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Mulheres com câncer de mama em uso de quimioterápicos: sintomas depressivos e adesão ao tratamento

Resumos

OBJETIVO:

verificar em mulheres com câncer de mama, atendidas na farmácia da central de quimioterapia de um hospital universitário, sintomas depressivos e adesão aos quimioterápicos.

MÉTODO:

estudo transversal, com abordagem quantitativa, realizado com 112 mulheres em uso de quimioterápicos. Para coleta dos dados utilizaram-se a entrevista estruturada, norteada por roteiro contendo dados sociodemográficos, clínicos e terapêuticos, o teste de Morisky e o Inventário de Depressão de Beck.

RESULTADOS:

constatou-se que 12,50% e 1,78% das pacientes apresentaram "depressão moderada" e "grave", respectivamente, e, dessas, 10,59% não utilizavam antidepressivos. Houve associação estatisticamente significante entre graus de depressão e uso de antidepressivo. Identificou-se falta de adesão ao tratamento em 46,43% das participantes.

CONCLUSÃO:

os achados indicam a importância do rastreamento regular para sintomas depressivos e adesão ao quimioterápico em mulheres com câncer de mama, visando a detecção precoce, tratamento adequado centrado na paciente e melhor qualidade de vida.

Neoplasias da Mama; Quimioterapia; Depressão; Adesão à Medicação


Objective to verify depressive symptoms and adherence to chemotherapy among women with breast cancer who are served by the Pharmacy of the Chemotherapy Center of a university hospital.

METHOD:

cross-sectional study with quantitative approach conducted with 112 women receiving chemotherapy. Structured interviews guided by a script addressing socio-demographic, clinical and therapeutic information, the Morisky Test, and the Beck Depression Inventory were used to collect data.

RESULTS:

12.50% and 1.78% of the patients experienced "moderate" and "severe" depression, respectively, while 10.59% did not use antidepressant medication. A statistically significant association was found between levels of depression and the use of antidepressants. Lack of adherence was identified in 46.43% of the participants.

CONCLUSION:

these findings show the need to regularly screen for depressive symptoms and for adherence to chemotherapy treatment among women with breast cancer, in order to provide early detection and appropriate treatment centered on patients, and to improve their quality of life.

Breast Neoplasms; Drug Therapy; Depression; Medication Adherence


OBJETIVO:

verificar en mujeres con cáncer de mama, atendidas en la Farmacia de la Central de Quimioterapia de un hospital universitario, síntomas depresivos y adhesión a los quimioterapéuticos.

MÉTODO:

estudio transversal, con abordaje cuantitativo, realizado con 112 mujeres en tratamiento con quimioterapéuticos. Para recolección de los datos se utilizó la entrevista estructurada, orientada por guión conteniendo datos sociodemográficos, clínicos y terapéuticos; la Prueba de Morisky y el Inventario de Depresión de Beck.

RESULTADOS:

se constató que 12,50% y 1,78% de las pacientes presentaron "depresión moderada" y "grave", respectivamente y, de estas, 10,59% no utilizaban antidepresivos. Hubo asociación estadísticamente significativa entre grados de depresión y uso de antidepresivo. Se identificó falta de adhesión al tratamiento en 46,43% de las participantes.

CONCLUSIÓN:

los hallazgos indican la importancia del rastreo regular de síntomas depresivos y adhesión a la quimioterapia en mujeres con cáncer de la mama, objetivando a la detección precoz, el tratamiento adecuado centrado en la paciente y una mejor calidad de vida.

Neoplasias de la Mama; Quimioterapia; Depresión; Cumplimiento de la Medicación


Introdução

O câncer de mama é a neoplasia maligna responsável pelo maior número de óbitos de mulheres no Brasil e no mundo. No ano 2012, a estimativa para o Brasil foi do total de 52.680 novos casos, o que significa incidência de 52,5/100.000 mulheres( 1. Ministério da Saúde (BR). Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil.Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro: INCA; 2011. ).

Desde o diagnóstico, as alterações físicas e psicológicas são evidentes e impactantes. Apesar da disponibilidade de tratamentos eficazes e das taxas de sobrevida terem melhorado de forma significativa nos últimos anos, ter câncer continua a ser entendido como sofrimento e potencial risco de vida. Dentro desse processo, a paciente se depara com a perda iminente de um órgão altamente investido de representações sobre feminilidade e com o temor de uma doença incurável, o que resulta em sofrimento e estigmatização( 2. Fann JR, Thomas-Rich AM, Katon WJ, Cowley D, Pepping M, McGregor BA, et al. Major depression after breast cancer: a review of epidemiology and treatment. Gen Hosp Psychiatry. 2008;30(2):112-26. ).

