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Experiência de cuidado em relação à criança exposta ao vírus da imunodeficiência humana: uma trajetória de expectativas1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado "Cuidar da criança exposta ao vírus da imunodeficiência humana: uma trajetória de apreensão" apresentada à Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2012/21001-2

Resumos

OBJETIVO:

conhecer a experiência do cuidador/mãe em relação ao cuidado para com a criança exposta ao vírus da imunodeficiência humana por transmissão vertical, na trajetória pós-natal.

MÉTODO:

pesquisa qualitativa, que utilizou o Interacionismo Simbólico como referencial teórico. Foram realizadas entrevistas com 39 cuidadores de crianças expostas ao vírus da imunodeficiência humana e em seguimento em um serviço especializado. Os dados foram analisados pela análise de conteúdo indutiva.

RESULTADOS:

apreenderam-se quatro categorias que reportam à experiência solitária de manuseio da terapia antirretroviral da criança, no que se refere principalmente à ausência ou incompletude de informações recebidas; estar atento aos cuidados, que incluem o uso da profilaxia para pneumonia, vacinas e outros restritos à interação mãe/criança; querer omitir a presença do vírus da imunodeficiência humana pelo medo do preconceito e olhar o futuro e temer a doença.

CONCLUSÃO:

a presença do vírus da imunodeficiência humana e a ameaça dessa infecção na criança são capazes de gerar apreensão e tantos outros sentimentos como medo, culpa e ansiedade no cuidador. Os profissionais de saúde precisam trabalhar conjuntamente com a mãe para o enfrentamento das demandas e sofrimentos. Assim, o tratamento para evitar a transmissão vertical será eficiente e a mãe, juntamente à criança, viverá essa trajetória com apoio, apesar da apreensão pelo resultado.

HIV; Transmissão Vertical de Doença Infecciosa; Cuidado da Criança; Enfermagem


OBJECTIVE:

to learn about the experience of caregivers/mothers providing care to infants exposed to HIV through vertical transmission.

METHODS:

this qualitative study used Symbolic Interactionism as the theoretical framework. A total of 39 caregivers of children exposed to HIV in follow-up at a specialized service were interviewed. Data were analyzed through inductive content analysis.

RESULTS:

four categories were identified that report on the lonely experience of handling the child's antiretroviral therapy, mainly due to a lack of information or incomplete information; being attentive to required care, such as the use of prophylaxis for pneumonia, vaccines, and other practices restricted to the mother-child interaction; the desire to omit the HIV out of fear of prejudice and fear of the disease, considering future prospects.

CONCLUSION:

the HIV and the threat this infection may affect the child cause apprehension and feelings such as fear, guilt and anxiety in the caregivers. Healthcare workers need to work together with mothers so they are able to cope with demands and distress. Only then will the treatment to avoid vertical transmission be efficient and will mother and child be supported during the process, despite apprehension with the outcome.

HIV; Infectious Disease Transmission, Vertical; Child Care; Nursing


OBJETIVO:

conocer la experiencia del cuidador/madre en relación al cuidado de niño expuesto al VIH por transmisión vertical en la trayectoria posnatal.

MÉTODO:

investigación cualitativa, que utilizó el Interaccionismo Simbólico como referencial teórico. Fueron realizadas entrevistas con 39 cuidadores de niños expuestos al VIH y que eran acompañados en un servicio especializado. Los datos fueron analizados por el análisis de contenido inductivo.

RESULTADOS:

se encontraron cuatro categorías que informan sobre la experiencia solitaria de la administración de la terapia antirretroviral del niño, en lo que se refiere principalmente a: la ausencia o a informaciones incompletas recibidas; al estar atento a los cuidados, que incluyen el uso de la profilaxis para neumonía, vacunas y otros restringidos a la interacción madre-niño; al querer omitir la presencia del VIH por miedo al prejuicio; y al mirar al futuro y temer a la enfermedad.

CONCLUSIÓN:

la presencia del VIH y la amenaza de infectar al niño son capaces de generar preocupación y varios otros sentimientos en el cuidador, como miedo, culpa y ansiedad. Los profesionales de la salud precisan trabajar conjuntamente con la madre para el enfrentamiento de las demandas y sufrimientos. Así, el tratamiento para evitar la transmisión vertical será eficiente y la madre con el niño vivirán esa trayectoria con apoyo, a pesar de la preocupación por el resultado.'

VIH; Transmisión Vertical de Enfermedad Infecciosa; Cuidado del Niño; Enfermería


Introdução

Uma das doenças envoltas de estigma que mais afeta núcleos familiares é a infecção pelo Vírus da Imunodificiência Humana (HIV) e o profissional de saúde tem papel fundamental com ações de cuidado e de prevenção para com essas famílias( 1. Liu KC, Chibwesha CJ. Intrapartum management for prevention of mother-to-child transmission of HIV in resource-limited settings: a review of the literature. Afr J Reprod Health. 2013;17(4 Spec No):107-17. ). Cerca de 35,3 milhões de pessoas vivem com o vírus no mundo( 2. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Global report: UNAIDS report on the global AIDS epidemic 2013. World Health Organization: Geneva, Switzerland; 2013. ). No Brasil, esse valor é de aproximadamente 718 mil; desde a identificação do primeiro caso, em 1980 até junho de 2013, foram notificados 686.479 casos, dos quais 64,9% em homens e 35,1% em mulheres( 3. Ministério da Saúde (BR). Boletim epidemiológico AIDS e DST. [Internet]. 2013;2(1) [acesso 1 jun 2014]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/publicacao/2013/boletim-epidemiologico-aids-e-dst-2013.
http://www.aids.gov.br/publicacao/2013/b...
).

