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Análise prospectiva de risco do processo de administração de medicamentos anti-infecciosos

Resumos

OBJETIVO: este estudo teve o objetivo de analisar os riscos potenciais do processo de administração de medicamentos anti-infecciosos, por via intravenosa, de uma unidade de clínica médica, utilizando o método de análise do modo e efeito da falha. MÉTODO: de natureza exploratória, foi realizado na clínica médica de um hospital do Estado de Goiás. Para a coleta dos dados, foi constituída uma equipe composta por seis profissionais envolvidos na terapêutica medicamentosa: médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, farmacêutico e os gerentes de enfermagem e de risco. Foram realizadas 24 reuniões, totalizando 56 horas. Todos os dados foram transcritos para um banco eletrônico, no programa Microsoft Excel® e analisados no software Xfmea4. RESULTADOS: os resultados indicaram 52 modos da falha, 79 efeitos da falha e 285 causas da falha. As causas estavam relacionadas à gestão dos processos organizacionais, recursos humanos, estrutura física e material. Foram recomendadas 298 ações de melhorias para 215 causas de alta e média prioridade, sendo 81,9% de curto prazo. A simulação do impacto das ações propostas possibilitou identificar redução de 79,7% dos modos de falha de alta prioridade. CONCLUSÃO: conclui-se que o estudo identificou riscos potenciais para os pacientes e recomendou ações proativas, de rápida aplicação e baixo custo, avaliadas positivamente na redução do risco de ocorrência de incidentes evitáveis, aumentando a confiabilidade e segurança do processo de administração de medicamentos. Estudos como este comprovam que, com a aplicação de um método de análise de risco, os enfermeiros podem auxiliar efetivamente a prevenção de incidentes na medicação.

Erros de Medicação; Qualidade da Assistência à Saúde; Gerenciamento de Segurança; Enfermagem; Segurança do Paciente


OBJECTIVE: The objective of this study was to analyze the potential risks involved in the administration process of intravenous anti-infective medication at a medical clinic, using the Failure Mode and Effect Analysis. METHOD: This exploratory study was conducted at the medical clinic of a hospital in the State of Goiás. For data collection we convened a team comprised of six professionals involved in medication treatment: a doctor, nurse, nursing technician, pharmacist, a nursing and a risk manager. A total of 24 meetings were held, for a total of 56 hours. The data were transcribed into an electronic database within Microsoft Excel®, and the Xfmea4 software was used. RESULT: The results indicated 52 failure modes, 79 effects of failure, and 285 causes of failure. The causes were related to: the management of organizational processes, human resources, physical and material structure. A total of 298 actions for improvement were recommended for 215 causes of high and average priority, 81.9% of which were short-term priorities. The simulation of the impact of the proposed interventions revealed a 79.7% reduction of the high-priority failure modes. CONCLUSION: It was concluded that the study identified potential risks to patients and recommended proactive actions, of rapid application and low cost, evaluated positively in the reduction of risk of occurrence of avoidable incidents, increasing reliability and safety of the medication administration process. Studies like this demonstrate that, with the application of a method of risk analysis, nurses can effectively assist in preventing medication incidents.

Medication Errors; Quality of Health Care; Safety Management; Nursing; Patient Safety


