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Desafios da sustentabilidade do modelo de acesso aberto: periódicos em saúde do Brasil


O movimento do acesso aberto, iniciado no final dos anos 90, teve como princípio eliminar as barreiras econômicas e de copyrights no acesso e disseminação do conhecimento. Motivado pelo aumento abusivo das assinaturas de periódicos pelos publishers internacionais que dominavam - e ainda o fazem em certa extensão - o mercado editorial global, o acesso aberto (AA) se viabiliza através da World Wide Web e das tecnologias de informação e comunicação.

Este modelo de negócios vem se afirmando em todo o mundo como a forma preferencial de publicação de resultados de pesquisa, especialmente aquela financiada com recursos públicos. Sua adoção generalizada, entretanto, ainda não foi totalmente atingida pois os pesquisadores não estão totalmente certos de que os mecanismos de recompensa e avaliação da ciência reconhecem esta modalidade no mesmo nível dos periódicos main stream por assinatura.

O AA se consolida por meio de sucessivos mandatos de instituições, agências de fomento e governos ao redor do mundo. Hoje, estima-se que entre 35 a 60% dos artigos avaliados por pares - número que aumenta na razão de 2% ao ano - são publicados em acesso aberto, dependendo da plataforma onde se encontram indexados11. Archambault E, Amyot D, Deschamps P, Nicol A, Rebout L, Roberge G. Proportion of Open Access Peer-Reviewed Papers at the European and World Levels - 2004-2011. [Internet]. Science-Metrix; 2013. [Access Nov 8 2016]. Available from: http://www.science-metrix.com/pdf/SM_EC_OA_Availability_2004-2011.pdf
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. Este percentual considera apenas a Via Dourada (periódicos exclusivamente AA); repositórios de postprints (Via Verde), e mais recentemente, repositórios de preprints22. Archambault E, Amyot D, Deschamps P, Nicol A, Rebout L, Roberge G. Proportion of Open Access Peer-Reviewed Papers at the European and World Levels - 2004-2011. [Internet]. Science-Metrix; 2013. [Access Nov 8 2016]. Available from: http://www.science-metrix.com/pdf/SM_EC_OA_Availability_2004-2011.pdf
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se somam aos periódicos, fazendo com que grande parte da ciência se torne disponível não apenas à academia, mas a todos os setores da sociedade. Existe ainda um outro modelo, os periódicos híbridos, publicações por assinatura que, por opção do autor e pagamento de uma taxa, disponibilizam os artigos em AA. São evidentes e inegáveis os benefícios da equidade no acesso à informação científica e técnica - não apenas nos países em desenvolvimento - por contribuir para a educação, atualização profissional e para o crescimento tecnológico e econômico das nações.

O AA alterou drasticamente o paradigma das publicações científicas levando à eliminação da versão impressa da maior parte dos periódicos. Os custos foram, assim, bastante reduzidos, viabilizando o surgimento de periódicos apoiados por sociedades científicas, instituições e agências de fomento, como o Programa SciELO, em 1998, financiado majoritariamente pela FAPESP. O SciELO oferece uma plataforma que cria escala para a indexação, publicação e interoperabilidade dos periódicos, seguindo sempre o estado da arte de metodologias e tecnologias de editoração. Assim, o SciELO proporciona uma economia de recursos comum para os periódicos, minimizando os custos ao mesmo tempo em que maximiza sua visibilidade, impacto e presença internacional. A seguir foi criado o BioMed Central, o primeiro publisher comercial de AA e a Public Library of Science que passaram a requerer uma taxa de publicação (article processing charge, APC) para disponibilizar livremente os artigos aos leitores.

Segundo o Directory of Open Access Journals (DOAJ)33. Directory of Open Access Journals - Directory of Open Access Journals - DOAJ. Version 1.0. United Kingdom; 2016. [Access Nov 6, 2016]. Available from: https://doaj.org/
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, que inclui apenas periódicos totalmente AA, apenas 26% dos 9.192 periódicos adotam a taxa de publicação. Dos 94 periódicos em saúde da coleção SciELO Brasil, apenas 17 periódicos (18%) se utilizam desta fonte de receita44. Nassi-Calò L. Instruções aos autores de periódicos em saúde: o que comunicam?. SciELO em Perspectiva. [Internet]. [Access Nov 6, 2016]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2016/08/03/instrucoes-aos-autores-de-periodicos-em-saude-o-que-comunicam/
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. Ainda que uma pequena percentagem de periódicos pratique a cobrança de taxas, os valores variam amplamente. No caso de SciELO Brasil, oscilam entre R$ 150 e R$ 3.000. Estes valores estão bem abaixo daqueles de megajournals como PLoS One (US$ 1.495), PLoS Biology e PLoS Medicine (ambos US$ 2.900).

