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Adaptação cultural do Family Management Measure para famílias de crianças e adolescentes portadores de doenças crônicas 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado “Adaptação cultural do Family Management Measure para famílias de crianças portadoras de doenças crônicas”, apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

OBJETIVOS:

realizar a adaptação cultural do Family Management Measure para a língua portuguesa do Brasil.

MÉTODO:

o método obedeceu às recomendações internacionais para este tipo de estudo, composta pelas seguintes etapas - tradução do instrumento para língua portuguesa, obtenção do consenso das versões traduzidas, avaliação pelo comitê de especialistas, retrotradução e pré-teste.

RESULTADOS:

tais etapas permitiram o alcance das equivalências conceitual, de itens, semântica, idiomática, operacional e validação do conteúdo.

CONCLUSÃO:

o Family Management Measure apresenta-se adaptado para a língua portuguesa do Brasil, agora denominado Instrumento de Medida de Manejo Familiar.

Família; Pediatria; Doença Crônica


OBJECTIVES:

to perform the cultural adaptation of the Family Management Measure into the Brazilian Portuguese language.

METHOD:

the method complied with international recommendations for this type of study and was composed of the following steps: translation of the instrument into the Portuguese language; reaching consensus over the translated versions; assessment by an expert committee; back translation; and pretest.

RESULTS:

these stages enabled us to obtain conceptual, by-item, semantic, idiomatic, and operational equivalences, in addition to content validation.

CONCLUSION:

the Family Management Measure is adapted to the Brazilian Portuguese language and that version is named Instrumento de Medida de Manejo Familiar.

Family; Pediatrics; Chronic Disease


OBJETIVOS:

realizar la adaptación cultural del Family Management Measure para el idioma portugués de Brasil.

MÉTODO:

el método obedeció las recomendaciones internacionales para este tipo de estudio, compuesta por las siguientes etapas: traducción del instrumento para la lengua portuguesa; obtención del consenso de las versiones traducidas; evaluación por el comité de especialistas; retro-traducción y pre-prueba.

RESULTADOS:

esas etapas permitieron el alcance de las equivalencias conceptuales de ítems, semántica, idiomáticas, operacionales y la validación del contenido.

CONCLUSIÓN:

el Family Management Measure se presenta adaptado para el idioma portugués de Brasil ahora denominado de Instrumento de Medida de Manejo Familiar.

Familia; Pediatría; Enfermedad Crónica


Introdução

As doenças crônicas são de longa duração e de progressão geralmente lenta. As doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, câncer, doenças respiratórias crônicas e diabetes são, de longe, a principal causa de mortalidade no mundo, representando 60% de todas as mortes em 2005( 11. World Health Organization.[Internet]. [acesso 15 dez 2009]. Disponível em:http://www.who.int/topics/chronic_diseases/en/.
Disponível em:http://www.who.int/topics/...
).

Estima-se, atualmente, que 20-30% das crianças e adolescentes dos EUA sofram de alguma doença crônica ou de condição crônica de saúde. Essas condições podem afetar as crianças ao longo de suas vidas e também afetar a unidade familiar( 22. Brown RT, Wiener L, Kupst MJ,Brennan T, BehrmanR, Compas BE, et al. Single Parents of Children with Chronic Illness: An Understudied Phenomenon. J Pediatr Psychol. 2008;33(4):408-21. ). O aumento dos cuidados necessários no dia a dia, as atividades complexas para o manejo da doença, o estilo de vida e a dinâmica familiar, individual ou coletiva, podem influenciar os resultados de saúde, em longo prazo( 22. Brown RT, Wiener L, Kupst MJ,Brennan T, BehrmanR, Compas BE, et al. Single Parents of Children with Chronic Illness: An Understudied Phenomenon. J Pediatr Psychol. 2008;33(4):408-21. ).

A doença crônica na infância e na adolescência afeta a dimensão existencial do doente, envolvendo várias facetas; ela pode afetar sua participação social, a escolaridade, a prática esportiva, o lazer, o relacionamento com os membros da família, as relações grupais e interpessoais, status financeiro da família e também alterar seu planejamento em relação ao futuro( 22. Brown RT, Wiener L, Kupst MJ,Brennan T, BehrmanR, Compas BE, et al. Single Parents of Children with Chronic Illness: An Understudied Phenomenon. J Pediatr Psychol. 2008;33(4):408-21.

