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Repercussões da prisão por violência conjugal: o discurso de homens1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado "Repercussões da violência conjugal para a saúde de homens", apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), Brasil, processo nº 6897/2013.

RESUMO

Objetivo:

conhecer as repercussões da prisão por violência conjugal para os homens.

Métodos:

estudo qualitativo com 20 homens que foram presos e respondem a processo criminal por violência conjugal em uma Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. As entrevistas foram categorizadas com base no método do Discurso do Sujeito Coletivo, com auxílio do software NVIVO(r).

Resultados:

o discurso coletivo revela que a vivência da prisão preventiva desencadeia desagregação familiar, estigma social, dificuldades financeiras e sintomatologia de caráter psicoemocional, como fobia, depressão, hipertensão e cefaleia.

Conclusão:

diante das repercussões físicas, mentais e sociais de experienciar a prisão em decorrência de violência conjugal, urge um olhar acerca do processo de somatização do vivido, da mesma maneira que estratégias de prevenção do fenômeno.

Descritores:
Gênero; Masculinidade; Saúde do Homem; Violência Contra a Mulher; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to know the consequences that men experience related to incarceration by conjugal violence.

Methods:

qualitative study on 20 men in jail and indicted in criminal processes related to conjugal violence in a Court specialized in Family and Domestic Violence against women. The interviews were classified based on Collective Subject Discourse method, using NVIVO(r) software.

Results:

the collective discourse shows that the experience of preventive imprisonment starts a process of family dismantling, social stigma, financial hardship and psycho-emotional symptoms such as phobia, depression, hypertension, and headaches.

Conclusion:

due to the physical, mental and social consequences of the conjugal violence-related imprisonment experience, it is urgent to look carefully into the somatization process as well as to the prevention strategies regarding this process.

Descriptors:
Gender Identity; Masculinity; Men's Health; Violence Against Women; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

conocer las repercusiones de prisión, por violencia conyugal, en los hombres.

Métodos:

estudio cualitativo con 20 hombres que fueron presos y responden por caso criminal de violencia conyugal, en una Juzgado de Violencia Doméstica y Familiar contra la Mujer. Las entrevistas fueron categorizadas con base en el método del Discurso del Sujeto Colectivo, con auxilio del software NVIVO(r).

Resultados:

el discurso colectivo revela que la vivencia de prisión preventiva desencadena desagregación familiar, estigma social, dificultades financieras y sintomatología de carácter psicoemocional, como fobia, depresión, hipertensión y cefalea.

Conclusión:

delante de las repercusiones físicas, mentales y sociales, de experimentar la prisión como consecuencia de violencia conyugal, es urgente examinar el proceso de somatización de esa experiencia, de la misma manera que encontrar estrategias de prevención de ese fenómeno.

Descriptores:
Identidad de Género; Masculinidad; Salud del Hombre; Violencia Contra la Mujer; Enfermería

Introdução

A violência conjugal se constitui enquanto preocupante problema de saúde pública, e consiste em qualquer ação ou omissão contra a pessoa com quem se tem um envolvimento afetivo, ancorando-se geralmente em uma relação assimétrica pautada na desigualdade entre os parceiros. Na perspectiva de gênero, a masculinidade, assim como a feminilidade, ancora-se na construção social do "ser homem" e "ser mulher", de modo que aprendemos, naturalizamos e reproduzimos os papéis esperados para cada sexo11. Connell RW, Messerschmidt JW. Hegemonic masculinity rethinking the concept. Rev Gender Soc. [Internet]. 2005 [Acesso Jul 21, 2016];19(6):829-59. Available from: http://xyonline.net/sites/default/files/Connell,%20Hegemonic%20masculinity_0.pdf. Essa crença simbólica ainda orienta a formação de identidades pautadas na hegemonia masculina, passando a retratar as mulheres como inevitavelmente inferiores ou subservientes aos homens, o que incita a violência contra a mulher22. Carter J. Patriarchy and violence against women and girls. Lancet. [Internet]. 2015. [Access Jul 21, 2016]; 385 (9978):40-1. Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(14)62217-0/abstract.