OBJETIVO: Este estudio objetivó analizar los riesgos potenciales de administración de medicamentos anti-infecciosos por vía endovenosa en una unidad de Clínica Médica, utilizando el Método de Análisis del Modo y Efecto de Falla. MÉTODO: De naturaleza exploratoria, se realizó en la Clínica Médica de un Hospital del Estado de Goiás. Datos recolectados por equipo constituido por seis profesionales involucrados en la terapéutica medicamentosa: médico, enfermero, técnico de enfermería, farmacéutico y gerentes de Enfermería y de riesgo. Fueron efectuadas 24 reuniones, totalizándose 56 horas. Todos los datos fueron transcriptos a un banco, utilizando planilla de cálculo de Microsoft Excel® y analizados con software Xfmea4. RESULTADO: Los resultados indicaron 52 modos de falla, 79 efectos de la falla y 285 causas de falla. Las causas se relacionaron con la gestión de procesos organizacionales; recursos humanos; estructura física y material. Fueron recomendadas 289 acciones de mejora para 215 causas de alta y media prioridad, 81,9% de corto plazo. La simulación del impacto de las acciones propuestas posibilitó identificar una reducción de 79,7% de los modos de falla de alta prioridad. CONCLUSIÓN: Se concluye en que el estudio identificó riesgos potenciales para los pacientes y recomendó acciones proactivas, rápidamente aplicables y de bajo costo, evaluadas positivamente en la reducción del riesgo de ocurrencia de incidentes evitables, aumentando la confiabilidad y seguridad del proceso de administración de medicamentos. Estudios como éste comprueban que, con la aplicación de un método de análisis de riesgo, los enfermeros pueden colaborar activamente en la prevención de incidentes en la administración de medicamentos.

Erros de Medicación; Calidad de la Atención de Salud; Administración de la Seguridad; Enfermería; Seguridad del Paciente


ARTIGO ORIGINAL

Análise prospectiva de risco do processo de administração de medicamentos anti-infecciosos1 1 Trabalho extraído de tese de doutorado "Análise de risco do processo de administração de medicamentos por via intravenosa em pacientes de um Hospital Universitário de Goiás", apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil. Apoio Financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 870282/1997-2 e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Análisis prospectivo de riesgo del proceso de administración de medicamentos anti-infecciosos

Ana Elisa Bauer de Camargo SilvaI; Silvia Helena de Bortoli CassianiII

IPhD, Professor, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás, Brasil

IIPhD, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Elisa Bauer de Camargo Silva Rua 227, S/N, QD 68, Setor Leste Universitário CEP: 74610-060, Goiânia, Goiás, Brasil E-mail: anaelisa@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: este estudo teve o objetivo de analisar os riscos potenciais do processo de administração de medicamentos anti-infecciosos, por via intravenosa, de uma unidade de clínica médica, utilizando o método de análise do modo e efeito da falha.

MÉTODO: de natureza exploratória, foi realizado na clínica médica de um hospital do Estado de Goiás. Para a coleta dos dados, foi constituída uma equipe composta por seis profissionais envolvidos na terapêutica medicamentosa: médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, farmacêutico e os gerentes de enfermagem e de risco. Foram realizadas 24 reuniões, totalizando 56 horas. Todos os dados foram transcritos para um banco eletrônico, no programa Microsoft Excel® e analisados no software Xfmea4.

RESULTADOS: os resultados indicaram 52 modos da falha, 79 efeitos da falha e 285 causas da falha. As causas estavam relacionadas à gestão dos processos organizacionais, recursos humanos, estrutura física e material. Foram recomendadas 298 ações de melhorias para 215 causas de alta e média prioridade, sendo 81,9% de curto prazo. A simulação do impacto das ações propostas possibilitou identificar redução de 79,7% dos modos de falha de alta prioridade.

CONCLUSÃO: conclui-se que o estudo identificou riscos potenciais para os pacientes e recomendou ações proativas, de rápida aplicação e baixo custo, avaliadas positivamente na redução do risco de ocorrência de incidentes evitáveis, aumentando a confiabilidade e segurança do processo de administração de medicamentos. Estudos como este comprovam que, com a aplicação de um método de análise de risco, os enfermeiros podem auxiliar efetivamente a prevenção de incidentes na medicação.

Descritores: Erros de Medicação; Qualidade da Assistência à Saúde; Gerenciamento de Segurança; Enfermagem; Segurança do Paciente.

RESUMEN

OBJETIVO: Este estudio objetivó analizar los riesgos potenciales de administración de medicamentos anti-infecciosos por vía endovenosa en una unidad de Clínica Médica, utilizando el Método de Análisis del Modo y Efecto de Falla.

