Questionário de relação interpessoal no cuidado de enfermagem: elaboração e validação ¹

RESUMO

Objetivo:

elaborar um instrumento para a mensuração da relação interpessoal no cuidado de enfermagem por meio da Teoria da Resposta ao Item, e sua validação.

Método:

estudo metodológico, que seguiu os três polos da psicometria: teórico, empírico e analítico. Foi desenvolvido o Questionário de relação interpessoal no cuidado de enfermagem à luz do Sistema Interpessoal do Modelo Conceitual de Imogene King e as propriedades psicométricas foram estudadas via Teoria da Resposta ao Item em uma amostra de 950 pacientes atendidos na Atenção Primária, Secundária e Terciária de Saúde.

Resultados:

o instrumento final foi composto por 31 itens, com alfa de Cronbach de 0,90 e Ômega de McDonald de 0,92. Quanto aos parâmetros da Teoria da Resposta ao Item, demonstrou discriminação elevada em 28 itens, sendo desenvolvida uma escala interpretativa de cinco níveis. No primeiro nível inicia-se o processo de comunicação que ganha desenvoltura na interação. Os níveis subsequentes demonstram qualitativamente os pontos de efetivação da relação interpessoal com o envolvimento de comportamentos relacionados aos conceitos de transação e interação, seguido pelo de papel.

Conclusão:

o instrumento foi criado e mostrou-se consistente para medir o construto relação interpessoal no cuidado de enfermagem, pois apresentou adequados parâmetros de confiabilidade e validade.

Descritores:
Relações Interpessoal; Estudos de Validação; Cuidados de Enfermagem; Psicometria; Precisão da Medição Dimensional; Teoria de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to elaborate an instrument for the measurement of the interpersonal relationship in nursing care through the Item Response Theory, and the validation thereof.

Method:

methodological study, which followed the three poles of psychometry: theoretical, empirical and analytical. The Nursing Care Interpersonal Relationship Questionnaire was developed in light of the Imogene King’s Interpersonal Conceptual Model and the psychometric properties were studied through the Item Response Theory in a sample of 950 patients attended in Primary, Secondary and Tertiary Health Care.

Results:

the final instrument consisted of 31 items, with Cronbach’s alpha of 0.90 and McDonald’s Omega of 0.92. The parameters of the Item Response Theory demonstrated high discrimination in 28 items, being developed a five-level interpretive scale. At the first level, the communication process begins, gaining a wealth of interaction. Subsequent levels demonstrate qualitatively the points of effectiveness of the interpersonal relationship with the involvement of behaviors related to the concepts of transaction and interaction, followed by the concept of role.

Conclusion:

the instrument was created and proved to be consistent to measure interpersonal relationship in nursing care, as it presented adequate reliability and validity parameters.

Descriptors:
Interpersonal Relation; Validation Studies; Nursing Care; Psychometrics; Dimensional Measurement Accuracy; Nursing Theory

RESUMEN

Objetivo:

elaborar un instrumento para la mensuración de la relación interpersonal en el cuidado de enfermería por medio de la Teoría de la Respuesta al Ítem, y su validación.

Método:

estudio metodológico, que siguió los tres polos de la psicometría: teórico, empírico y analítico. Fue desarrollado el Cuestionario de relación interpersonal en el cuidado de enfermería a la luz del Sistema Interpersonal del Modelo Conceptual de Imogene King y las propiedades psicométricas fueron estudiadas vía Teoría de la Respuesta al Ítem en una muestra de 950 pacientes atendidos en la Atención Primaria, Secundaria y Terciaria de Salud.

Resultados:

el instrumento final fue compuesto por 31 ítems, con alfa de Cronbach de 0,90 y Omega de McDonald de 0,92. En cuanto a los parámetros de la Teoría de la Respuesta al Ítem, demostró discriminación elevada en 28 ítems, siendo desarrollada una escala interpretativa de cinco niveles. En el primer nivel se inicia el proceso de comunicación que gana desenvoltura en la interacción. Los niveles subsecuentes demuestran cualitativamente los puntos de efectuación de la relación interpersonal con la implicación de comportamientos relacionados a los conceptos de transacción e interacción, seguido por el de papel.

Conclusión:

el instrumento fue creado y se mostró consistente para medir el constructo relación interpersonal en el cuidado de enfermería, pues presentó adecuados parámetros de confiabilidad y validez.