A violência conjugal tem sido tema de inúmeros estudos em todo o mundo, tanto por suas diversas formas de expressão, quanto pelas consequências para os envolvidos, configurando-se considerando-se um fenômeno transgeracional e interacional33. Kalokhe A. Domestic Violence Against Women in India: a systematic review of a decade of quantitative studies. Global Public Health. [Internet]. 2016 [Access Jul 22, 2016] ; 2(1):1-16. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26886155. Embora a existência de agressão mútua, há especificidades na forma de agredir bem como nas repercussões quando sob o recorte de gênero44. Colossi PM, Marasca AR, Falcke D. De Geração em Geração: A Violência Conjugal e as Experiências na Família de Origem. Psico. [Internet]. 2015. [Access Jul 19, 2016];46(4):493-502. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/revistapsico/article/view/20979. A mulher emprega frequentemente a agressão física leve, como arranhões, além de violência verbal e psicológica; já o homem, devido a força física superior, tende a provocar lesões mais graves e, portanto, de maior visibilidade55. Tisak MS, Tisak J, Barker ER, Graupensperge SA. Relations Among Victimization, Witnessing, and Perpetration of Aggression: Impact of Gender Among Youth Offenders. J Interpers Violence. [Internet]. 2016 [Access Jul 26, 2016] ;11(3):1-9. Available from: http://jiv.sagepub.com/content/early/2016/07/25/0886260516659658.abstract. Por esse motivo, ainda que estudos concordem acerca do caráter recíproco da violência conjugal, nota-se o destaque para o comprometimento sobre a saúde das mulheres66. Próspero M, Kim M. Mutual Partner Violence. Mental Health Symptoms Among Female and Male Victims in Four Racial/Ethnic Groups. J Interpers Violence. [Internet]. 2009 [Access Jul 19, 2016];24(12): 2039-56. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19109532-77. Poletto LB. Trajetórias de vida e violência conjugal: interlocução entre a denúncia e a ressignificação.Educação Unisinos. [Internet]. 2015 [Acesso 19 Jul 2016] ;19(1): 141-3. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/view/edu.2015.191.13.

Todavia, embora raras, pesquisas apontam para a existência de repercussões masculinas, a exemplo de estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA), cujos resultados demonstraram que os homens em relacionamentos amorosos permeados por violência apresentam elevadas taxas de problemas psiquiátricos, tais como a depressão grave ou moderada e transtornos pós-traumáticos88. Rhodes KV, Houry D, Cerulli C, Strauss H, Kaslow NJ, McNutt LA. Intimate partner violence and comorbid mental health condition among urban male patients. Ann Fam Med. [Internet]. 2009 [Access Jul 19, 2016] ;7(1):47-55. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19139449. Tais repercussões são intensificadas com a vivência da prisão, onde o indivíduo se depara com escassez de produtos alimentares e de higiene; ausência de uma infraestrutura adequada; ocorrência de violência entre os internos, bem como tráfico e o uso de drogas ilícitas99. Andrade US, Ferreira FF. Crise no sistema penitenciário brasileiro: capitalismo, desigualdade social e prisão. Rev Psicol Diversidade Saúde. [Internet]. 2015. [Acesso 19 Jul 2016];3(1): 24-38 Disponível em: https://www5.bahiana.edu.br/index.php/psicologia/article/view/471/390.

Não obstante a escassa produção do saber sobre repercussões da violência conjugal para o público masculino, sinaliza-se para a relevância da identificação de necessidades de saúde e cuidado dessa população. Sendo assim, urge a inclusão do homem, autor de violência conjugal, como sujeito central dos estudos. Considerando essa lacuna na literatura, delineou-se a seguinte questão de investigação: quais as repercussões da prisão por violência conjugal para homens? Adotou-se como objetivo: conhecer as repercussões da prisão por violência conjugal para os homens.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo, qualitativo, vinculado a um projeto maior, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), intitulado: Reeducação de homens e mulheres envolvidos em processo criminal: estratégia de enfrentamento da violência conjugal. Este projeto é desenvolvido pelo Grupo de Estudos Violência e Qualidade de Vida, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia e tem como objetivo criar uma tecnologia social de reeducação de gênero para homens e mulheres, a partir do desenvolvimento de grupos reflexivos (GR).

Os participantes da pesquisa foram 20 homens denunciados por violência conjugal, que foram presos e, no momento do estudo, respondiam em liberdade a processo criminal em uma Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. A seleção dos participantes foi intencional, e como estratégia de aproximação, os homens foram convidados a participarem de encontros do GR. O primeiro contato foi realizado pela Assistente Social da Vara, no momento em que os possíveis colaboradores compareciam à instituição para participar de audiência referente ao processo. Caso os indivíduos se mostrassem interessados e autorizassem, os pesquisadores estabeleciam contato telefônico, informando a data para que integrassem ao grupo.

Os critérios de inclusão delineados foram: homens que estivessem em processo criminal por violência conjugal na referida Vara e que experienciaram a prisão preventiva. Foram excluídos os homens que possuíam processos cuja causa estava baseada em outras violências contra a mulher, que não a conjugal.

