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Hipertensão Arterial Sistêmica no Serviço de Emergência: adesão medicamentosa e conhecimento da doença

Resumos

Objetivo:

identificar o perfil epidemiológico, o conhecimento sobre a doença e a taxa de adesão ao tratamento de pacientes com hipertensão arterial sistêmica, internados no serviço de emergência.

Métodos:

estudo transversal, realizado com 116 pacientes internados no Serviço de Emergência de um Hospital Universitário, de ambos os gêneros e idade superior a 18 anos, no período de março a junho 2013. As variáveis pesquisadas foram os dados sociodemográficos, comorbidades, atividade física e conhecimento sobre a doença. A adesão do paciente ao tratamento e a identificação das barreiras foi avaliada pelo teste de Morisky e Brief Medical Questionnaire, respectivamente.

Resultados:

a maioria dos pacientes era de mulheres (55%), cor da pele branca (55%), casados (51%), aposentados ou pensionistas (64%) e com baixa escolaridade (58%). A adesão ao tratamento, na maioria das vezes (55%), foi moderada e a barreira de adesão mais prevalente foi a de recordação (67%). Quando a aquisição de medicamento era integral, houve maior adesão ao tratamento.

Conclusão:

os pacientes deste estudo apresentaram moderado conhecimento sobre a doença. A alta correlação entre o número de fármacos utilizados e a barreira de recordação sugere que a monoterapia seja uma opção para facilitar a adesão ao tratamento, para diminuir a taxa de esquecimento.

Hipertensão; Terapêutica; Adesão à Medicação; Conhecimento; Serviços Médicos de Emergência; Enfermagem em Emergência


Objective:

to identify the epidemiological profile of hypertension patients, how much they understand about the disease and the rate of adherence to treatment by these patients who had been hospitalized in the Brazilian emergency service.

Methods:

this cross-sectional study was performed with 116 patients, both male and female and aged over 18 years, who had been hospitalized in the Emergency Service of a University Hospital between March and June, 2013. The studied variables were data referring to socio-demographics, comorbidities, physical activity and knowledge regarding the disease. Patient adherence to treatment and the identification of the barriers were respectively evaluated using the Morisky test and the Brief Medication Questionnaire.

Results:

most of the patients involved in this study were women (55%), with white skin color (55%), married (51%), retirees or pensioners (64%) and with a low educational level (58%). Adherence to treatment, in most cases (55%), was moderate and the most prevalent adherence barrier was recall (67%). When medication was acquired at no cost to the patient, there was greater adherence to treatment.

Conclusion:

this study's patients had a moderate understanding about the disease. The high correlation between the number of drugs used and the recall barrier suggests that monotherapy is an option that can facilitate treatment adherence and reduce how often the patients forget to take their medication.

Hypertension; Therapeutics; Medication Adherence; Knowledge; Emergency Medical Services; Emergency Nursing


Objetivo:

identificar el perfil epidemiológico, el conocimiento sobre la enfermedad y la tasa de adherencia al tratamiento de pacientes con hipertensión arterial sistémica ingresados en el servicio de emergencia.

Métodos:

estudio transversal, realizado con 116 pacientes ingresados en el Servicio de Emergencia de un Hospital Universitario, de ambos géneros y edad superior a 18 años, en el periodo de marzo a junio de 2013. Las variables estudiadas fueron los datos sociodemográficos, la comorbilidad, la actividad física y el conocimiento sobre la enfermedad. La adherencia del paciente al tratamiento y la identificación de las barreras fueron evaluadas por la prueba de Morisky y el Brief Medical Questionnaire, respectivamente.

Resultados:

la mayoría de los pacientes eran mujeres (55%), color de piel blanca (55%), casadas (51%), jubiladas o pensionistas (64%) y con baja escolaridad (58%). La adherencia al tratamiento, en la mayor parte de las veces (55%), fue moderada y la barrera de adherencia más prevalente fue el olvido (67%). Cuando la adquisición del medicamento era integral, hubo mayor adherencia al tratamiento.

