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O significado do tratamento farmacológico para a pessoa com esquizofrenia1 1 Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 07/06898-8, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 575172/2008-8

Resumos

OBJETIVO:

compreender o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com esquizofrenia e formular um modelo teórico sobre o fenômeno estudado.

MÉTODO:

foi empregada abordagem qualitativa com o Interacionismo Simbólico como referencial teórico e a Teoria Fundamentada como referencial metodológico. A pesquisa foi desenvolvida de 2008 a 2010 em três serviços comunitários de saúde mental do interior de São Paulo, Brasil. Foram selecionados 36 pacientes e 36 familiares por amostragem teórica. Os dados foram coletados principalmente por entrevista aberta e observação e foram analisados simultaneamente por codificação aberta, axial e seletiva.

RESULTADOS:

o significado da farmacoterapia centralizada no fenômeno "Convivendo com uma ajuda que atrapalha" que expressa a ambivalência do paciente em relação ao medicamento e determina sua tomada de decisão. O insight, acesso, limitações para a autoadministração dos fármacos e interações com familiares e equipe de saúde influenciaram no comportamento do paciente relacionado ao medicamento.

CONCLUSÃO:

a teoria apresentada neste estudo fornece uma compreensão abrangente, contextualizada, motivacional e dinâmica da realidade vivenciada pelo paciente e aponta potencialidades e barreiras para o seguimento do tratamento medicamentoso.

Esquizofrenia; Automedicação; Relações Interpessoais; Satisfação do Paciente; Psicotrópicos; Adesão à Medicação


OBJECTIVE:

to understand the meaning of medication therapy for schizophrenic patients and formulate a theoretical model about the study phenomenon.

METHOD:

a qualitative approach was employed, using Symbolic Interactionism as the theoretical and Grounded Theory as the methodological framework. The research was developed between 2008 and 2010 at three community mental health services in the interior of the State of São Paulo - Brazil. Thirty-six patients and thirty-six family members were selected through theoretical sampling. The data were mainly collected through open interviews and observation and simultaneously analyzed through open, axial and selective coding.

RESULTS:

the meaning of the pharmacotherapy is centered on the phenomenon "Living with a help that bothers", which expresses the patients' ambivalence towards the medication and determines their decision making. The insight, access, limitations for self-administration of the drugs and interactions with family members and the health team influenced the patient's medication-related behavior.

CONCLUSION:

the theory presented in this study provides a comprehensive, contextualized, motivational and dynamic understanding of the relation the patient experiences and indicates potentials and barriers to follow the medication treatment.

Schizophrenia; Self Medication; Interpesonal Relations; Patient Satisfaction; Psychotropic Drugs; Medication Adherence


OBJETIVO:

comprender el significado de la terapéutica medicamentosa para la persona con esquizofrenia y formular un modelo teórico sobre el fenómeno estudiado.

MÉTODO:

fue empleado el abordaje cualitativo con el Interaccionismo Simbólico como referencial teórico y la Teoría Fundamentada como referencial metodológico. La investigación fue desarrollada de 2008 a 2010 en tres servicios comunitarios de salud mental del interior de Sao Paulo - Brasil. Fueron seleccionados 36 pacientes y 36 familiares por muestreo teórico. Los datos fueron recolectados principalmente por entrevista abierta y observación y fueron analizados simultáneamente por codificación abierta, axial y selectiva.

RESULTADOS:

el significado de la farmacoterapia centraliza en el fenómeno "Conviviendo con una ayuda que estorba" que expresa la ambivalencia del paciente en relación al medicamento y determina su toma de decisiones. El insight, acceso, limitaciones para la autoadministración de los fármacos e interacciones con familiares y con el equipo de salud influenciaron en el comportamiento del paciente relacionado al medicamento.

CONCLUSIÓN:

la teoría presentada en este estudio ofrece una comprensión amplia, contextualizada, motivada y dinámica de la realidad experimentada por el paciente, apunta potencialidades y barreras para el seguimiento del tratamiento medicamentoso.

Esquizofrenia; Automedicación; Relaciones Interpersonales; Satisfacción del Paciente; Psicotrópicos; Cumplimiento de la Medicación


Introdução

A esquizofrenia é uma condição crônica potencialmente incapacitante, que ocasiona grande impacto para o portador, família e sociedade. Além da experiência subjetiva de sintomas psicóticos, o transtorno afeta a qualidade de vida do indivíduo e está associado a prejuízo funcional significativo( 11. Switaj P, Anczeweska M, Chrostek A, Sabariego C, Cieza A, Bickenbach J, et al. Disability and schizophrenia: a systematic review of experienced psychosocial difficulties. BMC Psychiatry. 2012;9(12):193-205. ).

O tratamento medicamentoso contínuo é fundamental no controle da sintomatologia do transtorno( 22. Silva TFC, Lovisi GM, Verdolin LD, Cavalcanti MT. Adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes do espectro esquizofrênico: uma revisão sistemática da literatura. J Bras Psiquiatr. 2012;61(4):242-51. ) quando associado a outras modalidades terapêuticas, tais como psicoterapia, psicoeducação, socioterapia, terapia ocupacional, entre outras.