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A família constitui parte importante do cuidado em saúde de crianças com doenças crônicas, e deve ser considerada como parceira da equipe de saúde, por ser a responsável pelo cuidado direto da criança e adolescente. A família da criança com condições crônicas terá que interagir com mudanças irreversíveis, após o acometimento da doença, as quais requerem administração contínua da situação vivenciada. Para isso, as famílias precisam buscar o significado apresentado pela doença em suas vidas, além de demarcar a percepção e os comportamentos relacionados à experiência, tendo como objetivo a manutenção da vida( 66. Guimarães TMR, Miranda WL, Tavares MF. O cotidiano das famílias de crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme. Rev Bras Hematol Hemoter. 2009;31(1):9-14. ).

A equipe de enfermagem precisa conhecer a situação familiar para dar apoio e promover a saúde da criança e de sua família: como as famílias lidam com as situações estressantes que ocorrem, como enfrentam as demandas causadas pela doença e que tipo de recursos podem acessar( 77. Góis FGB, La Cava AM. Práticas educativas em saúde do enfermeiro com a criança hospitalizada. Rev Eletr Enferm. [Internet]. 2009 [acesso 25 maio 2013]; 11(4): 942-51. Disponível em:http://www.fen.ufg.br/revista/v11/n4/v11n4a20.htm
http://www.fen.ufg.br/revista/v11/n4/v11...
).

O Family Management Style Framework (FMSF) foi desenvolvido por Kathleen Knafl e Janet Deatrick, em 1990, inicialmente como modelo para o entendimento de como a unidade familiar incorporava as demandas da doença da criança na vida familiar. Posteriormente, ampliaram o modelo, a fim de promover uma estrutura teórica, criando padrões de comportamento que pudessem ser avaliados com maior eficácia, gerando, assim, intervenções nos mais variados contextos que atendessem as demandas da família( 88. Knafl K, Deatrick J. Further Refinement of the Family Management Style Framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56.

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O interesse por conhecer os diferentes estilos de manejo familiar, nas mais variadas situações de doença e com abordagens diferenciadas, tem crescido nos últimos anos. A expressão "estilo de manejo familiar", apesar de pouco conhecida em nossa realidade, vem sendo muito utilizada na literatura internacional para se referir a um padrão relativamente consistente de resposta da unidade familiar a alguma condição de doença, e o termo "manejo" reforça o foco no ingrediente comportamental ativo da resposta familiar, diferenciando-a de outros componentes da dinâmica familiar, como comunicação e tomada de decisão( 1010. Knafl KA, Deatrick JA, Havill NL. Continued development of the family management style framework. J Fam Nurs. 2012 Jan;18(1):11-34. - 1111. Knafl K, Deatrick J. Family management style and the challenge of moving from conceptualization to measurement. J Pediatr Oncol Nurs. 2006 Jan-Feb;23(1):12-8. ).

A importância de estabelecer padrões e perfis de manejo familiar tem levado diversos pesquisadores a investirem em estudos tipológicos, com o objetivo de disponibilizá-los para que os profissionais de saúde possam aplicar intervenções personalizadas a essas famílias( 88. Knafl K, Deatrick J. Further Refinement of the Family Management Style Framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56. , 1010. Knafl KA, Deatrick JA, Havill NL. Continued development of the family management style framework. J Fam Nurs. 2012 Jan;18(1):11-34.

11. Knafl K, Deatrick J. Family management style and the challenge of moving from conceptualization to measurement. J Pediatr Oncol Nurs. 2006 Jan-Feb;23(1):12-8.
- 1212. Knafl K, Deatrick J, Gallo A,Dixon J, GreyM, Knafl G, O´Malley J. Assessment of the Psychometric Properties of the Family Management Measure. J Pediat Psychol. 2011 May; 36(5):494-505. ). Tais estudos, relacionados ao manejo familiar, levantaram nova demanda: a instrumentalização, tanto dos pesquisadores como dos profissionais que prestam o cuidado. Apesar da existência de grande número de instrumentos já consagrados para mensurar processos familiares em geral (comunicação, tomada de decisão, enfrentamento, resiliência), não havia instrumentos direcionados a acessar o manejo familiar na situação de doença, e a incorporação da doença e do regime de tratamento na vida familiar.

