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Pressupostos teóricos da sensibilidade de Maffesoli e Aprendizagem Baseada em Problemas na Educação de Enfermagem1 1 Apoio financeiro da Universidad de Córdoba

Resumos

OBJETIVO:

compreender o cotidiano e o imaginário dos alunos de Enfermagem em seu processo socializador do conhecimento, através da estratégia de Aprendizagem Baseada em Problemas.

MÉTODO:

Pesquisa-Ação, desenvolvida com 86 alunos da segunda turma de um curso de graduação em Enfermagem, na Espanha. Utilizou-se um Questionário de Incidências Críticas e Entrevista Grupal, análise temática/categorial, triangulação de investigadores, sujeitos e técnicas.

RESULTADOS:

os estudantes indicaram a necessidade de se ter uma visão de dentro, reforçando a crítica contra o dualismo esquemático; a Aprendizagem Baseada em Problemas possibilita: aprender a estar com o outro, com sua solidariedade mecânica e orgânica; o sentir juntos, com ênfase no aprender a trabalhar em grupo e querer estar próximo daquele que cuida.

CONCLUSÕES:

as grandes contradições vividas pelos protagonistas do processo, os estudantes, parecem expressar que a aprendizagem grupal não é uma forma de ganhar conhecimentos, ao tirar seu tempo para estudar. O cotidiano, o tempo de execução e o imaginário de como precisa ser a aprendizagem parece não possuir um ponto de encontro na utilização da Aprendizagem Baseada em Problemas. Reforça-se a importância de enfocar o cotidiano e o imaginário quando se pensa na educação em enfermagem.

Aprendizagem Baseada em Problemas; Educação em Enfermagem; Estudantes de Enfermagem


OBJECTIVE:

understand the everyday and the imaginary of Nursing students in their knowledge socialization process through the Problem-Based Learning (PBL) strategy.

METHOD:

Action Research, involving 86 students from the second year of an undergraduate Nursing program in Spain. A Critical Incident Questionnaire and Group interview were used. Thematic/categorical analysis, triangulation of researchers, subjects and techniques.

RESULTS:

the students signal the need to have a view from within, reinforcing the criticism against the schematic dualism; PBL allows one to learn how to be with the other, with his mechanical and organic solidarity; the feeling together, with its emphasis on learning to work in group and wanting to be close to the person taking care.

CONCLUSIONS:

The great contradictions the protagonists of the process, that is, the students experience seem to express that group learning is not a form of gaining knowledge, as it makes them lose time to study. The daily, the execution time and the imaginary of how learning should be do not seem to have an intersection point in the use of Problem-Based Learning. The importance of focusing on the daily and the imaginary should be reinforced when we consider nursing education.

Problem Based Learning; Education; Nursing; Students; Nursing


OBJETIVO:

comprender lo cotidiano y lo imaginario de los alumnos de Enfermería en su proceso socializador del conocimiento a través de la estrategia del Aprendizaje Basado en Problemas (ABP).

MÉTODO:

Investigación Acción, desarrollada con 86 alumnos de 2º curso de Grado en Enfermería en España. Se utilizó Cuestionario de Incidencias Críticas y Entrevista grupal. Análisis temático/categorial, triangulación de investigadores, sujetos y técnicas.

RESULTADOS:

los estudiantes señalan la necesidad de tener una visión desde dentro, reforzando la crítica al dualismo esquemático; el ABP posibilita aprender a estar con otro, con su solidaridad mecánica y orgánica; el sentir juntos, con su énfasis en aprender a trabajar en grupo y querer estar próximo de aquel que cuida.

CONCLUSIONES:

Las grandes contradicciones que viven los protagonistas del proceso, los estudiantes, parecen expresar que el aprendizaje grupal no sea una forma de adquirir conocimientos, al incidir en que les quita tiempo para estudiar. Lo cotidiano, el tiempo de ejecución, y lo imaginario de cómo precisa ser el aprendizaje, parecen no tener un punto de encuentro en la utilización del Aprendizaje Basado en Problemas. Reforzar la importancia de enfocar lo cotidiano y lo imaginario, cuando pensamos en la educación en enfermería.