Conclusión:

los pacientes de este estudio presentaron moderado conocimiento sobre la enfermedad. La alta correlación entre el número de fármacos utilizados y la barrera del olvido sugiere la monoterapia como opción para facilitar la adherencia al tratamiento y disminuir la tasa de olvido.

Hipertensión; Terapéutica; Cumplimiento de la Medicación; Conocimiento; Servicios Médicos de Urgencia; Enfermería de Urgencia


Introdução

A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é um problema de saúde pública e tem como característica a alta prevalência e baixa taxa de adesão ao tratamento, sendo um dos principais fatores de risco modificáveis para Doenças Cardiovasculares (DCV). O principal objetivo do tratamento da HAS é a redução da morbidade e mortalidade cardiovasculares(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Hipertensão /Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95 supl 1:1-51.).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 17,3 milhões de pessoas morreram de DCV no ano 2008 e as complicações decorrentes da HAS foram responsáveis por 9,4 milhões das mortes nesse período. Além disso, estima-se que mais de 23 milhões de pessoas morrerão devido às DCV até 2030(22. V Diretrizes Brasileiras de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA V) e III Diretrizes Brasileiras de Monitorização Residencial da Pressão Arterial (MRPA III). Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Hipertensão e Nefrologia. Arq Bras Cardiol. 2011;97 Supl 3:1-24.-33. Lim SS, Vos T, Flaxman AD, Danaei G, Shibuya K, Adair-Rohani H, et al. A comparative risk assessment of burden of disease and injury attributable to 67 risk factors and risk factor clusters in 21 regions, 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2224-60.).

Um dos fatores mais importante para o controle efetivo da Pressão Arterial (PA) é a adesão ao tratamento, sendo que de 40 a 60% dos pacientes com HAS não fazem uso dos medicamentos(44. Barbosa RGB, Lima NKC. Índices de adesão ao tratamento anti-hipertensivo no Brasil e no mundo. Rev Bras Hipertens. 2006;13(1):35-8.). Estudos demonstram que a não aderência ao tratamento medicamentoso, associada aos custos dos medicamentos e às condições sociodemográficas dos pacientes, é um dos principais motivos da procura por serviços de emergência(55. Davis DP, Jandrisevits MD, Iles S, Weber TR, Gallo LC. Demographic, socioeconomic,and psychological factors related to medication non-adherence among emergency department patients. J Emergency Med. 2012;43(5):773-85.).

Muitos fatores podem determinar a não adesão ao tratamento da HAS, o que faz disso um fenômeno complexo e multideterminado(22. V Diretrizes Brasileiras de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA V) e III Diretrizes Brasileiras de Monitorização Residencial da Pressão Arterial (MRPA III). Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Hipertensão e Nefrologia. Arq Bras Cardiol. 2011;97 Supl 3:1-24.). Frequentemente esses pacientes têm menor renda salarial, dificuldades de acesso aos serviços, maior consumo de bebidas alcoólicas e acompanhamento médico irregular(22. V Diretrizes Brasileiras de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA V) e III Diretrizes Brasileiras de Monitorização Residencial da Pressão Arterial (MRPA III). Sociedades Brasileiras de Cardiologia, Hipertensão e Nefrologia. Arq Bras Cardiol. 2011;97 Supl 3:1-24.,66. Castro VD, Car MR. Dificuldades e facilidades dos doentes no seguimento do tratamento da hipertensão arterial. Rev Esc Enferm USP. 1999;33(3):294-304.). Desse modo, a identificação da não adesão ao tratamento anti-hipertensivo, bem como dos fatores relacionados a essa condição, podem possibilitar a elaboração de um plano de intervenção, com vistas a aumentar a aderência ao tratamento, diminuindo as complicações causadas pela HAS e o número de internações, o que poderá reduzir os gastos relativos ao sistema de saúde.

