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A contribuição da enfermagem portuguesa para o acesso e cobertura universal em saúde

Resumos

Objetivo:

analisar a contribuição da enfermagem portuguesa para a melhoria do acesso e cobertura universal em saúde, através da identificação da distribuição dos enfermeiros no sistema de saúde; evolução de indicadores de saúde; e sistemas de promoção do acesso, em que os enfermeiros têm papel relevante.

Método:

pesquisa documental das publicações de organizações nacionais e internacionais sobre planejamento e resultados em saúde, consultadas bases de dados estatísticos e legislação sobre as reformas da saúde.

Resultados:

no serviço nacional de saúde os enfermeiros representam 30,18% dos recursos humanos; nos sistemas de promoção de acesso, realizados por enfermeiros, verificam-se bons níveis de eficácia (95,5%) e satisfação dos utentes (99% totalmente satisfeitos); nos cuidados de proximidade regista-se a criação de Unidades de Cuidados na Comunidade (185) e 85,80% das consultas domiciliárias realizadas por enfermeiros.

Conclusões:

estratégias políticas, serviço nacional de saúde e reforço dos recursos humanos em saúde são os principais determinantes. A enfermagem é o grupo profissional mais numeroso no serviço nacional de saúde, mas ainda deficitária nos cuidados de saúde primários. O aumento da qualificação acadêmica e autorregulação deste grupo profissional tem permitido melhores respostas ao desafio de melhoria da saúde para os portugueses.

Enfermagem; Acesso aos Serviços de Saúde; Equidade em Saúde; Sistemas de Saúde


Objective:

to analyze the contribution of Portuguese nursing to improving universal health access and coverage by means of the identification of nurses in the health system; evolution of health indicators; and access-promoting systems, in which nurses play a relevant role.

Method:

this was documentary research of publications fromnational and international organizations on planning and health outcomes. Statistical databases and legislation on health reforms were consulted.

Results:

nurses represent 30.18% of human resources in the national health service; the systems of access promotion performed by nurses have good levels of efficacy (95.5%) and user satisfaction (99% completely satisfied); in the local care the creation of Community Care Units (185) occurred, and 85.80% of home consultations were performed by nurses.

Conclusion:

political strategies, the National Health Service and strengthening of human resourcesin healthcareare the main determinants. Nursing is the most numerous professional group in the National Health Service, however numbers remaindeficient in primary health care. The improvement of academic qualification and self-regulation of this professional group has allowed for better answers inimproving health for the Portuguese.

Nursing; Health Services Acessibility; Equity in Health; Health Systems


Objetivo:

analizar la contribución de la enfermería portuguesa para la mejora del acceso y cobertura universal en salud, mediante la identificación de la distribución de los enfermeros en el sistema de salud, evolución de los indicadores de salud y sistemas de promoción del acceso en los que los enfermeros tienen un papel importante.

Método:

investigación documental de las publicaciones de organizaciones nacionales e internacionales sobre planificación y resultados en salud, basadas en datos estadísticos y la legislación sobre las reformas de salud.

Resultados:

en el servicio nacional de salud, los enfermeros representan 30.18% de los recursos humanos; en los sistemas de promoción de acceso realizados por enfermeros, se verifican buenos niveles de eficacia (95.5%) y satisfacción de los usuarios (99% totalmente satisfechos), y los cuidados de proximidad registran la creación de Unidades de Cuidados en la Comunidad (185) y 85.80% de las consultas domiciliarias realizadas por enfermeros.

Conclusiones:

las estrategias políticas, servicio nacional de salud y refuerzo de los recursos humanos en salud son los principales determinantes. La enfermería es el grupo profesional más numeroso en el servicio nacional de salud, pero es aún deficiente en cuanto a los cuidados primarios de salud. El aumento de la calificación académica y autorregulación de este grupo profesional ha permitido mejores respuestas ante el desafío de mejora de la salud para los portugueses.

Enfermería; Aceso a los Servicios de Salud; Equidade en Salud; Sistemas de Salud


Introdução

Nos últimos 40 anos a sociedade portuguesa sofreu enormes transformações políticas, econômicas e sociais. A instauração da democracia, em abril de 1974, abriu caminho para o desenvolvimento de um país que se encontrava, após 48 anos de ditadura, na retaguarda da Europa. Para analisar o acesso, universalidade aos cuidados de saúde e as contribuições dos enfermeiros para este desígnio, têm - se como referência enquadradora as principais alterações ocorridas nos últimos anos nos recursos de saúde, evolução demográfica, formação e organização profissional dos enfermeiros.