A falta de adesão ao tratamento farmacológico está associada à exacerbação de sintomas, pior prognóstico, reinternações, altos custos e ajustes desnecessários na prescrição médica( 22. Silva TFC, Lovisi GM, Verdolin LD, Cavalcanti MT. Adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes do espectro esquizofrênico: uma revisão sistemática da literatura. J Bras Psiquiatr. 2012;61(4):242-51. ), justificados por suposta ineficácia do medicamento que, na realidade, não foi utilizado adequadamente, o que pode comprometer a segurança do paciente no tratamento medicamentoso.

A segurança do paciente( 33. Hardisty J, Scott L, Chandler S, Pearson P, Powell S. Interprofessional learning for medication safety. The Clinical Teacher. 2014;11(4):290-6. ) e a adesão( 44. Kauppi K, Välimäki M, Hätönen HM, Kuosmanen LM, Warwick-Smith K, Adams CE. Information and communication technology based prompting for treatment compliance for people with serious mental illness. Cochrane Database Syst Rev. 2014;17(6):CD009960.

5. Dilla T, Ciudad A, Alvarez M. Systematic review of the economic aspects of nonadherence to antipsychotic medication in patients with schizophrenia. Patient Prefer Adherence. 2013; 4(7):275-84.
- 66. Samalin L, Blanc O, Llorca PM. Optimizing treatment of schizophrenia to minimize relapse. Expert Rev Neurother. 2010;10(2):147-50. ) ao tratamento farmacológico são importantes desafios na prática assistencial e requerem intervenções eficientes por parte da Enfermagem. Para o planejamento e implementação dessas ações, é necessário considerar a subjetividade, necessidades, motivações e dificuldades do paciente, mais do que a precisão com que ele segue as recomendações da equipe de saúde( 77. Reiners AAO, Azevedo RCS, Vieira MA, Arruda ALG. Produção bibliográfica sobre adesão/não-adesão de pessoas ao tratamento de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(s2): 2299-2306. ).

No contexto domiciliar, a família constitui espaço privilegiado para a prática do cuidado e suporte social, que influenciam na adesão ao tratamento( 88. Scheurer D, Choudhry N, Swanton KA, Matlin O, Shrank W. Association between different types of social support and medication adherence. Am J Manag Care. 2012;18:461-7. ). Pacientes e familiares exercem papel decisivo no seguimento do tratamento farmacológico.

A construção de um modelo teórico sobre o significado do tratamento medicamentoso para a pessoa com esquizofrenia permite a compreensão abrangente, contextualizada, motivacional e empática da realidade vivenciada pelo indivíduo. Pode facilitar a integração entre o contexto do indivíduo, o significado atribuído à farmacoterapia, as motivações, tomada de decisão e comportamentos relacionados ao enfrentamento do transtorno, além do levantamento de potencialidades e problemas para o seguimento da terapêutica medicamentosa.

Desse modo, este estudo teve como objetivo compreender o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com esquizofrenia e construir um modelo teórico sobre o fenômeno estudado.

Foi empregado como referencial teórico o Interacionismo Simbólico. Tal referencial pressupõe que o comportamento (ato externo observável e experiência interna) é direcionado pelas definições que o indivíduo faz da realidade. Tais definições, por sua vez, são provenientes das interações sociais, nas quais indivíduos ativos se influenciam mutuamente( 99. Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. California: University of California; 1969. ).

Método

Trata-se de estudo de abordagem qualitativa. A Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) foi utilizada como referencial metodológico. Os procedimentos sistemáticos da TFD foram designados para gerar conceitos e proporcionar uma explanação teórica multivariada e consistente do fenômeno social estudado( 1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. ).

Foram selecionados 36 pacientes e 36 familiares para participar do estudo, em um processo de amostragem teórica no qual a estrutura da amostra é definida gradativamente durante a coleta e análise simultânea dos dados, como recomenda a TFD( 1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. ). Foram constituídos três grupos amostrais provenientes de serviços comunitários de saúde mental que atendiam pessoas com experiências distintas em relação ao tratamento. Esses serviços eram públicos e localizavam-se no interior do Estado de São Paulo, Brasil.

O primeiro grupo amostral continha 15 pacientes e 15 familiares de um ambulatório de psiquiatria de nível terciário que atendia, preferencialmente, casos de maior complexidade clínica. O segundo grupo amostral foi composto por 13 pacientes e 13 familiares acompanhados em um núcleo de saúde mental (serviço de nível secundário), para abranger pessoas com menor comprometimento causado pela esquizofrenia. No processo de construção do modelo teórico, emergiu a necessidade de um terceiro grupo amostral acompanhado em um Centro de Atenção Psicossocial, por se tratar de serviço pautado em outro modelo de assistência que prevê, além do tratamento medicamentoso, a inclusão de outras modalidades terapêuticas, a reabilitação psicossocial e a participação ativa do usuário. A inclusão de participantes provenientes de serviços distintos foi importante para a consolidação de um modelo teórico mais abrangente.

