Riscos de adoecimento no trabalho da equipe de enfermagem em um hospital psiquiátrico¹

RESUMO

Objetivo:

Analisar os riscos de adoecimento do trabalhador de enfermagem relacionados ao contexto de trabalho em um hospital psiquiátrico.

Método:

Estudo transversal e quantitativo, desenvolvido em um hospital psiquiátrico, com 74 trabalhadores de enfermagem. Utilizou-se a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho, que permite medir os riscos de adoecimento no trabalho. Realizaram-se análises descritivas por meio de média e desvio padrão. Para testar a confiabilidade dos dados, utilizou-se o teste alfa de Cronbach. A correlação entre os fatores do contexto de trabalho foi testada por meio do coeficiente de correlação de Spearmann.

Resultados:

A organização do trabalho foi considerada crítica, as relações socioprofissionais satisfatórias e as condições de trabalho graves para riscos de adoecimento no trabalho. Os itens repetitividade das tarefas, condições de trabalho que oferecem riscos à segurança dos trabalhadores, mobiliário e estrutura física do posto de trabalho inadequados, bem como existência de barulho no ambiente de trabalho, indicaram riscos severos à saúde dos trabalhadores.

Conclusão:

O fator condições de trabalho é o que mais contribui para o adoecimento do trabalhador de enfermagem.

Descritores:
Enfermagem; Condições de Trabalho; Saúde do Trabalhador; Saúde Mental; Recursos Humanos; Hospitais Psiquiátricos

ABSTRACT

Objective:

To analyze the risks of illnesses related to the work context of nursing workers in a psychiatric hospital.

Method:

Cross-sectional and quantitative study, developed in a psychiatric hospital with 74 nursing workers. The Work Context Assessment Scale was used to measure the risks of illness at work. Descriptive analyzes were performed with mean and standard deviation. To test the reliability of the data, the Cronbach’s alpha test was used. The correlation between the factors of the work context was tested using the Spearman correlation coefficient.

Results:

The organization of work was considered serious, social-professional relationships were considered satisfactory and working conditions were considered severe for risks of illness at work. The repetitiveness of tasks, work conditions that pose risks to safety, inadequate furniture and physical structure of the workplace, and the existence of noise in the work environment were indicated as severe risks to workers’ health.

Conclusion:

The factor working conditions is the one that contributes the most to illness among nursing workers.

Descriptors:
Nursing; Working Conditions; Occupational Health; Mental Health; Human Resources; Psychiatric Hospitals

RESUMEN

Objetivo:

analizar los riesgos que tiene un trabajador de enfermería de contraer una enfermedad ocupacional en el contexto de trabajo de un hospital psiquiátrico.

Método:

estudio transversal y cuantitativo, desarrollado en un hospital psiquiátrico, con 74 trabajadores de enfermería. Se utilizó la Escala de Avalúo del Contexto de Trabajo que permite medir los riesgos de adquirir una enfermedad en el trabajo. Se realizaron análisis descriptivos a través de media y desviación típica; para probar la fiabilidad de los datos se utilizó el test alfa de Cronbach; la correlación entre los factores del contexto de trabajo se probó mediante el coeficiente de correlación de Spearmann.

Resultados:

la organización del trabajo era crítica, las relaciones sociolaborales, satisfactorias y las condiciones de trabajo, graves, con riesgos de adquirir una enfermedad ocupacional. Los ítems repetitividad de las tareas, condiciones de trabajo que ofrecen riesgos a la seguridad de los trabajadores, mobiliario y estructura física del ambiente laboral inadecuados y existencia de ruidos en el ambiente de trabajo, indicaron riesgos severos para la salud de los trabajadores.

Conclusión:

el factor condiciones laborales es, entre los factores del contexto de trabajo, lo que más contribuye a la dolencia laboral de enfermería.

Descriptores:
Enfermería; Condiciones de Trabajo; Salud Laboral; Salud Mental; Recursos Humanos; Hospitales Psiquiátricos

Introdução

A avaliação dos serviços de saúde mental tornou-se constante nos últimos anos. Essas investigações, em parte, foram impulsionadas pelas mudanças ocorridas no modelo de cuidado, antes de base hospitalocêntrica, que hoje é baseado numa rede de atenção territorializada e de base comunitária. Nesse novo modelo de atenção, a qualificação, a saúde, a satisfação e o empenho do trabalhador estão diretamente relacionados com a qualidade dos serviços ofertados^1-2.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a prática de avaliação dos serviços de saúde mental³, reconhecendo o trabalho como fonte geradora ora de prazer ora de sofrimentos⁴. Porém, são identificadas na literatura nacional e internacional poucas discussões acerca do processo de trabalho de enfermagem, em especial, nos serviços de saúde mental⁵. Nesse sentido, diante da necessidade de novas abordagens de investigação em saúde do trabalhador⁶, este estudo avaliou o contexto de trabalho da enfermagem em um hospital psiquiátrico com vistas a analisar os riscos de adoecimento.