Os recursos de saúde: do assistencialismo ao serviço nacional de saúde

Até 1974 os portugueses tinham um sistema de saúde assistencialista, apoiado em seguro social, que financiava o acesso aos cuidados àqueles em que o Estado considerava-se devedor. Apenas os indigentes, atestados pelas juntas de freguesia, tinham direito a cuidados gratuitos. A maioria da população pagava por cuidados de má qualidade em hospitais públicos, concentrados nas três grandes cidades, Lisboa, Porto e Coimbra, ou nas poucas clínicas privadas que existiam por todo o país, mas com maior incidência nestas três grandes cidades. Por outro lado, a necessidade de oferecer portos livres de epidemias, reforçando o peso econômico que estes tinham para o comércio e fornecimento de bens para uma Europa que se industrializava, fez com que o Estado assumisse a autoridade da saúde como plano de controle das grandes epidemias. Ainda com a criação, pioneira na Europa, de uma rede de centros de saúde pública, iniciada em 1971, mas não completamente implantada em 1974, a escassez de oferta de cuidados de saúde era marcada por uma visão reducionista dos determinantes de saúde e doenças, muito centrada em uma dimensão biológica ou biomédica, que acompanhou um incremento das especialidades médicas. O número de profissionais de saúde era, de igual modo, reduzido. A oferta de cuidados era "um conjunto fragmentado de serviços de saúde de natureza variada - grandes hospitais do Estado, uma extensa rede de hospitais das Misericórdias, postos médicos dos Serviços Médico Sociais da Previdência; Serviços de Saúde Pública (centros de saúde a partir de 1971); médicos municipais; serviços especializados para a saúde materno-infantil, tuberculose e as doenças psiquiátricas; sector privado especialmente desenvolvido na área do ambulatório"(1). A contribuição financeira do Estado para a saúde não chegava a representar 3% da riqueza produzida em 1970(11. Observatório Português dos Sistemas de Saúde. O estado da Saúde e a saúde do Estado. Lisboa (Portugal): Escola Nacional de Saúde Pública; 2002.).

Com a democracia, consagrou-se na Constituição da República Portuguesa de 1976 (artigo 64) o direito ao acesso a um sistema de saúde universal, geral e gratuito (tendencialmente gratuito a partir da 2ª revisão constitucional de 1989), assegurado, essencialmente, por um Serviço Nacional de Saúde (SNS) público, criado em 1979. Atualmente, a organização do sistema mantém um componente público (Serviço Nacional de Saúde, SNS) e um privado convencionado, fazendo do Estado o principal financiador dos cuidados de saúde em Portugal. Neste sistema, a oferta de cuidados é garantida por uma rede de Cuidados de Saúde Primários (CSP), pública, (pilar central do sistema de saúde), por uma rede de Cuidados Hospitalares (CH), pública e privada, e por uma Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), criada em 2006, essencialmente convencionada. Estas três redes garantem a cobertura na promoção da saúde, na prevenção de doenças, tratamento de situações agudas e gestão de situações crônicas.

A população

Portugal, em meados da década de 1970, era um país pobre, com baixo acesso viário aos grandes centros, com uma população ocupada, essencialmente, nos setores primário (34,94%) e secundário (33,73%), e pouco alfabetizada (25,7% de analfabetismo). A mortalidade infantil atingia 37,9 mil, os partos eram, sobretudo, realizados em casa, com assistência precária, por curiosas (62,51% sem assistência hospitalar). A expectativa de vida era baixa (68,2 anos)(22. Base de Dados de Portugal Contemporâneo (PORDATA) [Internet]. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. [2010] . [Acesso 25 maio 2015]. Disponível em: http://www.pordata.pt/Portugal/Quadro+Resumo/Portugal-5812
http://www.pordata.pt/Portugal/Quadro+Re...
). Em suma, todos os indicadores socioeconômicos e de saúde eram muito desfavoráveis.