Aprendizaje Basado en Problemas; Educación en Enfermería; Estudiantes de Enfermería


Introdução

A disciplina Cuidados Básicos de Enfermagem [6 ECTS (European Credit Transfer System)] é oferecida no segundo ano do recém-criado Curso de Graduação em Enfermagem (CA 2009/2010). Essa disciplina começou a ser oferecida no ano acadêmico 2010/2011. A novidade está na sua denominação( 11. BOE. Resolución de 23 de marzo de 2010, por la que se publica el plan de estudios de Graduado en enfermería. nº 88, 12 abril 2010. ), não no seu referencial; enquadrada na matéria Fundamentos de Enfermagem, o conteúdo programático da disciplina proporciona aos alunos visão global do exercício da profissão enfermagem e lhes fornece os conceitos e métodos necessários para compreender e avançar na disciplina. Os conteúdos têm no currículo as funções de centrar, fundamentar, enquadrar e vertebrar( 22. Rodríguez Borrego MA. Guía docente de Cuidados Básicos de Enfermería de Graduado en Enfermería: Curso Académico 2010/2011. Córdoba: Universidad de Córdoba (ES); 2010. ). A realidade atual dos novos diplomas de graduação parece levar à transformação dos modelos de ensino vigentes; apesar disso, na profissão enfermagem, cuja função é o estabelecimento de relação de ajuda com o outro, cuidar do Outro, essas inovações são demandadas pelas necessidades de cuidados dos cidadãos. Os objetivos gerais a serem alcançados com a disciplina incluem identificar as necessidades individuais do paciente/cliente/ser humano, derivadas dos parâmetros básicos do homem como ser biopsicossocial e ecológico, assim como do seu nível de habilidade para enfrentar as situações, de tal forma que, em termos de competências, a intenção é que o aluno seja capaz de aplicar o Processo de Enfermagem para proporcionar e garantir o bem-estar, a qualidade e a segurança das pessoas atendidas. O enfrentamento desses desafios encontra paralelo em muitos dos aspectos contemplados no processo europeu de convergência( 33. Rodríguez-Borrego MA, Boronat-Mundina J. La responsabilidad, fundamento de la educación democrática y colaborativa en la enseñanza universitaria: Estudio de casos en el área de Enfermería. The Collaborative Action Research Network. 2008;13:13-21. ), tais como a garantia da qualidade, a autonomia com responsabilidade, a articulação da diversidade, a adequação do ensino às necessidades do mercado de trabalho, a aprendizagem ao longo da vida, o desenvolvimento de valores fundamentais, ou a consideração das universidades como responsabilidade pública.

Essa ampla perspectiva de desejos e necessidades, do ponto de vista do processo de ensino-aprendizagem, parece levar a metodologias colaborativas. A Aprendizagem Colaborativa (AC) é uma forma de trabalho em grupo baseado na construção coletiva do conhecimento e no desenvolvimento de habilidades mistas (aprendizagem e desenvolvimento pessoal e social), em que cada membro do grupo é responsável tanto por sua própria aprendizagem quanto pela dos outros membros do grupo, e que tem se mostrado particularmente útil no desenvolvimento de competências genéricas e transversais - capacidade para adaptar-se a novas situações, gerar novas ideias, aplicar os conhecimentos à prática( 44. Johnson DW, Johnson R. Cooperation and Competitions. Theory and Research. Edina, MN: Interaction Book; 1989 ). É identificada com cinco componentes: a interdependência positiva, a interação cara a cara construtiva, a responsabilidade individual e grupal, as técnicas de comunicação interpessoal verbais e não verbais e o controle metacognitivo do grupo( 55. Johnson D, Johnson R. El aprendizaje cooperativo en el aula. Barcelona: Ed. Paidos; 1999. ). A mesma estratégia metodológica, a cooperação, abrange a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), instrumento facilitador na aquisição das já mencionadas competências genéricas, mas, também, específicas, já que permite desenvolver, simultaneamente, as estratégias próprias de solução de um problema e as bases do conhecimento e habilidades específicas, próprias de uma disciplina concreta( 66. Escriban A, Del Valle A. Coordinadoras. El aprendizaje Basado en Problemas. Una propuesta metodológica en Educación Superior. Madrid: Ed. Nancea; 2008. ), utilizando a cooperação como instrumento na solução de problemas.