Na construção da amostra, buscou-se obter variabilidade interna nos grupos amostrais em relação a características e experiências pessoais que pudessem influenciar a construção do significado atribuído ao uso do medicamento, tais como: tempo de diagnóstico, gênero, faixa etária, escolaridade, posição no grupo familiar, estrato socioeconômico, credo religioso, medicamento utilizado, via de administração do fármaco, supervisão de familiares, entre outras. Essa variabilidade na composição dos grupos facilitou a construção das categorias em suas propriedades e dimensões( 1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. ).

Os critérios para a inclusão de pacientes no estudo foram: ter diagnóstico de esquizofrenia (estabelecido pelo psiquiatra) e estar utilizando medicamento(s) psicotrópico(s). A confirmação do diagnóstico foi realizada com a equipe de saúde e mediante consulta ao prontuário do paciente.

O critério de inclusão dos familiares no estudo foi: ser mencionado por uma pessoa com esquizofrenia participante do estudo como o membro da família mais envolvido no tratamento. A inaptidão para se expressar verbalmente em português foi utilizada como critério de exclusão para pacientes e familiares. A inclusão dos familiares no presente estudo justifica-se pelo seu potencial para contribuir com a compreensão do fenômeno investigado, pois esses participantes possibilitaram confirmação e complementação de informações obtidas pelos pacientes e a obtenção de informações adicionais.

No período de 2008 a 2010, foram realizadas, simultaneamente, a coleta e análise dos dados, como preconiza a TFD. A entrevista aberta gravada e a observação foram as principais estratégias para a obtenção dos dados, mas foram complementadas por consultas a prontuários, visitas domiciliares e discussão de casos com a equipe de saúde. Os participantes optaram entre serem entrevistados em visita domiciliar ou em ambiente privativo, no próprio serviço de saúde.

A primeira entrevista realizada teve como questão norteadora: "Conte-me sobre como é para o sr.(a) usar os medicamentos prescritos pelo médico do serviço de psiquiatria" e para o familiar: "Conte-me sobre como é para o seu familiar usar os medicamentos prescritos pelo médico do serviço de psiquiatria". A questão norteadora apenas direcionou o ponto do estudo a ser explorado. Novas questões foram acrescentadas, em seguida, com o intuito de esclarecer e fundamentar a experiência.

A pesquisa foi iniciada após aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa (Processo HCRP nº10183/2007) e foram atendidas as recomendações preconizadas para o desenvolvimento de pesquisa com seres humanos.

O processo de análise dos dados ocorreu por meio da codificação aberta, axial e seletiva, como pressupõe a Teoria Fundamentada nos Dados( 1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. ). Na codificação aberta, os dados foram fragmentados em unidades de significados, que foram comparadas entre si, por similaridades e diferenças. Nesse processo, originaram-se categorias e subcategorias provisórias. Na codificação axial, as categorias foram articuladas entre si e cada interpretação formulada foi levada ao campo de pesquisa para sua revisão ou validação. A codificação seletiva resultou na construção de um modelo teórico embasado nos dados.

Ao final do processo de análise, todas as categorias do estudo foram agregadas em torno de uma categoria central, constituindo um paradigma composto por: condições causais (eventos que influenciam na ocorrência do fenômeno), fenômeno (elemento central investigado), contexto (condições nas quais as estratégias de ação/interação são tomadas), condições intervenientes (condições que facilitam ou bloqueiam as estratégias tomadas), estratégias de ação/interação (estratégias tomadas em resposta ao fenômeno) e consequências (resultados ou expectativas da ação/ interação)( 1010. Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. ).

Resultados e discussão

A interpretação dos dados do presente estudo foi norteada pelo referencial teórico do Interacionismo Simbólico( 99. Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. California: University of California; 1969. ). A interpretação do fenômeno investigado, baseada nesse referencial, parte do pressuposto de que o tratamento farmacológico envolve indivíduos em interação simbólica. Em suas interações, a pessoa com esquizofrenia atribui significado à experiência de possuir o transtorno e seguir a terapêutica medicamentosa. Todos os elementos que interferem na adesão à farmacoterapia são definidos e redefinidos em um processo dinâmico e interacional. As definições que o paciente faz, em cada situação, determinam a tomada de decisão em relação ao tratamento medicamentoso.

A análise dos dados obtidos neste estudo permitiu a construção de um modelo teórico centrado no fenômeno "CONVIVENDO COM UMA AJUDA QUE ATRAPALHA" que representa o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com esquizofrenia.

Na Figura 1 é apresentado um diagrama que ilustra o modelo teórico sobre o significado da terapêutica medicamentosa para a pessoa com esquizofrenia, que será explicado na sequência.

Figura 1
Diagrama do fenômeno: "Convivendo com uma ajuda que atrapalha"

O Contexto: vivendo dias difíceis

O significado da terapêutica medicamentosa é construído pelos indivíduos com esquizofrenia em um contexto no qual vivenciam dias difíceis, marcados por sintomas, sofrimentos, limitações, dúvidas, esforços e preocupações. Essa experiência tem expressivo impacto sobre a vida do indivíduo.