Atualmente, com uma população com 10.457,3 habitantes, a sociedade portuguesa envelhece mais. Se em 1970 o índice de envelhecimento era de 34%, em 2013 apresenta um valor de 133,5% e o rácio da população em idade ativa por idoso reduziu de 6,4 para 3,3. Os nascimentos, em 2013, representaram 39% das crianças nascidas em 1960, passando o índice sintético de fecundidade de 3,2 para 1,21, um dos mais baixos da Europa. Verifica-se diminuição dos jovens menores de 15 anos, de 25,3% em 1981 para 14,7% em 2013. No mesmo período, verifica-se aumento dos idosos (maiores de 65 anos) de 11,5% para 19,6%(22. Base de Dados de Portugal Contemporâneo (PORDATA) [Internet]. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. [2010] . [Acesso 25 maio 2015]. Disponível em: http://www.pordata.pt/Portugal/Quadro+Resumo/Portugal-5812
http://www.pordata.pt/Portugal/Quadro+Re...
).

Estas alterações demográficas lançam novos desafios ao sistema de saúde e seus profissionais, para responder melhor às necessidades emergentes.

A enfermagem

Em relação à enfermagem, em 1974 existiam, em Portugal, cerca de 3 mil enfermeiros e 15 mil auxiliares de enfermagem. No ano seguinte, as instituições de ensino deixaram de ministrar cursos para auxiliares de enfermagem; criou-se o curso de promoção de auxiliares de enfermagem a enfermeiros; passando a existir um único nível de formação para acesso à profissão, o curso de enfermagem(33. Ordem dos Enfermeiros. 10 anos Enfermagem em Portugal. Brochura da Ordem dos Enfermeiros. 2008. [Acesso 26 maio 2015]. Disponível em: http://www.ordemenfermeiros.pt/publicacoes/Documents/Brochura_10anos2008.pdf
http://www.ordemenfermeiros.pt/publicaco...
).

Em 1988, o ensino da enfermagem foi integrado ao sistema educativo nacional (subsistema politécnico), concedendo o bacharelado em três anos. Uma década mais tarde (1998), com adesão de Portugal ao processo de Bolonha, o curso passou para quatro anos, atribuindo licenciatura em enfermagem. Os primeiros mestrados em ciências de enfermagem iniciaram-se em 1991 e no início deste milénio iniciaram-se diversos cursos de mestrado em diferentes áreas de especialização em enfermagem. Data, também, do início do primeiro curso de doutorado em enfermagem (2001), existindo três programas regulares de doutorado em enfermagem e um em saúde com um ramo em enfermagem, nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra.

Alicerçado nesta evolução, em 1996 foi publicado o Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE), que esclarece conceitos, caracterização dos cuidados de enfermagem e especifica a competência dos profissionais legalmente habilitados a prestá-los. A criação da Ordem dos Enfermeiros (OE), em 1998, impulsiona o desenvolvimento da profissão, promovendo a defesa da qualidade dos cuidados e concedendo aos enfermeiros autonomia para o desenvolvimento, regulamentação e controle do exercício da profissão, assegurando a observância das regras de ética e deontologia profissional. O Código Deontológico (1998; 2009), parte integrante dos Estatutos da Ordem, os Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem (2001), a definição da Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais (2003; 2011) e dos Enfermeiros Especialistas (2010; 2011) constituem instrumentos estruturantes da profissão(44. Ordem dos Enfermeiros [Internet]. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros; 2012 [acesso 25 maio 2015]. Disponível em: http://www.ordemenfermeiros.pt/AEnfermagem/Paginas/default.aspx
http://www.ordemenfermeiros.pt/AEnfermag...
).

Com base no referido, pode-se verificar que a evolução da enfermagem portuguesa tem acompanhado as mudanças operadas no sistema de saúde e sociedade em geral, recuperando um atraso na formação e exercício profissional.