A infecção em mulheres tem gerado preocupação, devido à transmissão materno infantil, resultando em crianças infectadas. Foram registrados 260 mil casos de novas infecções pelo HIV em crianças de países com baixa e média renda, em 2012( 2. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Global report: UNAIDS report on the global AIDS epidemic 2013. World Health Organization: Geneva, Switzerland; 2013. ); no Brasil, 93,6% dos indivíduos menores de 13 anos com HIV se contaminaram por essa via, sendo essa a principal forma de infecção em crianças( 3. Ministério da Saúde (BR). Boletim epidemiológico AIDS e DST. [Internet]. 2013;2(1) [acesso 1 jun 2014]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/publicacao/2013/boletim-epidemiologico-aids-e-dst-2013.
http://www.aids.gov.br/publicacao/2013/b...
).

Há uma série de condutas disponibilizadas no Brasil, desde 1996, que, quando realizadas, podem reduzir a Transmissão Vertical (TV) do HIV para menos de 1%, sendo elas testagem anti-HIV no pré-natal, uso de Terapia Antirretroviral (TARV) profilática, durante o período de gravidez e trabalho de parto, realização de cesariana para as mulheres com carga viral elevada ou desconhecida, substituição do aleitamento materno por fórmula láctea, uso de TARV pelo Recém-Nascido (RN) e de medicação para prevenção de pneumonia nos primeiros meses de vida( 4. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. ).

Ainda há no Brasil significativos coeficientes de infecção por essa via, mesmo diante da universalidade do acesso à TARV e da série de cuidados preconizados pelo Ministério da Saúde. É necessário adotar medidas adicionais para que se consiga um controle efetivo de bebês infectados pelo HIV. Isso porque estudos mostram que o não oferecimento do teste para HIV durante o pré-natal( 5. Santos EM, Reis AC, Westman S, Alves RG. Avaliação do grau de implantação do programa de controle da transmissão vertical do HIV em maternidades do "Projeto Nascer". Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(3):257-69. ), a falta de qualidade nas informações oferecidas pelos profissionais de saúde( 6. Leal AF, Roese A, Sousa AS. Medidas de prevención de la transmisión vertical del VIH empleadas por madres de niños seropositivos. Invest Educ Enferm. 2012;30(1):44-54. ) e erros de cuidadores na administração da TARV à criança são alguns dos principais fatores responsáveis pelos índices de TV existentes( 7. Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009;10(4):155-64. ). Tais constatações fazem parte do processo de cuidado em relação ao bebê e já se apresentam como justificativas potentes para o desenvolvimento deste trabalho.

Sendo assim, a enfermagem, percebida como tendo papel fundamental nesse processo de cuidado para com a criança, trabalha com informações e orientações a respeito da terapia. Após a alta da maternidade, a mãe assumirá muitas responsabilidades com o filho, especialmente no que concerne à TARV e à quimioprofilaxia para pneumonia, entre outros cuidados( 4. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. , 8. Freitas JG, Barroso LM, Galvão MT. Maternal ability to take care of children exposed to HIV. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013;21(4):964-72. ). Paralelo a essa terapêutica, a mãe ainda convive por vários meses após o nascimento com o medo relativo à possibilidade de infecção da criança, devido à indefinição do diagnóstico no início( 9. Freitas HMB, Backes DS, Pereira ADA, Ferreira CLL, Souza MHT, Marchiori MRCT et al. Understanding the family member of a child affected by Human Immunodeficiency Virus/Acquired Immunodeficiency Syndrome, from the perspective of complexity. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):597-602. ), sentimentos relativos à descoberta da sua soropositividade para o HIV e o medo do estigma por frequentar o Serviço de Assistência Especializado (SAE) em HIV/AIDS( 7. Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009;10(4):155-64. ).

Considerando-se a relevância dessas questões e das interações sociais que cercam o cuidado à criança exposta ao HIV, é importante um olhar sensível a suas necessidades, do cuidador/mãe e da família, os quais vivenciam a ação de cuidar, a indefinição do diagnóstico na criança e o sentimento de responsabilização pela TV. Dessa forma, teve-se por objetivo conhecer a experiência do cuidador/mãe em relação ao cuidado à criança exposta ao HIV por transmissão vertical na trajetória pós-natal.

Método

Nessa pesquisa de abordagem metodológica qualitativa descritiva e exploratória utilizou-se o Interacionismo Simbólico como referencial teórico, que vê o ser humano como um ser social e tem a interação como unidade básica. Sob essa perspectiva, os indivíduos e a sociedade são criados através da interação social e o que acontece no presente depende de experiências anteriores como das relações que estão ocorrendo no momento. Assim, se se quer entender a causa do comportamento humano, tem-se que focar na interação social( 1010 . Charon JM. Symbolic interacionism: an introduction, an interpretation, an integration. 10th ed. New Jersey: Prentice-Hall; 2010. ).

A coleta de dados foi realizada em uma instituição de saúde no Nordeste do Brasil, um hospital-escola, de rede estadual, fundado na década de 70 e mantido com recursos do Sistema Único de Saúde. É considerado um centro de referência em assistência, prevenção e tratamento de pessoas vivendo com HIV/AIDS e crianças expostas, tanto para o Estado como para municípios de Estados circunvizinhos.

