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Prevalência e perfil de fumantes: comparações na população psiquiátrica e na população geral* * Artigo extraído da tese de doutorado “Prevalência e perfil epidemiológico do uso de tabaco da população psiquiátrica dos níveis secundário e terciário de atenção comparados à população geral da rede básica de saúde”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Resumos

Objetivos:

identificar prevalência de fumantes entre a população psiquiátrica e a população geral; comparar o perfil pessoal, sociodemográfico e clínico dos fumantes e não fumantes da população psiquiátrica e da população geral; verificar as razões para fumar desses dois grupos populacionais.

Método:

estudo epidemiológico descritivo-analítico, de corte transversal, com 378 pacientes de três serviços: Ambulatório Saúde Mental, Hospital Psiquiátrico e Unidade Básica Saúde. Realizaram-se entrevistas com três questionários. Aplicaram-se testes qui-quadrado e Kruskal-Wallis.

Resultados:

dos 378 participantes, 67% eram mulheres e 69% tinham mais de 40 anos. Identificada maior prevalência de fumantes entre homens, jovens, analfabetos, solteiros e recebedores de mais de um benefício do governo. Os fumantes prevaleceram entre os esquizofrênicos, pacientes crônicos, que utilizavam ≥ 3 psicofármacos e com histórico de ≥ 4 internações psiquiátricas e/ou tentativas suicídio. A principal razão alegada para fumar foi a melhora dos afetos negativos.

Conclusão:

a prevalência de fumantes é maior na população psiquiátrica (especialmente entre os pacientes graves) e entre os homens, jovens, solteiros e com prejuízos socioeconômicos. A principal razão para fumar é o alívio da tensão/relaxamento. O presente estudo fornece, aos enfermeiros e demais profissionais, conhecimento capaz de subsidiar o planejamento de intervenções do tabagismo na população brasileira.

Descritores:
Tabagismo; Prevalência; Saúde Mental; Psiquiatria; Epidemiologia; Enfermagem Psiquiátrica


Objectives:

to identify the prevalence of smokers between the psychiatric population and the general population; to compare the personal, socio-demographic and clinical profile of smokers and non-smokers in the psychiatric population and the general population; to compare the reasons for smoking of these two population groups.

Method:

this is a cross-sectional descriptive-analytical epidemiological study with 378 patients from three services: Ambulatory Mental Health, Psychiatric Hospital, and Basic Health Unit. Interviews were conducted with three questionnaires. The Chi-square and Kruskal-Wallis tests were applied.

Results:

in the total of the 378 participants, 67% were women and 69% were over 40 years old. There was a higher prevalence of smokers among men, young people, illiterates, singles and with more than one government benefit. Smokers prevailed among schizophrenics, chronic patients, who used ≥ 3 psychotropic drugs and had a history of ≥ 4 psychiatric hospitalizations and/or suicide attempts. The main reason for smoking was the improvement of negative feelings.

Conclusion:

the prevalence of smokers is higher in the psychiatric population (especially among severely ill patients) and among men, young people, unmarried and with socioeconomic losses. The main reason for smoking is tension/relaxation relief. This study provides nurses and other professionals with knowledge capable of subsidizing the planning of smoking interventions in the Brazilian population.

Descriptors:
Smoking; Prevalence; Mental Health; Psychiatry; Epidemiology; Psychiatric Nursing


Objetivos:

identificar prevalencia de fumadores entre la población psiquiátrica y la población general; comparar el perfil personal, sociodemográfico y clínico de los fumadores y no fumadores de la población psiquiátrica y de la población general; verificar las razones para fumar de esos dos grupos poblacionales.

Método:

estudio epidemiológico descriptivo-analítico, de corte transversal, con 378 pacientes de tres servicios: Ambulatorio Salud Mental, Hospital Psiquiátrico y Unidad Básica de Salud. Se realizaron entrevistas con tres cuestionarios. Se aplicaron pruebas chi-cuadrado y Kruskal-Wallis.

Resultados:

de los 378 participantes, 67% eran mujeres y 69% tenían más de 40 años. Identificada mayor prevalencia de fumadores entre hombres, jóvenes, analfabetos, solteros y recibidores de más de un beneficio del gobierno. Los fumadores prevalecieron entre los esquizofrénicos, pacientes crónicos, que utilizaban ≥ 3 psicofármacos y con histórico de ≥ 4 internaciones psiquiátricas y/o tentativas de suicidio. La principal razón alegada para fumar fue la mejoría de los afectos negativos.

Conclusión:

la prevalencia de fumadores es mayor en la población psiquiátrica (especialmente entre los pacientes graves) y entre los hombres, jóvenes, solteros y con prejuicios socioeconómicos. La principal razón para fumar es el alivio de la tensión/relajamiento. El presente estudio provee, a los enfermeros y demás profesionales, conocimiento capaz de subsidiar la planificación de intervenciones del tabaquismo en la población brasilera.

Descriptores:
Tabaquismo; Prevalencia; Salud Mental; Psiquiatría; Epidemiología; Enfermería Psiquiátrica


Introdução

Atualmente, a prevalência mundial de fumantes é de 20,7%, ao passo que, em 2007, era 23,5%. Esse resultado expressa uma tendência global, porém, observa-se que a redução foi mais expressiva nos países com renda per capita elevada(11. World Health Organization [Internet]. WHO report on the global tobacco epidemic, 2017: Monitoring tobacco use and prevention policies. WHO: Schitzerland; 2017. [cited Jul 3, 2018]. Available from: http://www.who.int/tobacco/global_report/2017/en/
http://www.who.int/tobacco/global_report...
).

Estudos mais localizados mostram divergência na prevalência de fumantes entre diferentes grupos populacionais, especialmente entre aqueles considerados vulneráveis – pobres, homossexuais, portadores de transtornos mentais e usuários de álcool e de substâncias ilícitas(22. Cole HM, Fiore MC. The war against tobacco: 50 years and counting. JAMA. [Internet]. 2014 Jan 8 [cited Jan 4, 2019]; 311(2):131-2. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4465196/ doi: 10.1001/jama.2013.280767.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
44. Medeiros GC, Lafer B, Kapczinski F, Miranda-Scippa Â, Almeida KM. Bipolar disorder and tobacco smoking: Categorical and dimensional clinical correlates in subjects from the Brazilian bipolar research network. Compr Psychiatry. [Internet]. 2018 Apr 10 [cited Jan 4, 2019];82:14-21. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29367058 doi: 10.1016/j.comppsych.2017.12.003.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2936...
).

