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Análise da confiabilidade do Sistema de Triagem de Manchester: concordância interna e entre observadores1 1 Artigo extraído da tese de doutorado “Análise da confiabilidade do Sistema de Triagem de Manchester para determinar o grau de prioridade de pacientes em serviços de urgência”, apresentada à Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

analisar a confiabilidade do Sistema de Triagem de Manchester para determinar o grau de prioridade de pacientes em serviços de urgência.

Método:

trata-se de estudo de confiabilidade com amostra de 361 enfermeiros. Os dados foram coletados em três etapas e os questionários aplicados utilizando software eletrônico. A concordância foi mensurada pela avaliação de casos clínicos. Os desfechos avaliados foram: concordância com o padrão ouro e intraobservadores na indicação do fluxograma, discriminador e nível de risco. Os dados foram submetidos a análises uni e bivariadas. A concordância foi mensurada pelo cálculo do índice Kappa.

Resultados:

a confiabilidade externa e interna do protocolo variou de moderada a substancial (Kappa:0,55-0,78). Tempo de experiência profissional como enfermeiro, em serviços de urgência e emergência e na classificação de risco, foi associado à confiabilidade externa e interna. A escolha certa do discriminador influenciou mais a correta indicação do nível de risco (R²=0,77; p<0,0001) do que a escolha correta do fluxograma (R²=0,16; p<0,0001).

Conclusão:

a confiabilidade do Sistema de Triagem de Manchester variou de moderada a substancial e foi influenciada pela experiência clínica do enfermeiro. O protocolo é seguro para definição das prioridades clínicas utilizando diferentes fluxogramas de classificação.

Descritores:
Enfermagem; Serviços Médicos de Emergência; Triagem; Avaliação em Enfermagem; Reprodutibilidade dos Testes; Validade dos Testes

ABSTRACT

Objective:

To analyze the reliability of the Manchester Triage System to determine the priority of patients in emergency services.

Method:

This is a reliability study with a sample of 361 nurses. The data were collected in three stages and the questionnaires were applied using the electronic software. The agreement was measured by the evaluation of clinical cases. The outcomes evaluated were agreement with the gold standard and intra-observer in the indication of the flowchart, discriminator, and level of risk. Data were submitted to univariate and bivariate analyses. The agreement was measured by the Kappa index.

Results:

The external and internal reliability of the protocol ranged from moderate to substantial (Kappa: 0.55-0.78). The time of professional experience as a nurse, in emergency services and in the classification of risk were associated with external and internal reliability. The correct choice of the discriminator influenced the correct indication of the risk level (R² = 0.77, p <0.0001) more than the correct choice of the flowchart (R² = 0.16, p <0.0001).

Conclusion:

The reliability of the Manchester Triage System ranged from moderate to substantial and it was influenced by the clinical experience of the nurse. The protocol is safe for defining clinical priorities using different classification flowcharts.

Descriptors:
Nursing; Emergency Medical Services; Triage; Nursing Assessment; Reproducibility of Results; Validity of Tests

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la confiabilidad del Sistema de Triaje de Manchester para determinar el grado de prioridad de pacientes en servicios de urgencia.

Método:

Se trata de un estudio de confiabilidad con muestra de 361 enfermeros. Los datos fueron recogidos en tres etapas y los cuestionarios aplicados utilizando software electrónico. La concordancia fue medida por la evaluación de casos clínicos. Los resultados evaluados fueron: concordancia con el estándar oro e intra-observadores en la indicación del diagrama de flujo, discriminador y nivel de riesgo. Los datos fueron sometidos a análisis uni y bivariados. La concordancia fue medida por el cálculo del índice Kappa.

Resultados:

La confiabilidad externa e interna del protocolo varió de moderada a sustancial (Kappa:0,55-0,78). Tiempo de experiencia profesional como enfermero, en servicios de urgencia y emergencia y en la clasificación de riesgo fueron asociados a la confiabilidad externa e interna. La elección cierta del discriminador influyó más la correcta indicación del nivel de riesgo (R²=0,77; p<0,0001) de que la elección correcta del diagrama de flujo (R²=0,16; p<0,0001).

Conclusión:

La confiabilidad del Sistema de Triaje de Manchester varió de moderada a sustancial y fue influida por la experiencia clínica del enfermero. El protocolo es seguro para definición de las prioridades clínicas utilizando diferentes diagramas de flujo de clasificación.

Descriptores:
Enfermería; Servicios Médicos de Urgencia; Triaje; Evaluación en Enfermería; Reproducibilidad de Resultados; Valides de las Pruebas

Introdução

O processo de triagem configura-se como elemento intuitivo da prática clínica de enfermeiros que atuam em serviços de urgência e emergência. Atribuir um grau de risco ao paciente é um complexo processo de tomada de decisão. Segundo a Teoria do Cotinuum Cognitivo, para tomar decisões, os enfermeiros utilizam-se do raciocínio clínico que envolve um pensamento ordenado e intencional, fundamentado nos conhecimentos teóricos e práticos e na experiência pessoal e profissional11 Standing M. Clinical judgment and decision-making in nursing - nine modes of practice in a revised cognitive continuum. J Adv Nurs. 2008;62 (1):124-34. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2007.04583.x
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. Na triagem, a tomada de decisão é influenciada por sistemas de apoio ao julgamento clínico, pelo julgamento intuitivo e reflexivo e pela avaliação por pares envolvendo enfermeiro e paciente22 Smith A. Using a theory to understand triage decision making. Int Emerg Nurs. 2013;21:113-7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ienj.2012.03.003
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.

