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Associação entre depressão e estresse laboral em profissionais de enfermagem de nível médio 1 1 Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 12/24761-8.

Resumo

Objetivo:

analisar a relação entre depressão e estresse laboral em profissionais de enfermagem de nível médio, de um hospital escola no interior paulista.

Método:

foi realizado um estudo transversal com 310 técnicos e auxiliares de enfermagem, selecionados aleatoriamente. O desfecho analisado foi o relato de depressão e sua relação com alto nível de estresse laboral, mensurado pela Job Stress Scale. Foi realizada estatística descritiva e regressão logística.

Resultados:

a prevalência de depressão neste estudo foi de 20%, mais expressiva em pessoas do sexo feminino, com idade superior a 40 anos, que vivem sem companheiro e entre fumantes. A chance de depressão foi duas vezes maior entre os profissionais que apresentaram alto nível de estresse laboral, mesmo após o controle na regressão múltipla.

Conclusão:

sintomas depressivos estiveram fortemente associados ao alto nível de estresse entre auxiliares e técnicos de enfermagem, evidenciando uma problemática a ser considerada junto ao planejamento de programas específicos de intervenção para esta população, bem como a necessidade de melhor gerenciamento dos casos por parte dos supervisores.

Descritores:
Depressão; Estresse Psicológico; Estudos Transversais; Enfermagem

Abstract

Objective:

to analize the relationship between depression and work stress in nursing professionals with technical education level of a teaching hospital in a city of the state of São Paulo.

Methods:

a cross-sectional study was carried out with 310 nursing technicians and nursing assistants, randomly selected. The outcome analyzed was the report of depression and its relationship with high levels of work stress, measured using the Job Stress Scale. Descriptive statistics and logistic regression were performed.

Results:

the prevalence of depression in this study was 20%, and it was more expressive in females, aged over 40 years, living without a partner and in smokers. The chance of depression was twice as high among professionals showing high levels of work stress, even after multiple regression adjusting.

Conclusion:

depressive symptoms were strongly associated with high stress levels among nursing assistants and nursing technicians, evidencing a problem to be considered along with the planning of specific intervention programs for this population, as well as the need for better cases management by the supervisors.

Descriptors
Depression; Stress Psychological; Cross Sectional Studies; Nursing

Resumen

Objetivo:

analizar la relación entre depresión y estrés laboral en profesionales de enfermería de nivel medio, en un hospital universitario en el interior de São Paulo.

Método:

se ha llevado a cabo un estudio transversal con 310 técnicos y auxiliares de enfermería, seleccionados al azar. El desenlace analizado ha sido la historia de depresión y su relación con los altos niveles de estrés laboral, medidos por la Job Stress Scale. Se han realizado estadística descriptiva y regresión logística.

Resultados:

la prevalencia de depresión en este estudio fue del 20%, más expresiva en las mujeres, de edad superior de 40 años, que viven sin pareja y en los fumadores. La posibilidad de padecer depresión ha sido dos veces más grande entre los profesionales que mostraron un alto nivel de estrés en el trabajo, incluso después del control en la regresión múltiple.

Conclusión:

los síntomas depresivos se han asociado fuertemente con altos niveles de estrés entre los auxiliares y técnicos de enfermería, evidenciando un problema a tener en cuenta por los programas de planificación específicos de intervención para esta población, así como la necesidad de una mejor gestión de los casos por los supervisores.

Descriptores:
Depressión; Estrés Psicológico; Estudios Transversales; Enfermería

Introdução

A depressão é um transtorno mental, caracterizado por tristeza, falta de confiança, adinamia, diminuição da energia, perda de confiança e autoestima, sentimento de culpa, ideação suicida, diminuição da concentração e padrão desajustado de sono e do apetite. Pode ser compreendida como um prolongamento de sentimentos negativos, podendo levar a disfuncionalidade do indivíduo(1-2).

No cenário mundial, a depressão pode ser considerada como um problema de saúde pública, devido a sua alta prevalência e incapacidade funcional que provoca 3. World Health Organization. Revised global burden of disease (GBD) 2002 estimates. Genebra: World Health Organization; 2005..