Este estudo justifica-se, ainda, porque, dentre as diversas categorias profissionais inseridas no setor saúde, os profissionais de enfermagem são os que apresentam maiores índices de acidentes ocupacionais e agravos à saúde, condição apontada como consequência do cuidado ininterrupto por 24 horas, o que implica em contato contínuo com o cliente e sua família, acarretando elevado desgaste e carga de trabalho⁷. Além disso, consta também, especialmente para os trabalhadores da enfermagem psiquiátrica, o fato de estarem expostos a maiores cargas de trabalho, condições de trabalho desfavoráveis que geram estresse, tensão emocional, esgotamento físico e mental, o que pode levar ao adoecimento do trabalhador¹. Tais dados são semelhantes aos achados em estudo realizado com farmacêuticos que, além de desempenharem suas funções com eficiência, evitando erros, encontram-se expostos aos fatores de estresse e à carga emocional de pacientes e famílias, além de estarem sob a pressão de responsabilidades empresariais, na França⁸.

No cerne dessa discussão, destaca-se que o contexto de trabalho é o espaço social no qual ocorrem as relações socioprofissionais, bem como processam-se a organização do trabalho e as condições de trabalho⁹. A organização do trabalho compreende questões referentes à sua divisão, hierarquia, produtividade, regras formais, jornada de trabalho, tempo para pausas e descanso, ritmos de trabalho, natureza da atividade e controle sobre o trabalho¹⁰. As relações socioprofissionais representam o modelo de gestão, comunicação e interação profissional no ambiente laboral¹¹. Já as condições de trabalho constituem o meio e a forma em que se desenvolve o trabalho, mediante a interação entre um conjunto de elementos e circunstâncias sociais, psíquicas, biológicas e materiais, influenciadas por fatores econômicos, organizacionais e técnicos¹².

Tendo em vista tais considerações, o objetivo deste estudo foi analisar os riscos de adoecimento do trabalhador de enfermagem relacionados ao contexto de trabalho em um hospital psiquiátrico.

Método

Trata-se de estudo transversal e quantitativo, desenvolvido em um hospital psiquiátrico, referência no atendimento aos pacientes com transtornos mentais, situado em Teresina, Piauí. A população do estudo foi constituída por 93 trabalhadores de enfermagem de ambos os sexos, que exerciam atividades assistenciais no hospital no período de coleta de dados. A coleta deu-se entre os meses de março e abril de 2016, em etapa única, por meio de entrevista. O critério de inclusão foi fazer parte da equipe de enfermagem, enquanto os de exclusão foram estar gozando de férias e licenças ou estar afastados das funções assistenciais.

Dos 93 trabalhadores de enfermagem elegíveis, 74 (82,2%) participaram do estudo. Três estavam de licença. As perdas correspondem a oito que se recusaram a participar e oito que não foram encontrados no período de coleta de dados.

Os resultados apresentados referem-se à Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), sub-escala integrante do Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento (ITRA) desenvolvido em 2003 por Ana Magnólia Mendes e Mário César Ferreira, validado posteriormente por Ana Magnólia Mendes e colaboradores nos anos de 2004 e 2006, sendo de domínio público¹¹. A EACT é uma escala do tipo Likert composta por 31 questões divididas em três fatores: organização do trabalho (11 questões), relações socioprofissionais (10 questões) e condições de trabalho (10 questões). Sua interpretação ocorre por questões (itens) e fatores¹¹, com a confiabilidade dos fatores avaliada estimando-se a consistência interna por meio do Coeficiente Alfa de Cronbach (α).

Os dados coletados foram analisados no software Statistical Packagem for Social Sciences (SPSS) versão 21.0, com realização de análises descritivas de cada item e posteriormente de cada fator, considerando médias aritméticas e desvios padrões (DP). A correlação entre os fatores da EACT foi analisada por meio do coeficiente de correlação de Spearmann.

A classificação do risco de adoecimento considerou os valores orientados pelos autores do instrumento: quando média acima de 3,70 - avaliação mais negativa, risco grave de adoecimento; entre 3,69 e 2,30 - avaliação moderada, risco crítico de adoecimento; abaixo de 2,29 - avaliação satisfatória, com o ambiente podendo favorecer a saúde do trabalhador¹¹.