No primeiro dia do Grupo Reflexivo, os colaboradores foram esclarecidos acerca do objetivo e relevância da pesquisa; benefícios e riscos potenciais; direito de decidir na colaboração com a pesquisa, assegurando que a recusa não implicaria na saída do grupo, além de outros preceitos éticos preconizados pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Aceitando colaborar com o estudo, os homens assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, quando se agendava dia e horário mais conveniente para entrevista. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia, sob o parecer de número 877.905.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de Junho a Outubro de 2015, através de entrevista individual, com duração média de meia hora, guiada por um roteiro semiestruturado norteado pela questão: quais as repercussões da prisão para a sua vida? A equipe de pesquisa foi composta por enfermeiras e enfermeiros pesquisadoras(es), em processo de mestrado e doutoramento, com a supervisão de doutores (as), com ampla experiência nessa área do conhecimento. As falas dos colaboradores foram gravadas, transcritas na íntegra e identificadas através da leta H, e do número de ordem de realização, tais como H1, H2 e subsequentes. Não consideramos o risco de viés por participarem do GR, visto que a entrevista remeteu às repercussões da vivência prisional, temática abordada no grupo até a finalização da coleta de dados.

Para manter o rigor no estudo, colocaram-se as entrevistas disponíveis depois da transcrição para todos os participantes, a fim de verificarem se estavam contemplados na forma como os dados foram transcritos. Para tal estratégia, como ferramenta de apoio, atendeu-se aos critérios consolidados para o Reporting Pesquisa Qualitativa (COREQ).

A organização inicial do material transcrito foi realizada através do Software NVIVO(r) versão 11, sem qualquer participação financeira, seguida da categorização de ideias centrais e construção de discursos sínteses através do método do Discurso do Sujeito Coletivo. Com base no material estudado, elaborou-se ainda a "nuvem de palavras", que representa a frequência de palavras evocadas, destacando as palavras com maior frequência no discurso. Esta, disposta nos resultados, respalda os achados, os quais foram embasados a partir das temáticas: violência, gênero e masculinidades.

Resultados

Ideia central 1 - repercussões para a saúde

Apreciando os discursos acerca das repercussões do processo de prisão por violência conjugal foi possível perceber que estes sinalizam para a somatização do vivido, ilustrada a partir das seguintes subcategorias: Adoecimento mental e Adoecimento físico.

Ideia Central Síntese 1A - Adoecimento mental

Experienciar a prisão associada à violência conjugal desvelou-se enquanto evento gerador de repercussões psicoemocionais, a exemplo da hipervigilância, tristeza, baixa autoestima, autodesvalorização, apatia e depressão, conforme revela o discurso a seguir: Mexeu com minha cabeça. Minha consciência fica pesada. Nos primeiros meses, eu estava uma lástima, jogado no chão dentro de casa, na solidão. Sinto um vazio, me sinto inútil, desânimo para trabalhar, para viver. Me sinto triste e choro muito. A autoestima está lá em baixo. Entrei em depressão. A cabeça, em questão de segundos, pode fazer uma besteira. Já pensei em largar tudo e sumir no mundo. Me sinto transtornado, desequilibrado, traumatizado. Ando assustado. Quando passa uma viatura na rua, eu fico nervoso pensando que vai me pegar. A gente mora próximo, e por isso tenho medo de saber que a qualquer momento uma pessoa pode ligar para a polícia (refere-se à medida protetiva). Também tenho pesadelos. Tudo isso me faz adoecer. (DSC, H1, H2, H3, H4, H5, H6, H7, H8, H12, H13, H15, H18, H19, H20).

Ideia Central Síntese 1B - Adoecimento físico

O discurso dos entrevistados revela ainda relação entre a vivência da prisão e o desencadeamento de sinais e sintomas físicos, tais como: alterações gástricas; emagrecimento associado à perda do apetite; redução da força muscular; alterações no padrão de sono; cefaleia; taquicardia e hipertensão. Depois do acontecido, perdi o apetite, emagreci bastante. Acho que adquiri uma gastrite. Não consigo mais pegar peso. Não consigo dormir, fico sem sono. O coração também aperta, sinto dores no peito, e fico com falta de ar. Passei a ter hipertensão, sinto tontura, dor de cabeça e fico nervoso. Não sou mais o mesmo homem de antes (DSC, H1, H2, H3, H5, H7, H8, H9, H10, H14, H17, H19, H20).

