, sob Parecer nº1052/10.

O HU-USP é uma organização hospitalar geral, de ensino, e realiza mensalmente, em média, 390 cirurgias nas especialidades geral, urológica, infantil, tórax, plástica, vascular, ortopedia, otorrinolaringologia, oftalmologia, endoscopia, bucomaxilo e ginecologia.

A amostra foi por conveniência, estabelecendo-se o período de 4 meses, fevereiro a maio de 2011, para a coleta de dados. As cirurgias foram escolhidas aleatoriamente, de acordo com o agendamento e ocorrência no Centro Cirúrgico. Assim, a amostra foi constituída por 105 tipos de materiais de consumo encaminhados em kits padronizados, para 275 cirurgias observadas.

Foram excluídos do estudo os procedimentos de endoscopia, pois não apresentam kits cirúrgicos, e as cirurgias de emergência que evoluíram a óbito. Não foram analisados, no estudo, os materiais de consumo das salas cirúrgicas, como luvas de procedimentos e outros, e, também, os materiais e medicamentos utilizados pela equipe de anestesia.

A coleta dos dados foi realizada por meio de observação participante pelo acompanhamento dos procedimentos cirúrgicos - abertura dos materiais de consumo, acompanhamento do intraoperatório, contagem, descarte e classificação (evitável e não evitável) dos materiais abertos e não utilizados, encaminhamento dos materiais estornados ao almoxarifado e preenchimento do formulário.

A primeira parte do formulário foi elaborada para levantar o consumo real dos materiais por cirurgia observada: data; códigos, nomes e quantidade dos materiais enviados, consumidos e estornados, custo unitário e total de cada material, e a segunda teve como finalidade levantar os materiais de consumo desperdiçados: identificação do material e seu respectivo código, quantidades desperdiçadas (por unidades) e classificação em evitáveis e não evitáveis, o custo unitário e total desses materiais.

Foi considerado como desperdício evitável o material que não deveria ser aberto, ou seja, aqueles que apresentam perda total da quantidade contida na embalagem, por solicitação antecipada e/ou inadvertida dos profissionais de saúde da sala operatória. Como desperdício não evitável, foram considerados os materiais dos quais, por motivo da quantidade da embalagem (de acordo com a produção da indústria), não houve necessidade de serem utilizados todos os itens; perderam apenas alguns itens de sua embalagem.

Após o preenchimento dos formulários e com a identificação do paciente/usuário pelo SGM, foram impressos os materiais consumidos nas cirurgias, os kits cirúrgicos e materiais avulsos, com seus respectivos códigos, quantidades consumidas e estornadas.

Para o tratamento e a análise dos resultados, foi elaborado um banco de dados para registro por meio de uma planilha no Excel 2010 e, para a apresentação e o tratamento dos dados, foi utilizado o aplicativo SPSS (Statistical Package for the Social Sciences).

Para as variáveis qualitativas, foram apresentadas as frequências absolutas (n) e as frequências relativas (%). Para verificar as correlações lineares entre os itens foi utilizado o coeficiente de Pearson. Sabe-se que quanto mais próxima de 1 ou -1 mais forte será a correlação. A existência de correlação linear entre as variáveis poderá indicar que quanto maior um valor maior será o outro, ou, ainda, quanto maior um valor menor será o outro (correlação negativa)( 1313. Magalhães MN, Lima ACP. Noções de probabilidade e estatística. São Paulo: IME-USP; 2000. 416 p. ).

A moeda utilizada para cálculo dos custos foi a unidade monetária brasileira, o real.

Resultados

No período de coleta de dados, foram realizadas 1.555 cirurgias, das quais foram observadas 275 (17,7%), que apresentaram 105 itens de materiais encaminhados, utilizados, estornados e desperdiçados.

O total das cirurgias observadas foi: fevereiro 45 (16,4%), março 47 (17,1%), abril 114 (41,5%) e maio 69 (25,1%).

Os percentuais das cirurgias observadas nesse período foram: ginecologia 28 (29,5%), otorrino 27 (24,3%), oftalmologia 8 (18,2%), bucomaxilo 19 (18,1%), cirurgia geral 152 (16,3%) e ortopedia 41 (15,4%).

De acordo com os dados da Tabela 1, verifica-se que a quantidade de itens encaminhados foi de 37.298 unidades, média de 135,63 unidades/cirurgia. Foram utilizados 21.301 itens de materiais, com desperdício total de 2.479 itens em 210 cirurgias.