Diversos fatores associam-se ao desencadeamento de estresse psicossocial e físico em pacientes com câncer de mama: cirurgia, tratamentos coadjuvantes, medo de recorrência da doença e morte, alterações no corpo, redução da feminilidade e da sexualidade( 2. Fann JR, Thomas-Rich AM, Katon WJ, Cowley D, Pepping M, McGregor BA, et al. Major depression after breast cancer: a review of epidemiology and treatment. Gen Hosp Psychiatry. 2008;30(2):112-26. ). Tais alterações vêm frequentemente acompanhadas de depressão, morbidade psiquiátrica comum durante e após o tratamento desse tipo de câncer( 3. Torres MA, Pace TW, Liu T, Felger JC, Mister D, Doho GH, et al. Predictors of depression in breast cancer patients treated with radiation: role of prior chemotherapy and nuclear factor kappa B. Cancer. 2013;119(11):1951-9. ).

A esse respeito, a literatura evidencia que sintomas depressivos são recorrentes em pacientes com doença clínica, incluindo aqueles com câncer de mama. Tais sintomas, presentes em cerca de 22% das pacientes( 4. Zainal NZ, Nik-Jaafar NR, Baharudin A, Sabki ZA, Ng CG. Prevalence of depression in breast cancer survivors: a systematic review of observational studies. Asian Pacific J Cancer Prev. 2013;14(4):2649-56. ), podem evoluir para um quadro crônico e impossibilitá-las de desempenhar suas tarefas cotidianas e, em situações mais graves, resultar em suicídio. Estudo revelou que, em pacientes com câncer, dor e depressão estiveram associadas ao risco de suicídio( 5. Fanger PC, Azevedo RCS, Mauro MLF, Lima DD, Gaspar KC, Silva VF, et al. Depressão e comportamento suicida em pacientes oncológicos hospitalizados: prevalência e fatores associados. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):173-8. ). É essencial o acompanhamento da paciente com o propósito de identificar tais traços comportamentais, incluindo o pensamento suicida, com o intuito de implementar posterior abordagem farmacológica e não farmacológica( 6. Meneses K, McNees P, Azuero A, Jukkala A. Evaluation of the Fertility and Cancer Project (FCP) among young breast cancer survivors. Psychooncology. 2010; 19(10):1112-1115. ).

Apesar de ser recorrente em pacientes oncológicos, a depressão muitas vezes não é diagnosticada ou, quando o diagnóstico ocorre, não é tratada de maneira adequada. Somente 35% dos pacientes são diagnosticados e tratados adequadamente( 7. Reyes-Gibby CC, Anderson KO, Morrow PK, Shete S, Hassan S. Depressive symptoms and health-related quality of life in breast cancer survivors. J Womens Health (Larchmt). 2012;21(3):311-8. ). Tal aspecto é relevante, pois a depressão associa-se ao pior prognóstico e maior mortalidade pelo câncer( 8. Bottino SMB, Fraguas R, Gattaz, WF. Depressão e câncer. Rev Psiquiatr Clín. 2009; 36(3):109-15. ).

Pacientes oncológicos com sintomas depressivos tendem, ainda, a apresentar menor adesão a tratamentos propostos, com consequente piora do prognóstico( 5. Fanger PC, Azevedo RCS, Mauro MLF, Lima DD, Gaspar KC, Silva VF, et al. Depressão e comportamento suicida em pacientes oncológicos hospitalizados: prevalência e fatores associados. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):173-8. ). Além dos sintomas depressivos, a literatura aponta vários fatores como responsáveis para a baixa adesão entre tais pacientes, incluindo efeitos colaterais dos medicamentos, necessidade de mudança comportamental significativa, falhas na comunicação com os profissionais de saúde, serviços de saúde ineficientes, complexidade do regime terapêutico, insatisfação do paciente com o cuidado prestado, apoio social insuficiente, crenças do paciente sobre o tratamento, entre outros( 9. Kimmick G, Anderson R, Camacho F, Bhosle M, Hwang W, Balkrishnan R. Adjuvant hormonal therapy use among insured, low-income women with breast cancer. J Clin Oncol. 2009;27(21):3445-51. ). A não adesão aos medicamentos em pacientes com câncer de mama está associada a piores resultados clínicos, evidenciando a importância de seu rastreamento.