Os critérios de seleção dos participantes foram: exercer a função de cuidador de criança na faixa etária de até 18 meses, sem a completa definição diagnóstica de infecção pelo HIV (infectado ou não infectado/sororrevertido) e estar em seguimento no serviço. Delimitou-se tal faixa etária para a criança, pois, nessa idade, não se pode indicar as condições do diagnóstico definitivo, em face da necessidade de observar a evolução sorológica( 4. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. ).

Participaram da pesquisa 36 cuidadores de 29 crianças nascidas de mães soropositivas para o HIV, dentre eles mães (24), pais (5) e outros (7), como avó, tia e bisavó. Não houve definição prévia do número de participantes do estudo, assim, a interrupção da coleta de dados deu-se quando as entrevistas foram julgadas suficientes, por não apresentarem novas reflexões sobre o tema e os dados tornaram-se repetitivos, processo esse denominado saturação teórica( 1111 . Fontanella BJB, Magdaleno R Júnior. Saturação teórica em pesquisas qualitativas: contribuições psicanalíticas. Psicol Estud. 2012;17(1):63-71 ). As entrevistas foram feitas entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013.

O responsável pelo cuidado relativo à criança e pelo acompanhamento ao serviço era abordado na sala de espera dos consultórios e convidado a se dirigir para uma sala reservada, designada pelo serviço para a realização da entrevista. Aqueles que estavam acompanhados com pessoas que também prestavam cuidado à criança (pai, avó, bisavó ou tia) eram chamados e, naquela ocasião, os participantes eram consultados sobre a concordância em participar do estudo e esclarecidos sobre os objetivos e a estratégia de coleta de dados. Era realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como também lhes eram assegurados o sigilo e a confidencialidade do relato e os que aceitaram participar assinaram esse termo, adentrando a pesquisa.

Quando havia acompanhante, a entrevista era coletiva, quando não, era individual, e essas duraram, em média, 50 minutos, tendo sido conduzidas pela primeira autora. Eram realizadas em um único encontro e algumas questões foram propostas: como é que tem sido para você cuidar de sua criança exposta ao HIV? e Quais as dificuldades e facilidades relativas ao tratamento da criança?

O áudio da entrevista gravada digitalmente foi transcrito integralmente, passando por correções gramaticais. Os participantes foram identificados pela posição que ocupavam em relação à criança (mãe, pai, tia, avó, bisavó), seguida do número ordinal de ingresso no estudo.

Os dados foram examinados para determinar o que revelaram, a partir do processo de Análise de Conteúdo Qualitativa, que consiste na fase de preparar, organizar e relatar os resultados( 1212 . Elo S, Kynga SH. The qualitative content analysis process. J Adv Nurs. 2008;62(1):107-15. ). A reunião dos dados para análise de conteúdo, a leitura para obter o sentido do todo e a seleção das unidades de análise, a partir do objetivo da pesquisa e do referencial teórico, permitiram identificar as unidades de significados, ou seja, palavras, frases ou parágrafos relacionados ao conteúdo e contexto. Esses foram os primeiros passos que constituíram a fase de preparação. Na fase de organização, optou-se pelo caminho indutivo, em que houve a codificação, a criação de categorias e o agrupamento dos dados em títulos por ordem maior para reduzir o número de categorias. Assim, uma descrição geral do fenômeno da pesquisa foi formulada através da geração de categorias, abstraindo-as. A fase final consistiu no relato dos resultados da fase anterior, através de categorias organizadas por uma linha histórica de acontecimentos do fenômeno sob estudo, para dar sentido aos resultados pelos leitores.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (nº112.500/2012). As diretrizes contidas na Resolução 196, de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, em vigor na ocasião da elaboração e execução do projeto de pesquisa, foram respeitadas.

Resultados

A maioria das participantes (23) era mãe que vivia com o HIV, sendo ela a cuidadora principal. Havia uma mãe adotiva e outras pessoas (avó, tia e bisavó) que assumiam esse papel por ausência da mãe biológica, devido a falecimento ou abandono. Quando a mãe e a criança moravam com o pai e/ou a avó, esses também assumiam o papel de seus cuidadores.

Quanto à faixa etária dos cuidadores principais (28), metade tinha idade entre 20 e 30 anos e a outra metade mais de 30 anos de idade. Quanto à escolaridade, a maior parte tinha cursado apenas o ensino fundamental I e/ou II (12) ou o ensino médio completo ou incompleto (12), vindo em seguida aqueles que possuíam o ensino superior completo ou incompleto (3) ou era analfabeto (1).

Quanto à descoberta da infecção pelo o HIV, houve mães que descobriram antes da gestação (8), durante a gestação (14), durante o trabalho de parto (2) e após o nascimento da criança (4). A maioria delas (25) realizou o acompanhamento pré-natal das crianças levantadas neste estudo e fez uso da TARV na gestação (24).

Das 29 crianças (1 gemelar) expostas ao HIV incluídas no estudo, a maioria era do sexo masculino (20), na faixa etária do primeiro ao sexto mês de vida (17). Quanto à ocorrência de exposição vertical ao HIV na família, a maioria foi o primeiro caso de exposição (22). A maioria tinha irmãos (17) e quanto ao diagnóstico do pai de infecção pelo HIV, grande parte deles vivia com HIV (13), sendo que cinco crianças eram filhas de pai soronegativo e o pai de dez crianças não possuía sorologia conhecida ou confirmada. O maior número de crianças reside na mesma cidade onde ocorre o tratamento/acompanhamento, mas houve aquelas que moravam em outras cidades com distância de até 588km do município onde fica o serviço de atendimento.