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa, sob parecer número 1.434.109, após aquiescência do local onde se deu a coleta de dados. Todos os participantes do estudo leram, assinaram e receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Dentre os pesquisados, a maioria era do sexo feminino (91,9%, n=68), com média de idade de 49 anos (±9,22), sem companheiro (54,1%, n=40), de cor parda/amarela (65,8%, n=48). No tocante aos aspectos profissionais, eram 81,1% (n=60) auxiliar/técnico de enfermagem e 18,9% (n=14) enfermeiros, com tempo médio de atuação no serviço de 17,62 anos (±11,73), carga horária semanal de até 30 horas (70,3%, n=52), atuando em plantões noturnos (56,8%, n=42), sem outro vínculo (54,1%, n=40). Além disso, os pesquisados tinham práticas de atividade física (56,8%, n=42), com tempo livre para lazer (78,4%, n=58), e mostravam insatisfação com o sono (54%, n=40).

A Tabela 1, a seguir, mostra as médias, DP, a classificação de risco de adoecimento e o α dos fatores da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho, segundo a avaliação dos trabalhadores de enfermagem do hospital psiquiátrico.

Tabela 1
Classificação de risco por fator do contexto de trabalho de um hospital psiquiátrico. Teresina, PI, Brasil, 2016

Fator	Média	DP*	α†	Risco
Relações Socioprofissionais	2,28	0,820	0,775	Satisfatório
Organização do Trabalho	2,62	0,594	0,561	Crítico
Condições de Trabalho	3,74	1,073	0,905	Grave

• *DP - Desvio padrão; †α - Coeficiente alfa de Cronbach

Verificou-se que o fator organização do trabalho foi considerado crítico para o risco de adoecimento entre os trabalhadores de enfermagem. Os resultados para o fator relações socioprofissionais revelaram avaliação satisfatória. Por outro lado, o fator condições de trabalho foi o pior avaliado, considerado grave risco para o adoecimento do trabalhador de enfermagem do hospital psiquiátrico. A avaliação da consistência interna dos fatores da ECHT demonstrou valores aceitáveis para os fatores relações socioprofissionais e condições de trabalho. Mesmo os valores para o fator organização do trabalho sendo inferiores a 0,70, optou-se por manter esse fator nas análises.

A Tabela 2, a seguir, mostra as médias e a classificação de risco de adoecimento dos itens da EACT, segundo a opinião dos trabalhadores de enfermagem do hospital psiquiátrico.

Tabela 2
Avaliação dos fatores de risco para adoecimento relacionados ao contexto de trabalho da enfermagem em um hospital psiquiátrico. Teresina, PI, Brasil, 2016

Fatores de risco para adoecimento
Item	Média	DP*	Risco
Organização do Trabalho
As tarefas são repetitivas.	4,26	1,135	Grave
Existe fiscalização do desempenho.	3,24	1,515	Crítico
O número de pessoas é insuficiente para realizar as tarefas.	3,03	1,647	Crítico
Existe divisão entre quem planeja e executa.	2,82	1,658	Crítico
As tarefas são cumpridas com pressão de prazos.	2,68	1,689	Crítico
Os resultados esperados estão fora da realidade.	2,34	1,296	Crítico
As normas para execução das tarefas são rígidas.	2,28	1,350	Satisfatório
Existe forte cobrança por resultados.	2,26	1,228	Satisfatório
O ritmo do trabalho é excessivo.	2,08	0,99	Satisfatório
As tarefas executadas sofrem descontinuidade.	2,04	1,318	Satisfatório
Falta tempo para realizar pausas de descanso no trabalho.	1,77	1,129	Satisfatório
Relações Socioprofissionais
A comunicação entre funcionários é insatisfatória.	2,77	1,467	Crítico
Os funcionários são excluídos das decisões.	2,72	1,531	Crítico
Falta integração no ambiente.	2,57	1,580	Crítico
Falta apoio das chefias para meu desenvolvimento profissional.	2,41	1,404	Crítico
As tarefas não estão claramente definidas.	2,26	1,622	Satisfatório
Existem disputas profissionais no local de trabalho.	2,24	1,441	Satisfatório
Existem dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados.	2,22	1,388	Satisfatório
A autonomia é inexistente.	2,08	1,352	Satisfatório
As informações de que preciso para executar minhas tarefas são de difícil acesso.	1,81	1,224	Satisfatório
A distribuição das tarefas é injusta.	1,72	1,188	Satisfatório
Condições de Trabalho
As condições de trabalho oferecem riscos à segurança das pessoas.	4,27	1,162	Grave
O mobiliário existente no local de trabalho é inadequado.	3,92	1,478	Grave
Existe muito barulho no ambiente de trabalho.	3,86	1,388	Grave
O posto de trabalho é inadequado para a realização das tarefas.	3,81	1,477	Grave
Os equipamentos necessários para a realização das tarefas são precários.	3,69	1,507	Crítico
As condições de trabalho são precárias.	3,64	1,278	Crítico
O ambiente físico é desconfortável.	3,64	1,652	Crítico
O espaço físico para realizar o trabalho é inadequado.	3,58	1,588	Crítico
O material de consumo é insuficiente.	3,53	1,519	Crítico
Os instrumentos de trabalho são insuficientes para realizar as tarefas.	3,46	1,510	Crítico