As metodologias colaborativas, em geral, e a AC e ABP, em particular, têm demonstrado sua eficácia em todos os âmbitos educativos, e podem ser aplicadas de forma independente da disciplina específica que deve ser ministrada( 77. Prado ML do, Schubet Backes VM, Brüggemann OM. Democratização de produção do conhecimento e acessibilidade à informação: desafios para a qualificação da prática de Enfermagem. Biblioteca Lascasas. [Internet]. 2008 [acesso 16 out 2012]; 4(1). Disponível em: /lascasas/documentos/lc0308.php
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- 88. Rodríguez Borrego MA. Metodologías colaborativas, educação na e para a responsabilidade na formação em enfermagem. SISIFO. Rev Ciênc Educ. 2008;7:61-72. ). Na sua implementação, essas estratégias compartilham a indicação do aluno como protagonista da sua aprendizagem( 99. Guerra Martín MD. Opiniones de los estudiantes de Enfermería sobre el Aprendizaje Basado en Problemas. Enferm Global. [Internet]. 17. 2009 [acesso 13 jan 2011]; Disponível em: www.um.es/eglobal/
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). Na referida disciplina, trabalhou-se com a estratégia da Aprendizagem Baseada em Problemas, no intuito geral de conseguir uma aprendizagem significativa sobre o que o Processo de Assistência de Enfermagem implica para os destinatários dos cuidados. Ausubel( 1010. Ausubel D. In defense of advance organizers: A reply to the critics. Rev Educ Res. 1978;48:251-7. ), em sua teoria da aprendizagem significativa, indica que se adquire essa aprendizagem quando o estudante relaciona os novos conhecimentos com os anteriormente adquiridos, embora seja necessário que o aluno se interesse por aprender aquilo que está sendo mostrado. Todo este referencial teórico e metodológico nos fala do construtivismo, onde "o lugar faz o elo"*, nas palavras do Maffesoli( 1111. Maffesoli M. Notas sobre a pós-modernidade. O lugar faz o elo. Rio de Janeiro: Ed. Atlântica; 2004 ), e onde o cotidiano do processo de viver humano e a razão sensível que o constitui ganham especial relevância. "Quando nada é importante, tudo ganha importância. E os pequenos fenômenos da vida atual, os usos e os costumes sem atributos, os rituais banais que determinam a existência individual ou coletiva, tudo isso constitui o húmus a partir do qual se desenvolve o estar-juntos pós-moderno"*. Maffesoli( 1212. Maffesoli M. Iconologías. Nuestras idolatri@s posmodernas. Barcelona: Ed. Península; 2009. ) nos convida a "estar à altura do cotidiano"*, considerando o cotidiano como "a maneira de viver dos seres humanos que se mostra no dia a dia, através das suas interações, crenças, valores, significados, cultura, símbolos, que vão delineando seu processo de viver, em um movimento de ser saudável e adoecer, pontuando seu ciclo vital. Precisamos de espaços onde possamos parar e discutir nosso processo de viver e de educar"*( 1313. Nitschke R. Pensando o nosso quotidiano contemporâneo e a promoção de famílias saudáveis. Ciênc Cuidado Saúde. 2007;6(1):24-6. ). Pois foi o cotidiano dos alunos da segunda turma de um curso de Enfermagem, na sua vivência do câmbio metodológico, da socialização do conhecimento, do seu imaginário diante de e sobre a profissão que escolheram - determinantes da sua aprendizagem - o foco de interesse da pesquisa e inovação metodológica propostas. Destaca-se que o imaginário corresponde a todo esse mundo de significados, de ideias, de fantasias, de evocação de figuras já percebidas ou não, de crenças, de valores, em que o ser humano está imerso( 1414. Maffesoli M. O conhecimento do quotidiano: para uma sociologia da compreensão. Lisboa: Ed. Veja; 1997. ).