Portanto, o objetivo deste estudo foi identificar o perfil epidemiológico, o conhecimento sobre a doença e as barreiras para a não adesão ao tratamento de pacientes com HAS, internados no serviço de emergência de um hospital universitário de referência.

Métodos

Trata-se de estudo transversal, realizado no período de março a junho de 2013, no Serviço de Emergência do Hospital São Paulo. O Hospital São Paulo é o hospital universitário da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e atende diariamente, aproximadamente, 1.000 pacientes no Serviço de Emergência.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP, sob número CAEE 13513713.0.0000.5505. Os pacientes foram incluídos no estudo após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A amostra intencional não probabilística foi composta por 116 pacientes internados, por mais de 24 horas, no Serviço de Emergência, com qualquer diagnóstico clínico ou cirúrgico e com antecedente pessoal de HAS, em tratamento medicamentoso há pelo menos um mês, de ambos os gêneros, idade superior a 18 anos e sem déficit cognitivo.

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora por meio de um questionário. A pesquisadora fazia a leitura dos questionários para o paciente, em um único momento, com duração média de 25 minutos por entrevista.

As variáveis pesquisadas foram: idade, gênero, cor da pele, renda pessoal e familiar, presença de doenças associadas, nível de atividade física, peso, altura, circunferência abdominal, consumo de bebidas alcoólicas e conhecimento sobre a doença.

O indivíduo foi classificado como ativo fisicamente quando referia prática de atividade física aeróbica, como: caminhada, corrida, ciclismo, dança, natação, em uma frequência de 3 a 5 vezes por semana, com duração mínima de 30 minutos(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Hipertensão /Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95 supl 1:1-51.).

O peso e a altura foram referidos pelo paciente e a circunferência abdominal foi medida com uma fita métrica na linha umbilical.

O consumo de bebidas alcoólicas foi considerado excessivo quando ultrapassou 30g álcool/dia(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Hipertensão /Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95 supl 1:1-51.).

O conhecimento sobre HAS foi avaliado por meio das seguintes perguntas: Você acha que a pressão alta é uma doença grave? Faz outros tipos de tratamento, além de medicamentos, para pressão alta? Você acha que pressão alta traz complicações à saúde? Você acha que pressão alta tem cura? Quais fatores você acha que podem estar relacionados com a pressão alta?

Para avaliar a adesão do paciente ao tratamento, utilizou-se o teste de Morisky que é formado por quatro perguntas: 1) Você às vezes tem problemas em se lembrar de tomar a sua medicação? 2) Você às vezes se descuida de tomar seu medicamento? 3) Quando está se sentindo melhor, você às vezes para de tomar seu medicamento? 4) Às vezes, se você se sentir pior ao tomar a medicação, você para de tomá-la? O paciente é classificado em alto grupo de adesão quando as respostas às quatro perguntas são negativas; quando uma ou duas respostas são positivas o paciente é classificado no grupo de média adesão e se três ou quatro respostas são positivas, ele é classificado no grupo de baixa adesão(77. Ben AJ, Neumann CR, Mengue SS. Teste de Morisky-Green e Brief Medication Questionnaire para avaliar adesão a medicamentos. Rev Saúde Pública. 2012;46(2):279-89.).

Para identificar as barreiras à adesão ao tratamento, na perspectiva do paciente, foi utilizado o Brief Medical Questionnaire, que é um instrumento dividido em três domínios: o primeiro avalia o comportamento do paciente em relação à adesão ao regime do tratamento prescrito, o segundo avalia a crença do paciente na eficácia do tratamento e opiniões sobre os efeitos colaterais indesejados e o terceiro domínio identifica problemas em relação à recordação em tomar os medicamentos. A presença de resposta afirmativa em cada um dos domínios identifica barreira ao regime de tratamento prescrito, às crenças no tratamento e/ou à recordação em relação a tomar os medicamentos(88. Dewulf NLS, Monteiro RA, Passos ADC, Vieira EM, Troncon LEA. Adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes com doenças gastrintestinais crônicas acompanhados no ambulatório de um hospital universitário. Rev Bras Cienc Farm. 2006;42(4):575-84.).