• *DP - Desvio padrão

No contexto de trabalho da enfermagem no hospital psiquiátrico, os itens referentes à repetitividade das tarefas, às condições de trabalho que oferecem riscos à segurança dos trabalhadores, ao mobiliário e estrutura física do posto de trabalho inadequado e à existência de barulho no ambiente de trabalho foram os que contribuíram como risco grave para o adoecimento do trabalhador.

A Tabela 3 apresenta a matriz de correlação entre os fatores organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho.

Tabela 3
Matriz de correlação entre os fatores do contexto de trabalho da enfermagem em um hospital psiquiátrico. Teresina, PI, Brasil, 2016

Fator	Organização do Trabalho	Relações Socioprofissionais	Condições de Trabalho
Organização do Trabalho	1,000
Relações Socioprofissionais	0,271*	1,000
Condições de Trabalho	- 0,075	0,221	1,000

• *A correlação foi significativa no nível 0,05.

O fator organização do trabalho apresentou correlação baixa e direta com o fator relações socioprofissionais (r = 0,271; p < 0,05). Isso significa dizer que quanto mais negativa é a avaliação do fator organização do trabalho mais negativa será a avaliação para o fator relações socioprofissionais.

Discussão

A EACT é constituída por três fatores interdependentes: organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho¹¹. A discussão de cada um dos fatores será apresentada sequencialmente, considerando-se o risco de adoecimento do trabalhador de enfermagem do hospital psiquiátrico.

A organização do trabalho na instituição psiquiátrica pesquisada demonstrou risco crítico para o adoecimento do trabalhador de enfermagem, resultado semelhante ao encontrado em estudo em um serviço de hemodiálise⁶, com trabalhadores da saúde da atenção básica⁹, ainda considerado positivo diante da avaliação grave feita por enfermeiros intensivistas⁴. Esse resultado é um sinal de alerta, um indicador de uma situação-limite, que porventura possa potencializar o sofrimento laboral, requerendo assim imediatas atitudes para o enfrentamento.

Dentre os 11 itens avaliados para o fator organização do trabalho, o que obteve maior média, indicando risco de adoecimento, foi “as tarefas são repetitivas”, condição também observada em outros estudos com trabalhadores de enfermagem^6,13 e com trabalhadores da saúde^9,14. A repetitividade das tarefas, avaliada como grave risco de adoecimento na organização do trabalho da enfermagem na instituição psiquiátrica, merece destaque, tendo em vista que se trata de uma condição apontada em estudos como desencadeadora de lesões musculoesqueléticas, fadiga, tédio, raiva e cansaço^6,15-16.

Pesquisa em hospital psiquiátrico mostrou que dentre os riscos ergonômicos a monotonia/repetitividade do trabalho é um dos fatores mais identificados pelos trabalhadores¹⁷. Essa situação pode estar relacionada à vivência que os trabalhadores de enfermagem possuem do mundo da enfermagem na saúde mental como corpo habitual encoberto por movimentos quotidianos e mecânicos, repleto de normas, rotinas e regras, pautado no fazer sem sentimentos¹⁸.

Dos onze itens que compõem o fator organização do trabalho, cinco obtiveram avaliação crítica para adoecimento do trabalhador: “existe fiscalização do desempenho”, “o número de pessoas é insuficiente para realizar as tarefas”, “existe divisão entre quem planeja e quem executa”, “as tarefas são cumpridas com pressão de prazos” e “os resultados esperados estão fora da realidade”. Esses resultados indicam a possibilidade do modelo taylorista ainda ser muito difundido no trabalho de enfermagem, em face de serem tais características marcos do modelo.

Estudo com trabalhadores de enfermagem de um serviço de urgência de Natal, Rio Grande do Norte, mostrou que a primeira condição referida pelos trabalhadores como insatisfatória foi a fragmentação do trabalho, que envolve o trabalho parcelar, a divisão de tarefas, os elementos de controle e de exploração da estrutura do capital¹⁹.