O tabagismo é responsável por cerca de sete milhões de mortes por ano, ou seja, uma em cada 10 mortes é explicada pelo uso do tabaco. Apesar do índice elevado de mortalidade, 30 milhões de vidas podem ter sido salvas, nos últimos dez anos em decorrência do empenho da Organização Mundial da Saúde e dos governos no controle dessa epidemia(11. World Health Organization [Internet]. WHO report on the global tobacco epidemic, 2017: Monitoring tobacco use and prevention policies. WHO: Schitzerland; 2017. [cited Jul 3, 2018]. Available from: http://www.who.int/tobacco/global_report/2017/en/
http://www.who.int/tobacco/global_report...
).

Há mais de uma década, a Organização Mundial da Saúde propôs ações com a finalidade de controlar o tabagismo, as quais compreendem monitoramento do uso do tabaco, conscientização sobre os malefícios para si e para os fumantes passivos, incentivo à realização de propagandas sobre a proibição do fumo, ajuda para cessar o uso e aumento de impostos sobre os produtos derivados do tabaco. Estima-se que dois terços da população mundial são protegidos por essas ações, visto que 121 países adotam, ao menos, uma delas(11. World Health Organization [Internet]. WHO report on the global tobacco epidemic, 2017: Monitoring tobacco use and prevention policies. WHO: Schitzerland; 2017. [cited Jul 3, 2018]. Available from: http://www.who.int/tobacco/global_report/2017/en/
http://www.who.int/tobacco/global_report...
).

Embora muito se tenha avançado, nas últimas décadas, a Organização Mundial da Saúde reconhece o fumo de tabaco como uma prática letal, defendendo o urgente fortalecimento das ações de controle(11. World Health Organization [Internet]. WHO report on the global tobacco epidemic, 2017: Monitoring tobacco use and prevention policies. WHO: Schitzerland; 2017. [cited Jul 3, 2018]. Available from: http://www.who.int/tobacco/global_report/2017/en/
http://www.who.int/tobacco/global_report...
).

O fumo de tabaco, entre os portadores de transtornos mentais, sempre foi muito frequente e incentivado até pelos profissionais da saúde. Atualmente, é visto como um problema de saúde pública, uma vez que a prevalência de fumantes, entre eles, é duas ou três vezes maior, se comparada à população em geral. Esse fato acarreta prejuízos físicos (alto índice de mortalidade precoce devido a comorbidades clínicas), mentais (agravo dos sintomas psiquiátricos), sociais (isolamento social) e financeiros (supressão de gastos essenciais para comprar cigarros)(33. Li XH, An FR, Ungvari GS, Ng CH, Chiu HFK, Wu PP, et al. Prevalence of smoking in patients with bipolar disorder, major depressive disorder and schizophrenia and their relationships with quality of life. Sci Rep. [Internet]. 2017 Aug 16 [cited Jan 4, 2019];7(8430):1-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5559601/ doi: 10.1038/s41598-017-07928-9
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
,55. Cather C, Pachas GN, Cieslak KM, Evins AE. Achieving Smoking Cessation in Individuals with Schizophrenia: Special Considerations. CNS Drugs. [Internet]. 2017 Jun 1 [cited Jan 4, 2019];31(6):471-81. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28550660 doi: 10.1007/s40263-017-0438-8.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2855...
77. Trainor K, Leavey G. Barriers and Facilitators to Smoking Cessation Among People With Severe Mental Illness: A Critical Appraisal of Qualitative Studies. Nicotine Tob Res. [Internet]. 2017 Jan 21 [cited Jan 04, 2019];19(1):14-23. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27613905 doi: 10.1093/ntr/ntw183
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2761...
).

Trazendo essa discussão para nível nacional, o último levantamento brasileiro revelou prevalência de fumantes na população geral de 14,7%. A título de comparação, em 1989, era 32,4%. Além disso, em um período de cinco anos (2008 a 2013), as tentativas de parar de fumar aumentaram de 41,3% para 47,2%, segundo pesquisa realizada com 39.425 brasileiros em todo território nacional(88. Szklo AS, Levy D, Souza MC, Szklo M, Figueiredo VC, Perez C, et al. Changes in cigarette consumption patterns among Brazilian smokers between 1989 and 2008. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2012 Nov 30 [cited Jan 4, 2019];28(11):2211-15. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012001100020
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99. Szklo AS, Souza MC, Szklo M, Almeida LM. Smokers in Brazil: who are they? Tob Control. [Internet].2016 Sep 1 [cited Jan 4, 2019];25(5):564-70. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26292700 doi: 10.1136/tobaccocontrol-2015-052324.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2629...
).

É indiscutível o empenho do Brasil no controle do tabagismo, tendo sido um dos primeiros países a assinar a “Convenção-Quadro para Controle do Tabaco”(1010. Portes LH, Machado CV, Turci SRB. History of Brazil's tobacco control policy from 1986 to 2016. Cad. Saúde Pública. Cad Saude Publica. [Internet]. 2018 Feb 19 [cited Jan 4, 2019];34(2):e00017317. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2018000205012 doi: 10.1590/0102-311X00017317.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Todavia, é preciso ter consciência de que as ações de controle não estão modificando somente a prevalência de fumantes, mas também a sua distribuição.

Esse pensamento está em consonância com a Organização Mundial da Saúde que defende que a compreensão do perfil e das tendências do fumo de tabaco contribui para o fortalecimento das políticas de controle do tabagismo(11. World Health Organization [Internet]. WHO report on the global tobacco epidemic, 2017: Monitoring tobacco use and prevention policies. WHO: Schitzerland; 2017. [cited Jul 3, 2018]. Available from: http://www.who.int/tobacco/global_report/2017/en/
http://www.who.int/tobacco/global_report...
).

Nessa perspectiva, é necessário não apenas questionar quantos fumantes há, mas quem são os fumantes atuais e quais suas razões para fumar.

