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Adaptação transcultural e validação da CONDOM SELF-EFFICACY SCALE : aplicação em adolescentes e adultos jovens brasileiros 1 1 Artigo extraído da dissertação de mestrado “Tradução, adaptação e validação da Condom Self-Efficacy Scale para uso no Brasil”, apresentada à Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

traduzir e adaptar a Condom Self-Efficacy Scale para língua portuguesa no contexto brasileiro, originada nos Estados Unidos para mensurar a autoeficácia no uso do preservativo.

Método:

estudo metodológico, que compreendeu duas etapas: tradução, adaptação transcultural e verificação das propriedades psicométricas. O processo de tradução e adaptação foi composto por quatro tradutores, um mediador da síntese e cinco profissionais da saúde. Verificou-se a validação de conteúdo pelo Índice de Validação de Conteúdo por meio do julgamento de 22 especialistas. Participaram do pré-teste 40 sujeitos que contribuíram na compreensão dos itens da escala. A escala foi aplicada em 209 estudantes, de 13 a 26 anos, de uma escola da rede estadual de ensino. Analisou-se a confiabilidade por meio do alfa de Cronbach.

Resultados:

A versão da escala em português obteve alfa de Cronbach de 0,85 e a média da total de 68,1 pontos, houve relação estatística significativa entre a escala total e as variáveis não ter filhos (p= 0,038), uso do preservativo (p= 0,008) e uso do condom com o parceiro fixo (p=0,036).

Conclusão:

a versão brasileira da Condom Self-Efficacy Scale é um instrumento válido e confiável para verificar a autoeficácia do uso do preservativo entre adolescentes e adultos jovens.

Descritores:
Preservativos; Estudos de Validação; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

translate and adapt the Condom Self-Efficacy Scale to Portuguese in the Brazilian context. The scale originated in the United States and measures self-efficacy in condom use.

Method:

methodological study in two phases: translation, cross-cultural adaptation and verification of psychometric properties. The translation and adaptation process involved four translators, one mediator of the synthesis and five health professionals. The content validity was verified using the Content Validation Index, based on 22 experts’ judgments. Forty subjects participated in the pretest, who contributed to the understanding of the scale items. The scale was applied to 209 students between 13 and 26 years of age from a school affiliated with the state-owned educational network. The reliability was analyzed by means of Cronbach’s alpha.

Results:

the Portuguese version of the scale obtained a Cronbach’s alpha coefficient of 0.85 and the total mean score was 68.1 points. A statistically significant relation was found between the total scale and the variables not having children (p= 0.038), condom use (p= 0.008) and condom use with fixed partner (p=0.036).

Conclusion:

the Brazilian version of the Condom Self-Efficacy Scale is a valid and reliable tool to verify the self-efficacy in condom use among adolescents and young adults.

Descriptors:
Condom; Validation Studies; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

traducir y adaptar la Condom Self-Efficacy Scale para el idioma portugués en el contexto brasileño, originada en los Estados Unidos para medir la autoeficacia en el uso del preservativo.

Método:

estudio metodológico que comprendió dos etapas: traducción, adaptación transcultural y verificación de las propiedades psicométricas. El proceso de traducción y adaptación estuvo compuesto por: cuatro traductores, un mediador de la síntesis y cinco profesionales de la salud. Se verificó la validación de contenido a través del Índice de Validación de Contenido por medio del juzgamiento de 22 especialistas. Participaron del pretest 40 sujetos que contribuyeron para la comprensión de los ítems de la escala. La escala fue aplicada en 209 estudiantes, de 13 a 26 años, de una escuela de la red estatal de enseñanza. Se analizó la confiabilidad por medio del alfa de Cronbach.

Resultados:

la versión de la escala en portugués obtuvo un Alfa de Cronbach de 0,85 y un promedio del total de 68,1 puntos; hubo relación estadísticamente significativa entre la escala total y las variables: no tener hijos (p= 0,038), uso del preservativo (p= 0,008) y uso del condón con compañero fijo (p=0,036).

Conclusión:

la versión brasileña de la Condom Self-Efficacy Scale es un instrumento válido y confiable para verificar la autoeficacia del uso del preservativo entre adolescentes y adultos jóvenes.