Todos os aspectos descritos apontam a importância da investigação de sintomas depressivos e da adesão aos quimioterápicos em pacientes com câncer de mama, visando a otimização do tratamento e melhor qualidade de vida.

Objetivo

Verificar, em mulheres com câncer de mama, atendidas na farmácia da central de quimioterapia de um hospital universitário de grande porte, sintomas depressivos e adesão ao tratamento quimioterápico.

Método

Trata-se de estudo analítico, transversal, com abordagem quantitativa, realizado na farmácia da central de quimioterapia de um hospital universitário de grande porte, localizado em um município do interior do Estado de São Paulo, Brasil. A referida farmácia dispensa gratuitamente medicamentos quimioterápicos, para via oral ou injetável, para pacientes em seguimento na instituição.

A amostra de conveniência constituiu-se de 112 pacientes com diagnóstico de câncer de mama, que retiraram o quimioterápico nessa farmácia, no período de outubro de 2012 a março de 2013. Os critérios para inclusão no estudo foram: ter diagnóstico médico de câncer de mama, ter prescrição de uso de quimioterápico para seu tratamento e ter idade igual ou superior a 18 anos. Todas as pacientes que compareceram ao serviço no período de coleta dos dados e que preencheram os critérios de inclusão foram convidadas a participar.

A entrevista estruturada, realizada em sala privativa no próprio serviço, foi a técnica utilizada para a coleta dos dados e se baseou em um roteiro composto por três partes. A primeira era composta por dados de identificação demográfica, socioeconômica, clínica e terapêutica dos pacientes. Quanto aos medicamentos, a descrição foi baseada no primeiro nível de classificação Anatômica Química e Terapêutica (Anatomical Therapeutic Chemical-ATC) da OMS (www.whocc.no/atc_ddd_index).

A segunda parte do roteiro consistiu no teste de Morisky( 1010 . Morisky DE, Green LW, Levine DM. Concurrent and predictive validity of a self-reported measure of medication adherence. Med Care. 1986;24(1):67-74. ), que permite identificar o grau de adesão do paciente ao tratamento medicamentoso e avaliar seu comportamento quanto ao uso diário do medicamento. O instrumento é constituído por quatro perguntas: Você, alguma vez, se esquece de tomar o seu remédio? Você, às vezes, é descuidado quanto ao horário de tomar seu remédio? Quando você se sente bem, alguma vez, você deixa de tomar seu remédio? e Quando você se sente mal com o remédio, às vezes, deixa de tomá-lo?

A adesão foi mensurada por meio de respostas dicotômicas: "Não" e "Sim", às quais foram atribuídos os valores 0 (zero) ou 1, respectivamente. Assim, para cada resposta positiva atribuiu-se o valor 1 e, às respostas negativas, o valor 0. Objetivando a comparação e discussão dos resultados, definiu-se como critério para classificar o grau de adesão: mais aderentes, pacientes que obtiveram 0 ponto no teste de Morisky, e como menos aderentes, aqueles que obtiveram de 1 a 4 pontos no instrumento.

A terceira parte do roteiro visava identificar a presença de sintomas depressivos na amostra em estudo. Para tanto, foi aplicado o Inventário de Depressão de Beck( 1111 . Beck AT, Ward CH, Mendelson M, Mock J, Erbaugh J. An inventory for measuring depression. Arch Gen Psychiatr.1961;4:53-63. ). Esse instrumento consiste em uma escala sintomática de autorrelato, composta por 21 itens com diferentes alternativas de resposta, a respeito do que o sujeito tem sentido na última semana, incluindo a data da aplicação, e que correspondem a distintos níveis de gravidade dos sintomas depressivos. A soma dos escores dos itens individuais fornece um escore total, que permite dimensionar a intensidade dos sintomas depressivos e que pode ser classificado nos seguintes níveis: "sem depressão", "disforia", "depressão moderada" e "depressão grave". A escolha do ponto de corte adequado para cada nível depende da natureza da amostra e dos objetivos do estudo. Para amostras não diagnosticadas com depressão, como é o caso deste estudo, recomendam-se escores acima de 15 para detectar "disforia" e o termo "depressão" é designado para casos com pontuação acima de 20.