O processo de análise do conteúdo das falas revelou quatro categorias: ter experiência solitária de manuseio da terapia antirretroviral, estar atenta aos cuidados para com a criança, querer omitir a presença do HIV e olhar o futuro e temer a doença.

Ter experiência solitária de manuseio da terapia antirretroviral

Quando a TARV com Zidovudina (AZT), foi iniciada após o nascimento da criança, na maternidade, essa era administrada pela equipe de enfermagem ou era passada a responsabilidade ao cuidador da criança, à mãe ou à sua acompanhante. Houve diversidade de horários para a administração do AZT e a maternidade esperava que a mãe levasse a medicação a ser dada à criança, trazida do SAE, onde ela própria já fazia acompanhamento.

Ela [enfermeira] perguntou se eu tinha trazido o medicamento [AZT], eu disse que não e elas mandaram buscar a medicação na minha casa [...]. A primeira dose eu não vi e as outras eu mesma dava para o neném. Eles só me entregavam a seringa com a dosagem e pronto (Mãe 25).

A enfermeira trazia a medicação e me mandava dar[...]. Elas não faziam! (Avó 16).

Nesse contexto, houve mães que apontaram desconhecer o horário em que foi administrada a primeira dose do AZT. Como também algumas receberam a alta hospitalar desconhecendo o nome da medicação ou suas especificidades. Os cuidadores ofereciam a medicação em casa, da mesma forma como viam ou lhes era orientado pelo profissional da maternidade. Houve crianças que não receberam a medicação para dar continuidade à terapia no domicílio ou a iniciaram somente no domicílio. Há ainda relatos sobre recebimento de orientações erradas ou incompletas, principalmente, no que se refere à data de interrupção da terapia, fazendo com que a criança recebesse a medicação por tempo maior ou menor que o preconizado.

Disseram para fazer do mesmo jeito como na maternidade, dar de 8 em 8 horas [...]. Ela usou por 2 meses, quase 3, dei até secar o vidro, porque disseram que era até quando terminasse (Mãe 16).

Ele fez uso do AZT somente na maternidade. Ao sair de alta, a única coisa que me deram foi um receituário para eu receber o leite. [...] eu não recebi remédio nem orientação. Eu ainda liguei para cá [SAE], mas disseram que não tinha jeito porque se passaram mais de 7 dias e não adiantava mais tomar o remédio [...] (Mãe 20).

Os cuidadores valorizavam a medicação, mesmo quando desconheciam o porquê dessa. Referiram empenho e preocupação para o cumprimento da terapia, havendo mudança na maneira habitual da família para cumprir o horário da medicação e a dedicação para que não houvesse o esquecimento das doses. Em relação à crença no efeito, alguns cuidadores acreditavam que a medicação era fundamental para a criança, servindo para evitar a infecção pelo HIV ou a sua manifestação.

Deram-me o AZT e disseram para ela tomar por um mês, de 12 em 12 horas, e que não podia faltar nem um dia, mas não me explicaram por quê. Eu não sabia nem o que era aquilo, nunca tinha ouvido falar. Apesar de tudo, eu nunca deixei de dar, eu pensava: essa medicação é muito importante, porque eu não sei o que ele tem. Tinha medo de não dar e ele se prejudicar daqui uns dias e a culpa ser minha (Mãe 26).

Estar atenta aos cuidados relativos à criança

Essa categoria reuniu outros cuidados realizados pela mãe em relação à criança, como oferecer a Sulfametoxazol associada à Trimetoprima (SMZ-TMP) que, segundo as mães, era para a prevenção da pneumonia; já outras nem sabiam para o que servia. As vacinas da criança foram citadas como estando em dia. Não foi unânime a presença de efeitos da vacina e, quando presentes, não foram associados à exposição ao HIV. Em geral, as mães não relataram nenhuma reação às medicações de que a criança fizera uso, somente a dificuldade em administrar devido a ela regurgitar e à anemia associada ao uso do AZT. Algumas não foram preparadas para saber o que fazer no caso da criança regurgitar, assim, ficavam ansiosas e em dúvida se deveriam oferecer novamente a medicação.

Depois do AZT, ela tomou a sulfametoxazol [...]. A vacina está toda em dia. De vacina especial, ela tomou a antipólio inativada [...]. Ela sentiu apenas uma febrezinha após outra vacina. [...] Ela não sentiu nada até hoje com esses remédios, às vezes ela colocava para fora e eu repetia [...] eu ficava muito nervosa (Mãe 27).

Ele deu um pouco de anemia com esse remédio [AZT] que estava tomando, mas a médica disse que era normal (Mãe 11).

As mães com HIV estabeleceram barreiras para o cuidado ou para a convivência com a criança no domicílio, como forma de prevenção. O sangue foi a principal via de transmissão citada; no entanto, feridas, menstruação, beijo, suor, foram outras vias citadas, e, mesmo com orientação, as mães tinham medo que transmitissem o vírus. Apesar de a criança ser filha de mãe com HIV, ela é percebida como saudável. O HIV foi um problema relacionado somente aos pais e, mesmo nos casos de adoecimento da criança, tais doenças foram relacionadas às variáveis meteorológicas como temperatura, umidade relativa do ar e precipitação ou associadas às doenças prevalentes da infância.