MÉTODO: De naturaleza exploratoria, se realizó en la Clínica Médica de un Hospital del Estado de Goiás. Datos recolectados por equipo constituido por seis profesionales involucrados en la terapéutica medicamentosa: médico, enfermero, técnico de enfermería, farmacéutico y gerentes de Enfermería y de riesgo. Fueron efectuadas 24 reuniones, totalizándose 56 horas. Todos los datos fueron transcriptos a un banco, utilizando planilla de cálculo de Microsoft Excel® y analizados con software Xfmea4.

RESULTADO: Los resultados indicaron 52 modos de falla, 79 efectos de la falla y 285 causas de falla. Las causas se relacionaron con la gestión de procesos organizacionales; recursos humanos; estructura física y material. Fueron recomendadas 289 acciones de mejora para 215 causas de alta y media prioridad, 81,9% de corto plazo. La simulación del impacto de las acciones propuestas posibilitó identificar una reducción de 79,7% de los modos de falla de alta prioridad.

CONCLUSIÓN: Se concluye en que el estudio identificó riesgos potenciales para los pacientes y recomendó acciones proactivas, rápidamente aplicables y de bajo costo, evaluadas positivamente en la reducción del riesgo de ocurrencia de incidentes evitables, aumentando la confiabilidad y seguridad del proceso de administración de medicamentos. Estudios como éste comprueban que, con la aplicación de un método de análisis de riesgo, los enfermeros pueden colaborar activamente en la prevención de incidentes en la administración de medicamentos.

Descriptores: Erros de Medicación; Calidad de la Atención de Salud; Administración de la Seguridad; Enfermería; Seguridad del Paciente.

Introdução

Os medicamentos anti-infecciosos são desenvolvidos de forma a serem os mais tóxicos para os microrganismos e, ao mesmo tempo, os mais seguros para as células humanas(1). O uso desnecessário ou inadequado está associado ao surgimento de resistência antimicrobiana, toxicidade, aumento da morbidade e alto custo dos cuidados de saúde(2). Esse tipo de medicamento tem sido envolvido em incidentes relacionados à segurança dos pacientes(3).

Na Espanha, estudo identificou que, de 2.696 pacientes internados, 173 (6,4%) sofreram um incidente com medicamentos, dos quais 34 foram erros relacionados a anti-infecciosos(4).

Estudos multicêntricos realizados em hospitais brasileiros também têm identificado alta prevalência de incidentes com antimicrobianos(3,5). Em um deles, 8,4% dos erros de dose envolviam antimicrobianos(3). Em outro, foram identificados 1.500 erros, sendo 18,5% com antimicrobianos. Os erros mais frequentes foram de horário (87,7%) e de dose (6,9%)(5).

Em Goiás, estudo realizado em uma unidade de clínica médica verificou a ocorrência de 230 erros de medicação (EM), sendo que os anti-infecciosos tiveram a segunda maior incidência, com 66,5% dos erros relacionados aos medicamentos infundidos pela via parenteral(6).

Os incidentes com medicamentos ocorrem independente da via de administração, no entanto, a intravenosa (IV) expõe o paciente a um maior risco. Estudo espanhol verificou que 50% dos EMs ocorreram ao se utilizar a via IV(5). Em um hospital da Austrália, foram relatados 293 incidentes com pacientes, sendo 24% relacionados com medicamentos e, desses, 35% foram relacionados à via IV(7).

Além dos danos causados aos pacientes, os EMs têm um custo estimado para as instituições de saúde de mais de US$ 4 milhões, por ano, devido ao aumento dos dias de internação e aos cuidados prestados aos pacientes(8). Dessa forma, pesquisadores, instituições de saúde e profissionais necessitam desenvolver ações de intervenção que visem a minimização e correção dos riscos, prevenindo incidentes na medicação.

Considerando-se que os riscos correspondem à ocorrência e à gravidade de um evento adverso na saúde do paciente, a utilização de métodos de análise de risco pode proporcionar conhecimento dos problemas existentes, detectar riscos no cuidado, determinar as causas fundamentais e propor medidas corretivas e preventivas, corretas e oportunas.