Após a aplicação dos instrumentos, os dados relacionados à adesão e ao Inventário de Depressão de Beck foram analisados no programa EpiInfo(tm), versão 3.2, de domínio público (http://www.cdc.gov/epiinfo). Possíveis associações entre variáveis dependentes e independentes foram verificadas mediante o teste exato de Fisher, quando a frequência de pacientes encontrada para a variável foi inferior a cinco; entretanto, para uma frequência maior do que o referido valor, foi utilizado o teste qui-quadrado. Para tanto, as variáveis foram dicotomizadas, adotando-se nível de significância estatística de α=0,05.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da instituição na qual o estudo foi desenvolvido (Processo HCRP nº6349/2010), e os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme normas da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Participaram do estudo 112 mulheres com idade entre 26 e 90 anos. Houve maior porcentagem de mulheres casadas (47,32%), aposentadas (34,82%) e do lar (28,57%).

A maioria das pacientes em tratamento utilizava apenas um quimioterápico (94,64%), medicamentos pertencentes à classificação L02B-agonistas hormonais e agentes relacionados (98,21%), e havia realizado, no máximo, uma cirurgia na vida (58,04%) (Tabela 1).

Tabela 1
- Distribuição das participantes do estudo, de acordo com as variáveis clínicas e terapêuticas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2013

Identificou-se que 12,50 e 1,78% das pacientes apresentaram "depressão moderada" e "grave", respectivamente, de acordo com a classificação da intensidade dos sintomas depressivos preconizada pelo Inventário de Depressão de Beck( 1111 . Beck AT, Ward CH, Mendelson M, Mock J, Erbaugh J. An inventory for measuring depression. Arch Gen Psychiatr.1961;4:53-63. ). Como o uso de antidepressivo é, habitualmente, indicado para pacientes com depressão moderada e grave, para apresentação dos dados sobre a utilização da referida classe terapêutica optou-se por dicotomizar a intensidade dos sintomas depressivos em: "sem depressão ou com disforia" e com "depressão moderada e grave". Observa-se que 10,59% das pacientes classificadas com "depressão moderada" e "grave" não utilizavam antidepressivo e 25,93%, apesar de fazerem uso de antidepressivo, apresentaram sintomas depressivos. Houve associação estatisticamente significante entre a intensidade dos sintomas depressivos e o uso de antidepressivo (χ2=0,998; p=0,04), destacando-se que 74,07% das pacientes que faziam uso de antidepressivo não tinham sintomas depressivos ou apresentavam sintomas considerados leves (Figura 1).

Figura 1
- Distribuição das participantes do estudo, de acordo com a intensidade dos sintomas depressivos e utilização de antidepressivo

A análise dos dados revelou que não houve associação estatisticamente significante entre a intensidade dos sintomas depressivos e as variáveis demográficas, socioeconômicas, clínicas e terapêuticas investigadas neste estudo. É importante mencionar, entretanto, que houve maior porcentagem de depressão moderada e grave entre as mulheres com até 56 anos (19,64%), com renda (16,89%), com mais que três dependentes (22,22%) e que já se submeteram a duas ou mais cirurgias (17,39%) (Tabela 2).

Tabela 2
- Prevalência de sintomas depressivos, segundo as variáveis demográficas, socioeconômicas, clínicas e terapêuticas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2013

Constatou-se que 46,43% das pacientes não aderiram aos medicamentos prescritos para o tratamento do câncer. Destaca-se que 5,35% apresentavam "depressão moderada" ou "grave". Verificou-se que, entre as pacientes sem sintomas depressivos, a maioria era aderente aos medicamentos (Figura 2).

Figura 2
- Distribuição das participantes do estudo, de acordo com classificação dos sintomas depressivos e adesão ao tratamento quimioterápico.

Não houve associação significante entre a adesão aos quimioterápicos e as variáveis investigadas (p>0,05); entretanto, verificou-se maior porcentagem de adesão entre as mulheres com idade igual ou superior a 57 anos (57,14%), sem parceiro (56,14%), com renda (57,14%) e com até 12 meses de diagnóstico (70,00%) (Tabela 3).