Este estudo teve por objetivos: 1) Identificar a prevalência de fumantes entre a população psiquiátrica e a população geral; 2) Comparar o perfil pessoal, sociodemográfico e clínico dos fumantes e dos não fumantes da população psiquiátrica e da população geral; 3) Verificar as razões para fumar dos fumantes desses dois grupos populacionais.

Método

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo-analítico, de corte transversal, conduzido com 378 pacientes, concomitantemente, em três serviços de saúde de um município paulista: Ambulatório de Saúde Mental, Hospital Psiquiátrico e Unidade Básica de Saúde.

O Ambulatório de Saúde Mental e o Hospital Psiquiátrico foram escolhidos para que fosse possível contemplar a população de pacientes psiquiátricos, tanto hospitalizada quanto a atendida em serviços extra-hospitalares. A Unidade Básica de Saúde, por sua vez, foi definida como local do estudo a fim de contemplar a população geral.

Uma amostra probabilística aleatória simples foi calculada, estimando-se que a prevalência de fumantes no ambulatório de saúde mental seria em torno de 40% e no hospital psiquiátrico, 60%. As prevalências estimadas foram baseadas na experiência dos pesquisadores em serviços de saúde mental, bem como na literatura científica(1111. Oliveira RM, Siqueira AC Júnior, Santos JL, Furegato ARF. Nicotine dependence in the mental disorders, relationship with clinical indicators, and the meaning for the user. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet. 2014 Jul 1 [cited Jan 4, 2019];22(4):685-92. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692014000400685 Doi: 10.1590/0104-1169.3549.2468
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1212. Barros S, Bichaff R. Desafio para a desinstitucionalização: censo psicossocial dos moradores em hospitais psiquiátricos do estado de São Paulo. São Paulo: FUNDAP, 2008.). Com nível de significância (α) de 5% e beta (β) de 10%, o cálculo amostral indicou a necessidade de 126 participantes para cada local do estudo. Os indivíduos foram incluídos na pesquisa conforme ordem de chegada ao serviço ou data da internação, no período da coleta.

Para participar desta investigação, o indivíduo deveria residir no município e ter, no mínimo, 15 anos de idade. Foram excluídos aqueles que tinham dificuldade ou impossibilidade de se comunicar devido a prejuízos vocais ou da audição, os que tinham diagnóstico de retardo mental e que declararam uso problemático de álcool ou substâncias ilícitas, sem comorbidades psiquiátricas.

Foram considerados os mesmos critérios de inclusão e de exclusão para a população do Ambulatório de Saúde Mental, do Hospital Psiquiátrico e da Unidade Básica de Saúde. Assim, optou-se por não excluir os portadores de transtornos mentais da Unidade Básica de Saúde de modo a manter comparabilidade com os estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde e por demais autores, os quais não utilizam o diagnóstico psiquiátrico como critério de exclusão para se investigar o tabagismo na população em geral(11. World Health Organization [Internet]. WHO report on the global tobacco epidemic, 2017: Monitoring tobacco use and prevention policies. WHO: Schitzerland; 2017. [cited Jul 3, 2018]. Available from: http://www.who.int/tobacco/global_report/2017/en/
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,88. Szklo AS, Levy D, Souza MC, Szklo M, Figueiredo VC, Perez C, et al. Changes in cigarette consumption patterns among Brazilian smokers between 1989 and 2008. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2012 Nov 30 [cited Jan 4, 2019];28(11):2211-15. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012001100020
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99. Szklo AS, Souza MC, Szklo M, Almeida LM. Smokers in Brazil: who are they? Tob Control. [Internet].2016 Sep 1 [cited Jan 4, 2019];25(5):564-70. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26292700 doi: 10.1136/tobaccocontrol-2015-052324.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2629...
).

Na Figura 1, é ilustrado o processo de definição dos participantes do estudo:

Figura 1
Etapas de definição dos pacientes incluídos no estudo

O projeto foi registrado na Plataforma Brasil/CONEP (CAAE 21101113.3.0000.5393) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (308/2013). Os participantes assinaram duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), tendo uma cópia sido arquivada com os pesquisadores. Os participantes entre 15 e 18 anos de idade (n= 3) assinaram um termo de assentimento e seus responsáveis um TCLE para autorizar a participação do menor.

Os dados foram obtidos por um único pesquisador, a partir de entrevistas individuais com os 378 participantes, em uma sala reservada. As entrevistas tiveram duração média de 18 minutos (10 a 47 minutos). Para tanto, utilizaram-se três instrumentos: 1) Questionário de identificação dos pacientes que frequentam os serviços de saúde mental e da atenção básica; 2) Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica; e 3) Escala Razões para Fumar Modificada. Os instrumentos foram digitalizados no aplicativo TabacoQuest e as respostas dos entrevistados foram assinaladas em um dispositivo móvel(1313. Oliveira RM, Duarte AF, Alves D, Furegato AR. Development of the TabacoQuest app for computerization of data collection on smoking in psychiatric nursing. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2016 Aug 29 [cited Jan 4, 2019];24:e2726. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5016051/ doi: 10.1590/1518-8345.0661.2726.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

O questionário de identificação dos pacientes foi elaborado especialmente para o projeto do qual provém o presente artigo, tendo sido selecionadas 15 variáveis. A variável desfecho é “fumo atual de tabaco” com as categorias dicotômicas fumante e não fumante. As demais variáveis, selecionadas com o intuito de comparar o perfil dos fumantes e dos não fumantes, são: sexo (feminino, masculino); grupo etário (15 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 anos, ≥ 60 anos); escolaridade (analfabeto, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior); estado civil (solteiro, casado, separado/divorciado, viúvo); arranjo domiciliar (vive só, sem companheiro/com familiares, sem companheiro/com outras pessoas, com companheiro apenas, com companheiro e familiares); ocupação (aposentado, dona de casa, trabalhador, sem ocupação); abandono do vínculo empregatício após o diagnóstico do transtorno mental (sim, não, não se aplica); benefícios do governo (nenhum, um, dois ou mais); diagnóstico psiquiátrico (esquizofrenia/transtorno esquizoafetivo); tempo de diagnóstico (< 1 ano, 1 a 12 anos, > 12 anos); psicofármacos em uso (nenhum, um, dois, três, quatro, entre cinco e sete); uso atual de antipsicóticos (primeira geração, segunda geração, primeira e segunda geração, não se aplica); internações psiquiátricas (nenhuma, uma, duas, três, quatro ou mais); tentativas de suicídio (nenhuma, uma, duas, três, quatro ou mais).