Descriptores:
Condones; Estudios de Validación; Enfermería

Introdução

O preservativo é um método anticoncepcional de barreira que proporciona dupla proteção, pois previne a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Para tanto, faz-se necessário o uso consistente, isto é, em todas as relações sexuais e de modo correto.

O uso inconsistente do preservativo entre adolescentes e adultos jovens vem sendo discutido na literatura e pode ser observado em diversos países. No Noroeste de Camarões, por exemplo, a taxa do uso volúvel do preservativo entre 414 entrevistados foi considerada alta, 62%11. Morris L, Kouya F, Kwalar R, Pilapil M, Saito K, Palmer N, et al. Factors associated with inconsisted condom use in adolescents with negative or unknown HIV status in Northwest Cameroon. Psychol Soci Medical Aspectos of AIDS/HIV. [Internet] 2014 [Acesso 5 jun 2015];26(11):1440-5. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10063250. doi: 10.1016/S0882-5963(99)80061-X
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. No Brasil, Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, um em cada quatro adolescentes que iniciaram a vida sexual não fizeram uso do preservativo22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Diretorias de Pesquisa Coordenação de População e Indicadores Sociais. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2012. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2013..

Dessa forma, os dados epidemiológicos sinalizam a necessidade de estratégias de promoção da saúde sexual e reprodutiva direcionadas para adolescentes e adultos jovens. Ademais, perceber esta população como propensa a não utilização desse método de barreira, da mesma maneira que conhecer os principais fatores associados a esta suscetibilidade são fundamentais ao direcionamento das ações desempenhadas pelos profissionais de saúde.

Autoeficácia associada ao uso do preservativo é definida como a confiança na própria capacidade para a prática do sexo seguro em situações difíceis33. Bandura A. Self-Efficacy. Encyclopedia of human behavior. New York: Academic Press; 1994.. Esta característica deve ser identificada a fim de prevenir as principais vulnerabilidades, assim como precisa ser estimulada, com vistas a melhorar a adesão dos jovens ao preservativo, tendo em vista sua influência na utilização do método. Autoeficácia influencia o uso do preservativo e pode ser estimulada entre adolescentes e adultos jovens para aumentar a adesão ao método44. Hanna KM. An adolescent and yong adult condom self-efficacy scale. J Pediatric Nurs. [Internet]. 1999 [Acesso 5 jun 2015];14(1):59-66. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10063250. doi: 10.1016/S0882-5963(99)80061-X
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Em 1999, enfermeira norte-americana da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, desenvolveu a Condom Self-Efficacy Scale (CSE), com o objetivo de avaliar a percepção de autoeficácia do uso do preservativo entre adolescentes e adultos jovens. A CSE é instrumento multifatorial, composto por 14 itens que mensura um conjunto de habilidades cognitivas, motivacionais, além de variáveis sociais e comportamentais que revelam a autoeficácia na utilização do preservativo. Os fatores analisados dividem-se nos seguintes domínios: (1) habilidades de comunicação relacionadas ao uso do preservativo, com cinco itens (2) habilidades no uso consistente do preservativo, com três itens e (3) habilidades do uso correto do preservativo composto por seis itens; e são mensurados em escala tipo Likert, que varia de 1 a 5, na qual 1 representa muito inseguro, 2 inseguro, 3 pouco seguro, 4 seguro e 5 muito seguro44. Hanna KM. An adolescent and yong adult condom self-efficacy scale. J Pediatric Nurs. [Internet]. 1999 [Acesso 5 jun 2015];14(1):59-66. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10063250. doi: 10.1016/S0882-5963(99)80061-X
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.

Diante da ausência de instrumentos adaptados no Brasil para avaliar o uso do preservativo, optou-se pela CSE tendo em vista, ser a autoeficácia conceito que influencia no uso do método. Ademais, a CSE abrangeu adolescentes, o que despertou grande interesse, considerando-se a investigação nesta população é de suma importância para subsidiar intervenções de enfermagem específicas para esse grupo.

Nessa conjuntura, o estudo se propôs a traduzir e adaptar a escala CSE para língua portuguesa no contexto brasileiro. Uma escala válida e confiável poderá ser utilizada na prática de enfermagem, da mesma maneira que em outros estudos para avaliar intervenções que melhorem a autoeficácia de adolescentes e adultos jovens para utilização do preservativo.