Descriptores:
Relaciones Interpersonales; Estudios de validación; Cuidados de Enfermería; Psicometría; Precisión de la Medición Dimensional; Teoría de Enfermería

Introdução

A relação interpessoal no cuidado de enfermagem pode ser definida, com base em uma teoria¹, como a interação entre duas ou mais pessoas que se comunicam, transferem valores e energia a partir de seus papéis na sociedade. Conjectura-se que tal interação percorra um contínuo, variando de uma relação com baixa à alta efetividade no cuidado de enfermagem. Esta essência subjetiva demanda a busca de subsídios para sua avaliação.

Nesta seara, as mensurações disponíveis na literatura se reportam à relação interpessoal geral e com instrumentos derivados da psicologia, a exemplo de: Relationship Inventory, Vanderbilt Psychoterapy Process Scale; Penn Alliance Scales; o Working Alliance Inventory; California Psychotherapy Alliance Scales^2-3. No Brasil, encontram-se Escala de Contágio Emocional, Habilidades Sociais e Inteligência Emocional, Inventário de Empatia e Escala Multidimensional de Reatividade Interpessoal de Davis^4-5. Entretanto, sobre a relação interpessoal no cuidado de enfermagem não foram encontrados instrumentos a respeito, denotando lacuna de conhecimento e inexistência de escalas na área. Ademais, no âmbito da enfermagem, nos Estados Unidos o instrumento encontrado foi o Interpersonal Communication Assessment Scale⁶ para medir a comunicação entre estudantes de graduação e pós-graduação, também validada para Portugal⁷, que é restrito ao processo de comunicação e tem como público-alvo estudantes.

Ante o exposto, os instrumentos destinados à mensuração da relação interpessoal não se reportam à enfermagem, possuem direções conceituais distintas, em sua maioria oriundas da psicologia, e abordam apenas partes desse construto, como comunicação e empatia^4,8. Por sua vez, a escassez de instrumentos mensuradores da relação interpessoal no cuidado de enfermagem dificulta a avaliação de elementos específicos do trabalho de enfermagem que tornam a relação interpessoal efetiva.

A mensuração da relação interpessoal no cuidado de enfermagem permanece, portanto, campo aberto de pesquisa. O desenvolvimento de um instrumento nessa área não somente permitiria identificar o estágio atual dessa relação interpessoal no cuidado de enfermagem, como também propiciaria parâmetros para trabalhar seu aprimoramento, favorecendo uma práxis humanitária, pautada na promoção de saúde geral, na prevenção de sofrimentos e na melhoria do cuidado, ao possibilitar a este um sistema de monitoramento da qualidade das relações interpessoais. Assim, foi objetivo desse estudo elaborar um instrumento para a mensuração da relação interpessoal no cuidado de enfermagem por meio da Teoria da Resposta ao Item (TRI), e sua validação.

Método

Trata-se de um estudo metodológico, de abordagem quantitativa, delineado a partir dos polos teórico, empírico e analítico da Psicometria^9-10. No polo teórico foi definida a dimensionalidade teórica, estabelecidas as definições constitutivas e operacionais, elaborados os itens e realizada a validação de conteúdo.

A dimensionalidade teórica foi definida a partir dos conceitos que compõem o Sistema Interpessoal do Modelo de Sistemas Abertos Interatuantes de Imogene King, o qual propõe que a relação interpessoal é composta por cinco elementos constitutivos: interação, comunicação, transação, papel e estresse¹. Esses elementos foram cuidadosamente analisados e deles surgiram as definições constitutivas.

Após elucidadas as definições constitutivas, foram elaboradas as definições operacionais e os itens, a partir de uma revisão integrativa¹¹⁾ e de seis grupos focais, considerando a variedade de ações de enfermagem e seus contextos, que se deram nos três níveis de atenção à saúde. Os grupos da Atenção Primária ocorreram em uma Unidade de Atenção Primária à Saúde (UAPS) que funciona com os programas padrões do Ministério da Saúde realizando cuidados de baixa complexidade, educação e promoção da saúde. Os grupos da Atenção Secundária foram realizados no Centro Integrado de Hipertensão e Diabetes (CIDH), unidade de referência para pesquisa e assistência nestas doenças onde todos os seus usuários passam por consulta de enfermagem e seções de educação em saúde com o enfermeiro. Os grupos realizados no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) representaram a Atenção Terciária. O HUWC constitui-se de um centro de referência para alta complexidade, formação de recursos humanos e o desenvolvimento de pesquisas. Todos os serviços públicos são sediados na cidade de Fortaleza-Ceará-Brasil.