As alterações de saúde resultam de múltiplos determinantes e, destes, os macrocontextuais e estratégicos são muito relevantes, principalmente quando ocorre uma mudança de contexto, como aquela que diferencia o país antes e após 1974. Contudo, em Portugal, apesar do significativo aumento do nível de vida e melhoria da saúde, as assimetrias regionais e entre classes sociais mantêm-se evidentes. Estas desigualdades têm sido, recentemente, aprofundadas com a crise econômica que o país atravessa e refletem-se, particularmente, no acesso aos cuidados de saúde e utilização dos recursos de saúde(55. Sakellarides C, Castelo-Branco L, Barbosa P, Azevedo H. The impact of the financial crisis on the health system and health in Portugal. 2014. [acesso 25 maio 2015]. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0006/266388/The-impact-of-the-financial-crisis-on-the-health-system-and-health-in-Portugal.pdf?ua=1
http://www.euro.who.int/__data/assets/pd...
). Durante todo este período, a melhoria global das condições de vida interagiram fortemente com o desempenho do sistema nacional de saúde e seus recursos humanos, sendo difícil individualizar qual a contribuição das diferentes variáveis para a melhoria dos cuidados. Contudo, pode-se considerar que os enfermeiros têm particular relevância em áreas como a promoção da saúde, especialmente de saúde materna e infantil, na facilitação do acesso aos cuidados e cuidados de proximidade.

O objetivo deste trabalho foi analisar a contribuição da enfermagem portuguesa para melhoria do acesso e cobertura universal em saúde. Especificamente, identificar a distribuição dos enfermeiros no sistema de saúde; a evolução de um conjunto de indicadores de saúde após a criação de um sistema de acesso universal; e os sistemas de promoção do acesso em que os enfermeiros têm um papel relevante.

Método

Utilizou-se metodologia qualitativa, por análise de conteúdo de um corpus documental, constituído por documentos de organizações nacionais e internacionais sobre planejamento e resultados em saúde, nomeadamente da Direção Geral da Saúde (DGS), Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Foram consultadas bases de dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística (INE), PORDATA e Organização Mundial de Saúde (OMS) e, ainda, legislação sobre as reformas da saúde. Para analisar a contribuição da enfermagem portuguesa para melhoria do acesso e cobertura universal em saúde foram utilizados cinco diferentes tipos de indicadores: 1) recursos humanos: número de enfermeiros e sua distribuição geográfica por área de trabalho; 2) desempenho dos enfermeiros em áreas particularmente sensíveis à melhoria do acesso aos cuidados de saúde: linha 24 e consultas domiciliárias; 3) resultado de vigilância e prevenção epidemiológica: taxa de cobertura vacinal; 4) melhora do estado de saúde dos portugueses: taxa de mortalidade infantil e materna; e 5) organização e gestão de unidades de cuidados: número de Unidades de Cuidados na Comunidade.

Resultados

Os enfermeiros no sistema de saúde

A oferta de cuidados de enfermagem, em Portugal, cresceu conforme foi aumentando a oferta global de cuidados. Quando comparam-se os números de enfermeiros no sistema de saúde, verifica-se que este número quase duplicou entre as décadas de 70 e 80, acompanhando o crescimento do número de camas hospitalares. Em 2012, trabalhavam no sistema cerca de 39.797 enfermeiros. Porém, em 2013, este número sofreu um decréscimo de cerca de 2%, caindo para 38.937(66. Ministério da Saúde (PT). Portal da Saúde - Relatório Anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde no SNS - 2013. 2014. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/a+saude+em+portugal/publicacoes/estudos/relatorio+anual+sns+2013.htm
http://www.portaldasaude.pt/portal/conte...
).

Apesar da crescente orientação das políticas de saúde para os cuidados de saúde primários, em 2015, dos 66.452 inscritos na Ordem dos Enfermeiros, apenas 11,51% trabalhavam nesta área, enquanto 51,46% trabalhavam em hospitais. Ressalta-se a menor porcentagem (0,61%) daqueles que trabalhavam em regime liberal(77. Ordem dos Enfermeiros. Dados Estatísticos 31/12/2014. 2015. [acesso em: 26 maio 2015]. Disponível em: http://www.ordemenfermeiros.pt/Documents/DadosEstatisticos/Estatistica_V01_2014.pdf
http://www.ordemenfermeiros.pt/Documents...
).