Fiquei sozinho. Eu não tenho um amigo, eu não tenho nada [...] as meninas (que estudavam na mesma escola) todas casaram, namoraram e eu fiquei desse jeito, sem família, sem ninguém [...] eu fico olhando os outros namorarem, tem dia que eu fico com raiva. [...] Eu não sei mais trabalhar para os outros, eu não consigo. A cabeça dói só de ficar olhando os outros trabalharem, beberem cerveja (P3).

A esquizofrenia tem impacto negativo sobre a qualidade de vida do indivíduo. Além da experiência subjetiva dos sintomas, pode acarretar prejuízo funcional significativo em diferentes esferas da vida da pessoa( 1111. Tomotake M. Quality of life and its predictors in people with schizophrenia. J Med Investigation. 2011;58(3-4):167-74. ).

Os sintomas do transtorno impulsionam pacientes e familiares a percorrer uma trajetória árdua, buscando entender o que está acontecendo e obter soluções para os problemas vivenciados.

Demorei cinco anos correndo atrás. E um achando que era uma coisa, outro achando que era outra. E a coisa ia ficando mais feia. Ele ia ao neurologista, ao psiquiatra, cada um dava um tipo de medicação. Só que ninguém sabia o que era. [...] Passaram muita medicação, só que não dava certo. E aí, foi até chegar a descobrir que ele tinha isso aí (F3).

As experiências com a esquizofrenia levam o paciente a perceber-se diferente na forma como é conhecido internamente (por si próprio) e exteriormente (por outras pessoas). Assim, em um processo doloroso, o indivíduo se desapropria parcialmente da identidade previamente construída e constrói uma nova identidade depreciada e associada a estigma e limitações.

O dia que deu a crise nele é como se ele tivesse morrido! Ele estava vivo na minha frente, mas não era ele. Não era ele! Ele era outra pessoa(F2).

A esquizofrenia comumente é mais experimentada do que compreendida pelos pacientes. Eles vivenciam o impacto da esquizofrenia concretamente, no próprio cotidiano, contudo, o transtorno permanece, para muitos, como um mistério.

Tenho um problema na cabeça. Não sei se os neurônios que são podres, ou outra coisa. Mas sai gás dos dois lados do ouvido, como se um caminhão estourasse os pneus, entendeu? A cabeça cria aquela pressão dentro do cérebro [...] A sorte que tem uma descarga dos dois lados do ouvido. Se não desse essa descarga no ouvido eu ia ficar doido varrido. Eu já falei para o médico, o médico deu risada. [...] Ou é câncer na cabeça, alguma desgraça tem (P19).

O medicamento é apresentado a essa pessoa como um recurso para eliminar ou atenuar os sofrimentos experimentados por causa do transtorno. Esse contexto, no qual o tratamento ocorre, fornece elementos relevantes para a atuação dos profissionais. A literatura sugere que peculiaridades do contexto e cultura do indivíduo podem influenciar significativamente a adesão. Intervenções para otimizar a adesão tendem a ser mais eficazes quando adaptadas às necessidades e percepções individuais acerca do tratamento e articuladas aos fatores que permitem ou impedem a adesão( 1212. Horne R, Chapman SCE, Parham R, Freemantle N, Forbes A, Cooper V. Understanding Patients' Adherence-Related Beliefs about Medicines Prescribed for Long-Term Conditions: A Meta-Analytic Review of the Necessity-Concerns Framework. PLoS ONE. 2013;8(12):e80633. - 1313. Chang YT, Shu-Gin T, Chao-Lin L. Qualitative inquiry into motivators for maintaining medication adherence among Taiwanese with schizophrenia. Int J Mental Health Nurs. 2013;22:272-8. ).

Condições causais: pesando o custo-benefício do medicamento

A medicação proporciona a redução dos sintomas, melhor bem-estar subjetivo, qualidade de vida e dos relacionamentos, melhor socialização, desempenho em atividades e maior sensação de segurança e autocontrole. Por esses benefícios que proporciona e sintomas que evita, o medicamento assume importância singular na vida do sujeito com esquizofrenia.

Sem a medicação, talvez eu não estaria nem vivo, sabe. Eu não sei. A gente não sabe os limites da gente. Eu não sei o que eu seria capaz de fazer (P10).

A medicação, entretanto, é um auxílio do qual o paciente não deseja necessitar. Ela representa uma solução imperfeita, pois não extingue de forma definitiva os sofrimentos causados pela esquizofrenia. Além disso, o fármaco acarreta efeitos colaterais, gera preocupação relacionada à possibilidade de danos futuros e representa a obrigatoriedade de reafirmar constantemente o transtorno.

O paciente almeja livrar-se definitivamente da esquizofrenia, sem conviver com os danos ocasionados pelo tratamento. Todavia, com o passar do tempo, esse indivíduo conclui que está em uma situação na qual seus desejos parecem incompatíveis com a realidade.