Os critérios de inclusão dos participantes foram: na UAPS e no CIDH indivíduos com idade > 18 anos, acompanhados, pelo menos, há um ano no serviço e que estavam à espera da consulta de enfermagem. No HUWC os critérios de inclusão foram indivíduos >18 anos de idade, internados, no mínimo, há 24 horas nas enfermarias. Foram excluídos aqueles que não se comunicavam verbalmente e os que estavam em isolamento por alguma enfermidade infecto contagiosa que impossibilitasse a interação com o pesquisador.

A elaboração dos itens seguiu os doze critérios da psicometria (amplitude, equilíbrio, comportamento, simplicidade, clareza, relevância, precisão, modalidade, tipicidade, objetividade, variedade e credibilidade)^9-10. Foi elaborado o Questionário Relação Interpessoal no Cuidado de Enfermagem (QRIC) com 44 itens e uma escala adjetival de quatro pontos (nunca, algumas vezes, a grande maioria das vezes e sempre).

Após, foi realizada a validação de conteúdo do QRIC, com análise de conteúdo e semântica. A análise de conteúdo foi realizada por nove enfermeiros experts em relação interpessoal (cinco acadêmicos e quatro clínicos) com experiência clínica, pesquisas e publicações sobre a temática, provenientes de quatro estados brasileiros. Inicialmente realizou-se uma busca no banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) de pessoas que estudaram “relação interpessoal em enfermagem” e posteriormente por “bola de neve” foram identificados outros especialistas e contatados. Para determinar o nível de concordância foi considerado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC) ≥0,78¹².

Para a realização da análise semântica, o QRIC foi aplicado em um piloto a 66 pessoas nos mesmos locais de realização dos grupos focais e considerando os mesmos critérios de inclusão e exclusão, tendo 28 pessoas da atenção primária, 23 da secundária e 15 da terciária. Estas pessoas foram distintas dos participantes dos grupos focais. A amostra piloto foi constituída considerando o parâmetro mínimo de 5% da amostra da fase empírica. Foram observadas as dificuldades na compreensão das palavras e termos presentes nos itens, inquirida a necessidade de adequações, e revista a adequação das categorias de resposta de cada item.

No polo empírico foi realizado o planejamento e aplicação do QRIC com a finalidade de avaliar suas propriedades psicométricas por meio da TRI. Esta etapa foi realizada em seis UAPS que foram sorteadas, no CIHD e no HUWC, considerando os mesmos critérios de inclusão e exclusão delineados para os grupos focais.

Os participantes de estudos para o desenvolvimento de instrumentos via TRI devem ter amostra em tamanho suficiente para preservar a heterogeneidade e conseguir respondentes que cubram todo o traço latente, mas inexiste consenso sobre o número ideal. Simulações para decisão do tamanho amostral em TRI concluíram que 500 sujeitos em relação a 40.000 trazem resultados muito próximos aos estimados em amostras maiores¹³. Nesse sentido, convencionou-se uma média de 20 respondentes para cada um dos 44 itens totalizando 880 pessoas, mais 10% para sanar perdas, chegando a 968 pessoas. Considerando a aplicação do instrumento nos três níveis de atenção à saúde, o QRIC foi aplicado a 950 pacientes, sendo 319 nas UAPS, 335 no CIDH e 296 no HUWC. Houve perda de 18 participantes por incompletude nas respostas aos itens, mas dentro da margem esperada.

A aplicação do QRIC foi realizada por seis enfermeiros com experiência em pesquisa e previamente treinados. O treinamento foi realizado em sala reservada, demonstrando aos pesquisadores os objetivos da pesquisa e apresentando o QRIC. Em outro dia, os pesquisadores foram acompanhados pelo coordenador da pesquisa em um dos locais de coleta de dados, no qual observaram e aplicaram o QRIC. Em outro dia, novamente em uma sala reservada, houve uma reunião para sanar as dúvidas. A coleta de dados ocorreu durante o período maio a setembro de 2015.

No polo analítico deram-se as etapas da análise das propriedades psicométricas do QRIC. Na análise da confiabilidade foi verificada a consistência interna pelos coeficientes Alfa de Cronbach e Ômega de McDonald, cujos valores de referência adotados para estas medidas foram: < 0,6 baixa; entre 06 e 0,7 moderada; e entre 0,7 e 0,9 alta confiabilidade¹⁴.