Os sistemas de apoio ao julgamento referem-se ao uso das escalas ou sistemas de triagem que norteiam o enfermeiro na avaliação da queixa apresentada pelo paciente. O julgamento intuitivo e o reflexivo são fortemente influenciados pelo tempo de experiência profissional do enfermeiro e pelo uso das experiências anteriores para julgar novos casos e tomar decisões. A avaliação por pares envolvendo enfermeiro e paciente implica na certificação da credibilidade da queixa apresentada pelo paciente, envolvendo-o no processo de avaliação e confirmação dos achados clínicos que sustentam a tomada de decisão acerca do nível de prioridade22 Smith A. Using a theory to understand triage decision making. Int Emerg Nurs. 2013;21:113-7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ienj.2012.03.003
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No que se refere aos sistemas de apoio, sistemas ou protocolos de triagem têm sido desenvolvidos para guiar a avaliação do enfermeiro33 Farrohknia N, Castrén M, Ehrenberg A, Lind L, Oredsson S, Jonsson H, et al. Emergency Department Triage Scales and Their Components: a systematic review of the scientific evidence. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2015;19(42):2-13. doi: http://dx.doi.org/10.1186/1757-7241-19-42
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. Dentre estes, destaca-se o Sistema de Triagem de Manchester (STM), que estratifica em cinco os níveis de gravidade e atribui, a cada nível, cor e tempo-alvo para atendimento médico. É estruturado em fluxogramas com discriminadores que orientam a coleta e análise de informações para a definição da prioridade clínica do paciente44 Mackway-Jones K, Marsden J, Windle J. Emergency triage. 3th ed. Manchester: BMJ Books; 2014. doi: http://dx.doi.org/10.1002/9781118299029
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.

Em um contexto de demanda por serviços maior que a oferta e com recursos limitados de atendimento, a triagem dos pacientes deve acontecer de forma acurada para garantir o cuidado de acordo com a real necessidade do paciente55 Stanfield LM. Clinical decision making in triage: an integrative review. J Emerg Nurs. 2015;41(5):396-403. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jen.2015.02.003
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. Assim, a tomada de decisão do enfermeiro na classificação de risco deve ser guiada por um sistema de apoio confiável, capaz de mensurar com precisão o grau de prioridade do paciente.

A confiabilidade é considerada o principal critério para testar a qualidade dos instrumentos de medida. Trata-se da habilidade do instrumento mensurar, de forma consistente e acurada, aquilo que pretende medir e reproduzir um resultado de forma consistente no tempo e no espaço ou com observadores diferentes66 DeVon HA, Block ME, Moyle-Wright P, Ernst DM, Hayden SJ, Lazzara DJ, et al. A psychometric toolbox for testing validity and reliability. J Nurs Scholarsh. [Internet]. 2007 May 23 [cited Feb 20, 2017];39(2):155-64. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17535316
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.

Apesar do STM ter sido desenvolvido há duas décadas e ser amplamente utilizado em diferentes países como sistema de apoio ao enfermeiro para tomada de decisão na triagem, sua confiabilidade tem sido pouco questionada77 Mirhaghi A, Mazlom R, Heydari A, Ebrahimi M. The Reliability of the Manchester Triage System (MTS): A Meta-analysis. J Evid Based Med. 2016;Sep 9. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jebm.12231
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. Uma revisão integrativa apontou que a confiabilidade do STM variou de moderada a quase perfeita, o que mostra a necessidade de novos estudos para identificar modificações necessárias no protocolo e aumentar a segurança na gestão do risco clínico dos pacientes em serviços de urgência88 Souza CC, Araújo FA, Chianca TC. Scientific literature on the reliability and validity of the Manchester triage system (MTS) Protocol: a integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):144-51. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000100019
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.

Verificam-se variações nos estudos sobre a confiabilidade do STM que indicam lacuna sobre a real confiabilidade desta escala de triagem77 Mirhaghi A, Mazlom R, Heydari A, Ebrahimi M. The Reliability of the Manchester Triage System (MTS): A Meta-analysis. J Evid Based Med. 2016;Sep 9. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jebm.12231
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-88 Souza CC, Araújo FA, Chianca TC. Scientific literature on the reliability and validity of the Manchester triage system (MTS) Protocol: a integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):144-51. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000100019
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. Sendo assim, questiona-se: Qual a confiabilidade do STM para determinar o grau de prioridade do paciente, considerando a concordância interna e entre enfermeiros que utilizam este protocolo? Assim, delineou-se este estudo com objetivo de analisar a confiabilidade do STM para determinar o grau de prioridade de pacientes em serviços de urgência.

Método

Trata-se de estudo de confiabilidade, realizado em parceria com o Grupo Brasileiro de Classificação de Risco (GBCR), que é o responsável pela capacitação dos enfermeiros brasileiros no uso e na auditoria do STM.

A população do estudo foi composta por enfermeiros habilitados pelo GBCR entre janeiro de 2008 e agosto de 2014 para usar o STM na prática clínica (N=11.711). A habilitação foi obtida no curso de classificador ministrado por médicos e enfermeiros do GBCR, na modalidade presencial, com duração de 12 horas. Ao final, os enfermeiros realizaram uma avaliação teórica e os que atingiram índice de aproveitamento maior ou igual a 60%, foram considerados aptos a utilizar o STM na prática clínica. Foram incluídos no estudo os enfermeiros que possuíam endereço eletrônico válido e habilitados no curso de classificador (n= 6.227 enfermeiros).