Estes números representam um rácio de 3,54 enfermeiros por 1.000 habitantes, relacionando um enfermeiro para cada 1,57 médico(88. Administração Central do Sistema de Saúde. Inventário do Pessoal da Saúde - 2013. 2014. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/Invent%C3%A1rio%20dos%20profissionais%20do%20Setor%20da%20Sa%C3%BAde%20_Final.pdf
http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/I...
). Nos Cuidados de Saúde Primários, este rácio é ainda mais baixo que a média nacional (1,05), sendo menor do que um em duas regiões do país, onde é mais elevada a concentração de serviços hospitalares (regiões central e de Lisboa e Vale do Tejo)(88. Administração Central do Sistema de Saúde. Inventário do Pessoal da Saúde - 2013. 2014. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/Invent%C3%A1rio%20dos%20profissionais%20do%20Setor%20da%20Sa%C3%BAde%20_Final.pdf
http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/I...
).

A contribuição dos enfermeiros nos sistemas de promoção do acesso

O Plano Nacional de Saúde, de 2012 a 2016, em seu eixo estratégico "Equidade e acesso aos cuidados de saúde" enumera quatro sistemas dedicados à facilitação e definição de prioridades de acesso: linha de saúde 24, sistema de triagem de prioridades de Manchester no serviço de urgência, via verde do enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e, por último, via verde da sépsis(99. Ministério da Saúde (PT). Plano Nacional de Saúde (PNS) 2012-2016. 2012. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://pns.dgs.pt/pns-versao-completa/
http://pns.dgs.pt/pns-versao-completa/...
). A participação dos enfermeiros é relevante em dois destes quatro sistemas - linha de saúde 24 e sistema de triagem de prioridades de Manchester no serviço de urgência - uma vez que sua execução depende, exclusivamente, da ação de enfermeiros.

O Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, denominado linha saúde 24, é um serviço multicanal (telefone, web, correio eletrônico e fax) que funciona 24 horas por dia, com cobertura nacional, onde efetuam-se triagem, aconselhamento e encaminhamento dos cidadãos doentes, incluindo problemas urgentes, facilitando, assim, o acesso aos serviços de saúde de forma mais racional e respondendo às necessidades manifestadas pelos cidadãos em matéria de saúde(6). Este atendimento é efetuado, exclusivamente, por enfermeiros que aconselham, encaminham ou ajudam cada cidadão que procura este serviço, a resolver a situação sozinho, reduzindo, assim, o recurso aos serviços de urgência hospitalar. Foi criado em 2007 e, atualmente, incorpora os serviços de atendimento saúde 24 de pediatria e a linha de saúde pública, sendo um serviço focado no utente, inserido na cadeia de prestação de cuidados de saúde e situado no ponto de entrada do sistema.

De 2007 a 2013 verificou-se evolução positiva na procura deste serviço(1010. Gomes S. Saúde 24: números da atividade. In Universidade Católica Portuguesa, organizador. 9º Seminário de Investigação Internacional em Enfermagem; 14-15 maio 2015; Porto: Universidade Católica Portuguesa; 2015.), como pode ser observado na Tabela

Tabela 1
- Distribuição dos contatos e taxa de eficácia da linha saúde 24. Portugal, 2015

Em 2013 foram recebidas, via telefone, 718.572 chamadas, das quais mais de 95% (689.042) foram atendidas, representando uma média de chamadas atendidas de 2.057 por dia. Dos contatos recebidos, 75% são classificados como triagem, aconselhamento e encaminhamento, disponibilizando um serviço de atendimento de teor clínico, avaliando o nível de risco sobre os sintomas descritos pelo utente, com aconselhamento, incluindo o autotratamento e, caso necessário, o encaminhamento do doente a uma instituição da rede de prestação de cuidados de saúde mais apropriada a sua condição. A avaliação realizada pelos enfermeiros resultou menos da metade de casos aos serviços de cuidados de urgência/emergência (40%), cerca de 1/3 de chamada foi encaminhada para consulta médica e para mais de 27% dos casos o aconselhamento foi suficiente, tendo-se dispensado qualquer outro contato com os serviços de saúde(66. Ministério da Saúde (PT). Portal da Saúde - Relatório Anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde no SNS - 2013. 2014. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/a+saude+em+portugal/publicacoes/estudos/relatorio+anual+sns+2013.htm
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), como representado na Figura 1.