O coeficiente Ômega de McDonald foi empregado para verificar a manutenção do princípio da Tau equivalência. Este coeficiente é uma melhor medida de confiabilidade quando se viola o princípio da Tau equivalência, ou seja, quando os itens não mostram valores similares na matriz de coeficientes; a sua leitura é similar à do Alfa de Crombach, devendo ser realizada em comparação, pois um baixo valor do Alfa seguido por um alto valor do Ômega indica tal violação, sendo este último o coeficiente que melhor demonstra a confiabilidade¹⁴.

O estudo da dimensionalidade foi feito sobre a matriz de correlação policórica e analisados os componentes principais, com rotação oblimim e análise paralela¹⁵. Estas análises foram realizadas por meio dos pacotes estatísticos “Rcmdr”¹⁶ e “psych” do R¹⁷. Para o estabelecimento da presença de uma dimensão dominante no QRIC foi adotada a convenção de que uma variância explicada pelo primeiro fator superior a 20% indica unidimensionalidade essencial¹⁸.

Na estimação dos parâmetros aplicou-se o Modelo de Resposta Gradual unidimensional da TRI e ela foi realizada no software Multilog para observar as estimativas dos erros padrões dos parâmetros, subsidiando as decisões de exclusão de itens, e confirmada utilizando-se o pacote “mirt” do R¹⁹. Quanto à interpretação do parâmetro a (discriminação do item) são aceitáveis valores acima de 0,6 e quanto maior o valor de a, maior o poder de discriminação do item; quanto ao parâmetro b (dificuldade/posicionamento), os valores são aceitáveis no intervalo de -5 a +5²⁰.

A construção da escala foi realizada com base nos níveis âncoras das categorias dos itens com boa discriminação (a>0,6). Os níveis âncoras são pontos na escala selecionados para serem interpretados e os itens âncora aqueles selecionados para cada um dos níveis âncora²¹. Para que um item seja considerado âncora em um determinado nível da escala, espera-se que ele seja respondido positivamente por, no mínimo, 65% dos respondentes, e por proporção menor do que 50% daqueles com nível imediatamente inferior. A diferença entre a proporção destes dois níveis deve ser de, pelo menos, 30%²⁰. Por ser difícil satisfazer todas as condições, as categorias dos itens foram posicionadas ao atingirem a proporção de 60% de resposta (níveis quase âncora).

Estimados os parâmetros, foi elaborada a Função de Informação do Teste (FIT). Foi estabelecida a escala de habilidade, definindo uma origem e uma unidade de medida para a definição da escala. Inicialmente os valores dos parâmetros dos itens (a, b) e dos escores foram estimados em uma mesma métrica na escala com média 0 (zero) e desvio-padrão 1 (um). Em seguida, estes valores foram transformados, utilizando média 50 e desvio padrão 5, escala (50, 5), para melhorar a compreensão dos resultados.

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (parecer nº 984723) e do HUWC (parecer nº1048399).

Resultados

A análise do Sistema Interpessoal do Modelo de Sistemas Abertos Interatuantes revelou a dimensionalidade teórica composta pelas definições constitutivas dos conceitos interação, comunicação, transação, papel e estresse. Orientados por estes conceitos, a partir da revisão integrativa e dos grupos focais foi elaborado o Questionário de Relação Interpessoal no Cuidado de Enfermagem (QRIC) composto por 44 itens, nove do conceito interação, onze de comunicação, nove de transação, oito sobre papel e sete sobre estresse. A validação de conteúdo revelou todos os itens com excelentes IVC (≥0,78) e compreensíveis, representando um bom delineamento teórico.

Após sua aplicação, o QRIC composto por 44 itens apresentou alfa de Cronbach de 0,86 e Ômega de McDonald de 0,90. O estudo da dimensionalidade demonstrou uma dimensão dominante, explicando 31,5% da variância das respostas dos itens (Figura 1) indicando unidimensionalidade essencial, condição necessária para se construir uma escala unidimensional baseada na TRI.