Para as variáveis: idade, gênero, cor da pele, renda pessoal e familiar, presença de doenças associadas, nível de atividade física, peso, altura, circunferência abdominal, consumo de bebidas alcoólicas e conhecimento sobre a doença foi realizada análise descritiva dos dados. Frequência e porcentagem foram utilizadas para variáveis categóricas. Número de observações válidas (n), média, mediana, Desvio-Padrão (dp), valores mínimo e máximo foram apresentados para variáveis numéricas contínuas.

Para comparar as variáveis contínuas com a taxa de adesão e as barreiras para a não adesão ao tratamento dos pacientes foi utilizada a análise de Variância (ANOVA). Para comparar as variáveis categóricas com a taxa de adesão e as barreiras para a não adesão ao tratamento dos pacientes foi utilizado o teste qui-quadrado, e, quando necessário, utilizou-se o teste exato de Fisher ou o teste da razão de verossimilhança. O nível de significância considerado foi de p<0,05.

Resultados

A média de idade dos pacientes foi de 61,5 anos, a maior parte era de mulheres (55%), cor da pele branca (55%), casados (47%) e aposentados ou pensionistas (63%). Em relação à escolaridade, a maioria (59%) tinha o ensino fundamental incompleto e renda entre um e três salários-mínimos (76%).

As comorbidades mais frequentes relatadas pelos pacientes foram: dislipidemia (40%) e diabetes mellitus (34%). O número de medicamentos, de diversas classes, utilizados pelos pacientes no tratamento da HAS variou de 1 a 5 medicamentos.

As características sociodemográficas e comorbidades dos pacientes deste estudo estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
- Distribuição dos pacientes hipertensos, de acordo com as características sociodemográficas e comorbidades. São Paulo, SP, Brasil, 2013

Em relação aos níveis pressóricos encontrados nos pacientes, a média da pressão sistólica foi de 126,3 (±28,8) mmHg e a da pressão diastólica foi de 81,2 (±19,3) mmHg. A média da frequência do pulso foi 79,2 (±17,7) bpm. A circunferência abdominal média encontrada foi de 97,3 (±15,4) cm.

Os fatores de risco para HAS mais reconhecidos pelos pacientes foram ingestão de sal (94%), excesso de peso (89%) e inatividade física (88%).

Estão demonstradas na Tabela 2 as taxas de adesão do paciente ao tratamento e as barreiras a essa adesão, avaliadas pelo teste de Morisky e Brief Medical Questionnaire, respectivamente.

Tabela 2
- Taxas de adesão do paciente ao tratamento e os tipos de barreiras a essa adesão, segundo o teste de Morisky e Brief Medical Questionnaire, respectivamente. São Paulo, SP, Brasil, 2013

A maioria dos pacientes (56%) apresentou adesão moderada ao tratamento, sendo que a principal barreira a essa adesão foi a recordação em relação ao uso do medicamento, encontrada em 67% dos pacientes.

Na Tabela 3 apresentam-se as correlações entre as variáveis sociodemográficas e clínicas dos pacientes e as variáveis do teste de Morisky.

Tabela 3
- Correlação entre o teste de Morisky e as variáveis sociodemográficas e clínicas. São Paulo, SP, Brasil, 2013

Quando analisada a aquisição de medicamentos, os pacientes para os quais o medicamento foi fornecido integralmente apresentaram maior percentual de adesão ao tratamento. Pacientes com dislipidemia apresentaram maior percentual de média adesão, enquanto que os sem dislipidemia apresentaram maior percentual de baixa adesão.