Entre os vários métodos existentes, a análise do modo e efeito da falha, denominada na língua inglesa de Failure Mode and Effect Analysis (FMEA), caracteriza-se por ser proativa, prospectiva, não estatística e sistematizada(9-10).

A FMEA vem sendo recomendada por organizações internacionais, tais como Joint Commission, Institute for Healthcare Improvement e Institute for Safe Medication Practices, para identificar e analisar os modos de falha de processos de cuidado, seus efeitos e causas, estabelecer prioridades e traçar recomendações direcionadas a eliminar ou reduzir a possibilidade de ocorrência de falha(10-13).

Perante o exposto, vislumbrou-se a oportunidade de desenvolver um estudo por meio do qual houvesse uma ação real e direta no processo de administração de medicamentos, realizado pela enfermagem. Nessa perspectiva, este estudo analisou os riscos do processo de administração de medicamentos anti-infecciosos por via intravenosa, a fim de identificar os modos potenciais de falha (MPF), os efeitos potenciais de falha (EPF), as causas potenciais de falha (CPF) e os controles existentes, visando a recomendação de ações de melhorias, de forma a promover maior qualidade e segurança na assistência de enfermagem.

Método

Trata-se de um estudo exploratório, realizado na unidade de clínica médica de um hospital de ensino do Estado de Goiás. Esse hospital possuía trezentos e dezessete leitos, destinados exclusivamente aos pacientes do Sistema Único de Saúde e integra, desde 2002, a Rede Nacional de Hospitais Sentinela da Agência Nacional de Vigilância – Anvisa.

A unidade de internação em questão possuía capacidade para 59 leitos, distribuídos por treze enfermarias com leitos destinados a várias especialidades, e foi selecionada pelo fato de nela estarem internados pacientes portadores de doenças crônico-degenerativas que, usualmente, utilizam grande e variada gama de medicamentos em seu tratamento.

A pesquisa foi realizada após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Processo nº096/2004) e foram seguidos os passos preconizados pelo método FMEA(9).

Dessa forma, para realizar a análise do processo de administração dos medicamentos anti-infecciosos, infundidos por via intravenosa, padronizados na unidade estudada, constituiu-se uma equipe multidisciplinar composta por seis profissionais que atuavam na terapia medicamentosa da instituição: o gerente de risco, um médico, dois enfermeiros, sendo um deles o gerente da unidade, um técnico de enfermagem e um farmacêutico. Os gerentes foram convidados, considerando-se a sua importância na efetivação de possíveis ações de melhoria. O médico foi indicado pelo diretor clínico da unidade de internação. Para seleção dos profissionais de enfermagem, foi solicitado à gerente de enfermagem da unidade que indicasse dois profissionais, sendo um enfermeiro e um técnico de enfermagem, que demonstrassem atitudes proativas na busca por melhorias na qualidade do serviço. A partir das indicações das chefias, foi feito o convite aos profissionais que, após confirmarem a disponibilidade e o interesse em participar da pesquisa, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme as normas vigentes no país(14).

Para atender o objetivo da pesquisa, foram necessárias 24 reuniões da equipe, totalizando 56 horas, que ocorreram de fevereiro a julho de 2008. Todos os dados provenientes da FMEA foram registrados em uma planilha.

Após a validação da digitação, mediante dupla conferência, o banco de dados foi transferido para o software Xfmea 4, que procedeu à análise e gerou relatórios e gráficos. Os dados estão apresentados de forma descritiva por meio de tabelas e gráficos.

Resultados

O processo de administração de medicamentos anti-infecciosos, por via intravenosa, estava constituído por quatro microprocessos (1- pré-preparo; 2- preparo de medicamentos; 3- administração de medicamentos e 4- pós-administração), nos quais eram desenvolvidas 10 atividades e 22 funções, exercidas pelos profissionais de enfermagem.