Ideia central 2 - repercussões sociais

Esta categoria contempla repercussões na esfera socioeconômica, as quais homens que estiveram na prisão após agredir suas companheiras encontram-se vulneráveis. Estas podem ser ilustradas a partir das seguintes subcategorias:

Ideia Central Síntese 2A - Desagregação familiar

O discurso mostra que a prisão do homem gera afastamento não só da companheira, como também de outros entes, a exemplo de filhos, pais e irmãos. Expressa ainda a visão de indispensabilidade do homem-pai no lar, de modo que seu afastamento representa um risco para o desvio de comportamento dos filhos. É cruel porque agora eu fiquei sozinho! Todo mundo sumiu. Sinto saudades! Me afastei totalmente da minha família. Eu perdi a minha mulher sem necessidade, nós tínhamos um projeto de vida, a gente já tinha combinado passar a velhice juntos. Ela não quer me ver. Além disso, tenho que ficar longe de meus filhos, porque ela impede. A saudade batia e o coração ficava apertado, porque sabia que ele estava sentindo a minha falta. E ainda tem a justiça que me obriga a ficar 300 metros distante, ou vou ser preso de novo. Fiquei mal! Eu penso no crescimento deles, porque o pai é o guia da casa. Meus filhos vivem hoje com problemas sérios (silêncio, olhos encheram-se de lágrimas). O menino não está indo para a escola, a menina está com dificuldades para estudar. Fico observando que se a gente não acompanhar nossos filhos, eles vão achar uma maneira de se jogar nesse mundo. (DSC, H1, H2, H3, H4, H5, H7, H9, H11, H13, H15, H17).

Ideia Central Síntese 2B - Estigma social

Ao ser preso por praticar violência contra a mulher, tal conduta masculina passa a ser de conhecimento público. Como consequência, o estudo revela que os homens passam a ser rotulados e hostilizados por pessoas de seu convívio social, tanto da comunidade onde reside quanto do âmbito profissional, incluindo àquelas que integravam seu ciclo de amizades. As pessoas da minha comunidade não olham para mim como antes. Ainda dizem: olha o homem que gosta de bater em mulher. Meu ex-patrão ficava dizendo: você é um ex-presidiário. Às vezes, eu fico com medo de entregar meu currículo nas empresas e eles verem que eu sou um ex-detento. As pessoas falam: "ele é criminoso, ele é agressor, é culpado". Até nas palestras que fazem por aí, sou considerado o agressor. Me sinto um réu, e acho que isso nunca vai deixar de existir. Me sinto humilhado, constrangido, com vergonha. (DSC, H2, H5, H6, H9, H10, H13, H16, H18, H19, H20).

Ideia Central Síntese 2C - Dificuldades financeiras

A prisão tem implicações financeiras, considerando-se que há maior dificuldade de encontrar empregos formais depois desse evento. Os homens expressam revolta e sofrimento por não poderem arcar com despesas de alimentação, água, energia, auxílio para os filhos e aluguel, este em decorrência do afastamento do lar previsto na medida protetiva expedida pela Juíza responsável. Passei um mês preso e oito meses desempregado, sem poder trabalhar formalmente porque estou respondendo a processo. Já fui para um cestão de lixo tirar comida para comer. Eu peguei uma televisão e vendi para pagar contas de água, luz, aluguel e outras. Tem horas que eu fico me perguntando: até que ponto eu cheguei se eu tinha tudo dentro na minha casa? Além disso, tem prejudicado minhas filhas, porque tem as coisas delas para pagar, e eu não vou poder arcar, porque ainda tenho que pagar o advogado. A justiça tinha que dividir meio a meio o imóvel, pois também é meu, mas não tive esse direito. (DSC, H1, H2 H4, H5, H7, H12, H14, H17).

As repercussões da prisão por violência conjugal para homens, desveladas nas categorias ilustradas, são respaldadas pela "nuvem de palavras" (Figura 1), cujas palavras expressam a essência das ideias centrais do estudo.

Figura 1
Nuvem de palavras gerada a partir do Software NVIVO(r) versão 11 - Consulta de frequência de palavras presentes nos discursos coletivos, 2015, Salvador, BA, Brasil

Discussão

O estudo alerta para a relação entre experienciar a prisão em decorrência de violência conjugal e o adoecimento mental, expresso pela fobia, baixa autoestima, autodesvalorização, depressão, ente outros. Este achado sustenta pesquisa realizada com homens em situação prisional em Minas Gerais, Brasil, cujos achados revelam que a prisão pode provocar diversas doenças, com destaque para o estresse e a depressão1010. Reis AR, Kind L. A saúde de homens presos: promoção da saúde, relações de poder e produção de autonomia. Psicol Rev. [Internet]. 2014 [Acesso 21 fev 2016];20(2):212-31. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/P.1678-9523.2014v20n2p212, desvelando-se considerando-se importante desencadear de transtornos mentais graves1111. Shorey RC, Febres J, Brasfield H, Stuart GL. The prevalence of mental health problems in men arrested for domestic violence. J Fam Violence. [Internet]. 2012 [Access Jul 20, 2016];27(8): 741-8. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007/s10896-012-9463-z. Essa sintomatologia de caráter psicoemocional, sem causa fisiológica definida, guarda relação com o processo de somatização do vivido, que consiste na transferência para o corpo de problemas originados na esfera mental.