A distribuição da prevalência de transtornos depressivos comporta-se de forma desigual na população, sendo mais expressiva no sexo feminino 4. Van de Velde S, Bracke P, Levecque K. Gender differences in depression in 23 European countries. Cross-national variation in the gender gap in depression. Soc Sci Med. 2010;71(2):305-13., classes econômicas mais baixas 5. Everson SA, Maty SC, Lynch JW, Kaplan GA. Epidemiologic evidence for the relation between socioeconomic status and depression, obesity, and diabetes. J Psychosom Res. 2002 Oct;53(4):891-5., indivíduos mais jovens 6. Barros MBdA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Social inequalities in the prevalence of chronic diseases in Brazil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11:911-26.e em portadores de doenças crônicas 7. Boing AF, Melo GR, Boing AC, Moretti-Pires RO, Peres KG, Peres MA. Association between depression and chronic diseases: results from a population-based study. Rev Saúde Publica. 2012 Aug;46(4):617-23.. A prevalência da depressão pode variar entre as populações. Nos Estados Unidos, por exemplo, 12% das mulheres padecem anualmente de depressão, enquanto a doença atinge 7% da população masculina 8. Kessler RC, Chiu WT, Demler O, Merikangas KR, Walters EE. Prevalence, severity, and comorbidity of 12-month DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatry. 2005 Jun;62(6):617-27.. No Brasil, estima-se que cerca de 6% da população geral apresentava depressão no ano de 2003 6. Barros MBdA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Social inequalities in the prevalence of chronic diseases in Brazil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11:911-26..

O prejuízo à população não está atrelado apenas às consequências deletérias nas esferas biopsicossociais do indivíduo, interferindo, também, ativamente no âmbito trabalhista. A depressão afeta a qualidade de vida dos indivíduos e a produtividade no local de trabalho, podendo resultar em prejuízos financeiros, decorrentes do absenteísmo 1. Manetti ML, Marziale MHP. Aspects associated to work-related depression on nursing staff. Estudos Psicol. (Natal). 2007;12:79-85..

Os profissionais que interagem a maior parte do tempo com indivíduos que necessitam de apoio são os

mais suscetíveis ao adoecimento psíquico(1,9). Dentre eles, destacam-se os profissionais de enfermagem que atuam diretamente com a intimidade, dores e temores partícipes do sofrimento humano. Problemas de relacionamento no ambiente de trabalho, dificuldade de remanejamento, extenuante jornada trabalhista, sistemática de plantões e exposição a agentes físicos, químicos e biológicos também configuram-se como fatores predisponentes ao desencadeamento da depressão(1,10).

A relação da depressão com os trabalhadores está diretamente modulada pelos estressores no ambiente de trabalho. O estresse laboral, definido como resultado do desequilíbrio entre as demandas do exercício profissional e a capacidade de enfrentamento do trabalhador, associa-se ao desgaste do profissional, articulando-se negativamente à saúde mental dos trabalhadores 1111 . Kirchhof ALC, Magnago TSBdS, Camponogara S, Griep RH, Tavares JP, Prestes FC, et al. Working conditions and social-demographic characteristics related to the presence of minor psychic disorders in nursing workers. Texto Contexto Enferm. 2009;18:215-23.. As taxas de prevalência de depressão ou sintomatologia depressiva entre profissionais da enfermagem são superiores a 20%(2,12), consideradas altas, quando comparadas com a população em geral.

O presente estudo objetiva analisar a relação entre depressão e estresse laboral entre profissionais de enfermagem de nível médio, de um hospital escola no interior paulista.

Métodos

Foram utilizados os recursos da abordagem quantitativa, tipo transversal e descritivo-exploratório. Desenvolvido em um hospital de grande porte do interior do estado de São Paulo.

A população da pesquisa abrange todos os técnicos e auxiliares de enfermagem atuantes no referido hospital. Optou-se por realizar o estudo nesta população (técnicos e auxiliares), considerando que estes profissionais cumprem alta demanda de trabalho e tem pouco controle da função exercida, devido a sua formação e à supervisão constante do profissional enfermeiro.

Segundo informações do setor de Recursos Humanos, no início da coleta de dados o hospital empregava 987 auxiliares de enfermagem e 148 técnicos em enfermagem, totalizando 1135 funcionários. A amostra inicial do estudo foi constituída por 338 participantes. O tamanho da amostra foi calculado para detectar uma prevalência prevista de 50%, com 95% de confiança e erro máximo de 5%. A aleatorização foi feita através do software SPSS e a coleta de dados ocorreu entre julho e janeiro de 2013.