Ah, a gente acha ruim, mas fazer o quê? Tem que tomar (P21).

A terapêutica medicamentosa simboliza a coexistência entre a ajuda e o prejuízo. O significado atribuído ao medicamento revela o conflito constantemente vivido pelo paciente, no decorrer do tratamento. Ele deseja apenas obter alívio, mas não consegue.

Esse medicamento tem me causado muito mal, mas eu preciso dele (P7).

Ele ajuda no dia a dia. Mas tem o efeito colateral também, que atrapalha no dia a dia também (P16).

Desse modo, a pessoa com esquizofrenia, ao seguir a terapêutica medicamentosa, percebe-se "CONVIVENDO COM UMA AJUDA QUE ATRAPALHA". Ao longo do tratamento, ela permanece ambivalente em relação ao uso do medicamento. Os familiares reforçam a ambivalência expressa pelos pacientes em relação ao tratamento medicamentoso.

Só que tem o seguinte: ela (medicação) tem o colateral que vai prejudicar algumas coisas, mas se não tomar também, como é que vai ficar? Se é bom para uma coisa, sei que, geralmente, vai causar outro dano. Mas fazer o quê... (F5).

Medicamento já chama droga, conserta uma coisa e estraga outra. Não resta dúvida (F6).

Ambivalente, o paciente reconhece que o medicamento é desagradável, mas necessário e, constantemente, ele pesa o custo-benefício do tratamento para decidir se deve aderir ao medicamento.

A adesão parcial e não adesão são problemas persistentes entre pessoas que tomam antipsicóticos. A falta de adesão é um fenômeno complexo e multifatorial. Embora a não adesão ao tratamento envolva fatores externos ao paciente, a subjetividade do indivíduo é fundamental para a manutenção do tratamento a longo prazo( 1313. Chang YT, Shu-Gin T, Chao-Lin L. Qualitative inquiry into motivators for maintaining medication adherence among Taiwanese with schizophrenia. Int J Mental Health Nurs. 2013;22:272-8.

14. Dassa D, Boyer L, Benoit M, Bourcet S, Raymondet P, Bottai T. Factors associated with medication non-adherence in patients suffering from schizophrenia: a cross-sectional study in a universal coverage health-care system. Aust N Z J Psychiatry. 2010;44(10):921-8.
- 1515. Tranulis C, Henderson DGC, Freudenreich O. Becoming Adherent to Antipsychotics: A Qualitative Study of Treatment Experienced Schizophrenia Patients. Psychiatr Serv. 2011;62(8):888-92. ), como corrobora o presente estudo.

Condições intervenientes: identificando obstáculos e incentivos para o tratamento

Ao optar por aderir ou abandonar o tratamento farmacológico, os pacientes identificam obstáculos e incentivos para que sua decisão se torne uma ação efetiva.

Entre os pacientes entrevistados, há aqueles que reconhecem estar acometidos pela esquizofrenia, enquanto outros negam veementemente essa realidade. Assimilação da existência do transtorno é importante para que o medicamento seja considerado um recurso útil e relevante para o tratamento da esquizofrenia.

Eu não tenho essa tal de esquizofrenia [...] e a medicação não mudou nada não (P4).

Eu falei para o médico que eu não gosto de tomar remédio, porque sei lá, eu não gosto de ser doente (P8).

Na literatura, o insight é frequentemente associado à adesão ao tratamento; todavia, não há convicção se essa associação se mantém em longo prazo. Ademais, o insight é uma condição necessária, mas não suficiente para a adesão( 1616. Lincoln TM, Lüllmann E, Rief W. Correlates and long-term consequences of poor insight in patients with schizophrenia. A systematic review. Schizophrenia Bull. 2007;33(6):1324-42. ).

Outro fator que pode influenciar a adesão é o acesso ao medicamento. As falhas no fornecimento de medicamentos pelo sistema público de saúde, associadas à impossibilidade do usuário para comprá-las, podem comprometer a continuidade da farmacoterapia( 1717. Nicolino OS, Vedana KGG, Miasso AI, Cardoso L, Galera SAF. Esquizofrenia: adesão ao tratamento e crenças sobre o transtorno e terapêutica medicamentosa. Rev Esc Enferm USP. 2011;3(45):708-15. - 1818. Kane J M. Treatment adherence and long-term outcomes. CNS Spectrums. 2007; 12(10):21-6. ).

Parei na época, foi porque eu não tinha condições financeiras mesmo (P10).

O comportamento de não adesão não intencional à farmacoterapia pode ser favorecido pelas limitações da pessoa com esquizofrenia para a autoadministração dos medicamentos( 1717. Nicolino OS, Vedana KGG, Miasso AI, Cardoso L, Galera SAF. Esquizofrenia: adesão ao tratamento e crenças sobre o transtorno e terapêutica medicamentosa. Rev Esc Enferm USP. 2011;3(45):708-15. ), esquecimento( 1919. Moritz S, Peters MJV, Karow A, Deljkovic A, Tonn P, Naber D. Cure or curse? Ambivalent attitudes towards neuroleptic medication in schizophrenia and non-schizophrenia patients. Mental Illness. 2009;1(1):4-9. ) e esquemas terapêuticos complexos( 1818. Kane J M. Treatment adherence and long-term outcomes. CNS Spectrums. 2007; 12(10):21-6. ).