A somatização da experiência de prisão, por sua vez, não se restringe ao adoecimento mental, expressando-se ainda através de sinais e sintomas clínicos, como a inapetência, problemas gastrointestinais, hipertensão e cefaleia. Tais achados corroboram estudo realizado com homens em situação prisional no Rio Grande do Norte, Brasil, que elencou a cefaleia, diarreia e o emagrecimento considerando-se sintomas físicos desencadeados pela vivência da prisão1111. Shorey RC, Febres J, Brasfield H, Stuart GL. The prevalence of mental health problems in men arrested for domestic violence. J Fam Violence. [Internet]. 2012 [Access Jul 20, 2016];27(8): 741-8. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007/s10896-012-9463-z.

Pesquisadores internacionais reforçam o adoecimento de homens em sistema prisional, com desencadeamento de sintomatologia físico-mental variada. Para discorrer sobre a magnitude deste adoecimento, nos Estados Unidos em meados do ano 2005, mais da metade de todos os detentos de uma prisão americana tiveram problemas de saúde mental com somatização de ordem física1212. James DJ, Glaze LE. Mental Health Problems of Prison and Jail Inmates. Washington, DC, US Department of Justice, Office of Justice Programs, Bureau of Justice Statistics. 2006. Access Feb 20, 2016. Available from: http://www.bjs.gov/content/pub/pdf/mhppji.pdf
http://www.bjs.gov/content/pub/pdf/mhppj...
, expressos em sintomatologias que convergem com as encontradas neste estudo.

Uma das razões apresentadas para este adoecimento psicossomático diz respeito à prisão ser um ambiente modificador da forma de agir do homem, pois requer deste um comportamento passivo, recolhido e solitário, o que vai de encontro ao que se espera socialmente da condição de 'ser homem'1010. Reis AR, Kind L. A saúde de homens presos: promoção da saúde, relações de poder e produção de autonomia. Psicol Rev. [Internet]. 2014 [Acesso 21 fev 2016];20(2):212-31. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/P.1678-9523.2014v20n2p212. Nesta perspectiva, o sujeito coletivo deste estudo revela sensação de diminuição da força muscular, com relato de mudanças pessoais e subjetivas, quando refere que "não sou mais o mesmo de antes". Esta condição parece ter relação com a composição da identidade de gênero e da relação intrínseca com as variáveis força física e virilidade esperada a um homem. Essa composição do ser homem encontra-se presente nos estudos da masculinidade. Estudioso das masculinidades, Sócrates Nolasco discute que "as sociedades contemporâneas autorizam o homem a fazer uso da força física como forma de provar virilidade"1313. Nolasco SA. Marc Lépine: Violência e Masculinidade no contemporâneo. Interfaces Brasil/Canadá. [Internet]. 2012 [Acesso 19 fev 2016];3(1): 29-43. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/interfaces/article/view/6392. Desse modo, a diminuição da força muscular pode guardar relação com a autopercepção de diminuição do papel masculino, como se a vivência na prisão tenha o feito "menos homem", e esta alteração é revelada como mais um sintoma da somatização do vivido.

O estudo chama atenção também para sentimentos como o medo, que se revela quando o sujeito coletivo se refere ao temor por uma nova denúncia proveniente do descumprimento das medidas protetivas de urgência. Isso pôde ser evidenciado com a menção de conviver em ambiente próximo ao da ex-companheira, conforme discurso da Ideia Central Síntese 1A. A medida protetiva é prevista através da Lei 11.340/2006 (conhecida como Lei Maria da Penha) e reúne condutas que devem ser respeitadas pelo homem a fim de assegurar a proteção da mulher e/ou filhos, tais como: suspensão ou restrição do porte de armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência da ofendida; proibição de condutas como aproximação e contato com a mulher, familiares e testemunhas, respeitando o limite mínimo de distância; suspensão e restrição de visitas aos dependentes menores44. Colossi PM, Marasca AR, Falcke D. De Geração em Geração: A Violência Conjugal e as Experiências na Família de Origem. Psico. [Internet]. 2015. [Access Jul 19, 2016];46(4):493-502. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/revistapsico/article/view/20979. É importante destacar que nos casos em que a mulher deseje a reaproximação com o homem, ao qual considerando-se há a tramitação de um processo criminal, esta ação judicial não será suspensa. No entanto, a mesma pode solicitar a revogação das medidas protetivas de urgência.