As atividades identificadas no processo foram: 1. encaminhar as prescrições médicas e formulários de controles para o posto de medicamento; 2. aprazar os medicamentos prescritos; 3. transcrever os medicamentos prescritos para etiquetas; 4. encaminhar as segundas vias das prescrições médicas e formulários de controles para a farmácia hospitalar; 5. receber e acondicionar os medicamentos e materiais entregues pela farmácia hospitalar; 6. preparar medicamentos; 7. administrar medicamentos; 8. monitorar a administração dos medicamentos e reações do paciente; 9. registrar e documentar a administração dos medicamentos e 10. devolver os medicamentos não utilizados.

A análise de risco identificou 52 MPFs, ou seja, falhas que podem vir a ocorrer durante o processo de administração dos medicamentos, que colocam em risco a segurança dos pacientes, sendo que o maior número dessas ocorre na etapa de pré-preparo, com 19 (36,5%) MPFs, e na etapa de administração de medicamentos, com 16 (30,8%) MPFs. A preparação de medicamentos teve 12 (23,1%) MPFs e a pós-administração teve 5 (9,6%) MPFs.

O maior número de MPFs foi identificado na atividade administrar medicamentos, na qual foram identificados dezesseis (30,8%) MPFs. Em seguida, a atividade que mais apresentou oportunidades de falhas foi a de preparo dos medicamentos, com doze (23,1%).

A análise das dez atividades possibilitou a identificação de 79 EPFs, sendo que 66,2% eram de média gravidade, ou seja, exigiam monitoramento, avaliação especializada e aplicação de outros medicamentos para reverter o dano, interferindo no tratamento de base, com prolongamento da hospitalização; e 27,5% de alta gravidade, que implicava intervenção para manter a vida do paciente.

Os três tipos de EPFs mais frequentes foram os erros de técnica (21; 26,6%), de omissão (20; 25,3%) e de horário (15; 19%) e foram mais frequentes no pré-preparo (35; 44,3%) e na administração de medicamentos (24; 30,4%).

A FMEA possibilitou a identificação de 285 CPFs, que foram categorizadas por semelhança quanto ao conteúdo, possibilitando a identificação de três categorias que dizem respeito à gestão dos processos organizacionais (125; 43,9%), recursos humanos (124; 41,4%) e estrutura física e material (12,6%), conforme apresentado na Tabela 1.

Dentre os controles capazes de prevenir ou detectar os modos de falha, foram identificados 211 de detecção, o que significa retrabalho e custo para a organização, e apenas 12 de prevenção. Muitos constituíam circunstâncias que poderiam funcionar como alertas de detecção, como a cor amarela da segunda via da prescrição, destacando-a das demais da papeleta do paciente, sinalizando à equipe de saúde que não foi enviada à farmácia. Devido à inexistência de controles ou controles com poder mínimo de detecção e prevenção, 189 (66,3%) das CPFs estavam com possibilidade nula de serem detectadas.

Para visualização geral da FMEA, a frequência absoluta e relativa das funções, dos MPFs, EPFs e das CPFs, assim como os índices de gravidade dos EPFs (G), da ocorrência da CPF (O) e de probabilidade de detecção (D), estão apresentados na Tabela 2.

As 285 CPFs tiveram seu NPR calculado por meio da multiplicação dos valores de gravidade, ocorrência e detecção, que vão de um a dez e, desta forma, os NPRs oscilaram entre 10 e 700. A equipe FMEA definiu que os NPRs até 100 seriam considerados de baixa prioridade de risco, os que se encontrassem entre 101 e 300 seriam de média prioridade e os que apresentassem NPR entre 301 e 700 seriam de alta prioridade. Também ficou definido que as recomendações de ações de melhoria seriam feitas para as 215 CPFs com NPR de alto risco (59; 20,7%) e de médio risco (156; 54,7%).

No total, foram recomendadas 298 ações em prol da melhoria do processo para as 10 atividades realizadas, sendo 244 (81,9%) de curto prazo (seis meses), 40 (13,4%) de médio (de seis meses a dois anos) e 14 (4,7%) de longo prazo (acima de dois anos).