[...] eu tenho medo se ele comer no mesmo prato que eu [...], eu tento não dormir muito com ele ou colocá-lo na minha cama e se eu estiver menstruada ou com qualquer ferimento eu nem pego nele [...] Se eu ver sangue eu já penso: esse sangue é contaminado. Eu não beijo ele, [...] se eu pudesse nem pegava nele. Eu o amo, mas penso que ele estará preservado longe de mim (Mãe 20).

O estado de saúde dele é bom [...]. Ele teve uma gripe muito forte, há muito tempo. Eu acho que foi por causa do tempo, onde eu morava tinha muita poeira (Mãe 9).

Querer omitir a presença do HIV

O estigma relacionado ao HIV, o medo do preconceito e da discriminação pelos outros fazem com que a mãe opte por omitir a infecção pelo HIV, tanto o seu diagnóstico quanto a condição de exposição da criança. Isso foi devido à experiência anterior que ela presenciou de preconceito com outras pessoas ou então pelo autopreconceito. Ela teme que a criança seja rejeitada, por isso o número de pessoas que conhece sobre sua sorologia e condição foi restrito.

Nossa maior preocupação é a discriminação. Quem sabe disso é só a família mais próxima, pai, mãe e avós e os médicos que cuidam da gente e ninguém mais. Eu vejo o povo falar de outras pessoas e tenho medo de passar por isso (Mãe 3).

Eu tenho medo pela minha filha, de algum dia o povo comentar que ela tem, por isso que não comentamos para todo mundo. Tenho medo de preconceito com ela (Mãe 16).

Quando questionadas pelos outros sobre o porquê da criança não ser amamentada ao peito, do tipo de parto, das medicações ou consultas periódicas com o pediatra, a mãe cria motivo alheio ao HIV para justificar, por receio de preconceito. Isso causou sofrimento por querer "desabafar" e temer que sua doença não fosse aceita.

As pessoas faziam mil perguntas, por que ele não mamava. Era a pior parte. Eu dizia que tinha anemia, que não tinha leite [...]. Eu não contava a verdade, porque não é todo mundo que aceita isso (Mãe 8).

Na cidade, eles ficam perguntando, por que ele não mama? Por que eu venho para o hospital? Eu digo que vou trazer para pediatra, porque lá [cidade] não tem e sobre amamentar, eu digo que ele não quis (Mãe 2).

Frequentar o serviço especializado fez a mãe se sentir exposta, temendo o julgamento e a descoberta do HIV. Estar na sala de espera causou desconforto por medo de ser vista e foi uma prática tida como terrível. Quando possível, elas negavam o nome do hospital que sedia o SAE e preferiam hospitais gerais para a realização das consultas, porque assim estariam com seu diagnóstico "mascarado" ou oculto. O cuidador temia que, ao levar a criança para outros serviços, como a Unidade de Saúde da Família (USF), ele teria que revelar sua sorologia ou a condição da criança.

A gente não quer que saibam [profissionais da USF] que nós temos, ainda mais no local onde moramos. Apesar de saber que os profissionais não podem comentar, nós pensamos que isso pode acontecer. Procuramos saber se tinha como ter o acompanhamento dela na maternidade, mas não, é só aqui mesmo. Porque chama muita atenção um hospital de doenças contagiosas [SAE], queríamos esconder! (Pai 10).

Olhar o futuro e temer a doença

A trajetória percorrida até a revelação do diagnóstico foi vivida com muita ansiedade, tristeza, medo e dúvida. A mãe viveu a incerteza do diagnóstico com momentos de aflição em que se questionou sobre qual seria o resultado e imaginou como seria, caso ocorresse diferente de suas expectativas. Ela esperou o resultado como uma condição de alívio, mas até a confirmação houve oscilação entre pensamentos positivos e negativos. Percebeu-se a forte influência da espiritualidade e de Deus para o autocontrole e para lidar com o sentimento de impotência. A fé e a esperança na soronegatividade da criança foi o que prevaleceu.

Eu peço a Deus todos os dias para que ele não tenha essa doença. Minha expectativa é grande e está neste resultado. Eu vejo um futuro bom para ele, sem a doença [...] O que eu mais espero é que a doutora me dê alguma palavra de consolo, alívio (Mãe 12).

Para o cuidador foi muito triste imaginar o futuro da criança com o HIV, seja por toda a luta para que isso não ocorresse, seja por ter alguém na família que sofreu ou morreu por causa da doença. Almejou-se uma criança sem o HIV e o profissional de saúde apareceu proporcionando esperança para tal resultado. Ver crianças soropositivas fazendo acompanhamento no SAE reportou a possibilidade de ter sua criança naquela situação e isso causou medo e tristeza, ao mesmo tempo em que surgiu a força para que caso o resultado fosse positivo, a criança fosse aceita e o cuidado continuasse.

Se der positivo eu vou ficar magoada, porque eu fiz o que eu pude para ele não ter. Eu acho que ele não tem não. [...] fico imaginando: Será se ele tem? Quero tirar minha dúvida. Quando eu fizer o exame dele e der positivo, será difícil enfrentar isso (Mãe 28).

Eu sempre tive essa fé, expectativa de que dê tudo normal. Eu penso que ele está com o vírus, mas na mesma hora eu tiro o pensamento e falo para mim: mesmo se estiver, tem tratamento. Vou cuidar dele do mesmo jeito (Tia 19).