O discurso também alerta para o fato de o homem não entender o ato ocorrido como grave, uma vez que aponta para o fim da relação 'sem necessidade'. Estudos revelam que, por conta da naturalização da violência, os homens apresentam dificuldades de se reconhecerem autores da violência e consequentemente não entendem o porquê de estarem sendo acusado1414. Deming ME, Covan EK, Swan SC, Billings DL. Exploring rape myths, gendered norms, group processing, and the social context of rape among college women a qualitative analysis. Violence Against Women. [Internet]. 2013 [Access Jul 23, 2016];19(4):465-85. Available from: http://vaw.sagepub.com/content/19/4/465.short-1515. Levy L. A violência contra a mulher, o trauma e seus enunciados: o limite da justiça criminal. Rev Estudos Pesqu Am. [Internet]. 2015 [Acesso 16 fev 2016];9(2):85. Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/16274. Pesquisadores internacionais revelam que o modo como os homens se veem, seja em suas relações íntimas, sociais, institucionais e/ou políticas, tem determinado dominação, controle e violência sobre as mulheres, uma vez que há a compreensão destes atos como normais e próprios do masculino, o que dificulta o entendimento dos homens de que os atos cometidos por eles constituem uma forma de violência1616. Jewkes R, Flood M, Lang J. From work with men and boys to changes of social norms and reduction of inequities in gender relations: a conceptual shift in prevention of violence against women and girls. Lancet. [Internet]. 2015 [Access Fev 16, 2016];385:1580-9. Available from: http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(14)61683-4/abstract. A ineficiência na divulgação de políticas de controle da violência contra mulher, a interpretação da Lei de forma equivocada nas delegacias e foros de julgamentos em juizados e a cultura da impunidade entre homens infratores podem estar contribuindo para dificultar a desnaturalização social deste tipo de violência e o entendimento sobre as formas de violência por eles praticadas nas relações de conjugalidade.

O afastamento dos filhos pôde também ser evidenciado como algo que causa sofrimento para o homem. Nesse contexto, o discurso remete para duas situações em que ocorre a separação entre pai e filho. A primeira refere-se à medida protetiva, que como já fora elucidado, por vezes determina a suspensão de visitas aos filhos menores de idade, sendo tal conduta adotada quando se entende em risco a sua integridade. A segunda situação se dá quando a mulher proíbe ou dificulta essa relação, o que caracteriza a alienação parental.

Marcada pela interferência abusiva de um dos genitores na concepção psíquica da prole sobre o outro progenitor não guardião, a alienação parental é uma conduta comumente cometida por mulheres após a separação, sendo descrita por autores como um meio de represália para com o ex-companheiro1717. Saunders DG, Faller KC. The Need to Carefully Screen for Family Violence When Parental Alienation is Claimed. School Soc Work. [Internet]. 2016 [Access Jul 24, 2016];46(6):7-11. Available from: https://deepblue.lib.umich.edu/handle/2027.42/122720.

É importante discorrer sobre essa situação, uma vez que a separação pode desencadear a "Síndrome da Alienação Parental", que se trata de sequelas emocionais e comportamentais que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Para prevenir este evento, foi sancionada a lei 12.318/2010 com a finalidade de refrear ou atenuar a alienação parental no Brasil, expondo assim, possíveis soluções para erradicar esses atos nocivos ao crescimento saudável das crianças e adolescentes, especialmente, por intermédio da guarda compartilhada1818. Nuske JPF, Grigorieff AG. Alienação parental: complexidades despertadas no âmbito familiar. Rev Pensando Fam. [Internet]. 2015 [Acesso 20 fev 2016];19 (1):77-87. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v19n1/v19n1a07.pdf.

No discurso, além de demonstrar que sente falta dos filhos, o sujeito coletivo revela forte preocupação com o cotidiano sem a sua presença. Soma-se a isso a percepção de que a influência paterna é elementar para manutenção da ordem do lar e para o desenvolvimento da criança. Este conceito guarda forte relação com as desigualdades de gênero arraigadas na sociedade considerando-se que tais relações são centradas na visão paternalista que configura ao homem o poder centralizador, no papel de chefe de família e provedor do lar88. Rhodes KV, Houry D, Cerulli C, Strauss H, Kaslow NJ, McNutt LA. Intimate partner violence and comorbid mental health condition among urban male patients. Ann Fam Med. [Internet]. 2009 [Access Jul 19, 2016] ;7(1):47-55. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19139449.