Tabela 3
- Prevalência de adesão aos quimioterápicos, segundo as variáveis demográficas, socioeconômicas, clínicas e terapêuticas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2013

Discussão

Este estudo verificou sintomas depressivos e adesão ao tratamento quimioterápico em mulheres com câncer de mama. Constatou-se que 12,50%e 1,78% das pacientes apresentaram "depressão moderada" e "grave", respectivamente, de acordo com a classificação adotada por Beck( 1111 . Beck AT, Ward CH, Mendelson M, Mock J, Erbaugh J. An inventory for measuring depression. Arch Gen Psychiatr.1961;4:53-63. ). A literatura relata que mulheres com câncer de mama que são submetidas à quimioterapia apresentam maior taxa de depressão( 1212 . Hack TF, Pickles T, Ruether JD, Weir L, Bultz BD, Mackey J, et al. Predictors of distress and quality of life in patients undergoing cancer therapy: impact of treatment type and decisional role. Psychooncology. 2010;19(6):606-16. ). Dentre os fatores que contribuem para a depressão pode-se mencionar o distúrbio do sono, sintomas de menopausa, náusea, além da dor proveniente dos elevados níveis de citocinas pró-inflamatórias devido ao dano tecidual resultante da quimioterapia e radioterapia( 1313 . Silva PO, Gorini MIPC. Validation of defining characteristics for the nursing diagnosis of fatigue in oncological patients. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(3):504-10. ). Deve-se considerar ainda que a redução brusca dos níveis de estrogênio, durante a quimioterapia, pode favorecer a sintomatologia depressiva, uma vez que esse hormônio aumenta a sensibilidade da serotonina no cérebro( 1414 . Dodd MJ, Cho MH, Cooper BA, Miaskowski C. The effect of symptom clusters on functional status and quality of life in women with breast cancer. Eur J Oncol Nurs. 2010; 14(2):101-10. ).

A depressão é uma condição crônica associada a níveis altos de incapacitação funcional, má evolução de doenças clínicas concomitantes, grave sofrimento psíquico e físico, podendo ter como desfecho o suicídio( 5. Fanger PC, Azevedo RCS, Mauro MLF, Lima DD, Gaspar KC, Silva VF, et al. Depressão e comportamento suicida em pacientes oncológicos hospitalizados: prevalência e fatores associados. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(2):173-8. ). Nesse contexto, é preocupante o fato de 10,59% das pacientes que não utilizavam antidepressivos apresentarem "depressão moderada" e "grave".

Destaca-se que, mesmo em uso de antidepressivos, 25,93% das pacientes ainda apresentavam sintomas depressivos. Possível explicação para esse achado seria o tempo de uso do antidepressivo inferior ao necessário para obtenção dos resultados terapêuticos, variável essa não investigada neste estudo. A literatura aponta, todavia, que cerca de 30 a 50% das depressões não respondem satisfatoriamente ao tratamento de primeira escolha, mesmo quando realizado de modo adequado, independentemente do primeiro antidepressivo prescrito( 1515 . Hermelink K, Kuchenhoff H, Untch M, Bauerfeind I, Lux MP, Buhner M, et al. Two different sides of 'chemobrain': determinants and nondeterminants of selfperceived cognitive dysfunction in a prospective, randomized, multicenter study. Psychooncology. 2010; 19(12):1321-8. ). Estudo que investigou sintomas depressivos, em uma amostra de pacientes com diagnóstico de depressão em uso contínuo de medicamentos, identificou que 42% dos indivíduos ainda apresentavam sintomas graves( 1616 . Bauer M, Whybrow PC, Angst J, Versiani M, Möller, HJ Diretrizes da World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) para tratamento biológico de transtornos depressivos unipolares, 1ª parte: tratamento agudo e de continuação do transtorno depressivo maior. Rev Psiquiatr Clín. 2009;36(2):17-57. ).

Os aspectos descritos revelam a importância da utilização de intervenções psicossociais, além da terapêutica medicamentosa, no tratamento da depressão, visando a recuperação completa e melhor qualidade de vida do paciente( 1717 . Lima AFBS, Fleck MPA. Quality of life, diagnosis, and treatment of patients with major depression: a prospective cohort study in primary care. Rev Bras Psiquiatr. 2011;33(3):245-51. ). Nesse caso, a psicoterapia, com suas diferentes abordagens, pode ser utilizada tanto como tratamento primário quanto como adjuvante à farmacoterapia, principalmente ao se considerar as características do tratamento do paciente com câncer.