Figura 1
Scree plot da Análise de Componentes Principais com análise paralela em matriz de correlação policórica do QRIC*. Fortaleza, CE, Brasil, 2015

Após a detecção da unidimensionalidade essencial foi realizada a estimação dos parâmetros dos itens. Foram realizadas cinco calibrações até a definição do modelo final. A primeira tentativa foi realizada com todos os itens do QRIC e não obteve convergência do algoritmo. Os resultados mostraram agrupamento de itens com erros padrões estourados (itens 33 ao item 41 representantes do conceito de estresse) que poderiam estar impedindo a convergência e atrapalhando a precisão dos parâmetros dos itens 13, 27, 32 e 42 com erros elevados nas estimativas.

A segunda tentativa de calibração foi realizada com 35 itens, os itens 33 a 41 representantes do conceito de estresse apresentaram-se em uma dimensão distinta do traço latente e tiveram que ser retirados. O modelo com 35 itens apresentou convergência, confirmando que os itens 33 ao item 41 estavam impedindo a calibração. No entanto, os itens 13, 27 e 43 apresentaram baixos índices de discriminação com altos erros padrões, indicando não fazerem parte do traço latente, sendo eliminados.

A terceira tentativa foi realizada com 32 itens, obtendo-se a convergência. No entanto, o item 32 apresentou alto erro padrão associado ao parâmetro de dificuldade do item, sendo retirado do QRIC. A quarta tentativa de calibração foi realizada com 31 itens. Nesta, os parâmetros de todos os itens apresentaram erros padrão baixos, indicando boa modelagem pela TRI. Uma quinta calibração foi necessária com os 31 itens, pois, no processo de ancoragem dos itens 02, 10, 12, 19, 22, 24, 28, 30 e 31 houve sobreposição de nível pela proximidade dos parâmetros b. Eles foram recategorizados em três categorias de resposta. Por fim, utilizou-se o pacote Mirt do software R para confirmar o modelo com 31 itens, obtendo-se convergência após 40 ciclos.

Após a retirada dos 13 itens a confiabilidade foi novamente testada e observou-se melhoria no alfa de Cronbach, que passou de 0,86 para 0,90 e o Ômega de McDonald passou de 0,90 para 0,92, demonstrando que a violação da Tau equivalência era de pouca magnitude, pois a retirada de itens aumentou apenas 0,2 neste último índice. A Figura 2 apresenta os itens do QRIC indicando os itens 13, 31 ao 41 e o 43 eliminados no processo de calibração.

Figura 2
Itens do Questionário de relação interpessoal no cuidado de enfermagem. Fortaleza, CE, Brasil, 2015

As estimativas dos parâmetros dos itens estão mostradas na tabela 1, na qual são apresentados os 31 itens do instrumento final e os parâmetros a, discriminação, e b2, b3 e b4, dificuldade, para a categoria algumas vezes, a grande maioria das vezes e sempre da escala adjetival.

Tabela 1
Estimativa dos parâmetros dos itens do QRIC* em uma amostra de pacientes da Atenção Primária, Secundária e Terciária. Fortaleza, CE, Brasil, 2015