Foram as vivências dos alunos de Enfermagem, suas interpretações, seus significados, a razão sensível de cada um que marcaram a agenda de mudança. Assim, mergulhou-se, aqui, nos pressupostos teóricos e da sensibilidade de Maffesoli, discutidos na Enfermagem por Nitschke( 1515. Nóbrega J, Nitschke R, Souza A, Santos E. A Sociologia compreensiva de Michel Maffesoli: implicações para a pesquisa em enfermagem. Cogitare Enferm. 2012;17:373-6. ), que são: o dualismo (razão e imaginação), forma (o contexto, situações e representações que constituem a vida cotidiana), a sensibilidade relativista (a compreensão do complexo e plural), pesquisa estilística (coerência de tempo e discurso, feedback teoria e prática) e pensamento libertário (sentir as sutilezas, os matizes, as descontinuidades, ver pelos "olhos do outro"), esses tornaram-se os pontos de observação na busca de respostas às questões propostas neste estudo: como os estudantes vivem a experiência do processo socializador e a Aprendizagem Baseada em Problemas? Quais são os significados atribuídos por eles?

Objetivo

Conhecer o cotidiano e o imaginário dos alunos de Enfermagem, no seu processo socializador do conhecimento com a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), com base na perspectiva dos pressupostos teóricos da sensibilidade.

Métodos

O Desenho escolhido foi um estudo de Pesquisa-Ação participativa com uma estratégia de análise qualitativa. O estudo foi desenvolvido numa faculdade de enfermagem de uma universidade no Sul da Espanha. O período foi entre abril de 2010 e setembro de 2011. Os participantes foram alunos da segunda turma do Curso de Graduação em Enfermagem, alocados em dois grupos de 60 pessoas cada, com base na matrícula na disciplina de Cuidados Básicos de Enfermagem. Os sujeitos foram caracterizados a partir dos seguintes dados: idade, sexo e acesso aos estudos. As categorias analíticas foram: o cotidiano e pressupostos teóricos e da sensibilidade de Maffesoli (dualismo, forma, sensibilidade relativista, pesquisa estilística, pensamento libertário) e com relação à aprendizagem colaborativa (interdependência positiva, interação face a face construtiva, responsabilidade individual e grupal, técnicas de comunicação interpessoal, verbais e não verbais, controle metacognitivo do grupo). Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados: Questionário de Incidências Críticas (QUIC): enunciado de aspectos positivos e negativos sobre a experiência; três durante o período do estudo indicado, nas datas: 12 de novembro, 17 de dezembro e 5 de abril para o Grupo I; 12 de novembro, 17 de dezembro e 4 de abril para o Grupo II; tempo de aplicação 3 minutos. Entrevista grupal, 5 de abril para o Grupo I e 4 de abril para o Grupo II. O primeiro QUIC foi aplicado antes do início do processo, o segundo durante o desenvolvimento do caso; o terceiro QUIC e a entrevista grupal foram aplicados dois meses depois de concluir o caso e o quadrimestre, após a avaliação e o recebimento das notas da disciplina; no Grupo I, após a conclusão do estágio clínico e no Grupo II no dia de início do estágio clínico. A entrevista grupal foi realizada dentro da sala de aula, em cada um dos grupos grandes, com participação voluntária dos alunos. Foi aplicada por um colaborador externo, mediante o uso de perguntas abertas, coletando as respostas e categorizando-as com a mesma metodologia dos QUICs. A intervenção estudada abrangeu o desenvolvimento dos conteúdos programáticos da disciplina Cuidados Básicos de Enfermagem, mediante a estratégica da Aprendizagem Baseada em Problemas; introdução de ações: 3 tutoriais em grupo para cada grupo grande - 26 de novembro, 10 de dezembro e 14 de janeiro; os dois grupos grandes foram realizados no mesmo dia, mas em horários diferentes; dúvidas foram esclarecidas e pistas foram enxergadas para a solução dos problemas propostos no seguimento do caso e na evolução dos grupos colaborativos; além da abertura de novas linhas de trabalho. A análise realizada foi temática/categorial( 1616. Gerrish K, Lacey A. Investigación en Enfermería. Madrid: Ed. Mcgraw-Hill/ Interamericana; 2008. - 1717. Solis Muñoz M. Percepción de la calidad asistencial en mujeres a las que se les ha realizado una mamografía. Metas Enferm. 2009;11(3):14-9. ). A triangulação foi de pesquisadores [pesquisador principal (professora da disciplina); observador externo (professora que aplicou os terceiros QUICs e as entrevistas grupais); observador externo (professoras que fizeram as análises de conteúdo); sujeitos (alunos) e técnicas (QUIC e entrevistas grupais). Os aspectos éticos abrangeram o consentimento verbal e escrito para os alunos e o protocolo aprovado pelo Comité de Bioética da Universidade de Córdoba (Número de Registro de Saída 714). Como limitações, observa-se que os terceiros QUICs e as entrevistas grupais não foram realizados no mesmo dia, situação que não tinha ocorrido nos outros dois QUICs, e que pode permitir uma certa influência mútua nas respostas dos alunos. Na data de realização do terceiro QUIC e da entrevista grupal, o Grupo I tinha passado pelo estágio clínico e o Grupo II não. Essa situação cria uma certa desigualdade no momento de comparar as categorias do cotidiano e os pressupostos teóricos e da sensibilidade de Maffesoli, em ambos os grupos, dadas que as perspectivas e as expectativas de aspectos relacionados à realidade clínica eram distintas e desiguais.