Constatou-se associação estatisticamente significante entre a intensidade dos sintomas depressivos e o uso de antidepressivo. A maioria das pacientes (74,07%) que fazia uso de antidepressivo não tinha sintomas depressivos ou apresentava sintomas considerados leves. Para essa população, a importância dos antidepressivos também está relacionada à sua eficácia para outros sintomas frequentemente associados ao câncer de mama, incluindo a fadiga, dificuldades para dormir e ondas de calor( 1818 . Bio DS, Souza EL, Moreno RA. Remissão sintomática e qualidade de vida em pacientes com depressão maior tratados com antidepressivo: um estudo prospectivo. Aletheia. 2011; 34:151-62. ).

Quanto à relação entre sintomas depressivos e as variáveis investigadas neste estudo, destaca-se a maior porcentagem de "depressão moderada" e "grave" entre as mulheres com até 56 anos, pois não há consenso na literatura de como a idade se relaciona à depressão. Estudo aponta, todavia, a intensa preocupação de mulheres jovens com câncer de mama em relação ao tratamento quimioterápico, pois esse reduz a produção de hormônios femininos, o que pode resultar em menopausa precoce com consequente infertilidade, além da dificuldade em lidar com a tensão psicológica vinculada à retirada parcial ou total da mama( 6. Meneses K, McNees P, Azuero A, Jukkala A. Evaluation of the Fertility and Cancer Project (FCP) among young breast cancer survivors. Psychooncology. 2010; 19(10):1112-1115. ).

Constatou-se, nesta pesquisa, que 46,43% das pacientes não aderiram aos medicamentos quimioterápicos prescritos para o tratamento do câncer. Tal porcentagem é elevada, considerando-se as consequências do referido comportamento, pois a diminuição dos níveis de adesão está associada ao aumento do risco de morte( 1919 . Ladd CO, Newport DJ, Ragan KA, Loughhead A, Stowe ZN. Venlafaxine in the treatment of depressive and vasomotor symptoms in women with perimenopausal depression. Depress Anxiety. 2005;22(2):94-7. ).

Estudo revelou que a não adesão ao tamoxifeno esteve associada à diminuição da sobrevida livre da doença( 2020 . Hershman D, Shao T, Kushi L, Buono D, Tsai W, Fehrenbacher L, et al. Early discontinuation and non-adherence to adjuvant hormonal therapy are associated with increased mortality in women with breast cancer. Breast Cancer Res Treat. 2011;126(2):529-37. ). Esse dado é relevante para o presente estudo, pois a maioria das pacientes investigadas (98,21%) utilizava medicamentos pertencentes à classificação L02B- agonistas hormonais e agentes relacionados, sendo o tamoxifeno o mais prescrito. O tamoxifeno é um adjuvante hormonal de estrogênio utilizado há mais de 25 anos no tratamento de mulheres com câncer de mama, com eficácia comprovada na redução de mortalidade e prevenção de recidiva. A utilização do tamoxifeno, quando comparado a pacientes sem tratamento, reduz em cerca de 15 anos o risco de recorrência do câncer( 2121 . Ma AM, Barone J, Wallis AE, Wu NJ, Garcia LB, Estabrook A, et al. Noncompliance with adjuvant radiation, chemotherapy, or hormonal therapy in breast cancer patients. Am J Surg. 2008;196(4):500-4. ).

Dentre os fatores comumente apontados para a não adesão ao tratamento em pacientes com câncer de mama, destacam-se os efeitos adversos da terapia. A hormonioterapia, incluindo o tamoxifeno, pode ocasionar ondas de calor, retenção de líquidos, sangramento, erupção cutânea, prurido e secura vaginal, aumento do risco para câncer de endométrio, artralgia, trombose venosa profunda, entre outros( 2222 . Early Breast Cancer Trialists' Collaborative Group (EBCTCG). Effects of chemotherapy and hormonal therapy for early breast cancer on recurrence and 15 year survival: an overview of the randomised trials. Lancet. 2005;365:1687-717. ).