A amostra foi calculada considerando intervalo de confiança de 95%, margem de erro de 5%, estimativa de acertos entre observadores e padrão ouro de 75% e estimativa de acertos intraobservadores de 85%. A estimativa de acertos utilizada foi baseada em estudo de referência previamente realizado99 Storm-Versloot MN, Ubbink DT, Chin a Choi V, Luitse JS. Observer agreement of the Manchester Triage System and the Emergency Severity Index: a simulation study. Emerg Med J. 2009;26(8):556-60. doi: http://dx.doi.org/10.1136/emj.2008.059378
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. Assim, para mensurar a confiabilidade externa do STM, a amostra mínima necessária foi de 273 enfermeiros e para mensurar a confiabilidade interna de 152 enfermeiros.

Entretanto, cabe ressaltar que a amostra obtida no presente estudo foi maior do que o mínimo necessário. A amostra final atingida foi de 361 enfermeiros para mensuração da confiabilidade externa do STM e de 153 enfermeiros para avaliação da confiabilidade interna. Estes eram enfermeiros de 21 diferentes estados brasileiros, sendo a maior parcela dos respondentes dos estados de Minas Gerais (93-25,76%), São Paulo (49-13,58%), Distrito Federal (45-12,46%), Espírito Santo (45-12,46%), Rio Grande do Sul (31-8,59%), Ceará (26-7,20%), Santa Catarina (23-6,37%) e o restante (49-13,58%) dos estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Sergipe.

A confiabilidade do STM foi mensurada pelo parâmetro da estabilidade, que consiste na administração do mesmo instrumento aos mesmos sujeitos sob condições semelhantes em duas ou mais ocasiões1010 Alexandre NMC, Gallasch CH, Lima MHM, Rodrigues RCM. Reliability in the development and evaluation of measurement instruments in the health field. Rev Eletr Enferm. 2013;15(3):802-9. doi: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i3.20776
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. Casos clínicos foram avaliados por enfermeiros em dois momentos distintos (teste e reteste).

A coleta dos dados foi realizada entre os meses de setembro de 2014 e agosto de 2015 e envolveu três etapas. A primeira consistiu na obtenção e validação dos casos clínicos. Foi obtido, com o GBCR, um total de 40 casos, que correspondia ao total de casos utilizados à época para capacitação dos enfermeiros brasileiros no uso do STM. Os casos foram validados quanto ao conteúdo por um grupo de três especialistas habilitados no uso do STM na prática clínica e com publicações sobre o STM, dois com experiência profissional no uso do protocolo na prática clínica e um com experiência no ensino e orientação de projetos de pesquisa envolvendo o STM.

Para validação dos casos clínicos foi utilizada a versão II da Escala de Acurácia de Diagnósticos de Enfermagem1111 Matos FGOA, Cruz DALM. Development of an instrument to evaluate diagnosis accuracy. Rev Esc Enferm USP. 2009;43:1088-97. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342009000500013
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, adaptada para o estudo após consentimento das autoras a fim de identificar o grau em que um conjunto de pistas descritas em cada caso clínico permitia a identificação do nível de risco do paciente, seguindo o STM. Para cada caso clínico, os especialistas avaliaram a presença, relevância, especificidade e coerência das pistas de acordo com o desfecho clínico (nível de risco do paciente). Os escores de acurácia da escala variam de zero a 13,5, indicando desde acurácia nula até alta acurácia. Foram considerados válidos os casos clínicos em que os especialistas concordaram em 100% que as pistas descritas eram de alta acurácia (n= 28).

Na segunda etapa da coleta dos dados foi feito o teste para avaliação da confiabilidade externa do STM, mensurada pela concordância entre os enfermeiros e o padrão ouro na indicação, para cada caso clínico, do fluxograma, discriminador e nível de risco. O padrão ouro do estudo foi o gabarito dos casos clínicos fornecido pelo GBCR. Para a coleta dos dados, utilizou-se o software eletrônico SurveyGizmo® com questionários eletrônicos autoaplicados usando como plataforma computadores conectados à internet. O link para acesso aos instrumentos de coleta de dados foi enviado para o e-mail dos enfermeiros participantes do estudo (n=6.227) através da ferramenta MailChimp®. Ao acessar o link, o enfermeiro era direcionado ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, caso aceitasse participar do estudo, era direcionado para a página inicial, contendo instruções sobre como proceder para responder às questões. Foram configurados no sistema SurveyGizmo® dois instrumentos de coleta de dados intitulados “Casos clínicos” e “Perfil profissional dos enfermeiros”.

O instrumento “Casos clínicos” continha os 28 casos clínicos validados. Para cada caso clínico, o enfermeiro deveria indicar o fluxograma, discriminador e nível de risco utilizando o STM. Todas as respostas foram pré-formatadas e não foram permitidas respostas discursivas. Ao clicar no campo “Fluxograma” era disponibilizada a listagem dos 50 fluxogramas existentes no STM. Foram excluídos os dois fluxogramas do STM relacionados ao atendimento a catástrofes. Ao clicar no fluxograma escolhido, era disponibilizado o organograma específico daquele fluxograma, bem como a definição dos discriminadores, tal como consta na versão impressa do STM. Uma vez escolhido o discriminador da classificação, o enfermeiro indicava o nível de risco do paciente.

