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Ampliação do papel do enfermeiro na atenção primária à saúde: o caso do Brasil* * A presente publicação representa a opinião dos autores na qualidade de pessoas físicas não necessariamente refletindo a opinião da OPAS, de suas instituições associadas ou países de origem.



O Brasil conta com 414.712 enfermeiros(11 Conselho Federal de Enfermagem. Enfermagem em Foco 2016;.7(Esp). Disponível em: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/issue/view/21
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) e produz anualmente cerca de 50.000 enfermeiros nos seus quase 1000 programas de graduação em enfermagem. É o país que apresenta o maior número de escolas de enfermagem na Região das Américas e programas de pós-graduação em enfermagem: mestrado e doutorado entre os países da América Latina e Caribe. Do total de programas de pós-graduação (53) nesta região, 72% (38) estão no Brasil(22 Organización Panamericana de la Salud. Formación doctoral en enfermería en América Latina y el Caribe. Washington, D.C.: OPS; 2017). É um dos únicos países que tem formação de enfermeiros nos mestrados profissionais, que cresceu 156%, no período de 2011-2020.

Relatório da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fundação vinculada ao Ministério da Educação do Brasil, de 2017(33 Ministério de Educação, CAPES. (BR). Relatório de Avaliação: Enfermagem. [Internet]. Brasília; 2017.[Acesso 10 set 2019]. Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/relatorios-finais-quadrienal-2017/20122017-ENFERMAGEM-quadrienal.pdf
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), indica que o mestrado profissional “está voltado ao mercado de trabalho e pretende responder às necessidades de capacitação profissional avançada e transformadora para o sistema produtivo e setor de prestação de serviços, tanto considerando organismos públicos quanto privados, buscando resposta a problemas específicos identificados, de forma a contribuir com o desenvolvimento socioeconômico e cultural nos âmbitos local, regional e nacional, em consonância com as diretrizes e metas do Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 e com a consolidação do Sistema Único de Saúde”. Em 2017, existiam 21 mestrados profissionais na área da enfermagem, em 2019, já são 24, com potencial de crescimento nos próximos anos** ** Comunicação pessoal da Coordenação da Área de Enfermagem na CAPES, em 22 de agosto de 2019, recebida por correio eletrônico. .

Em 2018 a Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS) lançou um chamado para a ampliação do papel do enfermeiro na Atenção Primaria de Saúde(44 Pan American Health Organization. Expanding the roles of nurses in Primary Health Care. Washington, D.C: PAHO; 2018.) e apresentou o enfermeiro de prática avançada como um profissional com formação de pós-graduação que, integrado à equipe interprofissional dos serviços de atenção primária à saúde, contribui para a gestão dos cuidados de pacientes com enfermidades agudas leves e transtornos crônicos diagnosticados segundo as diretrizes de protocolos ou guias clínicos. O exercício profissional ampliado se diferenciaria daquele que desempenha o enfermeiro na atenção primária em função do grau de autonomia na tomada de decisões e pelo diagnóstico e tratamento dos transtornos do paciente.

A ampliação do papel dos enfermeiros na atenção primária de saúde não pretende, de modo algum, substituir qualquer outro profissional de saúde; pelo contrário, pretende complementá-lo, além de contribuir para que a população tenha acesso a profissionais qualificados na atenção à saúde.

Enfermeiros de prática avançada já têm sua regulamentação estabelecida em diversos países como Austrália, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, Finlândia, França, Irlanda, Japão, Polônia, Reino Unido e República Tcheca. Na Espanha, Holanda, Reino Unido e Suíça o interesse político na ampliação do papel de enfermeiros surgiu em função do déficit de médicos de família, de mudanças nos sistemas de saúde e da criação de novos modelos de atenção à saúde(44 Pan American Health Organization. Expanding the roles of nurses in Primary Health Care. Washington, D.C: PAHO; 2018.). Chile e México têm avançado no processo de implantação do enfermeiro de prática avançada.

De maneira geral, as funções ou papéis mais avançados do enfermeiro foram implementados nos países para melhorar o acesso à atenção em regiões com acesso limitado a médicos, para maximizar o acesso à atenção primária em saúde e permitir um acompanhamento intensivo de pacientes com doenças crônicas. Na Islândia, foi implementado um serviço de enfermagem ambulatorial no qual o papel dos enfermeiros foi ampliado para satisfazer as necessidades de pacientes com diabetes mellitus(44 Pan American Health Organization. Expanding the roles of nurses in Primary Health Care. Washington, D.C: PAHO; 2018.).