Aquele remedinho de pingar é difícil, porque eu não enxergo. Eu não sei quantos pingos caem (P19).

Ele (paciente) ficava muito sem medicamento. Não vinha buscar, não vinha aos retornos (F9).

Alguns desses problemas são atenuados quando o paciente tem apoio de familiares, pessoas significativas ou profissionais de saúde para a administração de medicamentos, de acordo com suas necessidades( 1818. Kane J M. Treatment adherence and long-term outcomes. CNS Spectrums. 2007; 12(10):21-6. ).

Meu pai, ela e meu outro irmão. São os três que dão o remédio, levam o remédio para ele (paciente)e o lembram de tomar o remédio (F7).

A família da pessoa com transtorno mental necessita de apoio e preparo para colaborar com o tratamento( 2020. Bademli K, Cetinkaya DZ. Family to family support programs for the caregivers of schizophrenia patients: a systematic review. Turk Psikiatri Derg. 2011; 22(4):255-65. ), pois o envolvimento da família no suporte ao paciente é fundamental para o sucesso no tratamento( 1818. Kane J M. Treatment adherence and long-term outcomes. CNS Spectrums. 2007; 12(10):21-6. ).

A qualidade do vínculo entre a equipe de saúde e o paciente pode propiciar ou desfavorecer a manutenção da farmacoterapia. Uma boa aliança terapêutica entre profissionais de saúde, familiares e pacientes proporciona melhores resultados no tratamento e diminui a possibilidade de não adesão( 66. Samalin L, Blanc O, Llorca PM. Optimizing treatment of schizophrenia to minimize relapse. Expert Rev Neurother. 2010;10(2):147-50. , 1414. Dassa D, Boyer L, Benoit M, Bourcet S, Raymondet P, Bottai T. Factors associated with medication non-adherence in patients suffering from schizophrenia: a cross-sectional study in a universal coverage health-care system. Aust N Z J Psychiatry. 2010;44(10):921-8. , 2121. Smerud PE, Rosenfarb IS. The therapeutic alliance and family psychoeducation in the treatment of schizophrenia: an exploratory prospective change process study. J Consult Clin Psychol. 2008; 76(3):505-10. ).

O médico era de confiança, aí, eu aceitei tomar o remédio (P33).

Na interação social, o indivíduo compartilha perspectivas, define a realidade, toma decisões e modifica o curso de suas ações( 99. Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. California: University of California; 1969. ). Portanto, interações podem ser oportunidades de reconstrução de significados, inclusive no que se refere ao tratamento medicamentoso e comportamentos a ele relacionados.

Alguns dos fatores que influenciam a adesão farmacológica são passíveis de modificação( 22. Silva TFC, Lovisi GM, Verdolin LD, Cavalcanti MT. Adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes do espectro esquizofrênico: uma revisão sistemática da literatura. J Bras Psiquiatr. 2012;61(4):242-51. ). Portanto, merecem ser considerados no planejamento de ações estratégicas para promover os elementos que contribuem para o comportamento de adesão ao medicamento e minimizar fatores que comprometem o sucesso do tratamento.

Estratégias de ação/interação: buscando uma saída

A pessoa com esquizofrenia pesa o custo-benefício do medicamento para selecionar a estratégia de ação a ser tomada: aderir ao medicamento ou minimizar os danos causados pelo tratamento farmacológico.

Essas estratégias de ação representam a busca de uma saída, de uma solução para o conflito de estar "CONVIVENDO COM UMA AJUDA QUE ATRAPALHA".

Estou passando por isso, não vejo saída em nada [...]. Preciso tentar alguma coisa [...] aí, eu tomo (o medicamento) (P5).

Se for necessário eu tomo, não tem problema. O que eu posso fazer? Desisto? Se eu preciso... (P14).

A avaliação sobre o uso contínuo do medicamento não é estática. O paciente frequentemente analisa os sofrimentos causados pela esquizofrenia, bem como as vantagens e desvantagens do medicamento; ora prevalece o "auxílio", ora "o prejuízo". Essa avaliação da realidade e a consequente opção por aderir ou não ao uso do medicamento são parte de um processo dinâmico e mutável. De acordo com o Interacionismo Simbólico, os significados são modificados em um dinâmico processo de interpretação realizado pelo indivíduo ao lidar com as situações que vivencia( 99. Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. California: University of California; 1969. ).

A gente sente vontade de não querer tomar mais [...] eu tenho tomado (o medicamento), mas eu tenho sentido a vontade de parar (P6).