Itens	a†	b2‡	b3§	b4||
1. O enfermeiro demonstrou disponibilidade de tempo (...)	1,62	-2,68	-1,58	-1,33
2. Você percebe carinho quando está recebendo cuidados (...)	2,00	-2,66	-1,22
3. Você considera que o tempo que o enfermeiro passa cuidando(...)	1,68	-2,35	-1,48	-1,26
4. O enfermeiro lhe chama pelo seu nome (...)	1,21	-2,75	-2,18	-1,97
5. Nos encontros com o enfermeiro há momentos divertidos?	1,02	-1,01	0,43	0,82
6. Você sente que suas necessidades de cuidado são satisfeitas (...)	2,59	-2,18	-1,24	-1,03
7. Você sente que o tratamento realizado pelo enfermeiro traz (...)	2,15	-2,37	-1,43	-1,19
8. Você compreende o que o enfermeiro fala (...)	1,09	-5,23	-2,31	-1,94
9. O enfermeiro compreende o que você fala (...)	1,33	-3,87	-2,69	-2,12
10. No atendimento o enfermeiro esclarece as dúvidas que você tem?	1,35	-2,15	-1,37
11. Você acredita que o enfermeiro confia no que você fala?	1,23	-3,63	-2,06	-1,65
12. Você acredita no que o enfermeiro lhe fala?	2,08	-2,49	-1,53
14. O enfermeiro escuta você falar?	1,74	-3,10	-1,90	-1,63
15. Você percebe que os gestos do enfermeiro são agradáveis?	2,11	-2,61	-1,37	-1,15
16. Quando você está conversando com o enfermeiro vocês (...)	1,55	-2,40	-0,86	-0,69
17. Quando o enfermeiro concorda com o que você fala (...)	1,19	-2,38	-1,48	-1,27
18. Quando você está conversando com o enfermeiro (...)	2,36	-2,69	-1,38	-1,21
19. Você percebe que o enfermeiro se coloca no seu lugar (...)	1,42	-0,81	-0,24
20. Você acredita que a sua relação com o enfermeiro (...)	1,86	-2,18	-1,25	-1,00
21. Vocês (enfermeiro e paciente) aceitam a opinião um do outro?	1,34	-2,68	-1,19	-0,88
22. Na realização de procedimentos o enfermeiro solicita (...)	0,93	-0,54	-0,29
23. Você confia os seus segredos ao enfermeiro?	0,56	2,29	3,72	3,85
24. Você sente que recebe um cuidado individualizado?	0,91	-1,46	-0,99
25. O enfermeiro envolve a sua família no processo de cuidado?	0,64	-0,22	1,30	1,66
26. Você acredita que o enfermeiro compreende as necessidades (...)	1,71	-2,08	-1,40	-1,13
28. Você confia na avaliação clínica que enfermeiro faz (...)	1,96	-2,34	-1,65
29. Você sabe o nome do enfermeiro que lhe atende?	0,37	-0,54	1,43	1,96
30. Você confia nos procedimentos que o enfermeiro realiza (...)	2,28	-2,34	-1,65
31. Sente companheirismo do enfermeiro durante os cuidados?	1,62	-1,52	-0,76
42. Sobre o toque do enfermeiro em você:	0,76	-3,10	-2,20
44. Sobre sua família, o enfermeiro quando lhe atende:	0,51	-0,47	2,17	3,68

• *Questionário de relação interpessoal no cuidado de enfermagem; †Parâmetro de discriminação do item; ‡Parâmetro de dificuldade da categoria 2 (Algumas vezes); §Parâmetro de dificuldade da categoria 3 (A grande maioria das vezes); ||Parâmetro de dificuldade da categoria 4 (Sempre).

Os itens que melhor discriminaram os pacientes quanto à efetividade da relação interpessoal com o enfermeiro foram 06, 07, 18 e 30, com parâmetro de discriminação, a, mais elevados. Observou-se que os itens 23, 29 e 44 ficaram abaixo do critério adotado, pela pouca discriminação. Mas, considerando que tais itens não atrapalharam a calibração, foram mantidos no instrumento e excluídos da interpretação da escala.

Em relação à dificuldade do item, sua medida se dá pelo parâmetro b, que indica a posição na escala em que o item tem maior informação. Quanto maior o b, maior a dificuldade deste item. Assim, ao atingir os itens com maior valor de b, o paciente terá uma relação interpessoal no cuidado de enfermagem mais efetiva. Considerando os itens com discriminação acima do valor de referência adotado, apenas o item 25 apresentou parâmetro b positivo, o que demonstra que os itens do QRIC são fáceis para todos os respondentes, fato que condiz com o traço latente estudado, em que os comportamentos avaliados integram o cotidiano do enfermeiro e do paciente no processo de cuidar.

A Figura 3 apresenta a Função de Informação do Teste (FIT) na escala transformada (50,5), a qual demonstra que o QRIC tem maior informação (curva mais alta) no intervalo de 25 a 45 pontos. Isto significa que ele é mais adequado para medir o nível de relação interpessoal no cuidado de enfermagem em pacientes que estão neste intervalo. Demonstra, assim, que o instrumento é mais indicado para medir a baixa efetividade na relação interpessoal.

Figura 3
Função de Informação do Teste. Fortaleza, CE, Brasil, 2015.