O instrumento “Perfil profissional dos enfermeiros” continha 13 questões agrupadas em dois blocos: o de perguntas referentes ao perfil demográfico e de formação do enfermeiro e o de perguntas referentes à experiência clínica do enfermeiro na enfermagem, em serviços de urgência e emergência, e na classificação de risco.

Na terceira etapa da coleta dos dados foi feito o reteste para avaliação da confiabilidade interna do STM, mensurada pela concordância intraobservadores. Foi utilizada a mesma estratégia de coleta de dados descrita na etapa dois do estudo. Todos os enfermeiros que responderam ao questionário na segunda etapa de coleta de dados (n=361) foram convidados a participar desta etapa do estudo respondendo novamente ao instrumento “Casos clínicos”, sendo-lhes ocultada a primeira classificação.

Os dados coletados foram tabulados e submetidos a análises uni e bivariadas utilizando o programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 19.0.

Para traçar o perfil profissional dos enfermeiros, utilizou-se estatística descritiva com distribuição de frequência. Para avaliar se o número de acertos na indicação do fluxograma e do discriminador influencia a escolha correta do nível de risco, empregou-se análise de regressão linear. Para esta análise, a variável dependente foi “número de acertos na escolha do nível de risco” e as variáveis independentes “número de acertos na escolha do fluxograma” e “número de acertos na escolha do discriminador”. Avaliou-se também o quanto a escolha correta do fluxograma influenciou na indicação correta do discriminador. Para esta análise, a variável dependente foi “número de acertos na escolha do discriminador” e a variável independente foi “número de acertos na escolha do fluxograma”.

Os valores de undertriage e overtriage que traduzem, respectivamente, a porcentagem de pacientes triados pelos enfermeiros para níveis de menor e maior gravidade, quando comparados ao padrão ouro, foram mensurados utilizando estatística descritiva com cálculo do % de concordância entre os enfermeiros e o padrão ouro na escolha do nível de risco.

A confiabilidade externa e interna do STM foi avaliada através do índice de concordância Kappa linear e não ponderado, que mede a concordância intraobservadores ou entre observadores além do esperado pelo acaso em que sejam submetidos o mesmo número de sujeitos. A concordância foi considerada: nula (k=0); pobre (0,01 - 0,19); fraca (0,20 - 0,39); moderada (0,40 - 0,59); substancial (0,60 - 0,79); e quase perfeita (0,80 - 1)1212 Cohen JA. A coefficient of agreement for nominal scales. Educ Psychol Meas. 1960 Apr 1 [cited Feb 2, 2017];20(1):37-46. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/001316446002000104?journalCode=epma
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.

Para avaliar a associação entre a confiabilidade externa e interna do STM e as variáveis do perfil profissional, utilizou-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis e, para os casos de mais de 2 grupos em que foram encontradas diferenças significativas, o teste não paramétrico de Mann-Whitney com correção de Bonferroni.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (Parecer Etic Nº 816.372) e seguiu o disposto na Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde sobre Pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Dos 361 enfermeiros que participaram do estudo, a maioria (294 - 81,44%) era do sexo feminino, com idade entre 23 e 62 anos (média: 34,16 anos + 8,17 anos). A Tabela 1 mostra a caracterização dos enfermeiros do estudo, segundo as variáveis do perfil profissional investigadas.

Tabela 1
Perfil profissional dos enfermeiros do estudo (n=361). Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015

A Tabela 2 mostra os valores da média e variações dos acertos dos enfermeiros em relação ao padrão ouro na escolha do fluxograma, discriminador e nível de risco, considerando os 28 casos avaliados.

Tabela 2
Acerto dos enfermeiros com o padrão ouro na indicação do fluxograma, discriminador e nível de risco (n=361). Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015

A análise de regressão linear mostrou que há relação direta entre o número de acertos do fluxograma e do discriminador e a indicação do nível de risco (p <0,0001). A variação de acertos na escolha do fluxograma explicou 16% da variação de acertos do nível de risco (R²=0,16; p<0,0001; IC 95%: 0,39-0,62), ao passo que a indicação correta do discriminador explicou 77% dos acertos do nível de risco (R²=0,77; p<0,0001; IC 95%: 0,67-0,76). A variação de acertos na escolha do fluxograma explicou 23% da variação no acerto dos discriminadores (R²=0,23; p< 0,0001; IC 95%: 0,60-0,88), comprovando a segurança do protocolo na determinação do nível de prioridade a partir de diferentes fluxogramas de apresentação, já que há queixas que podem ser avaliadas utilizando diferentes fluxogramas de apresentação.

Tanto na avaliação da confiabilidade externa como interna do STM, a overtriage foi mais frequente no nível V de gravidade (cor azul), ocorrendo em 17% a 18% dos casos. A undertriage foi mais frequente no nível II de gravidade (cor laranja), ocorrendo em 27% dos casos. Em sua maioria, os pacientes foram triados para um nível acima e um nível abaixo da gravidade real do caso.

A confiabilidade externa e interna do STM foi mensurada pelo cálculo do índice kappa para a escolha do fluxograma, discriminador e nível de risco (Tabela 3).

Para a escolha do fluxograma e do nível de risco, o STM apresenta uma concordância substancial. Para a escolha do discriminador, a concordância é moderada. Procedeu-se à investigação para verificar a associação entre os valores de kappa e as variáveis do perfil profissional. A Tabela 4 apresenta as variáveis em que foram encontradas associações significativas entre os valores de Kappa e a escolha do fluxograma e discriminador de classificação na avaliação da confiabilidade externa do STM. Não foi encontrada associação entre as variáveis do perfil profissional e a concordância na escolha do nível de risco na avaliação da confiabilidade externa do STM.