Nesse contexto, a monitorização e a motivação para a adesão merecem destaque( 44. Kauppi K, Välimäki M, Hätönen HM, Kuosmanen LM, Warwick-Smith K, Adams CE. Information and communication technology based prompting for treatment compliance for people with serious mental illness. Cochrane Database Syst Rev. 2014;17(6):CD009960. , 66. Samalin L, Blanc O, Llorca PM. Optimizing treatment of schizophrenia to minimize relapse. Expert Rev Neurother. 2010;10(2):147-50. ), pois a adesão ao tratamento é resultante de esforço colaborativo entre o profissional da saúde e o paciente( 77. Reiners AAO, Azevedo RCS, Vieira MA, Arruda ALG. Produção bibliográfica sobre adesão/não-adesão de pessoas ao tratamento de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(s2): 2299-2306. ).

Há situações em que "pesando o custo-benefício do medicamento", o paciente opta pela não adesão, com o objetivo de reduzir os danos causados pelo tratamento farmacológico. Esse é um problema relevante que compromete o sucesso do tratamento, pois a literatura aponta que, aproximadamente, metade das pessoas com esquizofrenia não adere aos fármacos prescritos( 22. Silva TFC, Lovisi GM, Verdolin LD, Cavalcanti MT. Adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes do espectro esquizofrênico: uma revisão sistemática da literatura. J Bras Psiquiatr. 2012;61(4):242-51. , 1717. Nicolino OS, Vedana KGG, Miasso AI, Cardoso L, Galera SAF. Esquizofrenia: adesão ao tratamento e crenças sobre o transtorno e terapêutica medicamentosa. Rev Esc Enferm USP. 2011;3(45):708-15. ).

Consequências: permanecendo em um labirinto

As estratégias de ação tomadas pelo paciente podem resultar na melhora, estabilização ou piora do quadro clínico do transtorno. Os resultados dessas estratégias, mesmo quando positivos, não atendem a todas as expectativas do paciente. "Permanecendo em um labirinto" é a maneira como o paciente se sente ao avaliar essas consequências, pois permanece à procura de novas saídas e soluções.

Desde quando eu iniciei o tratamento, já era para eu ter tido alta. Se algum remédio tivesse efeito, eu já tinha melhorado, tinha sarado. Parece que você está num labirinto que você tenta sair, mas daí você explode com isso. Mas eu estou tomando (o medicamento) (P12).

A sensação de estar em um labirinto é experimentada de diferentes maneiras, com variação no grau de satisfação com o tratamento, sintomatologia, limites e potencialidades das pessoas com esquizofrenia.

Ao buscar alívio pela adesão à farmacoterapia, o paciente pode atingir bons níveis de funcionamento e levar uma vida "o mais próximo do normal possível". Nesse contexto, o indivíduo não se sente "plenamente normal" e a farmacoterapia simboliza, simultaneamente, o caminho para atingir a estabilidade e a existência de uma limitação.

Eu sou uma pessoa absolutamente normal, o único problema é que eu tomo remédio (P22).

Eu tento levar a vida o mais próximo do normal possível. Então, eu procuro todos os meios que eu encontro aí, que possam me ajudar (P1).

Assim, não é possível estabelecer uma relação direta entre os benefícios do medicamento e satisfação ou adesão. Estudos apontam que resultados positivos do tratamento farmacológico podem favorecer a adesão( 1313. Chang YT, Shu-Gin T, Chao-Lin L. Qualitative inquiry into motivators for maintaining medication adherence among Taiwanese with schizophrenia. Int J Mental Health Nurs. 2013;22:272-8. ), mas, quando associados à expectativa de cura, podem suscitar o questionamento sobre a necessidade de manutenção do tratamento( 2222. Teferra S, Hanlon C, Beyero T, Jacobsson L, Shibre T. Perspectives on reasons for non-adherence to medication in persons with schizophrenia in Ethiopia: a qualitative study of patients, caregivers and health workers. BMC Psychiatry. 2013;13:168. ). Portanto, não é puramente o resultado do tratamento medicamentoso que influencia a adesão, mas a avaliação do indivíduo acerca dessa experiência.

Há situações em que a pessoa com esquizofrenia se sente como se estivesse estagnada com o medicamento, experimentando a manutenção do quadro clínico do transtorno, sem progressos e retrocessos.

Só que ele continua sempre assim. [...] Não melhora, mas só que, se ficar sem (a medicação), aí, piora dobrado (F3).

Ele não regrediu, mas também não vejo progressos. Mas só dele não ter regredido, acho que já bom! (F9).

A opção de abandonar o tratamento farmacológico pode deixar o indivíduo mais vulnerável à exacerbação de sintomas anteriormente controlados.

Se eu ficasse sem tomar, eu ficava pior. Tomando o remédio certinho, eu não tenho esse tipo de coisa... Eu ouço vozes, vejo visões porque eu deixo de tomar o remédio (P6).

Eu já tive vontade sim (de parar com a medicação), algumas vezes. A gente dá murro em ponta de faca, entendeu? Eu tive que voltar ao mesmo lugar, voltar ao mesmo ponto (P7).