Na Tabela 4 apresentam-se as correlações entre as variáveis sociodemográficas e clínicas do paciente e o conhecimento sobre a doença e as variáveis do Brief Medication Questionnarie (BMQ).

Tabela 4
- Correlação entre os domínios do Brief Medication Questionnarie e as variáveis sociodemográficas, clínicas e o conhecimento sobre a doença dos pacientes do estudo. São Paulo, SP, Brasil, 2013

Quando comparado o domínio regime com as variáveis categóricas, identificou-se maior percentual de adesão ao tratamento em pacientes brancos e naqueles que acreditavam que a HAS é uma doença grave.

Em relação ao domínio crença, pacientes com valores maiores de frequência de pulso durante a avaliação, pacientes do lar, aposentados/pensionistas ou desempregados e inativos fisicamente apresentaram barreiras de crença em relação à eficácia do tratamento e seus efeitos colaterais.

No domínio recordação, pacientes que utilizavam mais medicamentos apresentaram maiores percentuais de barreira de recordação.

Discussão

Neste estudo, a maior parte dos pacientes era do sexo feminino, com idade média de 61,5 anos e baixa escolaridade, perfil de demanda do serviço de emergência semelhante a outros estudos com pacientes hipertensos em prontos-socorros(44. Barbosa RGB, Lima NKC. Índices de adesão ao tratamento anti-hipertensivo no Brasil e no mundo. Rev Bras Hipertens. 2006;13(1):35-8.,99. Cristiane SG, Pierin AMG, Junior DM. Comparação dos perfis de pacientes hipertensos atendidos em Pronto Socorro e em tratamento ambulatorial. Rev Esc Enferm USP. 2004; 38(1):90-8.). A HAS é mais encontrada em homens com até 50 anos(1010. Kearney PM, Whelton M, Reynolds K, Muntner P, Whelton PK, He J. Global burden of hypertension: analysis of worldwide data. Lancet. 2005;365(9455):217-23.), porém, quando se observa mais mulheres com diagnóstico de HAS, pode-se associar ao fato de as mulheres procurarem mais os serviços de saúde, determinando o diagnóstico da doença(1111. Lima-Costa MF, Peixoto SV, Firmo JO. Validade da hipertensão arterial auto-referida e seus determinantes (Projeto Bambuí). Rev Saúde Pública. 2004;38(5):637-42.).

As comorbidades diabetes mellitus e dislipidemia estavam presentes, respectivamente, em 34 e 40% dos entrevistados neste estudo. A presença de outras comorbidades, além da HAS, nos pacientes deste estudo pode estar associada aos maus hábitos em relação à alimentação e atividade física, o que pode predispor ao surgimento de diversidade de doenças crônicas, muitas vezes assintomáticas. O tratamento médico associado à mudança de estilo de vida é a melhor forma de reduzir e prevenir os danos gerados por essas doenças crônicas(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Hipertensão /Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95 supl 1:1-51.).

Em relação aos níveis pressóricos encontrados neste estudo, a média da pressão sistólica foi 126,3mmHg e da pressão diastólica 81,2mmHg. Esses dados foram menores que os encontrados na literatura. Estudo semelhante evidenciou níveis pressóricos mais elevados, média 174mmHg de pressão sistólica e 109mmHg de diastólica, além de ter mostrado que os pacientes atendidos no pronto-socorro relataram ingestão controlada de sal como medida não medicamentosa para controle da HAS(99. Cristiane SG, Pierin AMG, Junior DM. Comparação dos perfis de pacientes hipertensos atendidos em Pronto Socorro e em tratamento ambulatorial. Rev Esc Enferm USP. 2004; 38(1):90-8.). Apesar do relato da ingestão controlada de sal, o estudo não descreveu como o paciente realizava o controle de sal na alimentação(9) .O fato da média da pressão arterial ter sido menor neste estudo pode estar associado à internação por mais de 24 horas no serviço de emergência, com acompanhamento da terapia anti-hipertensiva e restrição alimentar de sódio pela dieta hipossódica, que, segundo a OMS, é 5g de sal de cozinha por dia ou 2g de sódio(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Hipertensão /Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95 supl 1:1-51.).