Com o intuito de comparar a sintomatologia psiquiátrica dos fumantes e dos não fumantes, utilizou-se a “Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica”, a qual avalia, nos últimos três dias, a presença e a gravidade de 18 sintomas – preocupações somáticas; ansiedade psíquica; retraimento emocional; desorganização conceitual (incoerência); autodepreciação e sentimentos de culpa; ansiedade somática; distúrbios motores específicos; autoestima exagerada; humor deprimido; hostilidade; desconfiança; alucinações; retardo psicomotor; falta de cooperação; conteúdo do pensamento incomum; afeto embotado ou inapropriado; agitação psicomotora e desorientação/confusão –. A avaliação da gravidade de cada sintoma: 0= ausente, 1= muito leve ou com presença duvidosa; 2= presente em grau leve; 3= presente em grau moderado; 4= presente em grau grave ou extremo. A confiabilidade interclasse foi 0,93(1414. Romano F, Elkis H. Translation and adaptation of the Brief Psychiatric Rating Scale-anchored version (BPRS-A). J Bras Psiquiatr. [Internet]. 1996 Jan 3 [cited Jan 4, 2019];45(1):43-9. Available from: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=198150&indexSearch=ID
http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind....
).

A “Escala Razões para Fumar Modificada” foi desenvolvida com o intuito de avaliar as razões das pessoas para fumar tabaco(1515. Souza EST, Crippa JAS, Pasian SR, Martinez JAB. Modified Reasons for Smoking Scale: translation to Portuguese, cross-cultural adaptation for use in Brazil and evaluation of test-retest reliability. J Bras Pneumol. [Internet]. 2009 Jul 15 [cited Jan 4, 2019];35(7):683-9. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132009000700010&lng=en&nrm=iso&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). É composta por 21 afirmativas e avalia sete fatores: 1) dependência; 2) prazer de fumar; 3) redução da tensão/relaxamento; 4) tabagismo social; 5) estimulação; 6) hábito/automatismo; e 7) manuseio. Os participantes indicam o quanto cada afirmativa se aplica ao seu cotidiano: (1) nunca; (2) raramente; (3) às vezes; (4) frequentemente; e (5) sempre.

A análise estatística foi realizada no Stata/SE (versão 12.1). Calculou-se frequência absoluta e relativa (%) com aplicação do teste do qui-quadrado, ao nível de significância (α) de 5%. O teste do qui-quadrado foi utilizado com o intuito de identificar evidências estatísticas de associação entre a variável desfecho “fumo atual de tabaco” com as demais variáveis, testadas duas a duas.

Embora a “Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica” forneça cinco possíveis classificações para os sintomas: 1) ausente; 2) muito leve ou com presença duvidosa; 3) presente em grau leve; 4) presente em grau moderado; e 5) presente em grau grave o extremo,(1414. Romano F, Elkis H. Translation and adaptation of the Brief Psychiatric Rating Scale-anchored version (BPRS-A). J Bras Psiquiatr. [Internet]. 1996 Jan 3 [cited Jan 4, 2019];45(1):43-9. Available from: http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=198150&indexSearch=ID
http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind....
) devido ao tamanho amostral, para a análise estatística do presente estudo, optou-se por três categorias para cada sintoma: 1) ausente; 2) muito leve, presença duvidosa ou leve; 3) moderado a severo extremo.

Para estimar a força da associação, aplicou-se o coeficiente V de Cramér nos casos em que o teste qui-quadrado indicou p < 0,05. A classificação da associação foi fraca, moderada e forte.

Por fim, analisaram-se as respostas dos 134 fumantes por meio da escala “Razões para Fumar Modificada”. Para tanto, considerou-se como variável desfecho cada um dos sete domínios avaliados pela escala (redução da tensão/relaxamento, dependência, prazer de fumar, manuseio, estimulação, tabagismo social e hábito/automatismo). O teste de Kruskal-Wallis foi aplicado para analisar os domínios (razões para fumar) segundo os locais do estudo (Ambulatório de Saúde Mental, Hospital Psiquiátrico e Unidade Básica de Saúde).

Os resultados foram discutidos com base na literatura científica, relativa a esse tema.

Resultados

Dos 378 participantes, 67% eram mulheres, 69% tinham mais de 40 anos de idade e 56% tinham estudado até o ensino fundamental. Na Unidade Básica de Saúde, 29% tinham diagnóstico psiquiátrico registrado em seu prontuário. No Ambulatório de Saúde Mental e no Hospital Psiquiátrico, esse percentual foi de 100%.

A prevalência de fumantes foi diferente nos três locais investigados (ambulatório= 27%, hospital= 60%, unidade básica de saúde= 19%).

Na Tabela 1 são comparadas as características pessoais e sociodemográficas dos fumantes (n= 134) e dos não fumantes (n= 244).

Tabela 1
Frequência absoluta e relativa (%) da identificação e perfil sociodemográfico dos participantes, segundo o fumo de tabaco (n= 378). Marília, SP, Brasil, 2016

A partir desses dados, observa-se que, enquanto aproximadamente metade dos homens fumava tabaco, a maioria das mulheres era não fumante. Os não fumantes prevaleceram em todas as idades, porém sua maior frequência foi notada entre os mais velhos (≥ 60 anos). A prevalência de fumantes foi maior entre os jovens (15 a 29 anos) e diminuiu conforme o envelhecimento.

A maior prevalência de fumantes foi identificada entre os analfabetos e entre quem estudou até o ensino fundamental; a de não fumantes, entre aqueles com ensino superior.

Enquanto os não fumantes sobressaíram-se entre os casados, separados/divorciados e viúvos, entre os solteiros, quase metade era fumante. Coerente com o estado civil, as maiores prevalências de fumantes foram identificadas entre quem vivia sem companheiro.

Houve maior prevalência de fumantes entre os entrevistados sem ocupação e entre os aposentados. A prevalência de não fumantes foi superior entre os trabalhadores e as donas de casa.