Do ponto de vista interpretativo, cada item, juntamente com suas categorias de resposta, que representam os conceitos teóricos carregam informações para a interpretação do traço latente. Desse modo, a construção da interpretação da escala está baseada em 62 indicadores de relação interpessoal no cuidado de enfermagem. Assim o conceito de interação contribuiu com 19 indicadores, o conceito comunicação com 20 indicadores, o conceito de transação com 18 indicadores, o conceito de papel com 5 indicadores. O conceito de estresse não contribuiu com indicadores para a interpretação da escala

A Figura 4 apresenta a escala de relação interpessoal no cuidado de enfermagem. Seu primeiro nível é demarcado pelo entendimento da fala do enfermeiro durante o atendimento como o elo inicial para o cuidado. No nível seguinte (30 a 39 pontos), a comunicação passa a ter via de mão dupla, estabelecendo-se o processo comunicativo. Em seguida (40 e 49 pontos), tem-se a transação ganhando corpo a partir do reconhecimento da identidade do paciente pelo enfermeiro e a interação com o reconhecimento do respeito no cuidado. No nível 50 a 59 há aprofundamento da relação interpessoal no cuidado quando na transação surge a percepção de um cuidado individualizado e na interação o sentimento de companheirismo. Acima de 60 pontos a relação interpessoal ultrapassa o limiar tênue da tensão de um discurso, essencialmente, voltado à situação de saúde do paciente, com o relato de momentos divertidos e envolvimento da família, demarcando o nível superior da escala.

Figura 4
Escala de relação interpessoal no cuidado de enfermagem. Fortaleza, CE, Brasil, 2015

Discussão

A elaboração do QRIC se deu de modo a permitir aprofundamento teórico e sua correspondência empírica, pois envolveu a análise criteriosa do modelo de King¹, com exame da literatura e realização de grupos focais exploratórios, permitindo associação entre os conceitos abstratos da teoria e indicadores mensuráveis, trazendo para o QRIC contribuição da informação e cultura envolvidas na assistência de enfermagem²².

Sobre a validação de conteúdo, a análise de conteúdo envolvendo um grupo de especialistas é uma técnica consolidada nos estudos de validação de fenômenos de enfermagem²³. A seleção de especialistas de diferentes regiões permite adaptar o instrumento construído para o país, considerando a diversidade cultural, que, em estudos deste tipo não podem ser desprezadas²⁴. A análise semântica permitiu avaliar alguns aspectos do processo de medida, que poderiam afetar a coleta de dados, como o formato das respostas e os itens de forma individual²⁵. Esta etapa foi importante para a adequação do instrumento piloto à aplicação nos três níveis de atenção à saúde.

Sobre o processo de análise das propriedades psicométricas o QRIC demonstrou adequada consistência interna pelo alfa de Cronbach e pelo Ômega de McDonald. A comparação entre estes dois coeficientes avalia o viés cometido ao se utilizar uma ou outra medida¹⁴. Neste estudo, os valores muito próximos e elevados indicam boa confiabilidade pelos dois indicadores. Sobre a dimensionalidade o QRIC demonstrou possuir uma dimensão dominante. Trata-se de uma etapa relevante na pesquisa, a fim de identificar modelos adequados para a compreensão do fenômeno de estudo^9-10.

Sobre os parâmetros dos itens, houve bom desempenho dos referentes ao conceito de comunicação, transação e interação, pois apresentaram melhor poder de discriminar indivíduos com relação interpessoal no cuidado de enfermagem mais efetiva.

Mas os itens do conceito de papel que versavam sobre a confiança de segredos, saber o nome do enfermeiro e a abordagem da família foram os que menos diferenciam os pacientes no traço latente e contribuem com menor informação psicométrica no instrumento. A quantidade de informação do item fornece indicação da precisão da medida associada a cada nível da escala^9-10,21. Uma alternativa para esse resultado seria acrescentar itens bem formulados do conceito de papel para aumentar a informação e melhorar a mensuração dos indivíduos nos aspectos deste conceito. É necessária ainda a realização de estudos sobre o estresse para esclarecer seu real envolvimento como uma dimensão do traço latente, pois os itens deste conceito foram eliminados do QRIC.

Sobre o parâmetro b, os resultados do QRIC demonstram quase todos os parâmetros de dificuldade (b) negativos. Conjectura-se que, em virtude dos comportamentos contidos nos itens serem inerente das interações humanas e do cotidiano das pessoas recebedoras de cuidados de enfermagem, e, assim, praticados pelos envolvidos no processo sem grandes esforços, tenha culminado com parâmetros b, em sua grande maioria, negativos. Resultado semelhante foi encontrado em estudo envolvendo o construto “conforto de familiares de pessoas em estado crítico”²⁵.

Em se tratando da FIT, medida de fidedignidade da TRI²⁶, o QRIC apresentou melhor fidedignidade para medir relação interpessoal nos níveis de baixa a mediana efetividade. Isto não prejudica sua relevância, pois as relações interpessoais no cuidado com baixa efetividade geram maior preocupação aos enfermeiros que as com alta.