Figura 1
- Distribuição do tipo de encaminhamento, realizado pela linha saúde 24, Portugal, 2013

No grupo populacional com mais de 65 anos, devido à fragilidade, em 2013 mais de 36% dos utentes foram encaminhados para um serviço de urgência hospitalar.

Este serviço, prestado pelos enfermeiros, melhora não apenas o acesso, mas a eficiência da utilização dos serviços. Na análise dos encaminhamentos efetuados aos utentes em 2013, verificou-se que mais de 50% dos utentes que ligaram planejavam ir a um serviço de urgência, no entanto, foram encaminhados para os cuidados de saúde primários (30,2%) ou para autocuidados (24,7%). Por outro lado, quase 30% dos utentes que ligaram com a intenção de acompanhar seu estado de saúde em casa foram direcionados para um serviço de urgência/emergência(66. Ministério da Saúde (PT). Portal da Saúde - Relatório Anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde no SNS - 2013. 2014. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/a+saude+em+portugal/publicacoes/estudos/relatorio+anual+sns+2013.htm
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).

Em um estudo realizado entre os dias 1º de maio e 31 de julho 2014(1111. Gomes S. Saúde 24: avaliação do impacte da telenfermagem na redução do recurso às urgências hospitalares. 9º Seminário de Investigação Internacional em Enfermagem; 14-15 maio 2015; Porto: Universidade Católica Portuguesa; 2015.) mostrou que, dos 51% dos utentes que planejavam recorrer a um serviço de urgência, 50,5% não o fizeram, resolvendo sua situação com autocuidado ou cuidados primários de saúde.

Assim, a satisfação com este serviço, avaliada por entidade independente (Nielsen, Portugal), é sempre superior a 95%, como observado na Tabela 2.

Tabela 2
- Grau de satisfação dos clientes com o serviço linha saúde 24 (2009-2013). Portugal, 2014

Consultas domiciliárias de enfermagem

As consultas domiciliárias são uma importante estratégia de cuidados de proximidade e de melhoria ao acesso e universalidade dos cuidados. A consulta no domicílio é uma consulta prestada por um profissional de saúde, no domicílio, em lares ou instituições afins, correspondendo a episódios programados ou não programados, dirigidos a um utente(1212. Administração Central do Sistema de Saúde. Cálculo de Indicadores de Desempenho: critérios a observar na sua implementação. 2010. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/C%C3%A1lculoIndicadoresDesempenho.pdf
http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/C...
).

Os dados mostram que a maioria destas consultas é realizada por enfermeiros (Tabela 3) e seu número cresce(1313. Direção Geral da Saúde. Centro de Saúde e Unidades Hospitalares: Recursos e produção do SNS: Ano de 2011. Lisboa: Direção-Geral da Saúde; 2014.).

Tabela 3
- Registro de consultas domiciliárias por profissional de saúde. Portugal, DGS, 2014

Vacinação - resultados obtidos com o programa nacional

O Programa Nacional de Vacinação (PNV) iniciou-se em outubro de 1965(1414. Freitas MG. O programa nacional de vacinação: nota histórica. Portugal Saúde em Números Rev Científica da Direção Geral Saúde. 2013;2(1):50-3.). Caracteriza-se por ser universal, gratuito para o utilizador, descentralizado, gerido nacionalmente, assumido como uma receita universal, ainda que não obrigatória e essencialmente implementado pelos enfermeiros da rede pública de Cuidados de Saúde Primários. A avaliação do cumprimento do Programa Nacional de Vacinação (PNV), que realiza-se com periodicidade anual, tem permitido determinar as taxas de cobertura vacinal em idades chave, verificando-se que, em sua globalidade, atingem níveis adequados para conferir imunidade aos diferentes grupos, cumprindo-se os requisitos e compromissos internacionais(1414. Freitas MG. O programa nacional de vacinação: nota histórica. Portugal Saúde em Números Rev Científica da Direção Geral Saúde. 2013;2(1):50-3.), como pode-se verificar na Figura 2.

Figura 2
- Avaliação da cobertura do PNV por coorte e vacina. Portugal, 2104

A evolução dos indicadores de saúde

O investimento em equipes multidisciplinares vastas e que trabalham em interligação com os serviços de nível primário e hospitalar é considerado relevante em saúde materna e infantil, constituindo um fator determinante para o progresso dos indicadores neste domínio. A inclusão de enfermeiros de cuidados gerais e, particularmente, dos enfermeiros especialistas em saúde materna, obstétrica e em saúde infantil, pediátrica foi considerada obrigatória nas diferentes instituições da rede de referência e unidades coordenadoras funcionais.