Na enfermagem, a fragmentação do trabalho é mais intensificada à medida em que a própria formação profissional configura a divisão de atribuições e o grau de controle profissional. Enquanto o enfermeiro é responsável pela parte intelectual, de gestão, supervisão e controle do processo de cuidar como um todo, os profissionais de nível médio são responsáveis pelo trabalho manual, cabendo-lhes a função de executores dos cuidados delegados²⁰.

Como mencionado, o número de recursos humanos insuficiente foi considerado crítico para o adoecimento do trabalhador de enfermagem. Estudo apontou entre os entraves para a consolidação da política de saúde mental no hospital psiquiátrico, além de outras questões de gestão política e institucional, a falta de profissionais²¹. Cabe ao enfermeiro o dimensionamento de pessoal, mas em saúde mental ainda é incipiente essa discussão, enquanto em outras clínicas o avanço é notório²².

O cerne da discussão insere-se na necessidade de cuidados do paciente, pois, apesar do portador de transtorno mental não apresentar alterações físicas, na maioria das vezes, as alterações de cunho psicológico, como as de humor, sono, personalidade, agressividade e a imprevisibilidade de ações, requerem estado permanente de alerta. Menciona-se ainda o fato de não ser atrativo o campo para os profissionais, em virtude do estigma e preconceito diante do paciente com transtorno mental.

A Resolução nº 527, de 3 de novembro de 2016, revogou a Resolução nº 293/2004, ambas do Conselho Federal de Enfermagem (COFEn)²², que atualizou os parâmetros para dimensionamento de pessoal de enfermagem e incluiu conceitos e metodologias de cálculo de pessoal de enfermagem para a saúde mental²³.

O item “os resultados esperados estão fora da realidade” discutido neste estudo foi considerado crítico para risco de adoecimento. Estudos apontam que questões inerentes à psiquiatria são fontes geradoras de frustração e sofrimento no trabalhador, como a insatisfação e o desânimo pelo trabalho realizado, bem como as poucas mudanças efetivadas e visualizadas pelos profissionais^24-25.

Essa frustração fica evidente quando se visualiza o paciente como “depósito de patologias” a ser vigiado e ainda o fenômeno de revolving door (porta-giratória), que se caracteriza pelas reinternações frequentes, apontadas como falha na continuidade do tratamento pelo usuário e de gestão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)²¹.

“As normas para execução das tarefas são rígidas”, “existe forte cobrança por resultados”, “o ritmo do trabalho é excessivo”, “as tarefas executadas sofrem descontinuidade” e “falta tempo para realizar pausas e descansos no trabalho” foram considerados itens satisfatórios que podem favorecer a saúde do trabalhador. Essa situação é de difícil compreensão, pois trata-se de itens que refletem um modelo rígido de administração que imprime desgastes ao trabalhador. Contudo, no estudo em tela, esses itens não refletiram condições desfavoráveis à saúde do trabalhador.

Fica evidente que a organização do trabalho pode desempenhar significativo papel para o adoecimento do trabalhador de enfermagem em saúde mental. Além disso, apesar de serem considerados críticos para risco de adoecimento, o estudo em tela apresentou itens positivos quando comparados ao setor de terapia intensiva⁴ e à atenção básica à saúde⁹, que não demonstraram nenhum item com avaliação satisfatória para o fator.

No presente estudo, as relações socioprofissionais foram avaliadas como satisfatórias no que se refere ao adoecimento do trabalhador de enfermagem em saúde mental, dado semelhante ao encontrado em trabalhadores de enfermagem de um serviço de hemodiálise⁶ e em trabalhadores de enfermagem de um serviço móvel de urgência²⁶. Essa avaliação satisfatória diverge de resultados identificados em trabalhadores de enfermagem intensivistas do Rio de Janeiro⁴ e do Rio Grande do Norte¹³, bem como em trabalhadores de enfermagem da atenção primária à saúde de Minas Gerais²⁷, para os quais as relações socioprofissionais foram avaliadas como críticas para risco de adoecimento. Nessa mesma direção, estudo com trabalhadores de equipes da atenção primária à saúde do Distrito Federal avaliou como graves as relações socioprofissionais para o adoecimento¹⁴.

Para o fator relações socioprofissionais, nenhum dos 10 itens obteve avaliação grave para risco de adoecimento. Os itens avaliados como críticos para risco de adoecimento foram “os funcionários são excluídos das decisões”, “falta integração no ambiente”, “falta apoio das chefias para meu desenvolvimento profissional” e “a comunicação entre os funcionários é insatisfatória”, sendo este último com maior média.