Diante disso, a partir do modelo apresentado acima, foi desenvolvido pelas mesmas autoras, anteriormente citadas, o Family Management Measure (FaMM). Trata-se de um instrumento de medida de manejo familiar que tem como objetivo avaliar como a família lida com a criança com doença crônica. É composto por 53 itens e dividido em seis dimensões: cinco escalas para serem respondidas pelo pai ou pela mãe da criança, medindo as dimensões - identidade da criança, habilidade de manejo, esforço de manejo, dificuldade familiar e visão do impacto da condição da criança, e, ainda, uma sexta escala que deve ser aplicada apenas quando ambos os pais participarem da entrevista, medindo a dimensão de mutualidade entre os pais( 1212. Knafl K, Deatrick J, Gallo A,Dixon J, GreyM, Knafl G, O´Malley J. Assessment of the Psychometric Properties of the Family Management Measure. J Pediat Psychol. 2011 May; 36(5):494-505. ).

Tal instrumento mostrou-se confiável e aplicável no contexto da cultura norte-americana e passa por fase de aplicação em diferentes contextos de doença( 1010. Knafl KA, Deatrick JA, Havill NL. Continued development of the family management style framework. J Fam Nurs. 2012 Jan;18(1):11-34. , 1313. Knafl K, Deatrick J, Gallo A. The interplay of concepts, data, and methods in the development of the family management style framework. J Fam Nurs. 2008 Nov;14(4):412-28. ). O teste das propriedades psicométricas do FaMM foi baseado em dados de 579 pais de crianças com condição crônica, e havia forte apoio para a confiabilidade e a validade de todas as seis dimensões do FaMM( 1212. Knafl K, Deatrick J, Gallo A,Dixon J, GreyM, Knafl G, O´Malley J. Assessment of the Psychometric Properties of the Family Management Measure. J Pediat Psychol. 2011 May; 36(5):494-505. - 1313. Knafl K, Deatrick J, Gallo A. The interplay of concepts, data, and methods in the development of the family management style framework. J Fam Nurs. 2008 Nov;14(4):412-28. ).

Na cultura brasileira, existe uma lacuna no que diz respeito a instrumentos de medida de manejo familiar, no contexto da doença crônica da criança. Assim, este estudo teve por OBJETIVOS: realizar a adaptação cultural do Family Management Measure (FaMM) para a língua portuguesa do Brasil e testar a confiabilidade da versão adaptada do Family Management Measure (FaMM), verificando a consistência interna de seus itens em amostra de famílias de crianças e adolescentes com doença crônica.

Método

Trata-se de pesquisa quantitativa que utilizou a metodologia proposta por Guillemin para tradução e adaptação transcultural de instrumentos, composta pelo seguinte processo: permissão dos autores para a adaptação cultural e validação do Family Management Measure (FaMM), tradução para língua portuguesa do FaMM, obtenção do primeiro consenso das versões traduzidas, avaliação pelo Comitê de Especialistas, retrotradução (back translation), pré-teste e tratamento dos dados( 1414. Guillemin F, Bombardier C, Beaton DE. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 2002;25(24):3186-91. ).

Escolha do instrumento

O FaMM foi escolhido por se tratar de um instrumento de medida de manejo familiar, configurando-se em uma escala que avalia como a família lida com sua criança doente, servindo como principal motivação para essa escolha o fato de não haver no Brasil nenhum outro instrumento parecido. A autorização para validação do instrumento - FaMM foi obtida através do site http://nursing.unc.edu/research/famm/ e também solicitado por contato eletrônico com a autora principal, Drª Kathleen Knafl, que auxiliou durante todo o processo, para uma adaptação que mais se aproximasse da versão original.