A prevalência de fumantes foi maior entre quem declarou não ter ocupação atual, assim como foi superior entre aqueles que recebiam mais de um benefício do governo. Metade dos fumantes declarou ter abandonado algum vínculo empregatício quando diagnosticado com o transtorno mental.

Em relação ao perfil clínico, maior prevalência de fumantes foi observada entre as pessoas com diagnóstico de esquizofrenia/transtorno esquizoafetivo, seguidas por aquelas com transtornos de personalidade. Os não fumantes predominaram entre aqueles sem diagnóstico psiquiátrico, com transtornos do humor e com transtornos ansiosos (Tabela 2).

Tabela 2
Frequência absoluta e relativa (%) do perfil clínico dos participantes deste estudo segundo o fumo de tabaco (n= 378). Marília, SP, Brasil, 2016

Enquanto a maioria dos participantes que nunca tinham tentado suicídio não fumava tabaco, aqueles que haviam tentado quatro ou mais vezes eram fumantes.

Ao avaliar a presença e a gravidade dos sintomas psiquiátricos, durante os três dias que antecederam a entrevista, os fumantes se destacaram com os sintomas mais graves. Três quartos dos entrevistados classificados, no escore total da “Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica”, como “síndrome maior” fumavam tabaco.

Conforme observado na Tabela 2, dentre os 288 portadores de transtornos mentais, a ampla maioria dos que haviam sido diagnosticados há menos de um ano era não fumante. Os fumantes prevaleceram entre aqueles com mais tempo de diagnóstico. No entanto, não foi constatada diferença expressiva entre os participantes diagnosticados entre 12 anos ou menos e aqueles diagnosticados há mais de 12 anos.

As maiores prevalências de fumantes ocorreram entre quem utiliza três ou mais psicofármacos e antipsicóticos de 1ᵃ geração.

Constatou-se diferença na história de internações psiquiátricas, segundo o uso de tabaco. Entre quem nunca havia internado, a maioria era não fumante, enquanto que grande parte dos que haviam passado por quatro ou mais internações era fumante. Conforme o aumento do número de internações, a prevalência de fumantes aumentou e a de não fumantes diminuiu.

Na Tabela 3, compara-se, entre os fumantes e os não fumantes, a sintomatologia psiquiátrica relacionada ao pensamento, à sensopercepção e ao comportamento.

Tabela 3
Frequência absoluta e relativa (%) da gravidade dos sintomas psiquiátricos relacionados ao pensamento, à sensopercepção e ao comportamento, apresentados durante os três dias anteriores à entrevista, segundo o fumo de tabaco (n= 378). Marília, SP, Brasil, 2016

Na Tabela 4 são detalhados os sintomas psiquiátricos da “Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica” relacionados à orientação, à ansiedade e ao humor/afeto.

Tabela 4
Frequência absoluta e relativa (%) da gravidade dos sintomas psiquiátricos relacionados à orientação, à ansiedade, ao humor/afeto, apresentados durante os três dias anteriores à entrevista, segundo o uso de tabaco (n= 378). Marília, SP, Brasil, 2016

Vale observar que foram poucos os que apresentaram retraimento emocional (n= 14), desorganização conceitual (incoerência) (n= 8), distúrbios motores específicos (n= 4), retardo psicomotor (n= 5), falta de cooperação (n= 6) e agitação psicomotora (n= 8). Esse resultado era esperado, considerando que pessoas com essas alterações dificilmente teriam condições de participar das entrevistas.

Entre os domínios avaliados pela “Escala Razões para Fumar Modificada” predominou, entre os 134 fumantes, o que dizia respeito ao fumo como ajuda para lidar com os afetos negativos (redução da tensão/relaxamento), tendo superado, inclusive, o que avaliava a dependência do tabaco: 1) redução da tensão/relaxamento (média= 3,7, desvio padrão= 1,2); 2) dependência (média= 3,6, desvio padrão= 1,3); 3) prazer de fumar (média= 3,5, desvio padrão= 1,1); 4) manuseio (média= 3,1, desvio padrão= 1,4); 5) estimulação (média= 3,0, desvio padrão= 1,4); 6) tabagismo social (média= 2,8, desvio padrão= 1,4); e 7) hábito/automatismo (média= 2,4, desvio padrão= 1,2).

Ao comparar os domínios da “Escala Razões para Fumar Modificada” entre os fumantes do Ambulatório de Saúde Mental, do Hospital Psiquiátrico e da Unidade Básica de Saúde, o teste de Kruskal-Wallis indicou diferença somente ao comparar o domínio “manuseio” (p= 0,043), tendo sido maior o escore médio para os fumantes do hospital psiquiátrico (3,3) em comparação aos fumantes do ambulatório (3,1) e da unidade básica de saúde (2,5).

Discussão

O presente estudo identificou que os fumantes são representados, predominantemente, por homens, jovens e solteiros e por aqueles com prejuízos socioeconômicos (analfabetos ou com poucos anos de estudo, pessoas sem vínculo empregatício e que recebem benefícios sociais do governo).

Este estudo está em consonância com a literatura científica no que diz respeito às pessoas em vulnerabilidade socioeconômica terem maior predisposição ao uso do tabaco(1616. Levinson AH. Where the U.S. tobacco epidemic still rages: Most remaining smokers have lower socioeconomic status. J Health Care Poor Underserved. [Internet]. 2017 Sep 30 [cited Jan 4, 2019];28(1):100-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28238991 doi: 10.1353/hpu.2017.0012.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2823...
1919. Prochaska JJ, Michalek AK, Brown-Johnson C, Daza EJ, Baiocchi M, Anzai N, et al. Likelihood of Unemployed Smokers vs Nonsmokers Attaining Reemployment in a One-Year Observational Study. JAMA Intern Med. [Internet]. 2016 May 1 [cited Jan 4, 2019];176(5):662-70. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27065044 doi: 10.1001/jamainternmed.2016.0772.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2706...
). Todavia, alerta-se para um ciclo vicioso, no qual as desvantagens sociais tornam as pessoas mais vulneráveis ao tabagismo e tornar-se tabagista contribui para agravo dessas desvantagens (fumantes deixam de comprar itens essenciais como comida e remédios para adquirir cigarros)(1818. Drope J, Schluger, NW. [Internet]. The tobacco atlas. Georgia: American Cancer Society, 2018. [cited Jul 3, 2018]. Available from: https://tobaccoatlas.org/wp-content/uploads/2018/03/TobaccoAtlas_6thEdition_LoRes_Rev0318.pdf
https://tobaccoatlas.org/wp-content/uplo...
).