A associação entre a não adesão e as consequências negativas não é um fenômeno de tudo ou nada, pois muitos pacientes são parcialmente aderentes. Todavia, a literatura tem mostrado impacto significativo mesmo em graus leves de não adesão( 66. Samalin L, Blanc O, Llorca PM. Optimizing treatment of schizophrenia to minimize relapse. Expert Rev Neurother. 2010;10(2):147-50. , 2323. Masand PS, Roca M, Turner MS, Kane JM. Partial adherence to antipsychotic medication impacts the course of illness in patients with schizophrenia: a review. Prim Care Companion Psychiatry. 2009;11(4):147-54. ). Há evidências de que a não adesão ao uso do medicamento antipsicótico esteja relacionada a recidivas, maior frequência de internações, pior prognóstico e maiores custos( 55. Dilla T, Ciudad A, Alvarez M. Systematic review of the economic aspects of nonadherence to antipsychotic medication in patients with schizophrenia. Patient Prefer Adherence. 2013; 4(7):275-84. , 2323. Masand PS, Roca M, Turner MS, Kane JM. Partial adherence to antipsychotic medication impacts the course of illness in patients with schizophrenia: a review. Prim Care Companion Psychiatry. 2009;11(4):147-54. - 2424. Morken G, Widen JH, Grawe RW. Non-adherence to antipsychotic medication, relapse and rehospitalisation in recent-onset schizophrenia. BMC Psychiatry. 2008;8(4):32-49. ).

As consequências das escolhas previamente assumidas pelo paciente se constituem em experiências que ele acumula e considera, ao avaliar a situação presente e tomar novas decisões, pois o ser humano age no presente influenciado predominantemente pelo que ocorre atualmente, mas experiências passadas são aplicadas na ação, conforme as lembranças que o indivíduo evoca( 2525. Charon JM. Symbolic interactionism. 5th ed. New Jersey: Prentice Hall; 1995. ). Desse modo, assim como em um labirinto, a pessoa com esquizofrenia permanece em busca de uma saída para o dilema de permanecer "CONVIVENDO COM UMA AJUDA QUE ATRAPALHA".

As experiências acumuladas pelo paciente e sua perspectiva em relação ao futuro provocaram reflexões sobre o comportamento assumido em relação ao tratamento medicamentoso. Estudos realizados em contextos distintos atestam que a melhora dos sintomas, prevenção de recaídas, a possibilidade de levar uma vida normal e a esperança em relação ao futuro favorecem a adesão ao tratamento( 1313. Chang YT, Shu-Gin T, Chao-Lin L. Qualitative inquiry into motivators for maintaining medication adherence among Taiwanese with schizophrenia. Int J Mental Health Nurs. 2013;22:272-8. , 1515. Tranulis C, Henderson DGC, Freudenreich O. Becoming Adherent to Antipsychotics: A Qualitative Study of Treatment Experienced Schizophrenia Patients. Psychiatr Serv. 2011;62(8):888-92. ).

Conclusão

O ato de ingerir um medicamento diariamente pode parecer rotineiro e simples, mas trata-se de uma vivência complexa. Para a pessoa com esquizofrenia, os efeitos de um medicamento não se restringem ao que pode ser explicado pela farmacodinâmica ou farmacocinética. A construção de significados faz com que o uso do medicamento assuma uma dimensão maior na vida do indivíduo.

A terapêutica medicamentosa afeta o paciente não apenas em aspectos bioquímicos, mas, também, tem implicações em seus sentimentos e interações, exige definições, escolhas, atitudes, reavaliações e redefinição de ações subsequentes.

A pessoa com esquizofrenia percebe-se "CONVIVENDO COM UMA AJUDA QUE ATRAPALHA" ao seguir a terapêutica medicamentosa. Desse modo, recomendam-se intervenções motivacionais que trabalhem a ambivalência do paciente em relação ao tratamento, favorecendo a adesão.

A interação com o cliente é momento oportuno para reconstrução de significados; portanto, merece ser mais bem explorada como instrumento para promover a adesão ao tratamento e o enfrentamento adaptativo do transtorno.

O comportamento de adesão é complexo e envolve ampla diversidade de fatores externos e subjetivos. Para atingir os elementos decisivos na adesão ao tratamento, recomendam-se estratégias de cuidado fundamentadas na realidade e subjetividade de cada cliente.

O presente estudo apresenta como limitação a confirmação do diagnóstico por fontes secundárias (prontuário do paciente e equipe de saúde) e se restringiu a pessoas com esquizofrenia em tratamento em serviços de saúde públicos de um território geográfico delimitado. O modelo teórico formulado neste estudo é válido para a amostra estudada, no contexto escolhido. Contudo, sinaliza elementos da experiência do seguimento da terapêutica medicamentosa que podem ser comuns a indivíduos com esquizofrenia em contextos distintos.

Destaca-se que o modelo teórico construído neste estudo não é um conjunto de pressupostos fechados, concluídos e definitivos. A teoria emergente está sempre em contínuo desenvolvimento, havendo a possibilidade de ser aprofundada e ampliada em outros estudos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2013
  • Aceito
    14 Mar 2014
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