Procedimentos

Inicialmente foram realizadas duas traduções do inglês, versão original do instrumento para o português, por tradutores fluentes nos dois idiomas. Uma tradução foi feita por um profissional da área de saúde que conhecia os objetivos do estudo e outra, por especialista em língua inglesa que não conhecia os objetivos do estudo (tradução cega), gerando assim duas versões. A partir das duas traduções foi realizado pelas autoras do presente estudo o consenso da tradução na língua portuguesa - Versão Português (VP1). A versão VP1 foi avaliada pelo Comitê de Especialistas, composto por: três especialistas no construto da doença crônica da criança, três especialistas em adaptação cultural de instrumentos e três familiares de crianças com doenças crônicas. A função do referido Comitê foi avaliar o instrumento traduzido, quanto às equivalências: conceitual, de itens, semântica e idiomática e operacional, bem como sua validade de conteúdo.

Após a avaliação do Comitê de Especialistas, foi realizada a construção da Versão em Português (VP2). A VP2 foi enviada a dois tradutores do mesmo país de origem do instrumento para a realização da sua tradução para o idioma de origem. A partir da análise das retrotraduções pelas pesquisadoras, chegou-se à versão final do instrumento.

Na segunda etapa, foi aplicado o instrumento já adaptado em uma amostra com 72 familiares de crianças e de adolescentes com doença crônica. A finalidade desse teste, foi avaliar a consistência interna dos itens e dimensões do instrumento adaptado, antes de iniciar-se o processo de validação. A amostra foi determinada por conveniência. Os familiares responderam ao FaMM adaptado, analisando a compreensão e a clareza dos itens do instrumento. As famílias participantes acompanhavam suas crianças em atendimento ambulatorial de um hospital-escola público da cidade de Londrina, PR, localizada na Região Sul do Brasil. As entrevitas foram realizadas durante os meses de junho a agosto de 2011. Os critérios de inclusão para a participação do estudo foram: famílias de crianças e adolescentes com até 18 anos, com doenças crônicas, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O respondente deveria ser um familiar, morar na mesma residência da criança e participar dos cuidados com a doença da criança.

O estudo teve o parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sob aprovação nº887/2010 e a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina, aprovação nº031/2011, conforme Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde( 1515. Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília;1996. ).

Análise dos dados

Analisou-se a confiabilidade através do alfa de Cronbach, coeficiente utilizado para avaliar a consistência interna dos itens; ele avalia até que ponto todas as subpartes do instrumento medem a mesma característica, se seus índices variam de 0,00 a 1,00 e quanto mais alto o coeficiente de confiabilidade mais exata (internamente consistente) é a medida(16); para este estudo adotou-se um coeficiente de 0,7 como satisfatório. Utilizou-se a estatística descritiva tanto para caracterização da amostra quanto para o cálculo dos valores de frequência, proporções, médias, desvio-padrão e valores mínimos e máximos. A significância adotada nos testes foi de 5%.

Figura 1
Etapas do processo de adaptação cultural do Family Management Measure

Resultados

A Etapa 1, considerada como o processo de adaptação do FaMM, compreendeu as traduções, a síntese das traduções realizada pelas autoras do presente estudo e a construção da Versão Português 1 (VP1) que foi encaminhada para a avaliação pelo comitê de especialistas. Essa avaliação, inicialmente, foi realizada por correio virtual, pelo qual os especialistas avaliaram as equivalências conceituais, de itens, semântica, idiomática, operacional e de conteúdo do instrumento adaptado, porém, não se obteve 80% de concordância dos especialistas na equivalência semântica e idiomática. Optou-se, então, por realizar uma reunião na qual se obteve a participação de todos os especialistas e encontrou-se consenso de 100% em todas as equivalências analisadas. A autora principal do instrumento original, Drª Katlheen Knafl, participou das decisões da reunião, via correio eletrônico. Após a reunião do Comitê de Especialista, obteve-se a Versão Português 2 (VP2), na qual todos os itens que continham o termo condição crônica foram alterados por doença crônica, para facilitar a compreensão do item por parte do respondente, o termo (nosso filho) também foi alterado pelo (nome da criança).

Figura 2
Versão apresentando itens alterados após a reunião com especialistas

A Versão Português 2 (VP2) foi encaminhada para a retrotradução. Não havendo grandes divergências nas duas versões retrotraduzidas, a VP2 foi mantida como Versão Final do instrumento.