Resultados

Perfil sociodemográfico

O número de alunos matriculados foi 114, dois quais 58 pertenciam ao Grupo I e 56 ao Grupo II. O Grupo I incluiu 49 mulheres e nove homens. O Grupo II estava composto por 42 mulheres e 14 homens. Apesar disso, os QUICs foram completados por: Grupo I - 1º QUIC (12 de novembro) 43 alunos, 2º QUIC (17 de dezembro) 40 e 3º QUIC (5 de abril) 16. Grupo II - 1º QUIC (12 de novembro) 43 alunos, 2º QUIC (17 de dezembro) 30 e 3º QUIC (4 de abril) 30. Na entrevista grupal, participaram 16 alunos do Grupo I e 30 alunos do Grupo II. Dados sobre o sexo e a idade dos alunos foram coletados somente no terceiro QUIC, após a avaliação da disciplina. Nos primeiros, a intenção foi evitar que o aluno temesse ser identificado. A média de idade foi de 22,5 (19-45) no Grupo I e de 20,4 (19-34) no Grupo II. Com relação ao sexo, houve 13 mulheres no Grupo I e 23 no Grupo II; três mulheres no Grupo I e sete no II.

No que diz respeito aos estudos anteriores ao acesso à universidade, no Grupo I, oito pessoas haviam concluído o bacharelado, sete pessoas de ciclos educacionais e uma pessoa por acesso a maiores de 25 anos. No Grupo II, 13 pessoas saíram do bacharelado e 17 pessoas não sabiam ou não responderam. Além disso, a experiência na ABP (anterior à entrada na universidade) foi levantada como outra variável significativa. No Grupo I, 15 pessoas não possuíam experiência prévia na ABP e uma pessoa não sabia ou não respondeu. No Grupo II, 30 pessoas não tinham experiência anterior na ABP; lembrando que esses dados foram coletados no terceiro QUIC, com menor participação do que nos dois primeiros.

A categorização das experiências dos alunos foi baseada nas categorias do cotidiano e nos pressupostos teóricos e da sensibilidade do Maffesoli, assim como da aprendizagem colaborativa, em que não foram observadas diferenças substanciais com relação às variáveis de filiação. Os dados mais significativos estão apresentados na Discussão, a seguir.