De acordo com a escala construída, ficou perceptível a evolução da efetivação da relação interpessoal no cuidado de enfermagem em cinco níveis. No primeiro nível, inicia-se o processo de comunicação. Os níveis seguintes demonstram qualitativamente os pontos de efetivação da relação interpessoal com o envolvimento de comportamentos relacionados aos conceitos de transação e interação, seguido pelo de papel. Esta interpretação dos níveis é uma propriedade dos modelos de TRI, que possibilita a criação de um plano de cuidados para o paciente, conforme seu escore individual²¹.

É válido salientar que a relação interpessoal figura como um instrumento básico do cuidar em enfermagem e, desse modo, é uma habilidade fundamental para a realização de toda a atividade profissional. Vislumbrar a relação interpessoal sob a ótica da produção de uma tecnologia de mensuração é dar subsídio à profissão como forma de avaliar a sua conduta cotidiana, permitindo o espaço para que o conhecimento das situações gere o movimento de melhoria na interação do enfermeiro com o paciente.

Os componentes da relação interpessoal fazem-se primordiais no desenvolvimento do cuidado com vistas à sua humanização, apontando-se a necessidade de constante capacitação dos enfermeiros, envolvidos no processo de cuidar, não apenas em procedimentos técnicos, mas especialmente na sua melhor qualificação para o desenvolvimento de relações interpessoais seguras, aprendidas como ferramentas profissionais de cuidado²⁷. Nesse sentido a mensuração da relação interpessoal pode ser usada tanto para avaliar a competência quanto para fortalecer essas habilidades nos grupos ou indivíduos, pois estas podem ser melhoradas com a instrução e modificadas ao longo do tempo^28-29. Além disso, o presente instrumento pode ser utilizado para melhorar a compreensão do processo de comunicação.

Estudo que desenvolveu instrumento para mensurar a comunicação mostrou ser importante em diferentes situações e dar diretrizes para intervenção individual ou em grupos com a finalidade de melhorar as relações e o bem-estar no contexto dos serviços de saúde, bem como, refletir sobre o tema de maneira educativa²⁹.

Em relação às limitações, nem todos os conceitos da teoria permaneceram representados no instrumento final. Além disso, é necessária a formulação de itens que ancorem nos níveis superiores da escala, melhorando a mensuração nestes níveis.

Conclusão

O QRIC foi construído sobre o arcabouço do Sistema Interpessoal do Modelo de Sistemas Abertos Interatuantes resultando em um instrumento com 31 itens e uma escala interpretativa de cinco níveis. Demonstrou validade de conteúdo e apresentou alta consistência interna. O instrumento foi analisado em sua dimensionalidade e via TRI onde foi demonstrado a sua validade. A visualização dos parâmetros dos itens e suas contribuições individuais na mensuração do traço latente permitiu a construção de uma escala com um modelo interpretativo que mostra essencialmente o quão efetiva está a relação interpessoal no cuidado de enfermagem. A construção de uma interpretação para cada nível da escala configura-se como o preenchimento de lacuna nos estudos de mensuração de comportamento em saúde, indo além das repostas comumente fornecidas por tais instrumentos. Como o instrumento foi validado via TRI e resultou em uma escala interpretativa os resultados da sua aplicação podem ser comparáveis pois possuem em sua estrutura de análise a mesma métrica para mensuração do traço latente.

A utilização do QRIC permitirá novos horizontes interpretativos, tanto na prática clínica quanto na pesquisa em relação interpessoal em enfermagem. Seus resultados poderão ser utilizados como coadjuvantes na avaliação da qualidade do cuidado, bem como no redirecionamento de práticas do cotidiano que promovam a maior efetividade da relação interpessoal em enfermagem nos serviços de saúde. Espera-se que o uso do QRIC possa subsidiar ações que possam contribuir na elaboração de estratégias que sejam facilitadoras de relações interpessoais no cuidado de enfermagem mais efetivas.

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  Artigo extraído da tese de doutorado “Relação interpessoal no cuidado de enfermagem: elaboração e validação de um instrumento por meio da teoria da resposta ao item”, apresentada à Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 300799/2015-2.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2017

Histórico

• Recebido
  17 Maio 2017
• Aceito
  17 Set 2017