Tabela 1
Distribuição do total de itens de materiais de consumo nas cirurgias. São Paulo, SP, Brasil, 2011

Pode-se visualizar, também, que em 65 cirurgias não houve desperdício. Na maioria dessas cirurgias foi observado o aproveitamento das gazes brancos 7,5x7,5cm, 45x45cm e/ou 30x30cm para utilização na limpeza da pele e na realização do curativo, bem como utilizadas pelos anestesistas no processo de extubação.

A Tabela 2 apresenta o percentual médio de itens encaminhados, estornados, desperdiçados, evitável e não evitável nas cirurgias observadas. Nas cirurgias, foram utilizadas em média 58,25% dos itens encaminhados e 34,49% foram estornados.

Tabela 2
Distribuição percentual média do total de itens utilizados, estornados, desperdiçados, evitáveis e não evitáveis por especialidade cirúrgica. São Paulo, SP, Brasil, 2011

Em relação aos desperdícios, apresenta percentual médio de 9,34%, sendo que 1,23% era de itens que poderiam ser evitáveis e 8,14% de itens não evitáveis.

O maior percentual de itens utilizados corresponde à especialidade oftalmologia (76,51%), com menor estorno (20,73%). No entanto, apresenta o índice total de desperdício de 12,42%. Porém, todos foram classificados como não evitáveis, pois utilizaram apenas parte do conteúdo da embalagem.

Em todas as especialidades cirúrgicas, com exceção da ortopedia, o desperdício não evitável corresponde à maior porcentagem, quando comparado ao desperdício evitável.

Para verificar as possíveis correlações entre as escalas, foi utilizado o coeficiente de Pearson. Os resultados dos coeficientes de correlação estão apresentados nos dados da Tabela 3. Foram consideradas fortes correlações com valores acima de 0,8 (grau de correlação acima de 80%) e considerou-se correlação moderada os valores de Pearson entre 0,5 e 0,7( 1313. Magalhães MN, Lima ACP. Noções de probabilidade e estatística. São Paulo: IME-USP; 2000. 416 p. ).

Tabela 3
Coeficiente de correlação entre o total de itens utilizados, estornados, desperdiçados, evitáveis e não evitáveis nas cirurgias. São Paulo, SP, Brasil, 2011

Pode-se observar a correlação forte entre o desperdício total e o desperdício de itens não evitáveis e a correlação moderada entre o desperdício total e desperdício evitável. Não houve correlação entre os materiais estornados e desperdiçados.

Na Tabela 4 estão apresentados os resultados dos custos dos itens enviados e utilizados, total desperdiçado e custos do desperdício evitável e não evitável, no período do estudo, nas cirurgias observadas.

Tabela 4
Custo total dos itens encaminhados, utilizados, estornados, desperdiçados, evitáveis e não evitáveis nas cirurgias observadas. São Paulo, SP, Brasil, 2011

No estudo, foram acompanhadas 275 (17,7%) cirurgias, mas, quando extrapolados os custos de todas as cirurgias realizadas, para o período de um ano, o custo do desperdício seria de R$12.031,20, sendo R$5.550,51 evitável e R$6.480,68 não evitável.

Discussão

Em estudo realizado no HU-USP, em 2009, após 4 meses de implantação do SGM, foi observado que o percentual de estorno era de 51,9% na maioria dos kits (66,6%) analisados, e a meta proposta seria estorno em torno de 20%( 1010. Paschoal MLV, Castilho V. Consumo de materiais em centro cirúrgico após implementação de sistema de gestão. Rev Bras Enferm. 2010;63(6):887-893. ). Neste estudo, no ano 2011, no mesmo Hospital, a porcentagem média de estorno foi de 34,49% em 50% dos kits analisados, mostrando redução de retrabalho em 17,5%, em dois anos.

O estorno é uma atividade considerada retrabalho, portanto, desperdício. Todos os materiais estornados/devolvidos devem retornar a seu local de armazenamento, que utiliza o tempo do pessoal da área de Suprimentos do Centro Cirúrgico.

O estorno é intrínseco ao processo de trabalho dos kits cirúrgicos, pois, mesmo estando todos os processos das cirurgias definidos e delineados, em se tratando de serviços de saúde, há variações de indivíduo para indivíduo - cirurgiões, paciente, patologia - assim, inviabilizando definir o processo de preparação dos kits em 100%. Esse desperdício é inerente ao processo de gerenciamento dos materiais de consumo nas cirurgias, porém, deve ser minimizado ao máximo.

O índice de desperdício utilizado em Centro Cirúrgico, até o momento, é de 20%, segundo o proposto em um trabalho realizado no Centro Cirúrgico de um hospital universitário do interior de São Paulo. No entanto, esse dado foi obtido pelo levantamento de opiniões da equipe de enfermagem sobre tipos, causas e sugestões sobre os desperdícios possivelmente existentes( 55. Aranha GTC, Vieira RW. Estudo de um dos indicadores do custo da qualidade: o desperdício. Rev Adm Saúde. 2004;6(23):43-55. ).