Metodologia

Tratou-se de estudo metodológico de adaptação transcultural, no qual foi adotado o seguinte método para o processo de tradução e adaptação de instrumentos, delineado em cinco etapas, quais sejam: tradução inicial (1), síntese das traduções (2), tradução de volta ao idioma original (back-translation) (3), revisão por um comitê de especialistas (4) e pré-teste (5)55. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of the DASH & QuickDASH Outcome Measures. Califórnia: Institute for Work & Health; 2007..

Procedimentos para a adaptação transcultural

Como pré-requisito para início do processo de tradução e adaptação transcultural, estabeleceu-se contato com a autora da escala por meio de correio eletrônico e foram apresentadas as intenções da referente pesquisa. A tradução da CSE foi realizada por um tradutor, profissional de saúde, sendo este informado sobre o objetivo da tradução (T1); e por um segundo tradutor, que não era da área saúde e que não foi informado sobre o objetivo do estudo (T2). As duas versões oriundas dos tradutores (T1 e T2) foram reunidas e sintetizadas em um único instrumento final (T12), com o intuito de facilitar a decisão da síntese dos itens com o rigoroso cuidado de manter o sentido da escala original.

Na back-translation a partir da versão T12 a escala foi retraduzida para o idioma original por dois tradutores americanos, de modo independente, residentes no Brasil e com domínio da língua portuguesa e da cultura brasileira, sem experiência na área da saúde, da mesma maneira que não informados sobre o objetivo do estudo.

O comitê de juízes tem o propósito de desenvolver a versão pré-final para o teste de campo. Este foi composto por cinco profissionais: três enfermeiros, um tradutor e um linguista. As características dos juízes incluíram: experiência na área de saúde sexual e reprodutiva, metodologia de tradução e adaptação transcultural de instrumentos de medidas, domínio na língua inglesa e portuguesa. O contato com os participantes do comitê ocorreu via eletrônica. Os critérios avaliados foram: análise da equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual. Os itens que apresentaram problemas de compreensão foram modificados por palavras que configuraram melhor entendimento, mas com a preocupação de manter o sentido dos itens originais.

O pré-teste tem o objetivo de testar o instrumento adaptado e analisar a compreensão da escala pelo público-alvo. Este foi aplicado em uma população de 40 sujeitos, segundo recomendações internacionais. Os participantes dessa etapa foram adolescentes e adultos jovens de 13 a 26 anos, com vida sexual ativa e de escolaridade correspondente ao ensino fundamental incompleto, ensino médio completo e ensino superior completo. Os mesmos foram abordados para a aplicação da escala e instigados sobre o significado dos itens, assim também como contribuições para aperfeiçoar e melhorar a compreensão da escala. Isso garante que a versão adaptada mantenha sua equivalência em uma situação de aplicação55. Beaton D, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of the DASH & QuickDASH Outcome Measures. Califórnia: Institute for Work & Health; 2007..

Essa etapa permitiu que o público-alvo contribuísse de forma significativa no processo de validação da escala, tendo ocorrido durante o mês de setembro de 2014, em uma unidade básica de saúde, uma escola de ensino técnico e uma universidade pública.