As taxas de mortalidade infantil e materna caíram consideravelmente, acompanhando as alterações políticas e sociais do país. Em relação à taxa de mortalidade infantil verificou-se um progresso assinalável, passando de 55,5 casos por 1.000 habitantes (1970) para 2,8‰ (2014). A taxa de mortalidade materna também apresentou considerável diminuição. Em 1970, foi de 73,4 por 1.000.000, para 19,0 em 1980. A partir do 1992 apresentou valores sempre inferiores a 10 por 1.000.000 e em 2013 para seis(22. Base de Dados de Portugal Contemporâneo (PORDATA) [Internet]. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. [2010] . [Acesso 25 maio 2015]. Disponível em: http://www.pordata.pt/Portugal/Quadro+Resumo/Portugal-5812
http://www.pordata.pt/Portugal/Quadro+Re...
).

A organização e gestão de unidades de cuidados: Unidades de Cuidados na Comunidade

As Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) foram criadas em 2008, para reforma dos cuidados de saúde primários, e têm como missão contribuir para a melhoria do estado de saúde da população da área geográfica de intervenção. Oferecem cuidados de saúde, apoio psicológico e social, domiciliário e comunitário, especialmente a pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis, em situação de maior risco, dependência física e funcional ou doença que requer acompanhamento próximo. Atuam, ainda, na educação para a saúde, integração em redes de apoio à família e implementação de unidades móveis de intervenção. Estas unidades são formadas por equipes multiprofissionais autônomas, designadas por Equipes de Intervenção Comunitária (EIC) para abordagens a grupos/comunidades em diferentes contextos e de acordo com o Plano Nacional de Saúde, por Equipes de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) e por Equipes Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP), para intervenção à população idosa e/ou dependente. O coordenador das UCC é designado entre os enfermeiros, com, no mínimo, a formação de enfermeiro especialista e experiência na respectiva área funcional. De acordo com os dados mais recentes existem, atualmente, 185 UCCs em funcionamento(1515. Administração Central do Sistema de Saúde [Internet]. Unidade de Cuidados na Comunidade. Lisboa: Ministério da Saúde; 2015 [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.acss.min-saude.pt/DepartamentoseUnidades/UnidadePlaneOrganiza%C3%A7%C3%A3odeServi%C3%A7osdeSa%C3%BAde/CuidadosdeSa%C3%BAdePrim%C3%A1rios/ACES/UCC/tabid/850/language/pt-PT/Default.aspx
http://www.acss.min-saude.pt/Departament...
).

Discussão

É possível constatar que, os enfermeiros trabalham nas três redes de cuidados que compõem a oferta pública e privada, a saber: rede de cuidados de saúde primários, com os Agrupamentos de Centros de Saúde, Unidades de Saúde Familiar e outras unidades funcionais, onde destacam-se as Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), geridas por enfermeiros; rede de cuidados diferenciados, com os hospitais; rede de cuidados continuados integrados, com as unidades de cuidados para convalescença, cuidados de média e longa duração e cuidados paliativos. Além destas redes é possível encontrar enfermeiros que trabalham em outros contextos assistenciais, como lares para idosos, ainda que em número reduzido.