Discussão

O pressuposto a crítica ao dualismo esquemático pode ser percebido na ABP. Maffesoli indica que qualquer pensamento é permeado por duas atitudes complementares, difíceis de serem definidas exatamente, na medida que refletem diversas potencialidades, tais como a razão e a imaginação. O autor destaca que, por um lado, há o acento na construção, na crítica, no mecanismo, na razão e, por outro, na natureza, no sentimento, no orgânico e na imaginação. Enquanto alguns intelectuais trabalham na abstração, outros buscam a empatia. Sempre tem uma direção para a dicotomia( 1818. Maffesoli M. O conhecimento comun. Introduçao à sociología compreensiva. Porto Alegre: Ed. Meridional; 2010 ). Os estudantes indicam bem essa necessidade de se ter uma visão de dentro. No contato direto com as pessoas, não poder ver o caso na realidade e ter que imaginar muitas situações. É assim que Maffesoli( 1111. Maffesoli M. Notas sobre a pós-modernidade. O lugar faz o elo. Rio de Janeiro: Ed. Atlântica; 2004 ) propõe uma ciência de dentro, na qual o pensador, ou seja, "aquele que pensa o mundo", não tenha que se abstrair, já que faz parte daquilo que descreve, está no interior, podendo assim ter uma visão de dentro, uma intuição. A ABP, de sua parte, possibilita aprender a estar com o outro, com sua solidariedade mecânica e orgânica. Ajuda a compreender a disciplina. Ajuda a desenvolver o raciocínio. Ajuda a melhorar a dinâmica de grupo. Uma ética da estética, uma empatia também aparece quando indicam: cooperação em grupo, forma de interagir com o paciente. O sentir juntos, com sua ênfase em aprender a trabalhar em grupo - Aprendemos a trabalhar em grupo - e o querer estar próximo daquele que cuida. Ao mesmo tempo, a ABP possibilita o raciocínio, a objetividade, sendo atravessada pela "lógica do dever ser", descrevendo uma solidariedade mecânica, "um estar juntos instituído" que nos obriga a investigar sobre muitos temas distintos.

O mito de Prometeu vai acompanhando o processo, mostrando um caminhar apolíneo( 1919. Maffesoli M. Quem é Michel Maffesoli: entrevistas com Christophe Bourseille. Petrópolis; 2011. ), murado por regras, projetando-se para o futuro. Como positivo obteremos a aprendizagem, a consciência que se deve ter na hora de trabalhar, quais regras seguir na hora de fazer um trabalho. Aprendemos a enfrentar problemas com que podemos ser confrontados no futuro.

A integração entre a prática e a teoria também expressa essa premissa da crítica ao dualismo esquemático. Tem que pôr em prática a teoria. A contribuição a uma perspectiva da pessoa como um ser integral, multidimensional e complexo igualmente mostra essa crítica ao dualismo esquemático. Permite obter uma visão integral da pessoa. Esses aspectos também levam à premissa: uma sensibilidade relativista. Para Maffesoli, não existe uma realidade única( 1717. Solis Muñoz M. Percepción de la calidad asistencial en mujeres a las que se les ha realizado una mamografía. Metas Enferm. 2009;11(3):14-9. ). Todo esse mundo heterogêneo e plural demanda uma compreensão sistemática com o mais amplo dos espectros, mostrando uma ciência que integra "saberes especializados em um conhecimento plural sempre em vias de fazer-se e desfazer-se"( 1313. Nitschke R. Pensando o nosso quotidiano contemporâneo e a promoção de famílias saudáveis. Ciênc Cuidado Saúde. 2007;6(1):24-6. ). A reflexão sistemática que tenta descrever em uma ordem complexa a interação que a anima está atenta ao paradoxal e ao heterogêneo do viver que se apresenta na ênfase do trabalho grupal. Assim, se percebe toda uma teatralidade, com o uso de máscaras, duplo jogo, duplicidade, quando o trabalho em grupo mostra as máscaras do coordenador (líder), além daquele que se esconde e é escondido no trabalho grupal. Relembrando que a máscara não significa falsidade, mas uma possibilidade de proteção. Dessa maneira, vê-se, também, a duplicidade das próprias expressões: positivo/negativo, ou ao se considerar por um lado a ABP como modo de integrar a teoria e a prática, ao mesmo tempo que expressam que não serve para essa integração ao trabalhar com casos idealizados. A ABP é muito teórica e não tem nada a ver com a prática assistencial do hospital. Pensava que na ABP colocavam um caso da vida real para poder aprender a enfrentar estes casos. Tem muitas dúvidas com o caso da ABP, mas não se pode perguntar aos pacientes já que é um caso irreal. Assim, o irreal, o real e ideal, como paradoxais, se relativizam e, também, o tempo, já que a ABP demanda muito tempo, mas também pode precisar pouco, ou ir além e ser uma perda de tempo para alguns. A ABP é uma perda de tempo, já que perde tempo para estudar. O trabalho da ABP são umas 100 páginas e em 10 minutos temos que apresentá-lo e isso não nos dá tempo. Deveriam colocar mais horas para avaliar. Pouco tempo é dedicado à avaliação. O pressuposto do pensamento libertário também pode ser evidenciado. Valorizamos as ideias dos grupos e suas formas de pensar. Maffesoli defende que "é mais fecundo atuar para uma libertação do olhar"( 1414. Maffesoli M. O conhecimento do quotidiano: para uma sociologia da compreensão. Lisboa: Ed. Veja; 1997. ), lembrando, aqui, sua semelhança com o pensamento de Paulo Freire( 2020. Freire P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Ed. Paz e Terra; 1987.