A presença do HIV na vida do cuidador fez com que ele tivesse medo da morte e de que, consequentemente, não pudesse ver o filho crescer e vivenciar os ritos de passagem no desenvolvimento da criança. A mãe se questionou sobre a pessoa que cuidará da criança na sua ausência e, para evitar esse desfecho, focava no seu tratamento e em hábitos saudáveis para ter longevidade.

Peço a Deus que eu viva mais para eu criar meus filhos. Eu vejo que quando eu tirar essa dúvida de que ele não tem, eu vou ficar mais feliz e procurar cada vez mais me cuidar para eu ter saúde e ver eles se tornarem pessoas capazes de viver sem mim (Mãe 22).

Discussão

Houve a busca da experiência dos cuidadores a partir dos fundamentos do Interacionismo Simbólico e os resultados revelaram que a experiência é repleta de expectativas em relação ao resultado do diagnóstico da criança. Isso porque o individuo é um ser pensante e ativo na relação com o ambiente. O significado das coisas é resultado das interações sociais ao longo da vida; apesar de as ações se desdobrarem no presente, as interações tidas no passado interferem no comportamento presente, inclusive o futuro passa a ser usado, o que inclui as expectativas( 1010 . Charon JM. Symbolic interacionism: an introduction, an interpretation, an integration. 10th ed. New Jersey: Prentice-Hall; 2010. ).

Em outra pesquisa nacional encontraram-se resultados semelhantes no que se refere ao maior número de exposição em crianças do sexo masculino e ao número de irmãos( 8. Freitas JG, Barroso LM, Galvão MT. Maternal ability to take care of children exposed to HIV. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013;21(4):964-72. ). Mulheres que vivem com HIV têm apresentado maior número de gestações( 1313 . Sherlock MSM, Cardoso MVLML, Lopes MMCO, Lélis ALPA, Oliveira NR. Imunização em criança exposta ou infectada pelo HIV em um serviço de imunobiológicos especiais. Esc Anna Nery. 2011;15(3):573-80. ) e o motivo pode ser a segurança na utilização da profilaxia da TV, que as encoraja para uma nova gestação( 7. Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009;10(4):155-64. ).

A TARV da criança deve ser iniciada na maternidade, logo após o nascimento e, ao receber alta, a mãe, ou outro cuidador, deve sair com as medicações e ser capaz de dar continuidade à terapia no domicílio( 4. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. ). O uso do AZT, no Brasil, deve ser dado em solução oral ao RN exposto de mãe soropositiva para o HIV que recebeu medicação durante a gestação, preferencialmente nas primeiras quatro horas de vida, na dose correspondente ao número de semanas gestacionais do RN, a cada doze horas e durante quatro semanas. Em RNs de mães infectadas pelo HIV que não receberam TARV na gestação, mesmo que tenha recebido AZT injetável no momento do parto, adiciona-se junto ao AZT a nevirapina( 4. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. ).

Em estudo realizado em trinta maternidades brasileiras em que se avaliou o grau de implantação do Programa Nacional de Controle da TV do HIV( 5. Santos EM, Reis AC, Westman S, Alves RG. Avaliação do grau de implantação do programa de controle da transmissão vertical do HIV em maternidades do "Projeto Nascer". Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(3):257-69. ) e outro realizado com mães de filhos infectados por TV( 6. Leal AF, Roese A, Sousa AS. Medidas de prevención de la transmisión vertical del VIH empleadas por madres de niños seropositivos. Invest Educ Enferm. 2012;30(1):44-54. ) apontaram fragilidades na execução dessas medidas pelos serviços de saúde, o que corrobora os achados neste estudo, principalmente quanto à falta de acesso ao AZT oral. Isso se deve à falta de organização, administração e avaliação dos serviços de saúde( 5. Santos EM, Reis AC, Westman S, Alves RG. Avaliação do grau de implantação do programa de controle da transmissão vertical do HIV em maternidades do "Projeto Nascer". Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(3):257-69. - 6. Leal AF, Roese A, Sousa AS. Medidas de prevención de la transmisión vertical del VIH empleadas por madres de niños seropositivos. Invest Educ Enferm. 2012;30(1):44-54. ). Essas falhas podem ser em parte relacionadas aos profissionais de saúde( 1414 . De Lemos LM, Lippi J, Rutherford GW, Duarte GS, Martins NG, Santos VS, et al. Maternal risk factors for HIV infection in infants in northeastern Brazil. Int J Infect Dis. 2013;17(10):e913-8. ).

Erros podem comprometer o sucesso da terapia, e, dentre os principais cometidos no domicílio, estão a administração do AZT xarope, além do período recomendado e o oferecimento de dosagem inadequada, aumentando o risco de reações adversas. O motivo para isso, segundo um estudo transversal que avaliou a capacidade de mães para cuidar de crianças expostas ao HIV no Brasil, é a falta de orientação recebida na maternidade( 8. Freitas JG, Barroso LM, Galvão MT. Maternal ability to take care of children exposed to HIV. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013;21(4):964-72. ), ou seja, baixa qualidade nas informações oferecidas pelos profissionais de saúde. Esses são alguns dos principais fatores responsáveis pela manutenção de índices de TV existentes no Brasil, afirmou outra pesquisa realizada com mães de crianças menores de seis meses nascidas expostas ao HIV/AIDS( 7. Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009;10(4):155-64. ).