Investigações fenomenológicas com trabalhadores de enfermagem de uma unidade de internação psiquiátrica do Rio Grande do Sul concluíram que a relação com o outro pode ser um fator de desgaste sentido e manifestado no trabalhador pelo seu corpo, ainda que a unidade estudada, palco de relações ambíguas, ora felizes ora conflituosas, denote o cuidado em saúde mental como o encontro com o outro^18,28. A falta de integração entre profissionais da equipe de enfermagem é, também, fator gerador de sofrimento, sendo os conflitos claras manifestações de poder que devem ser compreendidas em suas formas declaradas ou veladas²⁹.

As médias elevadas nos itens “a comunicação entre os funcionários é insatisfatória” e “falta integração no ambiente” vêm confirmar que muitos problemas presentes na assistência em saúde provêm das relações interpessoais inadequadas, tais como a má comunicação entre funcionários. A falta de comunicação pode resultar em sentimentos de inutilidade, depressão, irritação, desgaste emocional, desvalorização profissional e sobrecarga laboral⁶.

Estudo com trabalhadores de enfermagem da Estratégia Saúde da Família (ESF) demonstrou que quanto pior a avaliação das relações socioprofissionais maior a possibilidade de adoecimento do trabalhador, exaustão emocional e desenvolvimento de atitudes de insensibilidade²⁷.

A comunicação vai além da codificação formal de uma mensagem, pois envolve a linguagem corporal, o toque, a escrita, o contato visual e a postura, sendo instrumento de trabalho do profissional de enfermagem não restrito à sua ligação com o paciente, mas ao todo envolvido no processo de cuidar. Dessa forma, fica evidente a importância do apoio social no ambiente laboral²⁶.

Os itens “os funcionários são excluídos das decisões” e “falta apoio das chefias para meu desenvolvimento profissional” não apresentaram médias muito elevadas, risco crítico para o adoecimento, podendo significar mecanismos de gestão mais flexíveis. Contudo, as avaliações moderado/crítico denotam ainda valorização da hierarquia e centralização das decisões na gestão de pessoas, além da discrepância entre o trabalho real e o prescrito, em face do distanciamento do local de decisão em relação ao local de ação^13-14.

Estudo com profissionais de enfermagem de um serviço especializado em saúde mental para atenção integral aos usuários de álcool, crack e outras drogas de São Paulo aponta que gestores que assumem uma liderança compartilhada com a equipe de trabalhadores são mais eficazes, propiciando aos profissionais maior satisfação laboral e menor percepção de cargas de trabalho físicas e psíquicas⁵. Assim, compreende-se que, mesmo diante de uma avaliação positiva, as relações socioprofissionais apontam para uma separação clara entre quem planeja e quem executa as tarefas, característica marcante do modelo taylorista de administração.

Com relação aos itens “as tarefas não estão claramente definidas”, “existem disputas profissionais no local de trabalho”, “existem dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados”, “a autonomia é inexistente”, “as informações de que preciso para executar as minhas tarefas são de difícil acesso” e “a distribuição de tarefas é injusta”, todos foram considerados satisfatórios pelos trabalhadores de enfermagem da instituição pesquisada.

Apesar, de existir clara divisão entre planejamento e execução das tarefas, os resultados mostraram que os problemas de relacionamento entre os trabalhadores são mais apontados no mesmo nível hierárquico, quando comparados com as chefias. Tal fato foi observado pela menor média para o item “existem dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados”, enquanto os itens referentes à comunicação, integração e disputa entre funcionários apontaram médias mais elevadas, representando maior risco para o adoecimento do trabalhador.

Em uma instituição psiquiátrica no interior paulista, foram observados forte controle no trabalho, rigidez e hierarquização no processo decisório e relativa valorização dos trabalhadores. Segundo as autoras, culturas organizacionais que valorizam o controle e a especialização da atividade, possuindo estruturas organizacionais verticalizadas e rígidas com centralização no processo decisório, têm ambientes que não propiciam o desenvolvimento de habilidades individuais dos trabalhadores. Estes ficam, assim, expostos às tensões, sentimentos de insatisfação, desmotivação, sofrimento psíquico, exaustão emocional, despersonalização e falta de realização pessoal, o que determina por fim o adoecimento mental^30-31.

Os trabalhadores de enfermagem avaliaram como grave risco para o adoecimento o fator condições de trabalho. Além disso, dentre os 10 itens utilizados para avaliar esse fator, nenhum obteve avaliação satisfatória/positiva. Os resultados do presente estudo divergem de outros realizados tanto em instituições privadas quanto públicas^{4,6,9,13-14,32}. Para as instituições privadas de assistência para clientes graves e em hemodiálise, a avaliação foi satisfatória, enquanto para as públicas de cuidados básicos e intensivos foi crítica/moderada. Esses dados nos remetem à dificuldade de adequação física e material das instituições de saúde de administração pública.