Entre as recomendações estavam ações de educação continuada (84; 28,5%), orientações aos profissionais (54; 18,3%) e replanejamento e redistribuição das atividades de enfermagem, visando à redução da sobrecarga de trabalho (34; 11,5%). Também foram propostos: preparo do medicamento baseado na prescrição e não em etiquetas transcritas; elaboração de padrões, manuais e protocolos; checklists; identificação dos leitos e dos pacientes com pulseiras, com cores diversas para casos especiais como alergias; utilização de alertas sobre leitos de pacientes na mesma enfermaria, com nomes similares ou iguais e informatização da etiqueta de identificação do medicamento.

Após a recomendação das ações de intervenção, por um processo de simulação feito pela equipe FMEA, novas pontuações foram estimadas para a ocorrência e detecção das CPFs e, dessa forma, os NPR foram revistos. O NPR antes das melhorias foi denominado de NPR inicial (NPRi) e o NPR após as melhorias foi denominado NPR revisado (NPRr).

O impacto das ações recomendadas, sobre o número de prioridade de risco das 215 CPFs dos 46 MPFs, pôde ser visto em todas as atividades do processo analisado, sendo que a maior redução no NPR (90%) se deu na atividade 3, conforme apresentado na Figura 1.


Pela análise final dos resultados também se identificou que as CPFs de alta e média prioridade de risco diminuíram e as de baixa prioridade aumentaram, conforme Tabela 3.

Discussão

A análise do processo de administração de medicamentos por via intravenosa possibilitou compreender a sua complexidade e abrangência, ao identificar que nele estão inseridos vários microprocessos e atividades interligadas e inter-relacionadas, executadas por vários profissionais e que, muitas vezes, transcorrem simultaneamente.

A FMEA possibilitou identificar 52 modos potenciais de falha no processo. Tradicionalmente, tem-se pensado que a maioria das falhas acontece por causa do fracasso humano e, dessa forma, os processos são desenvolvidos dentro de uma premissa de que nada dará errado, o que este estudo mostrou como sendo uma inverdade.

Entre os efeitos potenciais de falha, 44,3% foram erros de omissão e de horário. Os erros de omissão e de horário, quando se tem em foco a classe dos antibacterianos, podem influenciar a efetividade terapêutica e a resistência bacteriana, considerando-se que essa última está associada ao uso inadequado desses fármacos(5).

Quando há omissão, independentemente do número de doses de antibacterianos que não são administradas, deve ser considerado que essa falha pode levar a concentrações plasmáticas inferiores à concentração inibitória mínima, exercendo pressão seletiva sobre o microrganismo, fator de risco para o aparecimento da resistência microbiana(5,15).

Os erros de horário têm como potenciais causas problemas no aprazamento, que deve ser planejado para que não haja concentração de número elevado de medicamentos em determinado período, fazendo com que aqueles que requerem pontualidade na administração, como anti-infecciosos, tenham seu horário cumprido(5).

No que concerne ao entendimento das 285 causas potenciais da falha, as consideradas como gestão dos processos organizacionais e estrutura física e material, podem ser consideradas dentro da abordagem sistêmica de falhas. Essa abordagem compreende que o ser humano é falível e que os incidentes devem ser esperados, até mesmo nas melhores organizações. Portanto, analisa-se o que pode contribuir para a ocorrência da falha: a administração de recursos humanos e financeiros, a presença e utilização de normas, ou seja, as condições do ambiente de trabalho, a verificação de sobrecarga de trabalho dos profissionais e as condições de funcionamento dos equipamentos(16).

As causas das falhas relacionadas à estrutura física e material se referiam às condições do ambiente, como desorganização e interrupções frequentes durante os procedimentos. O trabalho, sob condições adversas, pode levar o ser humano a cometer erros, portanto, é imprescindível que a enfermagem participe das decisões organizacionais, incluindo aquelas relacionadas às construções ou reformas de ambientes de trabalho, visando à melhoria das condições ambientais e dos recursos utilizados(17).