Estudo refere insegurança e dificuldade da mãe para o oferecimento da medicação oral, devido à criança não deglutir completamente o AZT xarope( 1515 . Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. (Campinas) 2010;27(2):147-59. ). Quanto a outros efeitos relacionados ao AZT, as mães citaram a anemia, que foi considerada normal. Outra medicação que a criança recebe, durante o tratamento, é a quimioprofilaxia para pneumonia por Pneumocystis jiroveci, com SMX-TMP, a partir de quatro a seis semanas de vida até que complete um ano de idade ou até que a infecção pelo HIV possa ser afastada( 4. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. ). Isso porque a pneumonia é a mais frequente infecção oportunista, no primeiro ano de vida, em crianças que vivem com HIV( 1616 . Wamalwa DC, Obimbo EM, Farquhar C, Richardson BA, Mbori-Ngacha DA, Inwani I, et al. Predictors of mortality in HIV-1 infected children on antiretroviral therapy in Kenya: a prospective cohort. BMC Pediatr. 2010;10(33):2-8. ).

A mãe acredita na eficácia desse tratamento e que, ao ser feito adequadamente, ela terá o filho sem o HIV e saudável( 7. Barroso LMM, Galvão MTG, Cavalcante RM; Freitas JG. Cuidado materno aos filhos nascidos expostos ao HIV/AIDS. Rev Rene. 2009;10(4):155-64. ). Ela, ou outro cuidador da criança, é responsável pelos cuidados no pós-natal e deve estar bem orientada para a realização dessa terapêutica no domicílio( 1717 . Freitas JG, Cunha GH, Barroso LMM, Galvão MTG. Administration of medications for children born exposed to human immune deficiency virus. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):42-9. ). Esse tem sido um desafio, pois a não adesão medicamentosa pode ocasionar a infecção da criança pelo HIV, pneumonia ou outras comorbidades( 1616 . Wamalwa DC, Obimbo EM, Farquhar C, Richardson BA, Mbori-Ngacha DA, Inwani I, et al. Predictors of mortality in HIV-1 infected children on antiretroviral therapy in Kenya: a prospective cohort. BMC Pediatr. 2010;10(33):2-8. ). As mães se esforçaram para cumprir as recomendações, devido ao receio de transmitir o HIV para o filho. Pesquisa qualitativa, que também utilizou o Interacionismo Simbólico como referencial teórico, aponta que há o desejo e a esperança de ter uma criança soronegativa e o alcance dessa meta está relacionado com interações entre ela e o filho, ela e sua doença e ela e Deus( 1818 . Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saude. 2012;11(4):730-8. ).

A partir de uma escala de avaliação da capacidade para cuidar de crianças expostas ao HIV, respondida por 60 mães, constatou-se que elas possuem capacidade, de moderada a alta, de administrar o AZT e que não houve associação significativa com sua escolaridade, idade ou renda( 1717 . Freitas JG, Cunha GH, Barroso LMM, Galvão MTG. Administration of medications for children born exposed to human immune deficiency virus. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):42-9. ). Em relação ao esquema vacinal da criança, as mães deste estudo apontaram que ele estava atualizado, o que diverge de outras pesquisas realizadas na Região Nordeste, que apontaram atrasos no cum primento do esquema ou utilização de vacina inadequada para as crianças expostas ao HIV( 8. Freitas JG, Barroso LM, Galvão MT. Maternal ability to take care of children exposed to HIV. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013;21(4):964-72. , 1313 . Sherlock MSM, Cardoso MVLML, Lopes MMCO, Lélis ALPA, Oliveira NR. Imunização em criança exposta ou infectada pelo HIV em um serviço de imunobiológicos especiais. Esc Anna Nery. 2011;15(3):573-80. ).

Viver com HIV ou ter um filho em risco envolve aspectos que vão além do cumprimento de medidas preventivas. Os cuidadores assumem papéis importantes e precisam ser apoiados nesses papéis( 1919 . Li L, Liang LJ, Ding YY, Ji G. Facing HIV as a Family: Predicting Depressive Symptoms With Correlated Responses. J Fam Psychol. 2011;25(2):202-9. ). O apoio profissional e familiar é importante para a mãe que enfrenta o viver com vírus, o estigma e o cuidar da criança( 1515 . Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. (Campinas) 2010;27(2):147-59. , 2020 . Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013;8(2):230-7. ). A omissão do próprio diagnóstico e da condição da criança é a opção para fugir do estigma, o que limita o apoio e inibe o desenvolvimento de intervenções efetivas pelos profissionais de saúde. Mãe e filho evitam acessar os serviços de saúde e de apoio social e, dessa forma, se isolam, evitando se aproximar de outras pessoas e compartilhar sua experiência sobre a doença, por receio de que isso lhes traga mais sofrimento( 2121 . Wacharasin C. Families Suffering With HIV/AIDS: What Family Nursing Interventions Are Useful to Promote Healing? J Fam Nurs. 2010;16(3):302-21. ). A omissão do status sorológico é justificada pelo medo do julgamento e do estigma( 2222 . Gourlay A, Birdthistle I, Mburu G, Iorpenda K, Wringe A. Barriers and facilitating factors to the uptake of antiretroviral drugs for prevention of mother-to-child transmission of HIV in sub-Saharan Africa: a systematic review. J Int AIDS Soc. 2013;16(1):18588. ).