Tabela 3
Confiabilidade externa (n=361) e interna (n=153) do Sistema de Triagem de Manchester: valores de Kappa. Nível de significância: p < 0,001. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015

Tabela 4
Confiabilidade externa do Sistema de Triagem de Manchester: fatores associados à concordância entre enfermeiros e padrão ouro na escolha do fluxograma e discriminador (n=361). Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015

Na avaliação da confiabilidade externa do STM para escolha do fluxograma de classificação, enfermeiros que possuem entre cinco e dez anos de experiência em serviços de urgência e emergência apresentaram maior concordância com o padrão ouro, quando comparados àqueles com menos de um ano de experiência, mas, para ambos os grupos, a concordância foi substancial (Tabela 4).

Para a escolha do discriminador, enfermeiros com menos de um ano de experiência profissional apresentaram menor concordância com o padrão ouro, quando comparados aos demais grupos. De modo semelhante, enfermeiros com menos de um ano de experiência em serviços de urgência e emergência concordaram menos com o padrão ouro na escolha do discriminador, quando comparados àqueles que possuem entre um e cinco e entre cinco e dez anos de experiência e, quanto maior o tempo de experiência, maiores os valores de kappa encontrados. Não houve diferença entre os que nunca atuaram e os que atuam há menos de um ano na classificação de risco e a concordância com o padrão ouro na escolha do discriminador de classificação. No entanto, quem atua há menos de um ano obteve maior concordância com o padrão ouro do que os que atuam há mais de dez anos. Enfermeiros com tempo de experiência na classificação de risco entre cinco e dez anos apresentaram os maiores valores de kappa com o padrão ouro na escolha do discriminador (Tabela 4).

A confiabilidade interna do STM foi avaliada por 153 (42,4%) dos 361 enfermeiros que avaliaram a confiabilidade externa do STM e a concordância encontrada variou de moderada a substancial (Tabela 3). A maior parcela dos enfermeiros que participaram desta etapa do estudo possuía entre um e cinco anos de experiência profissional como enfermeiro (43,8%), em serviços de urgência e emergência (58,2%), e na classificação de risco (59,5%). A Tabela 5 mostra as variáveis em que foram encontradas associações significativas entre os valores de Kappa e a escolha do fluxograma, discriminador e nível de risco.

Tabela 5
Confiabilidade interna do Sistema de Triagem de Manchester: fatores associados à concordância na escolha do fluxograma, discriminador e nível de risco (n=153). Belo Horizonte, MG, Brasil, 2015

O tempo de experiência profissional influenciou na concordância interna do STM. Na escolha do fluxograma de classificação, enfermeiros que possuem entre um e cinco anos de experiência prática na classificação de risco apresentaram concordância quase perfeita, quando comparados àqueles com menos de um ano ou que nunca atuaram na classificação de risco. Na escolha do discriminador, enfermeiros que possuem entre um e cinco anos de experiência em serviços de urgência e emergência apresentaram valores médios de kappa maiores do que aqueles que possuem menos de um ano de experiência. De forma semelhante, enfermeiros que possuem entre um e cinco anos de experiência na classificação de risco apresentaram kappa médio maior do que aqueles que nunca atuaram e do que aqueles com menos de um ano de experiência neste cenário de prática (Tabela 5).

Discussão

Dos enfermeiros que participaram deste estudo, a maioria (79,23%) possui entre um e dez anos de graduação, 66,48% afirmam não ter tido nenhum conteúdo sobre classificação de risco durante a formação e 78,12% não tiveram nenhum conteúdo sobre o STM durante a graduação. Para tomar a decisão na classificação de risco, o enfermeiro integra a avaliação da queixa apresentada pelo paciente com o seu conhecimento adquirido durante a formação e a vida profissional, bem como o ambiente de cuidado no qual está inserido55 Stanfield LM. Clinical decision making in triage: an integrative review. J Emerg Nurs. 2015;41(5):396-403. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jen.2015.02.003
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. Assim, embora seja necessário ser habilitado pelo GBCR para utilizar o STM na prática clínica, recomenda-se que conteúdos sobre a classificação de risco e escalas de triagem, em especial o STM, sejam incluídos nas disciplinas obrigatórias de formação do enfermeiro desde a graduação.

As escalas ou sistemas de triagem compõem os sistemas de apoio à tomada de decisão do enfermeiro na triagem22 Smith A. Using a theory to understand triage decision making. Int Emerg Nurs. 2013;21:113-7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ienj.2012.03.003
https://doi.org/10.1016/j.ienj.2012.03.0...
. Neste estudo, foi avaliada a confiabilidade do STM. A escolha correta do fluxograma explicou 16% da variação na indicação correta do nível de risco, enquanto a escolha correta do discriminador de classificação explicou 77% da variação na indicação correta do nível de risco (p<0,0001). Este achado mostra que, assim como prevê o STM, o enfermeiro pode escolher fluxogramas parecidos na avaliação de uma queixa que irão conduzir ao mesmo nível de risco, o que garante a segurança do protocolo. Isso porque muitas queixas podem levar à escolha de mais de um fluxograma de apresentação. Desconhecem-se estudos anteriores nacionais e internacionais que tenham comprovado esta segurança por meio de análises envolvendo testes estatísticos.