Foram incluídos na amostra os profissionais que exerciam suas atividades profissionais, no mínimo, há um ano e de ambos os gêneros. Foram excluídos da pesquisa os profissionais que estavam afastados ou de férias do trabalho, durante o período de coleta de dados.

Considerando os aspectos éticos referentes à pesquisa envolvendo seres humanos (resolução 196/96), o presente estudo recebeu autorização do serviço para sua realização, submetido à avaliação do Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP) e aprovado sob o Parecer 23.433/2011, com protocolo CAAE 01658912.0000.5393. Também foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP/USP).

Os dados foram coletados por alunos de pósgraduação, treinados individualmente e no próprio ambiente laboral. Para coleta de dados foi utilizado um questionário sociodemográfico e de condições de trabalho e saúde, além da escala Childhood Traume Questionnaire- CTQ 1313 . Bernstein DP, Stein JA, Newcomb MD, Walker E, Pogge D, Ahluvalia T, et al. Development and validation of a brief screening version of the Childhood Trauma Questionnaire. Child Abuse Negl. 2003 Feb;27(2):169-90.e Job Stress Scale (JSS) 1414 . Karasek RA, Theorell T, Schwartz JE, Schnall PL, Pieper CF, Michela JL. Job characteristics in relation to the prevalence of myocardial infarction in the US Health Examination Survey (HES) and the Health and Nutrition Examination Survey (HANES). Am J Public Health. 1988 Aug;78(8):910-8..

A variável dependente foi o relato de depressão em algum momento da vida. A pergunta utilizada foi aplicada nos suplementos de saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2003 e 2008: "Algum médico ou profissional de saúde já disse que o(a) senhor(a) tem depressão?". Este tipo de variável vem sendo utilizada por estudos que avaliam relato de depressão, doenças respiratórias e outras condições de saúde(7,15). A variável independente principal foi o Alto Nível de Exposição ao Estresse Laboral, coletado através do uso da Escala de Estresse no Trabalho (JSS).

Para controle, foram utilizadas as variáveis: sexo (masculino e feminino), idade (coletada como variável quantitativa e categorizada em mais ou menos 40 anos), prática religiosa (sim ou não), estado civil (com ou sem companheiro), nível de complexidade no trabalho (média ou alta, de acordo com a unidade de trabalho), tempo de trabalho na instituição (mais ou menos 15 anos), afastamento do trabalho no ano (sim ou não), uso de tabaco (sim ou não), doenças crônicas referidas (sim ou não) e estresse precoce (sim ou não).

O Alto Nível de Estresse Laboral foi a variável independente de interesse e mensurado através do uso da Escala de Estresse no Trabalho (Job Stress Scale). Em modelo proposto por Karasek, esta escala foi originalmente elaborada na Suécia, para avaliação do estresse ocupacional 1414 . Karasek RA, Theorell T, Schwartz JE, Schnall PL, Pieper CF, Michela JL. Job characteristics in relation to the prevalence of myocardial infarction in the US Health Examination Survey (HES) and the Health and Nutrition Examination Survey (HANES). Am J Public Health. 1988 Aug;78(8):910-8.e resumida e validade para o português por Alves 1616 . Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Werneck GL. Versão resumida da "job stress scale": adaptação para o português. Rev Saúde Publica. 2004;38(2):164-71.. Esta escala aborda três categorias equivalentes às dimensões: psicológica (demanda), trabalho (controle) e apoio social. É composta por 17 questões, sendo cinco para avaliar demanda, seis para avaliar controle e seis para apoio social. Para o cálculo do nível de exposição ao estresse laboral faz-se a combinação apenas das dimensões demanda e controle, originando as categorias baixo, intermediário e alto. Para as dimensões de demanda e controle, as opções de resposta são apresentadas em escala tipo Likert, variando entre "frequentemente" (4) e "nunca/quase nunca" (1). Para as dimensões de interesse do presente estudo utilizou-se a dicotomização pelo ponto de corte na média, após confirmação de distribuição normal, conforme recomendações do Job Content Questionnaire User's Guide 1717 . Karasek RA, Theorell T. Healthy work-stress, productivity, and the reconstruction of working life. New York (US): Basic Books; 1990., determinando-se baixo controle (≤17), alto controle (≥18), baixa demanda (≤13) e alta demanda (≥14).