O teste de Morisky classificou a maior parte dos pacientes entrevistados no grupo de média adesão (56%). A taxa de adesão encontrada neste estudo aproxima-se às taxas encontradas na literatura(1212. Rajpura J, Nayak RJ. Medication adherence in a sample of elderly suffering from hypertension: evaluating the influence of illness perceptions, treatment beliefs, and illness burden. JMCP. 2014;19(1):58-65.-1313. Girotto E, Andrade SMA, Cabrera MAS, Matsuo T. Adesão ao tratamento farmacológico e não farmacológico e fatores associados na atenção primária da hipertensão arterial. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(6):1763-72.). A média e baixa adesão ao tratamento anti-hipertensivo pode associar-se à idade, uso de mais de uma medicação para o controle da pressão e à falta de acompanhamento e controle da doença(1212. Rajpura J, Nayak RJ. Medication adherence in a sample of elderly suffering from hypertension: evaluating the influence of illness perceptions, treatment beliefs, and illness burden. JMCP. 2014;19(1):58-65.,1414. Ross S, Walker A, MacLeod MJ. Patient compliance in hypertension: role of illness perceptions and treatment beliefs. J Hum Hypertens. 2004;18(9):607-13.). Além disso, a mensuração da adesão do paciente ao tratamento é um desafio, uma vez que entre os métodos utilizados ainda não há consenso sobre o melhor, que possa ser considerado como padrão-ouro(1515. Santa Helena ET, Nemes MIB, Eluf-Neto J. Desenvolvimento e validação de questionário multidimensional para medir não-adesão ao tratamento com medicamentos.Rev Saúde Pública. 2008;42(4):764-7.-1616. Borges JWP, Moreira TMM, Rodrigues MTP, Oliveira CJ. Utilização de questionários validados para mensurar a adesão ao tratamento da hipertensão arterial: uma revisão integrativa. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):487-94.).

Em relação às barreiras para a não adesão ao tratamento, 67% dos pacientes apresentou barreira no domínio recordação do BMQ, o que foi significativo (p<0,0001), quando o paciente utilizava mais de uma medicação, de qualquer classe, para o controle da pressão. Esse dado corrobora outro estudo que apontou como principal motivo para a não adesão o esquecimento dos pacientes em relação à utilização dos medicamentos(1717. Guedes MVC, Araujo TL, Lopes MVO, Silva LF, Freitas MC, Almeida PC. Barreiras ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1038-42.). Esses resultados apontam que a dificuldade de lembrar-se de tomar os medicamentos é diretamente proporcional ao número de medicamentos a serem utilizados. Esse contexto sugere que a monoterapia é uma boa estratégia para favorecer a adesão ao tratamento anti-hipertensivo(1717. Guedes MVC, Araujo TL, Lopes MVO, Silva LF, Freitas MC, Almeida PC. Barreiras ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1038-42.). Outro estudo, realizado na rede básica de saúde da Região Sul do país, apontou que a farmacoterapia complexa do tratamento da HAS é um dos fatores associados à não adesão ao tratamento medicamentoso, seguido da insatisfação com o serviço de saúde(1818. Barretos MS, Reiners AAO, Marcon SS. Knowledge about hypertension and factors associated with the non-adherence to drug therapy. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2014;22(3):484-90.).

A maioria dos entrevistados (88%) relatou ter conhecimento de que a hipertensão é uma doença grave. Correlação significativa (p=0,0152) foi encontrada entre o conhecimento da gravidade da doença e maior percentual de adesão no domínio regime do BMQ, o que pode indicar que pacientes que não acreditam na gravidade da HAS possam ter menor percentual de adesão nesse domínio.