Tanto na avaliação da confiabilidade externa quanto na avaliação da confiabilidade interna do STM, ocorreram casos de overtriage e de undertriage, sendo mais frequentes os casos de overtriage. Resultado semelhante foi encontrado em estudo de meta-análise, em que a frequência de overtriage utilizando o STM foi de 46,65 e a de undertriage foi de 12,86%55 Stanfield LM. Clinical decision making in triage: an integrative review. J Emerg Nurs. 2015;41(5):396-403. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jen.2015.02.003
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. O STM é útil na triagem de pacientes em serviços de urgência, mas a classificação de pacientes para níveis acima ou abaixo do real ainda ocorre, sendo mais frequentes os casos de overtriage1313 Zachariasse JM, Seiger N, Rood PPM, Alves CF, Freitas P, Smit FJ, et al. Validity of the Manchester Triage System in emergency care: a prospective observational stydy. PLoS One. 2017; 12(2):e0170811. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0170811
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. A triagem de pacientes acima do nível de prioridade correto pode levar ao uso desnecessário de recursos em serviços de urgência e emergência1414 Parenti N, Reggiani ML, Iannone P, Percudani D, Dowding D. A systematic review on the validity and reliability of an emergency department triage scale, the Manchester Triage System. Int J Nurs Stud. 2014;51(7):1062-9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2014.01.013
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. Já uma subestimação do nível de risco pode aumentar o risco de consequências adversas aos pacientes, como atraso no atendimento e não utilização de recursos necessários à sua gravidade em tempo adequado1515 Coutinho AAP, Cecílio LCO, Mota JAC. Risk classification in emergency care departments: A discussion of the literature on the Manchester Triage System. Rev Med Minas Gerais. [Internet].2012 Jun [cited Mar 13, 2017];22(2):188-98. Available from: http://rmmg.org/artigo/detalhes/101
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.

Os valores de kappa encontrados apontam que a confiabilidade externa e interna do STM variou de moderada a substancial, com valores ligeiramente mais elevados de kappa para a concordância intraobservadores (Tabela 3). Estudo de meta-análise conduzido para avaliar a confiabilidade do STM encontrou que a concordância global do STM foi substancial (k=0,75). No entanto, os autores ressaltaram que nos estudos avaliados foi utilizado o kappa ponderado, que superestima a confiabilidade. Sendo assim, é mais prudente considerar que a confiabilidade atual do STM é moderada. Nesse estudo, a concordância intraobservadores também foi maior e quase perfeita do que a concordância interobservadores. A confiabilidade entre enfermeiros foi substancial (k=0,78) e entre enfermeiros e especialista expert foi quase perfeita (k=0,86). A concordância foi quase perfeita nos estudos que a mensuraram pela avaliação de pacientes na prática clínica (k=0,86) e substancial nos estudos que avaliaram a concordância pela avaliação de casos clínicos (k=0,76)77 Mirhaghi A, Mazlom R, Heydari A, Ebrahimi M. The Reliability of the Manchester Triage System (MTS): A Meta-analysis. J Evid Based Med. 2016;Sep 9. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jebm.12231
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.

Em estudo de revisão integrativa da literatura, a concordância entre enfermeiros e o padrão ouro utilizando o STM variou de moderada a quase perfeita (k: 0,40 - 0,81) e a concordância intraobservadores variou de substancial a quase perfeita (k: 0,65 - 0,84)88 Souza CC, Araújo FA, Chianca TC. Scientific literature on the reliability and validity of the Manchester triage system (MTS) Protocol: a integrative literature review. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):144-51. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000100019
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. Observou-se larga variação na confiabilidade entre observadores utilizando o STM, com valores de kappa entre 0,31 (concordância pobre) e 0,81 (concordância quase perfeita), com prevalência de estudos que apontam para uma concordância de boa a muito boa. A variação observada nos valores de kappa foi atribuída às diferenças nas populações estudadas, entre os avaliadores que utilizam o STM, e no modo como o STM é aplicado nos locais estudados1414 Parenti N, Reggiani ML, Iannone P, Percudani D, Dowding D. A systematic review on the validity and reliability of an emergency department triage scale, the Manchester Triage System. Int J Nurs Stud. 2014;51(7):1062-9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2014.01.013
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.

Estudo realizado na Alemanha mostrou que a concordância entre enfermeiros para a versão alemã do STM foi quase perfeita (Kappa = 0,95)1616 Gräff I, Goldschmidt B, Glien P, Bogdanow M, Fimmers R, Hoeft A, et al. The German Version of the Manchester Triage System and its quality criteria: first assessment of validity and reliability. PLoS ONE. 2014;9(2):e88995. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0088995
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. Esta é a maior concordância encontrada em todos os estudos disponíveis na literatura que avaliaram a confiabilidade do STM. Cabe ressaltar que, diferentemente da versão portuguesa do STM utilizada no Brasil, a versão alemã foi submetida a processo de adaptação cultural que resultou em alterações de linguagem nos fluxogramas de apresentação e na definição dos discriminadores. Assim, sugere-se a realização de estudo que trate da adaptação cultural e validação do STM para uso no Brasil, de modo a aumentar a confiabilidade do protocolo.

O julgamento intuitivo e reflexivo, componentes que envolvem a tomada de decisão na triagem, é fortemente influenciado pela experiência profissional do enfermeiro22 Smith A. Using a theory to understand triage decision making. Int Emerg Nurs. 2013;21:113-7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ienj.2012.03.003
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. Corroborando com esta teoria, neste estudo, as variáveis tempo de experiência profissional como enfermeiro, experiência como enfermeiro em serviços de urgência e emergência e experiência como enfermeiro na classificação de risco foram associadas à confiabilidade externa e interna do STM. De modo geral, enfermeiros que possuem entre um e cinco anos e entre cinco e dez anos de experiência obtiveram maiores níveis de concordância entre si e com o padrão ouro.