Para determinação do tipo de trabalho, as respostas foram atribuídas às quatro categorias do modelo Job Strain Model, proposto por Karasek 1717 . Karasek RA, Theorell T. Healthy work-stress, productivity, and the reconstruction of working life. New York (US): Basic Books; 1990.: trabalho em baixa exigência (baixa demanda e alto controle), trabalho passivo (baixa demanda e baixo controle), trabalho ativo (alta demanda e alto controle) e trabalho em alta exigência (alta demanda e baixo controle). Finalmente, os quatro tipos de trabalho foram reagrupados para fornecer o Nível de Exposição ao Estresse Ocupacional, de acordo com suas três categorias: Alto (alta exigência, variável independente), Intermediário (trabalhos ativo e passivo) e Baixo (baixa exigência). Neste estudo, foram considerados apenas os profissionais com alto nível.

A variável independente estresse precoce foi avaliada pela escala Childhood Trauma Questionnaire (CTQ) 1313 . Bernstein DP, Stein JA, Newcomb MD, Walker E, Pogge D, Ahluvalia T, et al. Development and validation of a brief screening version of the Childhood Trauma Questionnaire. Child Abuse Negl. 2003 Feb;27(2):169-90.. A versão breve do CTQ, utilizada neste estudo, composta por 28 itens, foi modificada e validada, mantendo as mesmas propriedades da versão original, porém, sendo mais rápida a aplicação. Os itens do CTQ são respondidos em uma escala Likert, que varia de 1 (nunca) a 5 (sempre), sendo invertida a pontuação dos itens 5, 7, 10, 13, 15, 16, 19, 21, 22, 26 e 28.

Este questionário foi traduzido e adaptado para o português, por Grassi-Oliveira em 2006 1717 . Karasek RA, Theorell T. Healthy work-stress, productivity, and the reconstruction of working life. New York (US): Basic Books; 1990.. No estudo de validação 1818 . Grassi-Oliveira R, Stein LM, Pezzi JC. Translation and content validation of the Childhood Trauma Questionnaire into Portuguese language. Rev Saúde Publica. 2006 Apr;40(2):249-55., foram realizadas análises fatoriais exploratórias e confirmatórias em relação à validade do constructo, que apontaram os seguintes subtipos de estresse precoce, cuja pontuação varia de 5 a 25: Abuso Emocional (assertivas 3, 8, 14, 18 e 25), Físico (assertivas 9, 11, 12, 15 e 17) e Sexual (assertivas 20, 21, 23, 24 e 27); Negligência Física (assertivas 1, 2, 4, 6 e 26) e Emocional (assertivas 5, 7, 13, 19 e 28). As assertivas 10, 16 e 22 correspondem à escala de controle de minimização/negação da experiência de abuso 1313 . Bernstein DP, Stein JA, Newcomb MD, Walker E, Pogge D, Ahluvalia T, et al. Development and validation of a brief screening version of the Childhood Trauma Questionnaire. Child Abuse Negl. 2003 Feb;27(2):169-90..

A pontuação do CTQ é feita através do somatório de pontos, referente a cada assertiva de cada dimensão, totalizando, ao final, cinco escores. Para o indivíduo ser classificado com presença de estresse precoce na infância é necessário que pontue nas classificações de moderado-severoou severo-extremo.As classificações da CTQ estão descritas na Figura 1 1313 . Bernstein DP, Stein JA, Newcomb MD, Walker E, Pogge D, Ahluvalia T, et al. Development and validation of a brief screening version of the Childhood Trauma Questionnaire. Child Abuse Negl. 2003 Feb;27(2):169-90..

Realizou-se um estudo piloto com os 20 primeiros participantes. Após análise dos dados, não foi detectada necessidade de mudanças na proposta inicial, para abordagem dos participantes e coleta dos dados, assim, estes foram incluídos no estudo, continuando-se a coleta.