Na Etapa 2 do processo, realizou-se a aplicação da versão adaptada do FaMM em amostra com 72 familiares de crianças com doenças crônicas.

A amostra foi composta por 60 (83,3%) mães das crianças, 7 (9,7%) pais, 3 (4,2%) avós e 2 (2,8%) outros, sendo madrasta e irmão mais velho.

Quanto aos anos de estudo, 35 (48,6%) dedicaram 9 ou mais anos aos estudos, 21 (29,2%) de 5 a 8 anos e 16 (22,2%) até 4 anos de estudo.

Das famílias abordadas, 3,6% tinham outros filhos e 25% não tinham outros filhos.

Em relação à renda da família, 57% responderam que sua renda familiar era suficiente, 34,7% responderam ter renda insuficiente e 8,3% relataram sobrar dinheiro no final do mês. Quando questionados em relação à renda antes da doença da criança, 63,9% dos familiares responderam que a renda era suficiente, 20,8% responderam que a renda já era insuficiente e 15,3% referiram que sobrava dinheiro no final do mês.

A média de idade das crianças foi de 6,39 anos (desvio-padrão=3,99). Quanto ao sexo da criança, 41 (56,9%) eram do sexo masculino e 31 (43,1%) do sexo feminino.

Quanto ao tipo de doença da criança, 29 crianças (40,3%) apresentavam doenças progressivas, 29 (40,3%) doenças constantes e 14 (19,4%) tinham doenças reincidentes.

Devido à grande diversidade de doenças crônicas das crianças das famílias abordadas, optou-se por classificá-las em três grupos conforme o curso da doença: progressivo, constante e reincidente( 1717. Rolland JS. Doença crônica e o ciclo de vida familiar. In: Carter B, McGoldrick M. As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 2007. p. 373-92. ). Nessa classificação são consideradas progressivas as doenças continuamente ou geralmente sintomáticas e que geralmente progridem com severidade. O indivíduo com uma doença progressiva defronta-se com efeitos perpetuamente sintomáticos e cuja incapacidade vai aumentando de modo gradual ou progressivo. São consideradas doenças de curso progressivo: diabetes juvenil, hipotireoidismo, síndromes convulsivas, entre outras. As doenças constantes são aquelas em que, após o evento inicial da doença, o curso da doença se estabiliza. Foram classificadas como doenças de curso constante as paralisias cerebrais, talassemia minor, comunicação intraventricular e intolerância à lactose. E as doenças de curso reincidentes ou episódicos, que alternam períodos estáveis de duração variada, são caracterizadas por pouco ou nenhum sintoma, com períodos de exacerbação. Foram consideradas reincidentes: asma, bronquites e rinites( 1717. Rolland JS. Doença crônica e o ciclo de vida familiar. In: Carter B, McGoldrick M. As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 2007. p. 373-92. ).

A estatística descritiva foi utilizada para a análise dos dados referentes à aplicação da versão adaptada do FaMM.

Tabela 1
Estatística descritiva dos escores totais por dimensão e da composição do Family Management Measure. Londrina, PR, Brasil, 2011

A maior média obtida entre as dimensões do instrumento foi a da habilidade de manejo (44,09), porém, na avaliação da consistência interna alcançou-se apenas 0,549 com um intervalo de 17-60; na dimensão esforço de manejo obteve-se, para uma média de 14,12, um intervalo de 4-20 e um valor de alfa de Cronbach não representativo de 0,363; o melhor valor de alfa de Cronbach encontrado foi na dimensão identidade da criança (0,797), com média de 17,36, com intervalo de 3-25.

Tabela 2
Coeficiente de correlação dos itens com o total da dimensão esforço de manejo, valor alfa de Cronbach total da dimensão. Londrina, PR, Brasil, 2011

Na dimensão esforço de manejo, conforme demonstra a tabela anterior, o alfa de Cronbach foi de 0,3636, explicando apenas 36,3% da variabilidade do fenômeno da dimensão, o que não é aceitável para o processo de validação de instrumento. O item 35 apresentou a menor correlação com o total da dimensão, e sua exclusão do instrumento aumentaria o alfa de Cronbach da dimensão para 0,4430, o que explicaria 44,3% do fenômeno de variabilidade dessa dimensão, sendo assim considerada aceitável para o processo de validação.