No Brasil, embora haja recomendação informal de que o enfermeiro deva ter experiência prévia em serviços de urgência para atuar na classificação de risco, esta não é uma exigência regulamentada pelo conselho da classe. Na Itália, é exigido que os enfermeiros tenham experiência mínima de seis meses para realizarem a triagem de pacientes em serviços de urgência1717 Palma E, Antonaci D, Colì A, Cicolini G. Analysis of emergency medical services triage and dispatch errors by registered nurses in Italy. J Emerg Nurs. 2014;40(5):476-83. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jen.2014.02.009
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A experiência profissional tem sido apontada na literatura como fator que influencia a tomada de decisão do enfermeiro na triagem. Os enfermeiros utilizam o conhecimento e experiências anteriores para fazer inferências e triar novos casos22 Smith A. Using a theory to understand triage decision making. Int Emerg Nurs. 2013;21:113-7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ienj.2012.03.003
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,55 Stanfield LM. Clinical decision making in triage: an integrative review. J Emerg Nurs. 2015;41(5):396-403. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jen.2015.02.003
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,1818 Clarke DE, Boyce-Gaudreau K, Sanderson A, Baker JA. ED triage decision-making with mental health presentations: a "think aloud" study. J Emerg Nurs. 2015;41(6):496-502. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jen.2015.04.016
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. A correta classificação de risco depende do treinamento e da experiência do enfermeiro na aplicação do STM1515 Coutinho AAP, Cecílio LCO, Mota JAC. Risk classification in emergency care departments: A discussion of the literature on the Manchester Triage System. Rev Med Minas Gerais. [Internet].2012 Jun [cited Mar 13, 2017];22(2):188-98. Available from: http://rmmg.org/artigo/detalhes/101
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Cabe ressaltar que a literatura disponível não é conclusiva sobre a quantidade de tempo de experiência necessária para garantir a competência do enfermeiro da triagem. Este é o primeiro estudo brasileiro que investigou e encontrou associação entre a experiência profissional e a confiabilidade externa e interna do STM. Em estudo que avaliou a experiência do enfermeiro na triagem e a habilidade no uso correto do STM, os valores de Kappa entre os enfermeiros e o padrão ouro foi maior quanto à experiência do enfermeiro com o STM, mas não foi encontrada diferença significativa entre as categorias de tempo de experiência na triagem analisadas99 Storm-Versloot MN, Ubbink DT, Chin a Choi V, Luitse JS. Observer agreement of the Manchester Triage System and the Emergency Severity Index: a simulation study. Emerg Med J. 2009;26(8):556-60. doi: http://dx.doi.org/10.1136/emj.2008.059378
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. A combinação entre o uso do STM, a experiência do enfermeiro na avaliação de pacientes criticamente enfermos e fatores organizacionais representaram 65% da segurança na triagem correta do paciente. A experiência dos enfermeiros contribui para maior segurança do paciente do que o próprio sistema de triagem utilizado, que não pode substituir completamente as habilidades clínicas que o enfermeiro experiente desenvolve ao longo dos anos na profissão1919 Forsman B, Forsgren S, Carlström ED. Nurses working with Manchester triage - The impact of experience on patient security. Australas Emerg Nurs J. 2012;15(2):100-7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.aenj.2012.02.001
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.

Assim, recomenda-se a realização de novas pesquisas que visem verificar a associação entre o tempo de experiência profissional como enfermeiro, de experiência em serviços de urgência e emergência e de experiência na classificação de risco com a habilidade na utilização do STM na prática clínica. Também faz-se necessário investigar a relação entre o tempo de experiência no uso do STM e a habilidade na utilização correta do mesmo na prática clínica.

Outros estudos têm mostrado que o STM extrapola seu objetivo central que é o de estabelecer prioridade para tratamento imediato1313 Zachariasse JM, Seiger N, Rood PPM, Alves CF, Freitas P, Smit FJ, et al. Validity of the Manchester Triage System in emergency care: a prospective observational stydy. PLoS One. 2017; 12(2):e0170811. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0170811
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,2020 Santos AP, Freitas P, Martins HMG. Manchester Triage System version II and resource utilisation in the emergency department. Emerg Med J. 2014. 31:148-52. doi: http://dx.doi.org/ 10.1136/emermed-2012-201782
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-2121 Gräff I, Goldschmidt B, Glien P, Klockner S, Erdfelder F, Schiefer JL, et al. Nurse Staffing Calculation in the Emergency Department - Performance-Oriented Calculation Based on the Manchester Triage System at the University Hospital Bonn. PLoS ONE. 2016;11(5):e0154344. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0154344
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Estudo realizado mostrou que a sensibilidade do STM para identificar pacientes que evoluíram para óbito ou que necessitaram de internação em unidades de terapia intensiva variou de 0,80 a 0,86 em adultos. Já a especificidade para mensurar os mesmos desfechos variou de 0,84 a 0,911313 Zachariasse JM, Seiger N, Rood PPM, Alves CF, Freitas P, Smit FJ, et al. Validity of the Manchester Triage System in emergency care: a prospective observational stydy. PLoS One. 2017; 12(2):e0170811. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0170811
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. Pacientes classificados como vermelho, laranja ou amarelo apresentaram risco 4,86 vezes maior de internação, 5,58 vezes maior de morrer e maior necessidade de realizar eletrocardiograma e exames laboratoriais quando comparados aos classificados como verde ou azul2020 Santos AP, Freitas P, Martins HMG. Manchester Triage System version II and resource utilisation in the emergency department. Emerg Med J. 2014. 31:148-52. doi: http://dx.doi.org/ 10.1136/emermed-2012-201782
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. Na Alemanha, estudo mostrou que quanto maior o nível de risco do paciente, maior o tempo de enfermagem despendido para assistência ao paciente, mostrando que o STM pode ser utilizado para subsidiar o cálculo do dimensionamento de pessoal de enfermagem em serviços de urgência e emergência2121 Gräff I, Goldschmidt B, Glien P, Klockner S, Erdfelder F, Schiefer JL, et al. Nurse Staffing Calculation in the Emergency Department - Performance-Oriented Calculation Based on the Manchester Triage System at the University Hospital Bonn. PLoS ONE. 2016;11(5):e0154344. doi: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0154344
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. Assim, percebe-se que o STM é capaz de prever, de forma precoce, as necessidades de cuidados nos serviços de urgência e emergência, bem como de direcionar a organização do cuidado e a gestão da clínica.