Foi realizada análise descritiva das variáveis dependente e independentes, com o teste quiquadrado, para avaliação da relação entre as variáveis. Neste estudo, o valor de Alfa de Cronbach, para confiabilidade interna da escala CTQ foi de 0,85 e para JSS foi de 0,74.

Realizou-se análise de regressão múltipla no programa estatístico Stata 9. E análise bruta do desfecho (depressão) com cada uma das variáveis independentes. Aquelas que apresentaram valor de p < 0,20 foram incluídas no modelo múltiplo segundo método Stepwise Forward, quando a associação entre depressão e alto nível de estresse laboral foi ajustada por todas as variáveis independentes. Permaneceram na análise aquelas com p < 0,20 ou que se ajustavam às medidas obtidas de outra dimensão investigada.

Resultados

Foram entrevistados 310 técnicos e auxiliares de enfermagem, entre julho e janeiro de 2013, perfazendo uma taxa de resposta de 91,7%. Os participantes eram majoritariamente mulheres (76,1%), com idade superior a 40 anos, prática religiosa (92,5%) e com companheiro (58,1%). Em relação às condições de trabalho, a maioria trabalha em setores considerados de alta complexidade (77,9%) e há menos de 15 anos na instituição.

Cerca de 50% afastaram-se do trabalho por motivo de doença, no último ano. A maioria dos entrevistados referiu ter ao menos uma doença crônica (76,1%) e 11,3% faz uso de tabaco. Cerca de um terço (37,3%) relatou estresse precoce na infância e 17,4% trabalham sob alto nível de estresse.

O diagnóstico médico de depressão foi relatado por 20%, sendo maior entre: mulheres (24,5%), maiores de 40 anos (24,4%), pessoas que não convivem com companheiro(a) (28,5%), trabalham há mais de 15 anos na instituição (26,9%), tiveram afastamento no trabalho no último ano (28,4%), apresentam alto nível de estresse laboral (35,2%), fumantes (37,1%), apresentam ao menos uma doença crônica (26,6%) e entre os que sofreram estresse precoce (37,1%). Maiores detalhes sobre estes dados encontram-se na Tabela 1.

Figura 1
Classificação dos subtipos de Estresse Precoce de acordo com a gravidade (Adaptado de Bernstein et al., 2003) 1313 . Bernstein DP, Stein JA, Newcomb MD, Walker E, Pogge D, Ahluvalia T, et al. Development and validation of a brief screening version of the Childhood Trauma Questionnaire. Child Abuse Negl. 2003 Feb;27(2):169-90.

Na análise bruta foram investigadas as chances de ocorrência de depressão de acordo com as variáveis de interesse. Houve significância estatística entre todas as condições, exceto prática religiosa (p= 0,212) e nível de complexidade do trabalho (p= 0,237). Destaca-se a relação entre depressão e afastamento no trabalho, doença crônica, alto nível de estresse laboral e estresse precoce (p<0,001). Os valores encontrados para as demais variáveis em estudo encontram-se na Tabela 2.

Técnicos e auxiliares de enfermagem com alto nível de estresse laboral apresentavam prevalência de depressão 2,69 vezes maior em comparação àqueles sem estresse laboral no modelo bruto ( Tabela 3). Nos modelos seguintes, com ajustes pelas variáveis sociodemográficas, socioeconômicas, de condições de trabalho e saúde, a magnitude da Odds Ratio (OR) diminuiu, porém, a prevalência foi 2,03 vezes maior no grupo exposto a alto nível de estresse laboral (p = 0,048).

Tabela 1
Características da amostra e prevalência de depressão, referida segundo variáveis sociodemográficas, condições de trabalho e condições de saúde, entre técnicos e auxiliares de enfermagem. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2013

Tabela 2
Regressão logística bruta entre depressão, segundo variáveis sociodemográficas, condições de trabalho e condições de saúde, entre técnicos e auxiliares de enfermagem. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2013

Tabela 3
Análise de regressão múltipla entre depressão (sim/não) e alto nível de estresse laboral (sim/não), entre técnicos e auxiliares de enfermagem. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2013

Discussão

Técnicos e auxiliares de enfermagem que trabalham com alto nível de estresse laboral apresentaram maior prevalência de depressão, mesmo após ajuste das variáveis demográficas, socioeconômicas e de condições de saúde. A literatura aponta que, o trabalho realizado com alto nível de estresse é danoso tanto para a saúde mental, quanto física dos indivíduos, estando associado a diversos sinais e sintomas de adoecimento no

trabalho(18-19).