21. Freire P. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra; 1997.
- 2222. Freire P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Ed. Paz e Terra; 1997. ). A partir de Balandier e Tourraine, que falam da interação entre diferentes pensamentos que, ao esmiuçar as "baronias do saber", assim como "as zelosamente guardadas circunscrições temáticas", fazem com que os inovadores sejam um abalo, um perturbador do instituído. Maffesoli( 1414. Maffesoli M. O conhecimento do quotidiano: para uma sociologia da compreensão. Lisboa: Ed. Veja; 1997. ) indica que o estudioso precisa "saber renascer inocente cada manhã". O esquecimento é uma força que permite um novo olhar. O pensamento libertário se apoia na noção de tipicidade. Assim, Maffesoli fala sobre o pesquisador, o professor e o estudante como atores e participantes, deixando claro que não é uma exigência generalizada, mas que determinadas metodologias o demandam, com o estabelecimento de uma interação entre o observador e o seu objeto de estudo. Dessa maneira, os estudantes de enfermagem reivindicam a proximidade com o paciente, com a pessoa que cuidam ou cuidarão. Não tem comunicação com o paciente e muitos dados você tem que imaginar. Sempre ficamos planejando na ABP. Se fosse um caso real seria mais fácil, já que poderíamos perguntar ao paciente, salientando uma vez mais a ética da estética. Nesse contexto, há uma cumplicidade, convivência, empatia. É nesse momento que Maffesoli compartilha uma noção de compreensão que sustenta esta investigação. Para ele( 1414. Maffesoli M. O conhecimento do quotidiano: para uma sociologia da compreensão. Lisboa: Ed. Veja; 1997. ), a "compreensão implica generosidade de espírito, a proximidade, a correspondência" que permite "apreender ou sentir as sutilezas, os matizes, as descontinuidades"* de uma situação social qualquer e, isso demanda uma atitude de empatia. Ou seja, poderia ser dito que compreender é exercitar ou "ver pelo olhar do outro", retomando o próprio olhar que já estará "embebido" pelo olhar do outro( 1515. Nóbrega J, Nitschke R, Souza A, Santos E. A Sociologia compreensiva de Michel Maffesoli: implicações para a pesquisa em enfermagem. Cogitare Enferm. 2012;17:373-6. ). A ABP vem transformar uma imagem, vem contribuir para passar de uma imagem de ensinar e aprender para outra, provocando a cultura estabelecida e questionando um determinismo cultural de ensinar e aprender. "É um choque cultural!!! Uma transfiguração de imagens sequenciais e constantes!", conforme nos provoca( 1313. Nitschke R. Pensando o nosso quotidiano contemporâneo e a promoção de famílias saudáveis. Ciênc Cuidado Saúde. 2007;6(1):24-6. ). No seu quarto pressuposto: uma pesquisa estilística, Maffesoli alerta que a ciência precisa expressar-se no modo de "saber dizer seu tempo". Assim, no modo de ver da autoria deste estudo, há uma proposta que contribui para a diminuição do fosso entre a academia e a comunidade geral, algo defendido pelos pesquisadores deste estudo há algum tempo. O autor propõe que a ciência se mostre através de um feedback constante entre a empatia e a forma polifônica que, simultaneamente, reflete sobre si mesmo, sem perder seu rigor científico e interesse nos protagonistas sociais - "começamos a saber o que temos a dizer... mas ainda não encontramos a forma de dizê-lo"( 1414. Maffesoli M. O conhecimento do quotidiano: para uma sociologia da compreensão. Lisboa: Ed. Veja; 1997. ). É dentro dessa proposta que Maffesoli apresenta uma analogia e uma metáfora como elementos essenciais do que chama procedimento, sendo necessário que se encontre um modo de expressar a polissemia dos sons, gestos e das situações que compõem a "trama social". Além de integrar esse pressuposto, Maffesoli chama atenção para o aspecto de deixar um problema aberto, já que suscita um debate e outros olhares, podendo até serem contraditórios, fazendo emergir, assim, toda a diversidade que palpita no viver e conviver. Entretanto, adverte: "é, por fim, bem evidente que o saber dizer não é sinônimo de dizer tudo. Há imprecisões que são, ao mesmo tempo, delicadezas diante da complexidade das coisas, e respeito diante do leitor. Piruetas que não têm nada de abdicações do espírito, mas convites para uma compreensão mais profunda. Naturalmente esse procedimento aberto é pouco satisfatório para todos aqueles que têm necessidades de certezas"( 1414. Maffesoli M. O conhecimento do quotidiano: para uma sociologia da compreensão. Lisboa: Ed. Veja; 1997. ). Essas premissas se relacionam permanentemente entre si, mostrando destaque ao interagir intrínseco e extrinsecamente. O conhecimento, para Maffesoli, pode ser feito a "partir dos interesses particulares da pessoa e de suas interações"( 1414. Maffesoli M. O conhecimento do quotidiano: para uma sociologia da compreensão. Lisboa: Ed. Veja; 1997. ).