Uma limitação do estudo foi a utilização de casos clínicos em software, em detrimento da avaliação de pacientes na prática clínica ou em laboratório de simulação realística com pacientes padronizados. Entretanto, o atendimento a pacientes com instabilidade clínica requer avaliação clínica rápida e intervenções em tempos determinados de acordo com o nível de prioridade clínica, dificultando, assim, a apreensão dos dados de interesse do estudo. Sabe-se que a avaliação utilizando pacientes padronizados proporcionaria maior realismo e aproximação com o que ocorre na prática clínica. Entretanto, a coleta de dados utilizando a avaliação de pacientes na prática clínica ou com pacientes padronizados restringiria o número de enfermeiros participantes da pesquisa e os reduziria a uma amostra local. Assim, optou-se por trabalhar com uma amostra de enfermeiros maior, na tentativa de permitir a generalização dos resultados, e formatou-se o instrumento de coleta dos dados, de forma a refletir o processo de tomada de decisão do enfermeiro utilizando o STM, aproximando ao máximo do cenário da prática clínica. Não obstante, sugere-se a realização de estudos prospectivos utilizando a metodologia de simulação com pacientes padronizados no sentido de elucidar melhor os motivos que levam às discordâncias na classificação, bem como os elementos que influenciaram a tomada de decisão do enfermeiro.

Por fim, salienta-se que a atuação do enfermeiro na classificação de risco é complexa e que a tomada de decisão envolve, além dos elementos cognitivos, aspectos como a gestão do fluxo de atendimento e a organização da rede assistencial, que extrapolam o poder de governabilidade do enfermeiro. No entanto, o uso de um instrumento confiável é importante para a segurança do enfermeiro, tendo em vista que o protocolo é o seu sistema de apoio na tomada de decisão.

Conclusão

A confiabilidade externa e interna do STM variou de moderada a substancial, com valores de Kappa, respectivamente, entre 0,55 e 0,72 (p<0,001), e entre 0,57 e 0,78 (p<0,05). Este foi o primeiro estudo que avaliou a confiabilidade externa e interna do STM para indicação do fluxograma e do discriminador de classificação. A escolha correta do fluxograma explicou 16% da variação na indicação correta do nível de risco (R²: 0,16; p<0,0001), enquanto que a escolha correta do discriminador explicou 77% da escolha correta do nível de risco (R² = 0,77; p < 0,0001), comprovando a segurança do STM na determinação do nível de prioridade a partir de diferentes fluxogramas, já que algumas queixas apresentadas pelos pacientes podem conduzir à escolha de diferentes fluxogramas de apresentação.

Tanto na avaliação da confiabilidade externa quanto interna do STM ocorreram casos de overtriage e de undertriage, e as discordâncias ocorreram, respectivamente, para um nível acima e para um nível abaixo do nível de risco estabelecido como correto pelo padrão ouro. Recomenda-se a realização de estudos futuros que busquem compreender os motivos das discordâncias, de modo a traçar estratégias direcionadas ao aumento da confiabilidade da avaliação do enfermeiro no uso do STM.

Apenas as variáveis tempo de experiência profissional como enfermeiro, de experiência como enfermeiro em serviços de urgência e emergência e de experiência na classificação de risco foram associadas à confiabilidade externa e interna do STM. De modo geral, enfermeiros que possuem entre um e cinco anos e entre cinco e dez anos de experiência obtiveram maiores níveis de concordância entre si e com o padrão ouro. Estes achados apontam que a inserção do enfermeiro na prática clínica e a experiência prévia em serviços de urgência e na classificação de risco são importantes para a confiabilidade externa e interna do STM. No entanto, tendo em vista a escassez de literatura disponível que avalie a associação entre a experiência profissional e a confiabilidade externa e interna do STM, é precoce estabelecer relação de causalidade entre a experiência profissional e a acurácia do enfermeiro na utilização do STM. Assim, recomenda-se a realização de novas pesquisas que visem consolidar os achados deste estudo.

Agradecimento

Ao Grupo Brasileiro de Classificação de Risco, pela parceria e incentivo à pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2017
  • Aceito
    09 Jan 2018
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