Um estudo americano, longitudinal, com 131 fumantes e 120 não fumantes, em busca de emprego, ajuda a compreender essa situação. Quase metade dos fumantes (45,8%) relatou ter sido discriminada, em empregos anteriores, por fumar tabaco e 8,4% admitiram terem sido demitidos por esse motivo. Embora 29% tenham reconhecido que ser fumante dificulta a conquista de um novo emprego, a compra de tabaco foi listada como a maior prioridade financeira, tendo superado inclusive os gastos com alimentação(1919. Prochaska JJ, Michalek AK, Brown-Johnson C, Daza EJ, Baiocchi M, Anzai N, et al. Likelihood of Unemployed Smokers vs Nonsmokers Attaining Reemployment in a One-Year Observational Study. JAMA Intern Med. [Internet]. 2016 May 1 [cited Jan 4, 2019];176(5):662-70. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27065044 doi: 10.1001/jamainternmed.2016.0772.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2706...
).

Após serem acompanhados por 12 meses, constatou-se que aqueles que não fumavam tiveram mais sucesso (55,6%) em se recolocar no mercado de trabalho do que os fumantes (26,6%). Estimou-se que se os 131 fumantes parassem de fumar o percentual de reemprego aumentaria em 30%, independente de tempo de desemprego, idade, escolaridade, raça/etnia e condições de saúde(1919. Prochaska JJ, Michalek AK, Brown-Johnson C, Daza EJ, Baiocchi M, Anzai N, et al. Likelihood of Unemployed Smokers vs Nonsmokers Attaining Reemployment in a One-Year Observational Study. JAMA Intern Med. [Internet]. 2016 May 1 [cited Jan 4, 2019];176(5):662-70. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27065044 doi: 10.1001/jamainternmed.2016.0772.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2706...
).

A vulnerabilidade socioeconômica ajuda a compreender, em parte, a menor prevalência de fumantes no ambulatório de saúde mental, se comparado ao hospital psiquiátrico. Por ser o tratamento psiquiátrico demasiadamente caro (por exemplo, cada consulta psiquiátrica é cobrada sem a existência de consultas de retorno como nas demais especialidades), é comum encontrar, nos serviços de saúde mental, pessoas com boas condições econômicas.

Em relação ao perfil clínico, este estudo revelou maior prevalência de fumantes entre os pacientes psiquiátricos mais graves (diagnóstico de esquizofrenia ou de transtorno esquizoafetivo), com sintomas intensos, com maior tempo de diagnóstico, em uso de três ou mais psicofármacos, especialmente, antipsicóticos de primeira geração, com história de quatro ou mais internações psiquiátricas, assim como quatro ou mais tentativas de suicídio.

É interessante notar que o perfil clínico dos fumantes coincidiu com as características predominantes entre os participantes abordados no hospital psiquiátrico, coincidentemente local onde havia a maior prevalência de fumantes em relação aos demais.

Assim como encontrado neste trabalho, a maior prevalência de fumantes entre os esquizofrênicos, se comparados às pessoas diagnosticadas com os demais transtornos mentais, é amplamente reconhecida na literatura científica(33. Li XH, An FR, Ungvari GS, Ng CH, Chiu HFK, Wu PP, et al. Prevalence of smoking in patients with bipolar disorder, major depressive disorder and schizophrenia and their relationships with quality of life. Sci Rep. [Internet]. 2017 Aug 16 [cited Jan 4, 2019];7(8430):1-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5559601/ doi: 10.1038/s41598-017-07928-9
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,55. Cather C, Pachas GN, Cieslak KM, Evins AE. Achieving Smoking Cessation in Individuals with Schizophrenia: Special Considerations. CNS Drugs. [Internet]. 2017 Jun 1 [cited Jan 4, 2019];31(6):471-81. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28550660 doi: 10.1007/s40263-017-0438-8.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2855...
66. Parikh V, Kutlu MG, Gould TJ. nAChR dysfunction as a common substrate for schizophrenia and comorbid nicotine addiction: Current trends and perspectives. Schizophr Res. [Internet]. 2016 Mar 10 [cited Jan 4, 2019];171(1-3):1-15. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26803692 doi: 10.1016/j.schres.2016.01.020.
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,2020. Hartz SM, Pato CN, Medeiros H, Cavazos-Rehg P, Sobell JL, Knowles JA, et al. Comorbidity of severe psychotic disorders with measures of substance use. JAMA Psychiatry. [Internet]. 2014 Mar 1 [cited Jan 4, 2019];71(3):248-54. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4060740/ doi: 10.1001/jamapsychiatry.2013.3726
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

A teoria da automedicação expõe que o tabaco melhoraria os sintomas cognitivos da esquizofrenia ao aumentar a liberação de dopamina e do glutamato no córtex pré-frontal e ao regular o processo sensorial auditivo de modo que o esquizofrênico consiga filtrar aqueles estímulos irrelevantes do ambiente que prejudicam suas funções cognitivas (atenção, concentração, memória).

Os sintomas negativos (anedonia, embotamento afetivo, lentificação psicomotora, perda de iniciativa), por sua vez, seriam amenizados pela capacidade do tabaco em atuar nos deficit no sistema de recompensa cerebral, comumente apresentados pelos esquizofrênicos, justificando a maior fissura entre eles(66. Parikh V, Kutlu MG, Gould TJ. nAChR dysfunction as a common substrate for schizophrenia and comorbid nicotine addiction: Current trends and perspectives. Schizophr Res. [Internet]. 2016 Mar 10 [cited Jan 4, 2019];171(1-3):1-15. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26803692 doi: 10.1016/j.schres.2016.01.020.
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,2121. Adler LE, Olincy A, Waldo M, Harris JG, Griffith J, Stevens K, et al. Schizophrenia, sensory gating, and nicotinic receptors. Schizophr Bull. [Internet]. 1998 Feb 1[cited Jan 4, 2019];24(2):189-202. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9613620
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2222. Krishnadas R, Jauhar S, Telfer S, Shivashankar S, McCreadie RG. Nicotine dependence and illness severity in schizophrenia. Br J Psychiatry. [Internet]. 2012 Oct 13 [cited Jan 4, 2019];201(4):306-12. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22878134 doi: 10.1192/bjp.bp.111.107953.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2287...
).