A prevalência de depressão, referida neste estudo, foi de 20%, mais expressiva em pessoas do sexo feminino, com idade superior a 40 anos, que vivem sem companheiro e entre fumantes, similar a outros estudos, realizados em populações semelhantes(1-2). O alto nível de estresse laboral esteve presente em 17,4% dos profissionais de enfermagem de nível médio e fortemente relacionado à depressão.

Estes achados são consistentes com literaturas nacional e internacional. Em estudo realizado em 2013, com trabalhadores de enfermagem do Sul do Brasil, encontrou-se prevalência de 21,8% de trabalho em alto desgaste e 20,6% de transtornos mentais comuns 2020 . Urbanetto Jde S, Magalhaes MC, Maciel VO, Sant'anna VM, Gustavo Ada S, Poli-de-Figueiredo CE, et al. Work-related stress according to the demand-control model and minor psychic disorders in nursing workers. Rev Esc Enferm USP. 2013 Oct;47(5):1180-6.. Em revisão de literatura sobre a ocorrência de depressão em trabalhadores de enfermagem, a prevalência média encontrada foi de 28,8% 1. Manetti ML, Marziale MHP. Aspects associated to work-related depression on nursing staff. Estudos Psicol. (Natal). 2007;12:79-85.. Ainda em relação ao trabalho com alto nível de estresse, outro estudo realizado com profissionais de enfermagem no Brasil, a prevalência foi de 21,2% 1111 . Kirchhof ALC, Magnago TSBdS, Camponogara S, Griep RH, Tavares JP, Prestes FC, et al. Working conditions and social-demographic characteristics related to the presence of minor psychic disorders in nursing workers. Texto Contexto Enferm. 2009;18:215-23..

Pode-se definir o estresse laboral como reações individuais às características do ambiente de trabalho, percebidas pelo trabalhador, surgindo por um desajuste entre capacidades técnicas individuais e exigências do trabalho 2121 . Paris L, Omar A. Predictores de satisfacción laboral en médicos y enfermeros. Estudos Psicol. (Natal). 2008;13:233-44.. Este desajuste pode levar a sofrimento psíquico e físico do trabalhador, causando patologias físicas e transtornos mentais.

A relação entre depressão e estresse laboral está fortemente associada às condições de trabalho dos profissionais de nível médio na enfermagem 1. Manetti ML, Marziale MHP. Aspects associated to work-related depression on nursing staff. Estudos Psicol. (Natal). 2007;12:79-85.. O trabalho realizado por estes profissionais caracteriza-se por baixo controle das atividades realizadas, sobrecarga de trabalho, repetição de tarefas, alta competitividade e baixa remuneração 1010 . Mark G, Smith AP. Occupational stress, job characteristics, coping, and the mental health of nurses. Br J Health Psychol. 2012 Sep;17(3):505-21.. Estes fatores podem levar ao desenvolvimento de estresse e, quando não resolvidos, podem levar à deterioração da saúde mental, manifestada por depressão ou outros transtornos mentais(22-23).

Os principais fatores relacionados à depressão em trabalhadores na enfermagem podem ser subdivididos em internos e externos ao ambiente de trabalho. A organização do trabalho aparece como principal fator em revisão de literatura realizada em 2007, seguida pelas relações sociais no trabalho e condições de trabalho. Como fatores externos ao trabalho, os principais foram as características sociodemográficas, sexo feminino, idade superior a 59 anos e baixa renda familiar. Além disso, características individuais, como habilidades de enfrentamento de problemas e apoio familiar também são determinantes na evolução do estresse e depressão 1. Manetti ML, Marziale MHP. Aspects associated to work-related depression on nursing staff. Estudos Psicol. (Natal). 2007;12:79-85..