Os itens “as condições de trabalho oferecem riscos à segurança das pessoas”, “o mobiliário existente no local de trabalho é inadequado”, “existe muito barulho no ambiente de trabalho” e “o posto de trabalho é inadequado para a realização das tarefas” apresentaram as maiores médias, representando risco grave para o adoecimento do trabalhador.

Resultados semelhantes foram encontrados, quanto aos riscos à segurança das pessoas, mobiliário inadequado e barulho excessivo, em estudo com profissionais de enfermagem de unidade de terapia intensiva em Natal, Rio Grande do Norte¹³, e em um serviço de hemodiálise em Santa Maria, Rio Grande do Sul⁶.

Pesquisa conduzida em duas unidades hospitalares localizadas no Egito abordou as cargas de trabalho físicas e psicossociais da equipe de enfermagem como fatores de estresse e possíveis geradoras de adoecimento, absenteísmo, troca de turnos e pior saúde física e psicológica³³.

A precariedade das condições laborais em instituições psiquiátricas vem sendo observada há alguns anos, fato que impulsionou a Reforma Psiquiátrica. Estudo de caráter qualitativo com trabalhadores de enfermagem de uma unidade de internação psiquiátrica no Rio de Janeiro apontou que, além das cargas psíquicas inerentes à atuação profissional em saúde mental, há aquelas relacionadas às condições laborais inadequadas, tais como ausência de recursos materiais, inadequações estruturais em termo de espaço físico, equipamentos qualitativa e quantitativamente insuficientes e número reduzido de profissionais³⁴.

Estudo conduzido com 200 profissionais de saúde em um Hospital Público Geral na Grécia aponta que a falta notável de estratégias de gerenciamento do estresse no local de trabalho é percebida como uma falta de interesse por parte da administração em relação ao estado emocional dos profissionais de saúde, o que pode influenciar o bem-estar físico e emocional dos profissionais de saúde, reduzindo sua eficiência e impactando negativamente sua qualidade de vida geral³⁵. A carência de recursos materiais e humanos resulta em sentimentos de angústia, tensão, ansiedade, instabilidade e insatisfação no trabalhador. Dessa forma, as condições laborais deficitárias têm impacto negativo na qualidade de vida dos profissionais^19,32.

Num contexto laboral onde as condições de trabalho são inadequadas, os profissionais de enfermagem ficam expostos aos riscos ocupacionais tanto para si quanto para os pacientes. Além disso, em condições precárias encontram-se “a sobrecarga de trabalho, o sentimento de desperdício da vocação maior do serviço (...) e a subutilização do preparo técnico”³⁶.

É indispensável, diante dos resultados, que sejam levantadas considerações sobre o item “existe muito barulho no ambiente de trabalho”.

A exposição continuada ao ruído intenso, em média 85dB(A) por oito horas diárias, pode provocar alterações estruturais e funcionais no ouvido interno, determinando a ocorrência de Perda Auditiva Induzida por Nível de Pressão Sonora Elevado (PAINPSE). Para cada 5dB(A) de acréscimo, a partir de 85dB(A), recomenda-se que seja reduzido pela metade o tempo de exposição. Por considerar o ruído como problema de saúde pública, pois a PAINPSE diminui a qualidade de vida, tanto laboral, quanto social e familiar, além da ocorrência de sintomas extra-auditivos, a OMS recomenda nível de ruído nos hospitais durante o dia de 40dB(A) e à noite 35dB(A)³⁷.

O ruído, além das alterações no aparelho auditivo, provoca perturbações nas funções cardiovascular e respiratória, nos padrões de sono, sintomas psíquicos e sensação de mal-estar, atuando assim como estressor sistêmico³⁸. Por gastarem mais tempo nos hospitais ao longo de sua carreira, os profissionais de enfermagem sofrem maior impacto do peso dos níveis excessivos de ruído ocupacional em um ambiente de trabalho que deveria ser salutar e de cura³⁹.

Estudos com profissionais da terapia intensiva⁴ e de serviço de hemodiálise⁶ evidenciaram elevadas médias para o item referente ao ruído. Esses resultados condizem e são aceitáveis diante de setores caracterizados por serem ambientes fechados, com acústica local desfavorável, ar condicionado e sons de alarmes essenciais para a assistência segura ao paciente, pois facilitam a identificação rápida de situações que alteram os padrões de normalidade.