Os dados da presente pesquisa levam a pensar na verossimilidade dessa teoria, uma vez que quase dois terços dos que utilizavam apenas os antipsicóticos de primeira geração eram fumantes, ao passo que a maioria dos que utilizavam somente os de segunda geração era não fumante.

Esse achado é coerente com a literatura científica que mostra que os indivíduos em uso de antipsicóticos de primeira geração são mais propensos ao uso de tabaco do que aqueles tratados com antipsicóticos de segunda geração(2323. Mallet J, Le Strat Y, Schürhoff F, Mazer N, Portalier C, Andrianarisoa M, et al. Tobacco smoking is associated with antipsychotic medication, physical aggressiveness, and alcohol use disorder in schizophrenia: results from the FACE-SZ national cohort. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. [Internet]. 2018 Feb 2. [cited Jan 4, 2019]. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29396753 doi: 10.1007/s00406-018-0873-7. Epub 2018 Jul 3.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2939...
2525. Wijesundera H, Hanwella R, de Silva VA. Antipsychotic medication and tobacco use among outpatients with schizophrenia: a cross-sectional study. Ann Gen Psychiatry. [Internet]. 2014 Mar 19 [cited Jan 4, 2019];13(1):7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24642279 doi: 10.1186/1744-859X-13-7.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2464...
).

Em síntese, os antipsicóticos de primeira geração atuam somente nos sintomas positivos (delírios, alucinações, entre outros). O esquizofrênico, em uso deste tipo de psicofármaco, encontraria no tabaco uma forma de reverter, temporariamente, os sintomas cognitivos ao induzir o aumento da dopamina e do glutamato no córtex pré-frontal (66. Parikh V, Kutlu MG, Gould TJ. nAChR dysfunction as a common substrate for schizophrenia and comorbid nicotine addiction: Current trends and perspectives. Schizophr Res. [Internet]. 2016 Mar 10 [cited Jan 4, 2019];171(1-3):1-15. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26803692 doi: 10.1016/j.schres.2016.01.020.
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,2626. Aubin HJ, Rollema H, Svensson TH, Winterer G. Smoking, quitting, and psychiatric disease: a review. Neurosci Biobehav Rev. [Internet]. 2012 Jan 1 [cited Jan 4, 2019];36(1):271-84. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21723317 doi: 10.1016/j.neubiorev.2011.06.007.
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2828. Winterer G. Why do patients with schizophrenia smoke? Curr Opin Psychiatry. [Internet]. 2010 Mar 1 [cited Jan 4, 2019];23(2):112-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20051860 doi: 10.1097/YCO.0b013e3283366643.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2005...
). Segundo a teoria da automedicação, a menor prevalência de fumantes entre as pessoas que usavam somente antipsicóticos de segunda geração se justificaria pelo fato que essa classe de psicofármacos atua tanto nos sintomas positivos como nos negativos da esquizofrenia. Portanto, o fumo de tabaco, como forma de automedicação dos sintomas cognitivos, não é um argumento utilizado pelo portador de transtorno mental em uso de antipsicóticos de segunda geração.

Apesar da hipotética melhora dos sintomas negativos e cognitivos com o uso de tabaco, há evidências de que o tabaco agrava os sintomas positivos da esquizofrenia ao aumentar a atividade dopaminérgica na região mesolímbica, o que justificaria, ao menos em parte, o pior prognóstico identificado entre os fumantes(1818. Drope J, Schluger, NW. [Internet]. The tobacco atlas. Georgia: American Cancer Society, 2018. [cited Jul 3, 2018]. Available from: https://tobaccoatlas.org/wp-content/uploads/2018/03/TobaccoAtlas_6thEdition_LoRes_Rev0318.pdf
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,2222. Krishnadas R, Jauhar S, Telfer S, Shivashankar S, McCreadie RG. Nicotine dependence and illness severity in schizophrenia. Br J Psychiatry. [Internet]. 2012 Oct 13 [cited Jan 4, 2019];201(4):306-12. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22878134 doi: 10.1192/bjp.bp.111.107953.
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,2929. Segarra R, Zabala A, Eguíluz JI, Ojeda N, Elizagarate E, Sánchez P, et al. Cognitive performance and smoking in first-episode psychosis: the self-medication hypothesis. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. [Internet]. 2011 Jun 1 [cited Jan 4, 2019];261(4):241-50. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20839003 doi: 10.1007/s00406-010-0146-6.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2083...
).

De fato, uma parcela expressiva das pessoas que apresentaram delírios e alucinações, nos dias que antecederam a entrevista, era fumante.

Independente da veracidade ou não da teoria da automedicação, o fato é que os fumantes foram os que apresentaram sintomas psiquiátricos mais intensos (escore total na “Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica”). Esses resultados foram coerentes com outros estudos(2222. Krishnadas R, Jauhar S, Telfer S, Shivashankar S, McCreadie RG. Nicotine dependence and illness severity in schizophrenia. Br J Psychiatry. [Internet]. 2012 Oct 13 [cited Jan 4, 2019];201(4):306-12. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22878134 doi: 10.1192/bjp.bp.111.107953.
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,3030. Meszaros ZS, Dimmock JA, Ploutz-Snyder RJ, Abdul-Malak Y, Leontieva L, Canfield K, et al. Predictors of smoking severity in patients with schizophrenia and alcohol use disorders. Am J Addict. [Internet]. 2011 Sep 2 [cited Jan 4, 2019];20(5):462-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21838846 doi: 10.1111/j.1521-0391.2011.00150.x.
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3131. de Beaurepaire R, Rat P, Beauverie P, Houery M, Niel P, Castéra S, et al. Is smoking linked to positive symptoms in acutely ill psychiatric patients? Nord J Psychiatry. [Internet]. 2012 Sep 1 [cited Jan 4, 2019];66(4):225-31. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21905972 doi: 10.3109/08039488.2011.610468.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2190...
).