Discussão

Dos 53 itens do instrumento, todos os itens que continham o termo "condição crônica" sofreram alteração desse termo para "doença crônica", por sugestão da autora do instrumento original e com a concordância dos especialistas, durante a reunião realizada para avaliação do instrumento traduzido. Essa alteração foi realizada por se acreditar que na cultura brasileira os respondentes do instrumento teriam mais facilidade para compreender o termo "doença crônica".

Após a aplicação do instrumento traduzido, percebeu-se que houve deficiência na parte que contém os dados sociodemográficos, com a ausência de questões abordando há quanto tempo a doença da criança foi diagnosticada, o que é considerado de grande importância, relacionando-se ao manejo da família. Acredita-se que há relação entre o tempo de diagnóstico da doença e a adaptação da família em relação ao manejo da doença. Ao longo do tempo, a maioria das famílias se vê com maior habilidade para reger o tratamento e para manejar a doença de forma que minimize a desorganização que a doença traz à família( 1818. Deatrick J, Thibodeaux A, Mooney K, Schmus C,Pollacki R, DaveyB. Family management style framework: A new tool with potential to assess families who have children with brain tumors. J Pediatr Oncol Nurs. 2006; 23(1):19-27. ).

Considera-se que somente após os primeiros seis meses de diagnóstico da doença a família retorna ao seu funcionamento normal( 1919. Grey M, Knafl K, McCorkle R. A framework for the study of self-and family management of chronic conditions. Nurs Outlook. 2006;54(5):278-86. ). Sendo assim, os estilos de manejo são alterados no decorrer do tempo, pois, no início da doença, a família se encontra "desestruturada"( 1818. Deatrick J, Thibodeaux A, Mooney K, Schmus C,Pollacki R, DaveyB. Family management style framework: A new tool with potential to assess families who have children with brain tumors. J Pediatr Oncol Nurs. 2006; 23(1):19-27. ).

Após aplicação do teste da versão adaptada do instrumento na população descrita, realizou-se a análise descritiva do desempenho dos itens do instrumento. O alfa de Cronbach, que foi usado para medir a confiabilidade interna dos itens do instrumento para o instrumento completo, foi igual a 0,8660, podendo-se afirmar que 86,6% da variabilidade do fenômeno pode ser explicada por esse instrumento. Os valores do alfa de Cronbach nas dimensões do instrumento identidade da criança, habilidade de manejo, dificuldade da família, mutualidade dos pais e visão do impacto da doença foram considerados aceitáveis para o processo de validação.

Já na dimensão esforço de manejo obteve-se valor de alfa de Cronbach de 0,36, o que não é aceitável para o processo de validação. O valor de alfa de Cronbach se torna aceitável para o processo de validação a partir de 0,40(20). Valores baixos para a consistência interna de um instrumento indicam que algumas características individuais podem estar medindo características diferentes( 2121. Cummings SR, Stwart A, Rulley SB. Elaboração de questionários e instrumentos de coleta de dados. In: Hulley SB,Cummings SR,Browner WS, WarrenS, Grady DG, Newman T. Delineando a pesquisa clínica. Uma abordagem epidemiológica. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. p. 265-81. ).

Com exceção da dimensão esforço de manejo, os escores de alfa de Cronbach na versão adaptada se aproximaram da versão original, o que é considerada uma boa consistência interna do instrumento( 1414. Guillemin F, Bombardier C, Beaton DE. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 2002;25(24):3186-91. ). No instrumento original, os autores alcançaram uma consistência interna com variação entre 0,72 e 0,91 para as seis dimensões do FaMM( 1212. Knafl K, Deatrick J, Gallo A,Dixon J, GreyM, Knafl G, O´Malley J. Assessment of the Psychometric Properties of the Family Management Measure. J Pediat Psychol. 2011 May; 36(5):494-505. ).

Durante a coleta dos dados, observou-se que o item 23 da dimensão dificuldade da família, "As atividades de (nome da criança) raramente interferem nas outras atividades da família", gerou dificuldades de compreensão por parte dos respondentes e acredita-se que a palavra "raramente" tenha causado essa dificuldade. Porém, foi considerado um item positivo, e obteve o valor de alfa de 0,44 e a sua exclusão não alteraria o valor de alfa total do instrumento e da dimensão.