Verificação das propriedades psicométricas

Os critérios analisados nessa fase envolveram pertinência, compreensão e clareza, associação do item à temática abordada, a que domínio o item se refere, relevância e grau de relevância do item. Depois da avaliação da escala pelo comitê de especialistas, utilizou-se o Índice de Validação de Conteúdo (IVC) que avalia a concordância dos especialistas em relação ao conteúdo que a escala representa, cujo valor deve ser superior a 0,78 quando a avaliação é realizada por mais de seis juízes66. Polit DF, Beck CT, Owen SV. Focus on research methods is the CVI an acceptable indicator of content validity? Appraisal and recommendations. Res Nurs Health. [Internet] 2007 [Acesso 30 mar 2016];30:459-67. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17654487. doi: 10.1002/nur.20199
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. Acrescenta-se que para o IVC três equações matemáticas foram realizadas: média dos índices de validação de conteúdo para todos os itens de uma escala, proporção de itens de uma escala que atingiram escores 3 relevante ou 4 muito relevante, por todos os juízes, e validação de conteúdo dos itens individuais77. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validação de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Ciênc Saúde Coletiva. [Internet] 2011 [Acesso 30 mar 2016];16(7):3061-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011000800006.doi.org/10.1590/S1413-81232011000800006
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A validação de construto da CSE foi realizada depois da aplicação da escala com o público-alvo a partir da análise fatorial. Utilizou-se a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkim (KMO) e o teste de esfericidade de Barllet. Recomenda-se como aceitáveis valores maiores que 0,5, e são considerados bons valores, acima ou igual a 0,7; valores entre 0,8 e 0,9 são ótimos e acima de 0,9 são excelentes88. Kaiser HF. An index of factorial simplicity. Psycometrika. [Internet] 1974 [Acesso 5 jun 2015];39(1):31-6. Disponível em: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF02291575. doi: 10.1007/BF02291575
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Na análise fatorial, a relação entre o item e o fator é mensurada a partir das cargas fatoriais que podem variar de -1,00 a + 1,00. O valor mínimo da carga fatorial deve ser 0,3, positivo ou negativo, para que haja relação entre o item e fator determinado. No presente estudo, quando a carga fatorial foi igual ou superior a 0,3 o item ficou alocado no domínio em questão99. Pasquali L. Psicometria. Rev Esc Enferm USP. [Internet]. 2009 [Acesso 5 jun 2015];43(Esp):992-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-342009000500002.
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O teste de escolha para analisar a homogeneidade da CSE foi a precisão de consistência interna, alfa de Cronbach, medida mais comum quando se trata de confiabilidade. Este teste mede a unidimensionalidade de um instrumento, os valores aceitáveis podem variar de 0,7 a 0,8. Assim, diante de um instrumento com vários subcomponentes (domínios), o alfa deve ser calculado individualmente para cada domínio, uma vez que existem teoricamente vários construtos em questão1010. Cronbach LJ. Coefficient alpha and the internal structure the tests. Psychometrika. [Internet] 1951 [Acesso 5 jun 2016];16(3):297-34. Disponível em: http://kttm.hoasen.edu.vn/sites/default/files/2011/12/22/cronbach_1951_coefficient_alpha.pdf
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-1111. Field A. Discovering Statistics Using SPSS. 3rd ed. Londres: Sage; 2009..

Aplicação de coleta das informações

A validação do construto foi desenvolvida em uma escola estadual de ensino. A CSE na versão brasileira foi aplicada junto a 209 adolescentes e adultos jovens, com idade entre 13 e 26 anos, com vida sexual ativa, regularmente matriculados na escola pertencente à rede estadual de ensino do Ceará e localizada na cidade de Fortaleza - CE. Também foi aplicado um questionário para análise das variáveis sociodemográficas e sexuais.

Para associação foram utilizados testes estatísticos Qui-quadrado, teste de Friedman para a comparação das médias entre os domínios. Em todos os testes empregados, definiu-se um nível de significância menor que 0,05.

O estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, conforme protocolo nº 702.946/2014. Todos os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

A Figura 1 apresenta a versão original e a versão final da escala depois do processo de tradução e adaptação transcultural.

Figura 1
Etapa de tradução e adaptação da Condom Self-Efficacy Scale, 2014

Os responsáveis pela validação de conteúdo da escala foram 22 enfermeiros. Do total, 86,3% eram do sexo feminino. Em relação à área de atuação, 72,7% exerciam a pesquisa e a docência e 31,8% atuavam tanto na docência quanto na área assistencial. O tempo de experiência profissional variou de 5 a 29 anos.

Depois da avaliação dos itens pelo comitê de especialistas houve uma reorganização dos itens 7 e 8. Todos os especialistas afirmaram uma sequência mais aceitável ao que se refere à utilização do preservativo. Obteve-se um IVC de 0,90 para a escala total e os valores individuais dos itens variaram de 0,81 a 1, considerando o conteúdo da escala válido.

Validação de Constructo

Na caracterização da amostra observou-se uma discreta maioria do sexo masculino entre os participantes, que representaram 50,7% dos adolescentes e adultos jovens. A opção sexual predominante foi heterossexual, referida por 89% dos participantes. A idade variou de 13 a 26 anos, a mesma faixa etária que foi adotada pela autora da escala original. Quanto a condição de união, 66% tinham companheiro e 9,1% tinham filhos.

Tratando-se do uso do preservativo com o parceiro fixo, 58,5% apresentaram uso inconsistente do método.