Conclusões

A literatura existente sobre metodologia de ensino verifica a importância da Aprendizagem Baseada em Problemas em áreas de conhecimento muito diversas, e especialmente nas Ciências da Saúde. Este projeto veio corroborar a ABP. Considera-se, aqui, que o objetivo proposto foi alcançado, mesmo que a novidade da experiência docente era de ir fundo no significado que os alunos atribuem às mudanças metodológicas, e é essa circunstância que evidenciou as grandes contradições vividas pelos protagonistas do processo, os estudantes. O cotidiano, o tempo de execução e o imaginário de como precisa ser a aprendizagem parece não ter um ponto de encontro na utilização da Aprendizagem Baseada em Problemas. Por sua vez, o aspecto socializador da estratégia de aprendizagem colaborativa também é questionado, na medida em que os alunos parecem expressar que a aprendizagem grupal não é uma forma de ganhar conhecimentos, fazendo com que percam tempo para estudar.

No contexto do desafio do Espaço Europeu de Educação Superior, em que a alteração metodológica mostra-se como uma condição inquestionável, o exposto suscita questões sobre se a alteração metodológica é uma necessidade sentida pelos professores ou pelos alunos, ou se ambos possuem interesses comuns. Além disso, e diante das circunstâncias, pode-se questionar se é um objetivo que o aluno ganhe conhecimentos específicos de uma matéria, ou que aprenda a conviver, a trabalhar com seus pares ou a alcançar consensos. Por outro lado, também é questionável se os alunos têm assumido que as horas de trabalho não presencial contam, ou se sabem que é um crédito ECTS (European Credit Transfer System), ou se conhecem a fundo o que significa um crédito ECTS. Em todo caso, o processo supõe uma perturbação das certezas estabelecidas, o que leva os pesquisadores deste projeto a refletir sobre as implicações para a prática dos resultados alcançados. Quando se pensa na educação cotidiana, sabe-se que a palavra pode dizer muito, mas que a atitude, as interações expressam muito mais. A prática desta autoria tem levado a reforçar a importância do foco no cotidiano quando se quer promover a vida, seres e famílias saudáveis.

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    Apoio financeiro da Universidad de Córdoba

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2012
  • Aceito
    11 Mar 2014
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