Estudos mostram que os recursos empregados pelas bibliotecas para pagar as assinaturas de periódicos seriam mais do que suficientes para financiar o modelo de acesso aberto por meio de APCs55. Schimmer R, Geschuhn KK, Vogler A. Disrupting the subscription journals' business model for the necessary large-scale transformation to open access. MPG. PuRe. 2015. DOI: 10.17617/1.3.
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. Enquanto esta transição não se viabiliza, muitas agências de fomento têm permitido aos pesquisadores incluir o pagamento de APCs nos projetos de pesquisa que financiam, entendendo que a publicação dos resultados em periódicos constitui a etapa final destes projetos. Assim, é pouco frequente que pesquisadores ou estudantes de pós-graduação se responsabilizem pessoalmente pelo seu pagamento.

O cenário da publicação em AA, hoje, apresenta-se diferente daquele projetado no início do movimento. A perspectiva era financiar inicialmente as taxas de publicação para favorecer o modelo de negócios, "que deveriam cair continuamente, aproximando-se assintoticamente de zero" na concepção do cofundador da PLoS, Michael Eisen66. Poynder R, The OA Interviews: Michael Eisen, co-founder of the Public Library of Science, Open and Shut, 2012; http://poynder.blogspot.in/2012/02/oa-interviews- Arunachalam michael-eisen-co-founder.html [Access Nov 6, 2016)
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. Não foi o que ocorreu, tendo em vista que as APCs já mencionadas de PLoS Medicine e PLoS Biology, praticamente dobraram de valor entre os anos de 2009 e 2012. Ademais, é preocupante o surgimento de publishers e periódicos predatórios* * Na publicação acadêmica, a publicação predatória em acesso aberto é um modelo exploratório de publicação que envolve a cobrança de taxas de publicação para autores sem fornecer os serviços editoriais e de publicação associados a revistas legítimas (de acesso aberto ou não). 77. Predatory open access publishing. [viewed 6 November 2016] Available from: https://en.wikipedia.org/wiki/Predatory_open_access_publishing
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, por dois motivos: o primeiro diz respeito ao risco que correm pesquisadores bem-intencionados ao enviar seus manuscritos para periódicos que são aparentemente legítimos e aceitar convites para integrar seus conselhos editoriais; e o segundo é a ameaça que esta prática fraudulenta impõe ao acesso aberto, ao fazer com que muitos confundam os conceitos e imaginam toda publicação de acesso aberto como sendo não arbitrada, falha e de baixa qualidade, visando apenas coletar APCs. Todos os periódicos predatórios são de AA, porém a recíproca não é verdadeira, existindo a necessidade de se alertar a comunidade científica, muito além do que pretende a lista de Jeffrey Beal88. Momen H. Jeffrey Beall e as listas negras. SciELO em Perspectiva. [Access Nov 6, 2016]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2015/08/04/jeffrey-beall-e-as-listas-negras/
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e sua inequívoca intensão em denegrir o acesso aberto como um todo.

O futuro e a sustentabilidade do AA foi tema do recente workshop AlterOA99. Report of the Workshop on Alternative Open Access Publishing Models. European Commission. 2015. [Access Nov 5, 2016]. Available from: http://ec.europa.eu/digital-agenda/en/news/report-workshop-alternative-open-access-publishing-models
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organizado pela Comissão Europeia em 2015. O encontro mostrou que ideias e tecnologias inovadoras são a chave para garantir a sustentabilidade do AA globalmente. Parcerias entre a academia, editores, bibliotecas e publishers permitem criar iniciativas não comerciais para a publicação em AA, tais como a Open Research Network, Open Library of Humanities e Horizon2020. Acoplar a publicação AA e o compartilhamento de dados de pesquisa (dados abertos) fortalece este modelo de negócios, permitindo a preservação e a ampla utilização - e citação de dados, maximizando o retorno dos investimentos em pesquisa1010. 1st International Workshop on Open Research Data. International Open Access Week. [Access Nov 6, 2016]. Available from: http://www.openaccessweek.org/events/1st-international-workshop-on-open-research-data
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.

O cenário da publicação em acesso aberto no Brasil e na América Latina é um dos mais favoráveis no mundo. As características dos modelos de negócio - pequenos publishers sem fins lucrativos financiados por instituições de ensino e pesquisa e agências de fomento não só asseguram à região baixíssimos índices de periódicos predatórios, como permitem aos países da região viabilizar a forma de publicação que mais cresce e se consolida em todo o mundo. O Programa SciELO, desde 1998, exerce um papel primordial ao promover a governança integrada dos periódicos da coleção e viabilizar o acesso aberto. Subbiah Arunachalam, histórico defensor do movimento AA, salienta o papel do SciELO na região afirmando que "com estes esforços, a América Latina se tornou um modelo acessível de publicação de periódicos em AA" e acredita que quando a Índia e a China adotarem este modelo "haverá um grande impacto em tornar a ciência aberta, não apenas nestas regiões, mas em todo o mundo"1111. Muthu M, Kimidi SS, Gunasekaran S, Arunachalam S (2016) Should Indian researchers pay to get their work published? http://eprints.iisc.ernet.in/54926/1/Post-print_APC_paper.pdf
http://eprints.iisc.ernet.in/54926/1/Pos...
.

References

  • *
    Na publicação acadêmica, a publicação predatória em acesso aberto é um modelo exploratório de publicação que envolve a cobrança de taxas de publicação para autores sem fornecer os serviços editoriais e de publicação associados a revistas legítimas (de acesso aberto ou não).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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