Em relação às causas potenciais de falhas direcionadas aos recursos humanos, não houve surpresa ao se identificar que, nessa categoria, a causa falta de atenção foi a mais frequentemente citada pela equipe (55; 19,3%). A cultura existente nas organizações de saúde ainda é muito voltada para responsabilizar os profissionais pelos incidentes, em detrimento das falhas gerenciais, estruturais e processuais. A abordagem individual como explicação das falhas e erros trata a problemática de maneira simplista, pois o responsável pela falha é encontrado, punido e a investigação encerrada, sem haver melhorias no processo.

O fato de a maior frequência de recomendações estar direcionada para a educação continuada e para orientações aos profissionais permite a inferência de que a equipe multidisciplinar, envolvida no estudo, ainda trazia consigo a crença pessoal de que os incidentes com medicamentos são resultados de falhas individuais. Entretanto, sabe-se que a análise das causas de eventos adversos, ocorridos na assistência, revela relação com déficits de conhecimento da equipe de saúde e, também, de performance, fazendo-se necessárias a revisão da qualidade da formação dos profissionais e a introdução e manutenção da educação continuada nas instituições de saúde(18).

Há ainda a se acrescentar que o desconhecimento, por parte da enfermagem, a respeito de aspectos farmacológicos básicos, pode induzir a erros como a inobservância da necessidade de administração da dose exata necessária e do horário correto para cada paciente, podendo gerar diversas consequências clínicas que vão da ausência de resposta à toxicidade intolerável(3).

Ressalta-se que também foram feitas recomendações de replanejamento e redistribuição das atividades de enfermagem, visando a redução da sobrecarga de trabalho. O número reduzido de enfermeiros, o aumento da carga de trabalho e existência de ambientes instáveis contribuem para resultados negativos e indesejáveis do cuidado aos pacientes, como quedas e EMs em unidades médicas e cirúrgicas(17).

Em relação às recomendações de padronização e protocolos, ressalta-se que a adoção de padronização na verificação das prescrições médicas, feita por farmacêuticos, e a elaboração de protocolo para a conferência de carros de entrega de medicamentos às unidades de internação, em um hospital espanhol, após a FMEA, reduziram em 56,9% os erros do tipo dose extra e 41,6% dos erros de omissão(11).

Conclusão

O estudo possibilitou o reconhecimento do processo de administração de medicamentos anti-infecciosos por via intravenosa, identificou riscos potenciais para os pacientes internados e recomendou ações, avaliadas positivamente quanto ao seu potencial, na redução do risco de ocorrência de incidentes evitáveis na medicação e aumento da confiabilidade do processo. Aumentar a confiabilidade desse processo é necessário e pode ser considerado um avanço em direção à melhoria da qualidade da assistência prestada.

O processo de administração de medicamentos é complexo e realizado diariamente em todos os hospitais, com altas chances de riscos para os pacientes. Nesta investigação foi possível identificar 52 falhas no processo com potencial para provocar 66,2% efeitos de média gravidade aos pacientes internados e submetidos à aplicação de anti-infecciosos via intravenosa. As estratégias recomendadas foram proativas, consideradas simples, de rápida aplicação, não dependendo de decisão organizacional para sua efetivação. Correspondem à criação de barreiras, aumentando a segurança do processo de administração de medicamentos.

É de consenso que a adoção de um método, tão somente, não garante a qualidade da assistência, todavia, este estudo possibilitou comprovar que a aplicação de um método de análise de risco pode ser utilizada pela enfermagem, com sucesso, na prevenção de incidentes evitáveis na medicação.

Referências

Recebido: 24.8.2012

Aceito: 10.10.2012

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  • Endereço para correspondência:

    Ana Elisa Bauer de Camargo Silva
    Rua 227, S/N, QD 68, Setor Leste Universitário
    CEP: 74610-060, Goiânia, Goiás, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Trabalho extraído de tese de doutorado "Análise de risco do processo de administração de medicamentos por via intravenosa em pacientes de um Hospital Universitário de Goiás", apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil. Apoio Financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 870282/1997-2 e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      24 Ago 2012
    • Aceito
      10 Out 2012
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