O item 42 da dimensão dificuldade da família na primeira versão em português foi traduzido como: "É difícil adequar a atividade de cuidar da condição de nosso filho na nossa rotina familiar" e, após a reunião com os especialistas, foi alterado para: "É difícil adequar as atividades do cuidado do (nome da criança) à rotina familiar". No entanto, durante a coleta dos dados observou-se que a palavra "condição" fez diferença quanto à resposta dos entrevistados, pois a maioria dos respondentes verbalizou que o cuidado deve ser realizado com qualquer criança, e que as famílias se adaptam ao cuidado do filho, independentemente se ele possui ou não alguma doença. Na avaliação da consistência interna desse item, separadamente, ele não obteve valor de alfa satisfatório para correlação item/instrumento (0,31), porém, não houve interferência no valor de alfa de Cronbach do instrumento completo, não sendo justificada a sua retirada.

O item 49 da dimensão mutualidade dos pais, "Eu e meu companheiro(a) discutimos sobre como lidar com a doença do (nome da criança)", é considerado um item inverso do instrumento e a melhor resposta para a questão seria "discordo totalmente". No entanto, observou-se que algumas famílias que respondiam para todos os itens da dimensão como tendo uma boa mutualidade, nessa questão respondiam o inverso, o que indica dificuldade de compreensão do item em questão. Acredita-se que a palavra "discutimos" foi interpretada como "chegar a um consenso sobre", como um aspecto positivo da relação.

No que se refere à equivalência funcional do instrumento, constatou-se grau satisfatório de equivalência. Os resultados da versão adaptada parecem apontar uma boa aplicação e entendimento do instrumento na amostra investigada.

Com os resultados alcançados, levando-se em conta os objetivos propostos neste estudo, infere-se que o FaMM apresenta equivalência conceitual, pois o instrumento apresentou-se relevante em todas as etapas do estudo. Infere-se a importância de se ter, no Brasil, instrumentos validados de medida para manejo familiar, pois somente conhecendo a dinâmica familiar é que se pode oferecer assistência integral capaz de suprir as necessidades da criança e sua família. É necessário que se invista em outros estudos para que o conceito de manejo familiar seja mais amplamente explorado e expandido para outras populações.

Conclusão

A versão em português do FaMM, denominada instrumento de medida de manejo familiar, revelou propriedades que certificam sua qualidade, por meio de equivalência conceitual, de itens, semântica e idiomática, operacional e de conteúdo para avaliar o manejo familiar de crianças com doenças crônicas.

O valor do coeficiente alfa de Cronbach, utilizado para medir a confiabilidade interna das dimensões do instrumento, demonstrou confiabilidade em cinco de suas seis dimensões, quando testado em amostra de familiares brasileiros de crianças e adolescentes com doenças crônicas. Apenas a dimensão esforço de manejo não alcançou valores de confiabilidade interna e deverá ser reanalisada na próxima etapa da pesquisa.

O processo de tradução e adaptação do Family Management Measure resultou em um instrumento adaptado à cultura brasileira e permite concluir que o pré-teste mostrou que o instrumento tem aplicabilidade em nossa realidade, podendo fornecer dados para futuras pesquisas e podendo compará-las com pesquisas internacionais, após a conclusão de todo seu processo de validação, etapa final desta pesquisa, o instrumento poderá avaliar como a família maneja a criança e o adolescente com doença crônica.

A ausência de outros instrumentos de medida de manejo de crianças com doenças crônicas dificulta qualquer análise mais aprofundada do instrumento. Apenas com a disseminação do conhecimento sobre o tema, poder-se-á avançar em pesquisas de medida de manejo familiar.

Após a validação do FaMM em uma amostra maior, que já está sendo realizada pelo mesmo grupo de pesquisadores, recomenda-se seu uso em diferentes populações com o intuito de contribuir para melhor representação da realidade brasileira no que se refere ao manejo familiar.

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1

  • Artigo extraído da dissertação de mestrado “Adaptação cultural do Family Management Measure para famílias de crianças portadoras de doenças crônicas”, apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2012
  • Aceito
    23 Set 2013
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