Ressalta-se, contudo, que, mesmo diante da ausência de condições como as levantadas anteriormente, os serviços de psiquiatria possuem sua particularidade: o tipo de paciente. É sabido que o paciente com transtorno mental pode apresentar sintomas que se exteriorizam por elevação da voz, linguagem logorréica, taquifasia, loquacidade, glossolalia, gritos, choro e ranger de dentes.

As influências dos fatores organizacionais do trabalho na saúde revelam que contextos com piores condições de trabalho, organização falida e más relações socioprofissionais estão associados aos problemas físicos, emocionais e sociais. Entre os trabalhadores de enfermagem, estudo apontou que tais fatores estão relacionados à sobrecarga laboral, aos conflitos no ambiente de trabalho, à ambiguidade na execução das tarefas, ao reconhecimento profissional e às agressões⁴⁰.

O cuidado aos pacientes com transtornos mentais expõe os profissionais às agressões, que podem ser comportamentos ou ações com potencial para prejudicar ou ferir outrem, física ou verbalmente. Tais agressões favorecem o desenvolvimento, por parte dos profissionais, de ansiedade, medo, culpa, distúrbios do sono, burnout, baixa saúde autopercebida ou insatisfação com o trabalho e o desenvolvimento de estresse, com consequente redução da satisfação com a vida^41-42.

Pesquisa realizada em Israel, cujos participantes foram 230 enfermeiros de saúde mental, revelou que quase todos sofreram violência verbal e, mais da metade, violência física pelos pacientes⁴². Estudo conduzido na Finlândia apontou que a prevalência de enfermeiros que experienciaram agressões de pacientes é maior em profissionais atuantes em cenários psiquiátricos, do que naqueles médicos ou cirúrgicos. A atuação profissional no ambiente de cuidado psiquiátrico gera maiores chances de depressão diagnosticada, uso de medicações antidepressivas e licenças por doença consequente de depressão e transtornos mentais⁴¹.

Os achados da correlação mostram a importância da organização do trabalho, evidente quando surge nas pesquisas em saúde do trabalhador a recorrência de condições ligadas à cobrança, ritmo e pressão, denotando clara influência do modelo taylorista de administração. Estudo identificou ainda que os trabalhadores de enfermagem perceberam níveis prejudiciais dos fatores psicossociais no ambiente de trabalho, dentre os quais foram apontados indefinição de papéis, falta de autonomia, pouco apoio social e instrumental dos colegas e superiores^4,43.

Na atenção em saúde mental, esses fatores são agravados pela normatização inflexível e diversas vezes inquestionável, herdada de modelos tradicionais de cuidado, sendo as questões de trabalho subjetivas deixadas para segundo plano^18,28. Dessa forma, os aspectos organizacionais mostram-se mais relevantes no desenvolvimento do adoecimento profissional do que os individuais⁴.

A partir dos achados deste estudo, recomenda-se que as instituições de ensino proporcionem aos discentes de enfermagem uma disciplina de Saúde do Trabalhador com foco nas questões inerentes ao contexto laboral e suas implicações para a saúde do trabalhador. Indica-se, também, aos gestores das instituições hospitalares que reconheçam a maior vulnerabilidade ao adoecimento de profissionais expostos a algumas características do ambiente laboral, como a repetitividade de tarefas, o mobiliário inadequado, ruídos e inadequação do posto de trabalho quanto à estrutura física. Além disso, recomenda-se aos trabalhadores de enfermagem que participem, como co-responsáveis por sua saúde, de eventos, reuniões, pesquisas referentes à saúde do trabalhador, bem como aos órgãos de classe que fiscalizem as instituições quanto ao cumprimento das normas de segurança, prestando assistência aos trabalhadores, reforçando a importância do cuidado de si e incentivando as pesquisas referentes à saúde do trabalhador.

Os limites deste estudo estão relacionados à sua tipologia que impossibilita a definição de causa e efeito, ao reduzido número amostral que impossibilita a realização de análises estatísticas mais rebuscadas e à escassez de estudos com a população de trabalhadores de enfermagem em hospitais psiquiátricos, limitação minimizada pelo uso de pesquisas com profissionais de enfermagem de outros cenários.

Conclusão

As análises permitem observar que o fator condições de trabalho é dentre os fatores do contexto laboral o que mais contribui para o adoecimento do trabalhador de enfermagem. Além disso, a organização do trabalho reflete domínio do modelo de administração taylorista, o que contribui de forma moderada para o adoecimento, mas revela sinal de alerta para situações favoráveis ao sofrimento laboral. Salienta-se, porém, que o fator relações socioprofissionais mostrou-se significativamente positivo.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2018

Histórico

• Recebido
  20 Set 2017
• Aceito
  09 Maio 2018