Estudo realizado com profissionais de enfermagem de Portugal apontou que as principais situações estressoras relacionam-se às tomadas de decisões, em que os erros podem ter consequências graves, inflexibilidade dos superiores hierárquicos, trabalho na elaboração de relatórios técnicos, dificuldade em lidar com insucessos e problemas profissionais 2424 . Gomes AR, Cruz JF, Cabanelas S. Occupational stress in health professionals: a study with Portuguese nurses. Psicol Teoria Pesqui. 2009;25:307-18..

Como consequências da depressão relacionada ao estresse no trabalho pode-se citar tensão e insatisfação no trabalho, fatores que podem atuar de forma bidirecional, na medida em que aumenta a carga de estresse sobre o trabalhador e colegas. A depressão relacionada ao estresse no trabalho também traz prejuízos à saúde física e psíquica, absenteísmo, qualidade da assistência prestada, podendo aumentar a rotatividade nos setores 1. Manetti ML, Marziale MHP. Aspects associated to work-related depression on nursing staff. Estudos Psicol. (Natal). 2007;12:79-85..

A relação entre alto nível de estresse no trabalho e ocorrência de depressão pode ser considerada bidirecional, pois tem como consequências a piora na qualidade de vida, satisfação no trabalho e relações com colegas, podendo ocasionar mais estresse e piora nos quadros depressivos 2424 . Gomes AR, Cruz JF, Cabanelas S. Occupational stress in health professionals: a study with Portuguese nurses. Psicol Teoria Pesqui. 2009;25:307-18..

Além dos fatores desencadeantes da depressão relacionado ao alto nível de estresse no trabalho, podem ser citados fatores que protegem os trabalhadores destas situações. Um estudo realizado em 2011 apontou que, ter suporte dos supervisores, refeições regulares, exercícios físicos, maior possibilidade de uso das habilidades e maior satisfação no trabalho pode diminuir a ocorrência de estresse laboral e depressão 2. Gao YQ, Pan BC, Sun W, Wu H, Wang JN, Wang L. Depressive symptoms among Chinese nurses: prevalence and the associated factors. J Adv Nurs. 2012 May;68(5):1166-75.. Além disso, mais fins de semana livres e menos estresse emocional também contribuem para a melhoria no trabalho, diminuindo o nível de estresse e depressão 2525 . Ruggiero JS. Health, work variables, and job satisfaction among nurses. J Nurs Adm. 2005 May;35(5):254-63..

Como limitações deste estudo, pode-se apontar que a transversalidade da coleta de dados impede o estabelecimento de relação causal e cronológica entre os eventos de interesse. Estudos longitudinais podem ser desenvolvidos em futuras pesquisas, para estabelecer a relação de causa e efeito entre os fenômenos estudados.

Também há que se considerar as limitações provocadas pelos vieses de diagnóstico e de memória. Em muitas situações, as pessoas podem acreditar ter depressão, por apresentar sintomatologia semelhante ao divulgado pela mídia, mesmo sem diagnóstico médico mais apurado. O viés de memória se estabelece, pois, o desfecho foi medido de forma retrospectiva, podendo levar, também, a subestimativa da magnitude da depressão.

Apesar das limitações apresentadas, o estudo obteve alta taxa de resposta e distribuição da amostra similar entre as unidades hospitalares, com diferentes perfis de complexidade. A magnitude da associação estudada também foi bastante expressiva, mostrando forte interrelação entre depressão e alto nível de estresse laboral.

Conclusão

Diante do quadro epidemiológico constatado na amostra estudada, com forte associação entre depressão e alto nível de estresse laboral entre trabalhadores de nível médio de enfermagem, torna-se essencial o delineamento de estratégias de prevenção e tratamento que atinjam este contingente populacional. Esta problemática deve ser considerada junto ao planejamento de programas específicos de intervenção, assim como, a necessidade de melhor gerenciamento dos casos por parte dos supervisores.

O foco das ações preventivas deve relacionar-se às ações de reestruturação da condição de trabalho, permitindo maior tempo livre para atividades de lazer, ampliação do suporte gerencial, maior incentivo ao uso das habilidades profissionais, melhor divisão da carga de trabalho e maior reconhecimento profissional. Além disso, a criação de programas específicos de tratamento para profissionais de saúde deve ser incentivada nas instituições de saúde, tal como, melhor gerenciamento dos casos existentes por parte dos supervisores e ambiente de trabalho favorável.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2014
  • Aceito
    21 Fev 2015
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