O índice de desperdício de materiais de consumo mensurado no Centro Cirúrgico do HU-USP foi de 9,34%, o que pode ser considerado baixo. Entretanto, trata-se de um estudo de caso, representando apenas a realidade desse contexto, sendo esse contexto, uma instituição de ensino, definida por assistência de nível secundário, com cirurgias em sua maioria eletivas e urgências, de pequeno e médio porte. Contudo, por meio desse índice, considera-se que a mensuração é a primeira etapa que conduz ao controle e, eventualmente, ao aperfeiçoamento dos processos nas organizações( 1414. Labbadia LL, D'Innocenzo M, Fogliano RR, Silva GE, de Queiroz RM, Carmagnani MI, Salvador ME. Sistema informatizado para gerenciamento de indicadores da assistência de enfermagem do Hospital São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):1013-7. ).

A partir do índice do HU-USP, pode-se elaborar um importante indicador - desperdício de materiais de consumo - salientando que indicadores baseados em índices são sinalizadores de não conformidade que necessitam revisões periódicas e sua utilização dependerá do contexto em que estiver inserido( 1515. Tronchim DMR, Melleiro MM, Kurcgant P, Garcia NA, Garzin ACA. Subsídios teóricos para a construção e implantação de indicadores de qualidade em saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2009;30(3):542-6. ).

Para a implantação do indicador deve-se monitorar o registro de todas as informações definidas pelo conteúdo do indicador, com a validação dos resultados e a análise comparativa frente aos padrões internos e externos( 1515. Tronchim DMR, Melleiro MM, Kurcgant P, Garcia NA, Garzin ACA. Subsídios teóricos para a construção e implantação de indicadores de qualidade em saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2009;30(3):542-6. ). E essas informações obtidas no momento certo podem beneficiar a administração dos serviços e favorecer a tomada de decisão com o menor grau de incerteza( 1414. Labbadia LL, D'Innocenzo M, Fogliano RR, Silva GE, de Queiroz RM, Carmagnani MI, Salvador ME. Sistema informatizado para gerenciamento de indicadores da assistência de enfermagem do Hospital São Paulo. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):1013-7. ).

A forte correlação entre desperdício total e não evitável evidencia a relação de desperdício total com a dimensão da quantidade contida nas embalagens dos materiais de consumo (não evitável), sobretudo das gazes brancas (7,5x7,5cm; 30x30cm, 45x45cm) e fio cirúrgico algodão. Evidenciou-se, também, que o desperdício não tem relação com a quantidade de materiais ofertados/disponibilizados para os procedimentos cirúrgicos.

A relação dos custos dos desperdícios apresentados mostraram-se baixos, quando comparados ao custo total de materiais de consumo utilizados na Instituição, R$ 2.266.615,25. No entanto, esses valores representam a unidade estudada, que apresenta uma ferramenta de gerenciamento de materiais baseada no Just in Time, e esse gerenciamento é considerado primordial pela administração.

O SGM, atualmente, está sendo reestruturado e implementado nas demais unidades do HU-USP, o que permitirá o conhecimento e a mensuração dos desperdícios para efeito de comparação e análise de relevância dos índices da Instituição.

Conclusões

Este estudo permitiu, além do cálculo do desperdício e de seu índice, criar um referencial para pesquisas futuras na área de gerenciamento de recursos materiais; salientar a importância do conhecimento da gestão de materiais de consumo hospitalares e, também, evidenciar a importância da análise exaustiva dos seus processos, dos seus custos e a definição sobre o que é valor agregado para minimizar e/ou eliminar desperdícios.

Nas situações analisadas de desperdício, o evitável refere-se à relação entre o comportamento das equipes de saúde e a cultura e a gestão das organizações, portanto, modificáveis. Entretanto, a outra situação analisada, o desperdício não evitável, sob a responsabilidade das indústrias, gera desperdício econômico (para quem compra) e de matéria-prima e, ainda, produz impacto sobre o meio ambiente pela geração de resíduos.

Este estudo pretende levar à reflexão a respeito do tema desperdício e apresentar uma metodologia para futuros estudos e, assim, oportunizar a comparação entre os mesmos, para o estabelecimento de índices e indicadores na área da saúde.

Desse modo, espera-se que as instituições e os profissionais de saúde, por meio da evidência científica, sejam sensibilizados e conscientizados sobre a importância dos recursos necessários para a assistência segura e de qualidade aos pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2012
  • Aceito
    13 Ago 2013
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