Não se identificou associação estatisticamente significante entre adesão aos quimioterápicos e as variáveis investigadas. Destaca-se, no entanto, maior porcentagem de adesão entre as mulheres com idade igual ou superior a 57 anos e sem parceiro. Em relação à idade, estudo corrobora os resultados da presente pesquisa ao revelar maior adesão em mulheres mais velhas( 9. Kimmick G, Anderson R, Camacho F, Bhosle M, Hwang W, Balkrishnan R. Adjuvant hormonal therapy use among insured, low-income women with breast cancer. J Clin Oncol. 2009;27(21):3445-51. ). Todavia, não há consenso na literatura a esse respeito. A maior adesão entre pacientes sem parceiro está em discordância com a literatura, que sugere que a presença de companheiro está associada a maior adesão( 2323 . Ashraf M, Biswas J, Majumdar S, Nayak S, Alam N, Mukherjee KK, et al. Tamoxifen use in Indian women- adverse effects revisited. Asian Pac L Cancer Prev. 2009;10(4):609-12. ), indicando a necessidade de outros estudos que investiguem a relação entre tais variáveis.

Verificou-se que 5,35% das pacientes que não aderiam aos medicamentos apresentavam depressão moderada ou grave. Há evidências de que a depressão pode estar associada à não adesão ao tratamento( 7. Reyes-Gibby CC, Anderson KO, Morrow PK, Shete S, Hassan S. Depressive symptoms and health-related quality of life in breast cancer survivors. J Womens Health (Larchmt). 2012;21(3):311-8. ). Embora para essas pacientes seja importante o tratamento com antidepressivos, há necessidade de escolha cuidadosa do medicamento a ser prescrito. Os Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) são amplamente utilizados, todavia, podem inibir o citocromo P450 2D6, necessário para ativar o tamoxifeno, interferindo na eficácia desse medicamento na prevenção de recorrência do câncer de mama. Na atualidade, acredita-se que, para essas pacientes, pode ser prescrito citalopram e, possivelmente, outros ISRS com menor potência, sem afetar negativamente o resultado da terapia adjuvante com tamoxifeno( 2424 . Hershman DL, Kushi LH, Shao T, Buono D, Kershenbaum A, Tsai WY, et al. Early discontinuation and nonadherence to adjuvant hormonal therapy in a cohort of 8.769 early-stage breast cancer patients. J Clin Oncol. 2010;28(27):4120-8. ). A possibilidade de tal interação farmacológica sugere a necessidade de comunicação entre oncologistas e psiquiatras.

É importante mencionar que os resultados deste estudo devem ser avaliados, considerando-se suas limitações metodológicas: amostra de conveniência, realização do estudo em um único serviço e com pacientes ambulatoriais, o que limita a generalização dos resultados a outros grupos.

Conclusão

Este estudo verificou sintomas depressivos e adesão ao tratamento quimioterápico em mulheres com câncer de mama. Constatou-se alta porcentagem de pacientes não aderentes ao tratamento e com intensidade de sintomas depressivos correspondentes a "depressão moderada" e "grave".

A identificação de mulheres com sintomas depressivos, apesar do uso de antidepressivos, constitui um achado relevante ante a influência de tais sintomas, tanto na adesão ao tratamento quanto na evolução do câncer. Esse resultado indica que outras modalidades terapêuticas, além da abordagem psicofarmacológica, são necessárias.

Os achados também apontam a importância da avaliação do antidepressivo adequado para a paciente, considerando-se o tipo de tratamento antineoplásico a que será submetida, visto que a classe de antidepressivos pode tanto estar relacionada à melhora dos sintomas atribuídos à doença e ao tratamento quimioterápico como à diminuição da eficácia do mesmo, com consequente redução da taxa de sobrevida livre da doença. Desse modo, para que a avaliação e tratamento dessas pacientes sejam efetivos, é imperativo que se proceda à integração da equipe de oncologia e de psiquiatria.

Ressalta-se que, além das mulheres acometidas, devem também ser consideradas suas redes de apoio social, de modo que familiares e parceiros íntimos sejam também envolvidos no processo de adaptação ao tratamento, com a ajuda de uma equipe multiprofissional capacitada. Como membro dessas equipes, o enfermeiro tem papel central na implementação de estratégias psicossociais, individuais ou em grupo, voltadas para otimização do tratamento dos sintomas depressivos e promoção da adesão ao tratamento quimioterápico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2013
  • Aceito
    20 Maio 2014
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