Enfermeiros de prática avançada desempenham papel resolutivo na atenção primária, têm alta taxa de satisfação dos usuários e redução de custos. Evidências cientificas demonstram o seu impacto nos serviços e nos custos de saúde. No entanto, e paradoxalmente, os países economicamente mais desenvolvidos e que contam com a maior relação médicos por habitantes são os que incorporaram os enfermeiros de prática avançada, e não somente nos serviços de atenção primária de saúde, mas também nos hospitais.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) informa que muitos de seus países membros tem implementado reformas para expandir o perfil e a prática de enfermeiros. Os papeis dos enfermeiros de prática avançada, segundo esta organização, podem ser divididos em três categorias: 1. Enfermeiros atuando em papeis avançados como generalistas para suprir a falta de médicos ou por barreiras geográficas; 2. Enfermeiros atuando primariamente na prevenção e promoção da saúde e 3. Papeis avançados como especialistas clínicos para o tratamento e monitoramento de clientes, preferencialmente com condições crônicas (ex. diabetes ou doença arterial coronariana)(55 Maier C, Aiken L, Busse R. Nurses in advanced roles in primary care: Policy levers for implementation. OECD Health Working Papers. 2017;(98). doi: https://doi.org/10.1787/a8756593-en
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).

A Campanha Nursing Now (Enfermagem Agora) liderada pelo Parlamento Inglês, o Conselho Internacional de Enfermagem e com a participação da Organização Mundial de Saúde-OMS, lançada em fevereiro de 2018, tendo como patrona a Duquesa de Cambridge, destaca a necessidade urgente de elevar o perfil dos enfermeiros e permitir que essa categoria desenvolva seu pleno potencial. Investimentos na força de trabalho da enfermagem, a fim de explorar plenamente o potencial da prática dos enfermeiros visando transformar o modelo de atenção à saúde é uma das metas da Campanha, que tem seu final previsto para 2020.

O relatório da OMS, Estado da Enfermagem Mundial, que será lançado no Dia Mundial da Saúde em 2020 vai explorar, em dados, a situação dos países na implementação de funções avançadas para os enfermeiros. Mas já conseguimos prever que a região da América Latina e Caribe terá pouco a mostrar.

No momento em que países como o Brasil, discutem o acesso da população à profissionais qualificados, o enfermeiro de prática avançada na atenção primaria de saúde pode ser uma alternativa considerável. Populações com dificuldades devido às distâncias geográficas, barreiras socioeconômicas ou outros fatores, para o acesso aos serviços de saúde, podem se beneficiar com a atenção de um enfermeiro, bem formado ao nível de pós-graduação, em universidades acreditadas e com competências avançadas e treinamento na atenção primária à saúde.

O emprego de enfermeiros de prática avançada para preencher as lacunas dos sistemas e serviços de saúde, a redesignação de tarefas e a combinação de habilidades na força do trabalho em saúde oferecem a possibilidade de lançar uma nova iniciativa nos países dentro do marco do acesso universal à saúde e da cobertura universal de saúde.

O papel do enfermeiro de prática avançada, com autonomia, reconhecimento do título e supervisão de um médico, se assim for, ainda que a distância, pode significar um novo rumo para a atenção em saúde na América Latina e Caribe.

O Brasil tem todas as condições para ampliar, reconhecer, valorizar e ampliar o papel dos enfermeiros na atenção primária de saúde. Caberá um forte e integrado trabalho de todos: governo, associações profissionais, universidades e outros atores na sensibilização e discussão com profissionais das equipes de saúde e população em geral. Pode significar um novo direcionamento nas práticas de atenção à saúde no país, tal qual foi feito em outros países há mais de 50 anos!

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    A presente publicação representa a opinião dos autores na qualidade de pessoas físicas não necessariamente refletindo a opinião da OPAS, de suas instituições associadas ou países de origem.
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    Comunicação pessoal da Coordenação da Área de Enfermagem na CAPES, em 22 de agosto de 2019, recebida por correio eletrônico.

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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