Aplicação da Condom Self-Efficay Scale- versão brasileira (CSE-VB)

As respostas da CSE-VB foram analisadas por meio de escores da escala total e separadamente pelos domínios: Comunicação, uso consistente e uso correto, conforme se observa na Tabela 1.

Tabela 1
Associação das médias da escala total e dos domínios comunicação, uso consistente e uso correto do preservativo com as características sociodemográficas e sexuais dos estudantes. Fortaleza, CE, Brasil, 2014

O teste de Friedman foi significativo (p=0,0321), mostrando que houve diferenças significativas entre as médias dos domínios. Analisando a média da escala total, obteve-se um resultado de 68,1 pontos, mostrando que os estudantes apresentaram segurança para uso do preservativo, ou seja, os mesmos apresentaram autoeficácia diante das situações abordadas em cada item da escala.

Referente à associação das variáveis sociodemográficas e sexuais com os domínios da escala, percebe-se no domínio comunicação que o fato de ter filhos influencia na negociação do uso do preservativo (p= 0,040).

O domínio uso consistente do preservativo trazia questões relacionadas ao uso do preservativo em todas as relações sexuais e a facilidade de portar o método. Observa-se a existência de relação estatisticamente significante entre a média da CSE no domínio do uso consistente do preservativo e as variáveis sexo (p=0,028), uso do preservativo (p=0,002) e uso consistente do preservativo com o parceiro fixo (p=0,003). O sexo masculino apresentou maior autoeficácia em relação ao uso do preservativo.

Ter parceiro fixo apresentou associação tanto com as médias do domínio do uso consistente, quanto do uso correto (p=0,020). Outra variável que teve associação com a média do domínio uso correto foi não ter companheiro (p=0,042). Este domínio envolvia as questões relacionadas aos passos preconizados na literatura sobre o uso preservativo e o grau de segurança para efetuar cada passo.

O valor encontrado para o KMO no presente estudo foi de 0,862 e o teste de esfericidade demonstrou significância estatística (p = 0,001). Portanto, tais resultados revelaram que a análise fatorial é apropriada para a análise da CSE88. Kaiser HF. An index of factorial simplicity. Psycometrika. [Internet] 1974 [Acesso 5 jun 2015];39(1):31-6. Disponível em: http://link.springer.com/article/10.1007%2FBF02291575. doi: 10.1007/BF02291575
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Os valores do alfa de Cronbach para cada domínio da escala foram calculados individualmente, os quais variaram de 0,632 a 0,788.

A Figura 2 mostra uma comparação da escala original traduzida com a versão da escala depois da análise fatorial com a realocação de alguns itens.

Figura 2
Quadro comparativo entre as escalas na versão original e depois da análise fatorial.

Observa-se que os itens 4, 5 e 9 foram realocados em relação aos seus domínios depois da análise fatorial. Considera-se que o resultado não minimiza o valor da mensuração da escala, pois nenhum item necessitou ser retirado, mas apenas realocado.

Discussão

No processo de adaptação ocorreram pequenas alterações, como o acréscimo do sexo feminino nas possibilidades de investigação, a fim de incluir a participação desse sexo no uso do preservativo. No item 4 foi sugerida a inclusão do termo “relação sexual”, o que contribuiu para deixar o item mais claro e compreensível. Sugeriu-se também a substituição da palavra “potencial” por “possível” no item 12. Alteração pertinente, considerando-se o termo “potencial” pode referir-se a uma característica do parceiro, o vocábulo “possível” indica a possibilidade de surgir um parceiro sexual.

No item 11 foi sugerido pelo linguista a substituição da palavra “sentimentos” por “opinião”. Ressalta-se que a presença do linguista foi fundamental para a correção dos tempos verbais, enriquecendo o contexto gramatical. Na validação de conteúdo a versão final foi aprovada pelos 22 especialistas do comitê, apontando a relevância da escala no contexto da enfermagem.