A postura de omitir o próprio diagnóstico e a condição da criança pode prejudicar o cuidado da mesma e deixar os pais mais vulneráveis. Esse comportamento, segundo o Interacionismo Simbólico, decorre da internacionalização do processo social, pela qual o indivíduo adquire a capacidade para dirigir sua ação em termo de consequências previstas para linhas de ações alternativas( 1010 . Charon JM. Symbolic interacionism: an introduction, an interpretation, an integration. 10th ed. New Jersey: Prentice-Hall; 2010. ). Dessa maneira, a melhor opção para os pais é a omissão, pois eles temem as consequências da revelação do diagnóstico. Essas consequências envolvem significados manuseados e modificados através de processos interpretativos; a partir deles o indivídio direciona a sua própria conduta ou manipula a situação( 1010 . Charon JM. Symbolic interacionism: an introduction, an interpretation, an integration. 10th ed. New Jersey: Prentice-Hall; 2010. ).

A interação da mãe com a doença interfere, inclusive, na sua interação com o filho. A mãe tem a doença como uma ameaça que está presente no cotidiano de cuidados e no contato direto com a criança, pois ela teme a transmissão para o filho a partir de ferimentos na pele e contato casual( 1515 . Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. (Campinas) 2010;27(2):147-59. , 2323 . Olugbenga-Bello AL, Adebimpe WO, Osundina FF, Abdulsalam ST. Perception on prevention of mother-to-child-transmission (PMTCT) of HIV among women of reproductive age group in Osogbo, Southwestern Nigeria. Int J Womens Health. 2013;5:399-405. ). A presença do HIV faz com que as mães se privem de realizar algumas atividades diárias com seus filhos(24) e os percebam como frágeis, desenvolvendo superproteção pelo medo do adoecimento(20),, apesar de perceber a sua saúde positivamente( 1515 . Faria ER, Piccinini CA. Maternidade no contexto do HIV/AIDS: gestação e terceiro mês de vida do bebê. Estud Psicol. (Campinas) 2010;27(2):147-59. ).

A principal preocupação delas é com o diagnóstico definitivo da criança. A reação ao receber o resultado de infecção pelo HIV está relacionada ao significado atribuído ao viver com HIV. Esse significado faz com que o cuidador tenha medo do diagnótico positivo na criança. Isso porque o homem age de acordo com os significados e a sociedade é central para essa formação, pois é da interação com os outros que deriva o significado de tais coisas( 1010 . Charon JM. Symbolic interacionism: an introduction, an interpretation, an integration. 10th ed. New Jersey: Prentice-Hall; 2010. ). O estigma da doença e a importância de ter estreitos relacionamentos sociais fazem com que esse diagnóstico seja temido, por interferir em todos os níveis de interação, bem-estar e sucesso( 2121 . Wacharasin C. Families Suffering With HIV/AIDS: What Family Nursing Interventions Are Useful to Promote Healing? J Fam Nurs. 2010;16(3):302-21. ).

A espera do resultado é vivida com ansiedade e apreensão. Enquanto a certeza não chega, as mães recorrem a pensamentos positivos e a Deus, através da fé, pedindo que não ocorra a infecção( 1818 . Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saude. 2012;11(4):730-8. , 2020 . Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013;8(2):230-7. ). Essas interações estabelecidas consigo e também com Deus as auxiliam no enfrentamento da situação.

Conclusão

O objetivo deste estudo foi alcançado e observou-se como a presença do HIV e a ameaça dessa infecção na criança são capazes de gerar apreensão e tantos outros sentimentos como medo, culpa e ansiedade no cuidador. O estigma da doença, associado à falta de orientação, faz com que a mãe estabeleça barreiras na convivência com o filho, limitando seu papel e percebendo-se como um perigo por acreditar que ela possa transmitir o vírus à criança.

Há o empenho dos cuidadores para o cumprimento do tratamento da criança, mesmo quando se desconhece o motivo. Há também a responsabilização da mãe pelo cuidado; ela está sozinha no manuseio da TARV e essa solidão é vivida ainda na maternidade, onde ela assumiu o cuidado da criança. Logo, é no âmbito domiciliar e inserido na sua rede de relacionamentos que o cuidador busca omitir a presença do vírus e lidar com seus medos e expectativas, esperando o resultado do filho com esperança e imaginando como será o futuro.

Necessidades de apoio, orientação e respeito foram reveladas pelos cuidadores durante a implementação do tratamento à criança. As falhas no tratamento e a falta de suporte profissional e dos serviços de saúde reportam a ineficiência do cumprimento das medidas de controle da TV do HIV. Ressalta-se que os acontecimentos ocorreram em um contexto particular de saúde e que os resultados não devem ser generalizados.

Apesar disso, os resultados poderão colaborar para aprimorar a assistência, no que diz respeito a embasar treinamentos, de modo a fundamentar a prática profissional sobre quais orientações o cuidador precisa receber. Os profissionais de saúde, sobretudo a enfermagem, por estar mais próxima do cliente, precisam trabalhar em conjunto com a mãe, desde a gestação, para cumprimento das recomendações e enfrentamento das demandas e sofrimentos.

Outros estudos sobre o cuidado domiciliar, o manuseio da TARV, o preconceito associado ao HIV e a comunicação entre a família e a equipe de saúde são necessários para a melhor compreensão da experiência de cuidado relacionado à criança exposta ao HIV. Assim, o tratamento para evitar a TV será eficiente e o cuidador com a criança experienciará essa trajetória, mesmo que com apreensão para com o resultado, mas com apoio e sem preconceito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2013
  • Aceito
    01 Set 2014
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