A distribuição de enfermeiros por todas estas unidades tem garantido acesso a cuidados, facilitando o acesso das populações aos cuidados essenciais. Contudo, o rácio de enfermeiros por habitantes (3,54 / ‰) é bastante inferior à média dos países da OCDE. Por seu lado, o rácio enfermeiro/médico (1,5) fica igualmente abaixo da média dos países desta organização(2,8)(1616. OECD. Health at a Glance: Europe 2010 [Internet]. 2010. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/health-at-a-glance-europe-2010_health_glance-2010-en
http://www.oecd-ilibrary.org/social-issu...
). Este rácio enfermeiro/médico pode indiciar uma gestão ineficiente dos recursos e potencial de competências dos enfermeiros no sistema de prestação de cuidados(1717. Temido M, Dussault G. Papéis profissionais de médicos e enfermeiros em Portugal: limites normativos à mudança. Rev Port Saúde Pública. 2014;32(1):45-4.). A situação é ainda mais grave nos cuidados de saúde primários, resultado de baixo recrutamento, evidenciando uma clara desvalorização do papel dos enfermeiros nos cuidados mais próximos dos cidadãos. Apesar disso, o número de consultas domiciliárias e, particularmente, sua proporcionalidade com o desempenho de outros profissionais de saúde é bastante relevante. De fato, a maioria dos cuidados que as pessoas necessitam quando estão doentes em seus domicílios são de enfermagem. Porém, nota-se, ainda, escasso número de UCCs em atividade. Estas são uma opção organizativa que permite aos enfermeiros desenvolver estratégias de cuidados centrados nas necessidades das populações, no exercício de suas autonomias e em equipes multiprofissionais colaborativas.

Por outro lado, verifica-se que, os enfermeiros portugueses têm dado contribuição importante para acessibilidade e uso mais racional do sistema. Um exemplo deste tipo de intervenção é a implementação do serviço linha saúde 24, que tem permitido, com grau elevado de satisfação, melhoria do acesso adequado aos diferentes cuidados de saúde.

O PNV, com uma taxa de cobertura vacinal média de 98% para cada tipo de vacina do plano, reconhecido nacionalmente e internacionalmente, foi e é um programa eficiente e efetivo, que permitiu erradicar, eliminar e controlar as doenças alvo, contribuindo de forma determinante para redução da mortalidade infantil e morbimortalidade por doenças cobertas pelas vacinas, nomeadamente a tuberculose. O sucesso alcançado foi e é uma junção de vários fatores, salientando-se o empenho e aceitabilidade dos profissionais de saúde, dos quais, destacam-se os enfermeiros como profissionais de primeira linha. A sua proximidade e acessibilidade à toda a população, nos Centros de Saúde e suas extensões, permite gerir os arquivos, notificar, informar e motivar os cidadãos, para manter atualizados os calendários vacinais de toda população. As campanhas de sensibilização e vacinação em massa de crianças e adolescentes nas escolas, dos programas de saúde escolar, contribuíram muito para estes resultados(66. Ministério da Saúde (PT). Portal da Saúde - Relatório Anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde no SNS - 2013. 2014. [acesso 28 maio 2015]. Disponível em: http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/a+saude+em+portugal/publicacoes/estudos/relatorio+anual+sns+2013.htm
http://www.portaldasaude.pt/portal/conte...
).

Em 1970 todos os indicadores de saúde e, nomeadamente, os maternoinfantis assumiam valores dos países subdesenvolvidos. A criação do serviço nacional de saúde universal, geral e, tendencialmente, gratuito, com maior oferta de cuidados de proximidade, associado a várias políticas sociais e medidas, como a obrigatoriedade de inclusão de enfermeiros de cuidados gerais e, especificamente, enfermeiros especialistas em saúde materna, obstétrica e em saúde infantil, pediátrica, nas diferentes instituições da rede de referenciação e unidades coordenadoras funcionais, foram importantes para melhoria dos indicadores de saúde.

O investimento em equipes multidisciplinares vastas e que trabalham em interligação com os serviços de nível primário e hospitalar é considerado relevante em saúde materna e infantil, constituindo-se um fator determinante para o progresso dos indicadores neste domínio.

Conclusões

A criação de um sistema de saúde universal permitiu maior aproximação dos serviços de saúde às pessoas, tendo, progressivamente, aumentado a centralidade nos cuidados de saúde primários e melhorado a densificação e articulação entre os vários níveis e unidades de cuidados. As campanhas de saúde escolar e materna, com incentivo ao parto assistido em maternidades, fizeram com que os indicadores de mortalidade materna e infantil baixassem para níveis melhores que em alguns países da Europa Ocidental. A enfermagem viu aumentada e qualificada sua força de trabalho, assumindo novos protagonismos e respostas eficazes às necessidades de saúde das populações. Contudo, ainda são necessários reforços significativos nos cuidados de saúde primários, especialmente a enfermeiros com formação especializada pós-graduada e mais unidades orgânicas coordenadas por enfermeiros.

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2015
  • Aceito
    28 Jul 2015
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