A aplicação da CSE na versão brasileira, identificou que o fato de não ter filhos está associado com a autoeficácia dos adolescentes e adultos jovens para o domínio comunicação, que envolve a autoeficácia para vontade de utilizar o preservativo com o parceiro. Dessa forma o empoderamento para o uso do método é essencial para a argumentação com o parceiro1212. Nicolau AIO, Ribeiro SG, Lessa PRA, Monte AS, Bernardo EBR, Pinheiro AKB. Conhecimento, atitude e prática do uso de preservativos por presidiárias: prevenção das DST/HIV no cenário prisional. Rev Esc Enferm USP. [Internet] 2012 [Acesso 5 jun 2015];46(3):711-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php script=sci_arttext&pid=S008062342012000300025. doi.org/10.1590/S0080-62342012000300025
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-1313. Gubert AG, Vieira NFC, Pinheiro NCP, Oriá MOB, Almeida PC, Araújo TS. Translation and validation of the Parent-adolescent Communication Scale: technology for DST/HIV prevention. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2013 julho-ago [Acesso 5 jun 2015];21(4):851-9. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n4/0104-1169-rlae-21-04-0851.pdf. doi.org/10.1590/S0104-11692013000400004
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O sexo masculino apresentou maior autoeficácia em relação ao uso consistente do preservativo. Esse achado corrobora as evidências apontadas em estudo que envolveu 508 participantes de ambos os sexos, na Uganda. Ao comparar o uso consistente do preservativo entre homens e mulheres, obteve-se 48,1% entre homens e 31,8% entre mulheres1414. Walusaga HA, Kyohangirwe R, Wagner GJ. Gender differences in determinants of condom use among HIV clients in Uganda. AIDS Patients Care STDS. [Internet] 2012 [Acesso 5 jun 2015];26(11):694-9. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23066699. doi: 10.1089/apc.2012.0208
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. Essa diferença por sexo envolve aspectos culturais, pois o homem é precocemente estimulado a ter relações sexuais, considerando-se a mulher é desencorajada1515. Tavares CM, Schor N, Júnior-França I, Diniz SG. Fatores associados à iniciação sexual e uso de preservativo entre os adolescentes da Ilha de Santiago, Cabo Verde, África Ocidental. Cad Saúde Pública. [Internet] 2009 [Acesso 5 jun 2015];25(9):1969-80. Disponível em:http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000900011. doi.org/10.1590/S0102-311X2009000900011
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. Com isso, eles dominam a utilização do método, o que contribui para um maior percentual apresentado, considerando-se que elas deparam-se com os julgamentos das pessoas acerca da capacidade para executar certas atividades e alcançar certos tipos de desempenho, ou seja, a prática do uso do preservativo predispõe sua autoeficácia1616. Bandura A. A evolução da teoria social cognitiva. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed; 2008..

Também observou-se associação da autoeficácia para o domínio do uso consistente do preservativo, a utilização do preservativo com o parceiro fixo em todas as vezes ou na maioria das relações. Durante um estudo de campo realizado com 8.471 adolescentes do estado da Paraíba, foi possível identificar em 31% dos relatos uma grande dificuldade feminina na negociação do preservativo1717. Ribeiro KCS, Silva J, Saldanha AA. Querer é poder? A ausência do uso do preservativo nos relatos de mulheres jovens. J Bras Doenças Sex Transm. [Internet] 2011 [Acesso 5 jun 2015];23(2):84-9. Disponível em: http://www.dst.uff.br/revista23-2-2011/7-Querer%20e%20Poder.pdf.
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. Essa realidade também foi encontrada em um estudo transversal nacional realizado com 17.371 alunos do ensino médio, no qual a prática do sexo inseguro ocorreu entre meninas mais velhas com baixas condições socioeconômicas1818. Sanchez ZM, Nappo SA, Cruz JI, Carlini EA, Carlini CM, Martin SS. Sexual behavior among high school students in Brazil: alcohol consumption and legal and ilegal drug use associated with unprotected. Rev Sex Clin. [Internet] 2013 [Acesso 5 jun 2015];68(4):489-94. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3634973/.doi: 10.6061/clinics/2013(04)09
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Infere-se que adolescentes e adultos jovens que fazem uso do preservativo com o parceiro fixo apresentam autoeficácia elevada. Esse achado diverge com outra investigação, na qual foi observada nos jovens com parceiros fixos a inconsistência do uso do preservativo, pois muitos tendem a abandonar o método à medida que o relacionamento se torna estável1919. Pereira BS, Costa COM, Amaral MTR, Costa HS, Silva CAL, Sampaio VS. Fatores associados à infecção pelo HIV/AIDS entre adolescentes e adultos jovens matriculados em Centro de Testagem e Aconselhamento no Estado da Bahia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. [Internet] 2014 [Acesso 5 jun 2015];19(3):747-58. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413- 81232014000300747&script=sci_arttext.doi.org/10.1590/1413-81232014193.16042013
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Ter parceria fixa influencia o uso correto do preservativo (p=0,020). Assim, a autoeficácia deve ser estimulada nessa população, pois dificuldades ao uso correto do preservativo implicam no abandono do mesmo. Estudo realizado com 166 adolescentes, mostrou que essa população tem dificuldades no uso correto do preservativo. Entre os adolescentes entrevistados, 16,9% referiram dificuldade para o uso do método na primeira relação sexual2020. Jardim DP, Santos EF. Uso do preservativo masculino por adolescentes no início da vida sexual. Adolesc Sáude. [Internet] 2012 [Acesso 5 jun 2015];9(2):37-44. Disponível em: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=314.
http://www.adolescenciaesaude.com/detalh...
. Essas dificuldades encontradas nessa fase de descoberta da sexualidade induzem a não utilização do método e a adoção de comportamentos sexuais de risco.