Além do distanciamento dos filhos, o estudo revela o afastamento de outros familiares. Pesquisa realizada na Colômbia, com homens presos, ratifica que o processo de encarceramento afeta drasticamente a composição dos laços familiares1919. Perez OM, Duque DVC, Lopez SCC. Riesgo suicida y depresión en un grupo de internos de una cárcel del quindío (colombia). Investig Andina. [Internet]. 2011 ). [Acceso 18 Feb 2016];13(23). Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=239019089004
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23...
. Considerando-se que o afastamento de familiares se encontra atrelado à vivência da prisão, o estudo desponta para o estigma social de ser um (ex) presidiário, e não propriamente da percepção social da violência conjugal considerando-se crime isso porque geralmente o primeiro registro da violência ocorre anos depois da sua, de modo que muitas vezes esta neste momento era de conhecimento da família.

Estudo nacional que versou sobre a concepção dos homens denunciados acerca da violência conjugal mostra que as mesmas ocorrem em ambientes domésticos simbólicos que facilitam o poder de ação do marido sobre a esposa. Soma-se a esse contexto a representação do adágio popular de que: "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher". Ao fortalecê-lo, o estudo revela que o homem reforça a sua posição de chefe do lar e reafirma sobre a privacidade do casal, da mesma maneira que se protege das condenações envolvidas nesse processo, mesmo quando são de conhecimento público2020. Cortez MB, Souza L. A violência conjugal na perspectiva de homens denunciados por suas parceiras. Arq Bras Psicol. [Internet]. 2010 [Acesso 18 fev 2016];62(2):129-42. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v62n2/v62n2a12.pdf. Tal situação também é sustentada pela posição feminina de subserviência, fundamentada em modelos de família e conjugalidade.

O empoderamento feminino para uma vida livre de violência muitas vezes implica na decisão pela denúncia, o que culmina muitas vezes na situação da prisão. Este é um evento que têm forte associação com a criação de "rótulos" sociais1919. Perez OM, Duque DVC, Lopez SCC. Riesgo suicida y depresión en un grupo de internos de una cárcel del quindío (colombia). Investig Andina. [Internet]. 2011 ). [Acceso 18 Feb 2016];13(23). Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=239019089004
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, fazendo com que o homem se sinta constrangido, humilhado e com vergonha do vivido2121. Medrado B, Méllo RP. Posicionamentos críticos e éticos sobre a violência contra as mulheres. Psic Soc. 2008; 78-86. [Acesso em 20 de Fev de 2016]. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/psoc/v20nspe/v20nspea11.pdf
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No que refere-se aos aspectos econômicos, o estudo mostra a interface entre o estigma da prisão e demissão, evento este que impacta em dificuldades financeiras, conforme relatados no discurso coletivo. Corroborando esses achados, pesquisa brasileira com penitenciários desvela sentimento de incapacidade frente à problemas cotidianos, além de ter seus recursos sociais e econômicos comprometidos1010. Reis AR, Kind L. A saúde de homens presos: promoção da saúde, relações de poder e produção de autonomia. Psicol Rev. [Internet]. 2014 [Acesso 21 fev 2016];20(2):212-31. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/P.1678-9523.2014v20n2p212. Essa realidade de exclusão social foi evidenciada ainda em estudo realizado em Israel, em que ex-detentos tem dificuldades em retornar as atividades realizadas anteriormente, inclusive, laborais2222. Guy E, Buchbinder E, Smith LM, Shafir O. From the "Greenhouse" to Reality Challenges Faced by Graduates of In-Prison Batterers Intervention Program. J Interpers Violence. [Internet]. 2013 [Access Jul 23, 2016];28(5):910-37. Available from http://jiv.sagepub.com/content/28/5/910.short. Nesse sentido, por conta do estigma, além do afastamento de familiares, o homem pode apresentar dificuldades para saldar as despesas básicas do cotidiano. Agrava-se a situação, o fato de ter que arcar com custos extras, como advogado e aluguel. Importante ressaltar que o afastamento do lar devido às medidas protetivas de urgência se deve ao ocorrido, não negando ao homem o direito de ter parte dos bens adquiridos no relacionamento conjugal. Para tanto, necessário que transcorra outro processo judicial referente à partilha de bens do casamento ou união estável.