Observou-se neste estudo que, quando o medicamento era fornecido integralmente para o paciente, havia maior percentual de adesão ao tratamento. Esse achado pode estar relacionado ao nível socioeconômico baixo da população estudada, que apresenta dificuldade em arcar com as despesas do tratamento. Um dos fatores relatados por pacientes para o abandono do tratamento é o alto custo do medicamento associado à falta de renda para comprá-lo, seguido do esquecimento em relação à sua utilização(99. Cristiane SG, Pierin AMG, Junior DM. Comparação dos perfis de pacientes hipertensos atendidos em Pronto Socorro e em tratamento ambulatorial. Rev Esc Enferm USP. 2004; 38(1):90-8.). Em contrapartida, um estudo internacional evidenciou que quanto mais alto o nível de adesão à medicação menor são as despesas médicas(1919. Sokol MC, McGuigan KA, Verbrugge RR, Epstein RS. Impact of medication adherence on hospitalization risk and healthcare cost. Med Care. 2005;43(6):521-30.). É necessário estimular a adesão ao tratamento proposto e também conscientizar quanto aos custos da não aderência ao tratamento e ao impacto para o sistema de saúde.

Pacientes sem dislipidemia apresentam maior percentual de baixa adesão ao tratamento, enquanto que aqueles com dislipidemia apresentam maior percentual de adesão moderada (p=0,0322). A associação entre alimentação não equilibrada, consumo exagerado de sódio, carboidratos e álcool, sedentarismo e tabagismo são fatores de risco para o aparecimento de HAS e dislipidemia; esse conjunto de fatores, relacionado às condições de saúde do indivíduo, contribuem para esse achado(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Hipertensão /Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95 supl 1:1-51.,2020. Sociedade Brasileira de Cardiologia. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013;101 Supl.1:1-22.).

Os indivíduos com ocupação do lar, aposentados/desempregados (p=0,0379) e inativos em relação à prática de atividades físicas (p=0,0387) apresentaram maior percentual de barreiras de crença em relação ao tratamento medicamentoso. Esse achado é semelhante a outros estudos, nos quais se encontra baixa adesão ao tratamento medicamentoso relacionada aos hábitos de vida, convivência com as limitações da doença, condição financeira e as condições de acesso aos serviços de saúde(17) .

A presença de HAS é mais frequente com o aumento da idade, entre homens e mulheres de baixa escolaridade, sendo mais elevada para os homens até os 50 anos de idade, duas vezes mais prevalentes entre os não brancos com predomínio de mulheres negras em relação às brancas(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de Hipertensão /Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95 supl 1:1-51.,2121. Ferreira SRG, Moura EC, Malta DC, Sarno F. Frequência de hipertensão arterial e fatores associados: Brasil, 2006. Rev Saúde Pública. 2009;43(2):98-106.).

Conclusão

Pacientes hipertensos internados no serviço de emergência eram na maioria de sexo feminino, baixa renda e escolaridade. Apresentaram moderado conhecimento sobre a doença e obtiveram moderada adesão ao tratamento, sendo a principal barreira a essa adesão a recordação em relação ao uso do medicamento. Quando os medicamentos foram fornecidos integralmente, os pacientes apresentaram maior percentual de adesão ao tratamento. Houve alta correlação entre o número de fármacos utilizados e a barreira de recordação, o que sugere que a monoterapia seja uma opção para facilitar a adesão ao tratamento e, em casos em que isso não é possível, é necessário que a equipe busque estratégias juntamente com o paciente para diminuir a taxa de esquecimento.

Não há consenso na literatura sobre o melhor método para avaliar a adesão ao tratamento medicamentoso. Métodos diretos, como dosagens séricas, são onerosos e de difícil execução, e os indiretos, como a aplicação de questionários, podem ser considerados e os resultados obtidos comparados com estudos que utilizaram outras estratégias. Nenhum método é considerado excelente, muitas vezes sendo necessária a utilização de abordagens combinadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2014
  • Aceito
    30 Abr 2015
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