No que se refere à validação de constructo por meio da análise fatorial obteve-se a extração de três domínios, o mesmo quantitativo do instrumento original. Destaca-se que a realocação do item 9 para o domínio comunicação também foi evidenciada durante o processo de adaptação da CSE na Tailândia, o item referido apresentou valor superior a 0,3 tanto no domínio de comunicação, como no domínio uso correto. Assim infere-se que o item citado pode influenciar tanto a capacidade de comunicação sobre o uso do preservativo, da mesma maneira que influenciar no uso correto do método2121. Thato S, Hanna KM, Rodcumdee B. Translation and validation of the condom self-efficacy scale with thai adolescents and Young adults. Journal of nursing sholarship. [Internet] 2005 [Acesso 5 junho 2015];37(1):36-40. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15813585.
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.

A escala apresentou uma boa consistência interna, apresentando valor do alfa de Cronbach (0,85), semelhante à escala original e da versão adaptada do mesmo instrumento na Tailândia. Na versão da escala adaptada na Coreia obteve-se um valor de alfa de Cronbach maior (0,91)44. Hanna KM. An adolescent and yong adult condom self-efficacy scale. J Pediatric Nurs. [Internet]. 1999 [Acesso 5 jun 2015];14(1):59-66. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10063250. doi: 10.1016/S0882-5963(99)80061-X
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10063...
,2121. Thato S, Hanna KM, Rodcumdee B. Translation and validation of the condom self-efficacy scale with thai adolescents and Young adults. Journal of nursing sholarship. [Internet] 2005 [Acesso 5 junho 2015];37(1):36-40. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15813585.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15813...
-2222. Cha SE, Kim KH, Buke LE. Psycometric validation of a condom self-efficay scale in Korean. Nurse Res. [Internet] 2008 [Acesso 5 jun 2015];57(4):245-51. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18641493. doi: 10.1097/01.NNR.0000313492.02530.d2.
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. Esses dados denotam uma boa confiabilidade da escala em diferentes contextos.

Percebeu-se que a autoeficácia para o uso do preservativo pode ser estimulada entre os estudantes por meio de intervenções educativas e o uso de instrumentos válidos e confiáveis auxiliará na identificação precoce de vulnerabilidades individuais.

Conclusão

O presente estudo permitiu, por meio do percurso metodológico adotado, realizar um rigoroso processo de adaptação transcultural da CSE. A versão da escala depois da avaliação do primeiro comitê de juízes e realização do pré-teste foi considerada compreensível para o público ao qual se destina.

Com isso pode-se concluir que a CSE-VB é um instrumento válido e confiável para mensurar a autoeficácia para o uso do preservativo entre adolescentes e adultos jovens. A CSE na versão brasileira poderá ser utilizada na prática de enfermagem para avaliar intervenções que melhorem a autoeficácia para utilização do preservativo.

Ressalta-se que mesmo depois de um processo rigoroso de adaptação e validação é importante, para a utilização desse instrumento em outras regiões do Brasil, um novo processo de validação semântica devido às variações linguísticas específicas de cada região.

References

  • 1
    Artigo extraído da dissertação de mestrado “Tradução, adaptação e validação da Condom Self-Efficacy Scale para uso no Brasil”, apresentada à Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2015
  • Aceito
    12 Jul 2016
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