Devido às condições financeiras, nota-se também uma preocupação do homem em não poder cumprir com suas responsabilidades econômicas para com os filhos, sendo portanto indispensável reflexões a respeito. Assim, embora a clara percepção dos atos criminosos à mulher, estudiosos acreditam que a prisão não tem se constituído a melhor estratégia para a reeducação e/ou recuperação de homens. Esse processo está muito aquém da realidade que se almeja alcançar, pois as atividades laborativas e educacionais no ambiente penitenciário brasileiro, de modo geral, são precárias2323. Julião EF. O impacto da educação e do trabalho como programas de reinserção social na política de execução penal do Rio de Janeiro. Rev Bras Educ. [Internet]. 2010 [Acesso 21 fev 2016];15(45): 529-43. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n45/10.pdf. Após o fim da pena, dificilmente esse homem consegue se reinserir em seu 'antigo' meio social e profissional. Isso provoca posicionamento de falta de mudança, ou até mesmo de assunção do modo violento de ser. Esse vivido tem aumentado a intolerância e fortalecido o estigma, pois quem vivencia o sistema prisional é usualmente abominado pela sociedade2121. Medrado B, Méllo RP. Posicionamentos críticos e éticos sobre a violência contra as mulheres. Psic Soc. 2008; 78-86. [Acesso em 20 de Fev de 2016]. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/psoc/v20nspe/v20nspea11.pdf
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Necessário salientar a importância da ressocialização e reinserção do homem no processo de trabalho depois da vivência da prisão, o que requer a mobilização de diversos setores sociais, inclusive o familiar2424. Friede RR. Questões de cidadania: O trabalho como direito social no cárcere e fora dele. Legis Aug. [Internet]. 2014 [Acesso 21 fev 2016]; 5(1): 22-30. Disponível em: http://apl.unisuam.edu.br/revistas/index.php/legisaugustus/article/view/538. Nesse contexto, experiências realizadas na Austrália têm buscado estratégias eficazes de prevenir a violência e contribuir para a ressocialização dos homens em situação prisional à sociedade e ao trabalho, através da utilização de uma variedade de abordagens pedagógicas, que envolve a participação de professores, cuidadores, profissionais de saúde, líderes comunitários e figuras públicas, como forma de aumentar a sua segurança, desenvolvimento de atitudes equitativas e envolvê-los a promover relacionamentos saudáveis. Os esforços também incluem programas de incentivo a paternidade, educação no relacionamento, políticas e programas voltados para as famílias2525. Flood M. Involving Men in Efforts to End Violence Against Women. Men Masculinities. [Internet]. 2015 [Access Feb 22, 2016];14(3): 358-77. Available from: http://jmm.sagepub.com/content/14/3/358.abstract.

Conclusão

O discurso de homens em processo criminal desponta que a experiência de prisão por violência conjugal desencadeia adoecimento mental e físico, sendo este fruto da somatização do vivido. Além disso, provoca desagregação familiar, suscita o estigma e acarreta dificuldades financeiras. Não obstante a necessidade de penalização de homens perpetradores de violência contra a mulher é essencial se pensar estratégias que minimize o risco potencial de adoecimento da população masculina devido a experiência do cárcere. Diante a escassa produção do saber acerca do objeto de estudo em questão, os achados alertam para o comprometimento, ainda que indireto, da vivência de violência conjugal sobre a saúde e a empregabilidade de homens. Sinaliza-se para a necessidade de novas pesquisas em busca de aprofundamento teórico que subsidiem intervenção sobre a problemática, ponderando seu potencial de dano para toda a família.

Considerando que o ser homem e o ser mulher são construções sociais, é preciso ponderar que desde crianças são ensinados os comportamentos próprios para cada sexo, de modo a naturalizar o domínio masculino e a subserviência feminina. Diante o exposto, tão relevantes quanto as medidas punitivas são as ações de prevenção da violência contra a mulher, com enfoque para a promoção da igualdade de gênero. Essas ações devem estar articuladas com a Estratégia de Saúde da Família, podendo ser realizadas, por exemplo, com famílias no âmbito da comunidade; com crianças e adolescentes escolares; ou mesmo em empresas preferencialmente àquelas com concentração funcional de um determinado gênero, como de costura e transporte, especialmente partir de grupos com mulheres ou homens. Busca-se, dessa forma, favorecer a construção de modelos mais simétricos entre os gêneros, não mais pautados na submissão de um ao outro, e assim conter a perpetuação da violência contra a mulher nas gerações seguintes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2016
  • Aceito
    26 Set 2016
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