A maior intensidade dos sintomas psiquiátricos, entre os fumantes, está de acordo com algumas teorias que explicam que embora possa haver melhora dos sintomas negativos, cognitivos e da ansiedade, no início do tabagismo, o uso crônico do tabaco pode reverter esse efeito, intensificando os sintomas(1818. Drope J, Schluger, NW. [Internet]. The tobacco atlas. Georgia: American Cancer Society, 2018. [cited Jul 3, 2018]. Available from: https://tobaccoatlas.org/wp-content/uploads/2018/03/TobaccoAtlas_6thEdition_LoRes_Rev0318.pdf
https://tobaccoatlas.org/wp-content/uplo...
,2929. Segarra R, Zabala A, Eguíluz JI, Ojeda N, Elizagarate E, Sánchez P, et al. Cognitive performance and smoking in first-episode psychosis: the self-medication hypothesis. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. [Internet]. 2011 Jun 1 [cited Jan 4, 2019];261(4):241-50. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20839003 doi: 10.1007/s00406-010-0146-6.
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,3232. Evans DE, Drobes DJ. Nicotine self-medication of cognitive-attentional processing. Addict Biol.[Internet]. 2009 Jan 28 [cited Jan 4, 2019];14(1):32-42. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18855804 doi: 10.1111/j.1369-1600.2008.00130.x.
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3333. Evatt DP, Kassel JD. Smoking, arousal, and affect: the role of anxiety sensitivity. J Anxiety Disord. [Internet]. 2010 Jan 10 [cited Jan 4, 2019];24(1):114-23. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19819669 doi: 10.1016/j.janxdis.2009.09.006.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1981...
).

Complementando a teoria da automedicação, estudos evidenciam que o uso do tabaco interfere no metabolismo dos psicofármacos, diminuindo sua concentração no plasma. Por isso, os pacientes psiquiátricos recorreriam de forma mais intensa ao tabaco como forma de aliviar os efeitos colaterais, especialmente no caso dos antipsicóticos de primeira geração(66. Parikh V, Kutlu MG, Gould TJ. nAChR dysfunction as a common substrate for schizophrenia and comorbid nicotine addiction: Current trends and perspectives. Schizophr Res. [Internet]. 2016 Mar 10 [cited Jan 4, 2019];171(1-3):1-15. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26803692 doi: 10.1016/j.schres.2016.01.020.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2680...
,2222. Krishnadas R, Jauhar S, Telfer S, Shivashankar S, McCreadie RG. Nicotine dependence and illness severity in schizophrenia. Br J Psychiatry. [Internet]. 2012 Oct 13 [cited Jan 4, 2019];201(4):306-12. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22878134 doi: 10.1192/bjp.bp.111.107953.
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,3434. Zevin S, Benowitz NL. Drug interactions with tobacco smoking. An update. Clin Pharmacokinet. [Internet]. 1999 Jun 5 [cited Jan 4, 2019];36(6):425-38. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10427467
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1042...
).

Nessa mesma linha, o estudo brasileiro em Unidade Psiquiátrica de Hospital Geral constatou que 50% dos fumantes, com diagnóstico de esquizofrenia, justificavam a manutenção do fumo com a intenção de aliviar os efeitos colaterais dos psicofármacos(3535. Oliveira RM, Santos JLF, Furegato ARF. Tobacco addiction in the psychiatric population and in the general population. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2017 Dec 4 [cited Jan 4, 2019];25:e2945. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5738870/ doi: 10.1590/1518-8345.2202.2945.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

A interferência do tabaco no metabolismo dos psicofármacos explicaria os sintomas psiquiátricos mais intensos, a maior quantidade de psicofármacos prescritos, a maior ocorrência de internações psiquiátricas e de tentativas de suicídio.

A relação entre tabagismo e internações psiquiátricas é assunto recorrente na literatura científica. O estudo brasileiro, realizado em hospitais psiquiátricos e Centros de Atenção Psicossocial das cinco regiões do país, verificou que a prevalência de fumantes, independentemente de outros fatores, é 69% maior entre os pacientes com história prévia de internação psiquiátrica em comparação aos não fumantes(3636. Barros FC, Melo AP, Cournos F, Cherchiglia ML, Peixoto ER, Guimarães MD. Cigarette smoking among psychiatric patients in Brazil. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2014 Jun 9 [cited Jan 4, 2019];30(6):1195-206. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25099043
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2509...
). No presente estudo, despertou atenção, de modo especial, as tentativas de suicídio, visto que a prevalência de fumantes aumentou conforme o número de tentativas. Os não fumantes, por sua vez, seguiram direção oposta à dos fumantes.

Esse resultado é corroborado com outros estudos(3737. Berlin I, Hakes JK, Hu MC, Covey LS. Tobacco use and suicide attempts: longitudinal analysis with retrospective reports. PLoS One. [Internet]. 2015 Apr 7 [cited Jan 4, 2019];10(4):e0122607. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25849514 doi: 10.1371/journal.pone.0122607.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2584...
3939. Lucas M, O'Reilly EJ, Mirzaei F, Okereke OI, Unger L, Miller M, et al. Cigarette smoking and completed suicide: results from 3 prospective cohorts of American adults. J Affect Disord. [Internet]. 2013 Dec 1 [cited Jan 4, 2019];151(3):1053-8. Available from: doi: 10.1016/j.jad.2013.08.033.
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.08.03...
). A relação entre suicídio e tabagismo recebeu destaque quando estudos de coorte identificaram o uso de tabaco e sua elevada dependência como fator de risco para comportamentos suicidas, mesmo após ajustar para variáveis psiquiátricas.

Somaram-se a isso as evidências de efeito dose resposta à medida que quanto maior o número de cigarros fumados/dia, maior o risco de suicídio. Além do mais, houve indício de diminuição desse risco com a cessação do fumo(3737. Berlin I, Hakes JK, Hu MC, Covey LS. Tobacco use and suicide attempts: longitudinal analysis with retrospective reports. PLoS One. [Internet]. 2015 Apr 7 [cited Jan 4, 2019];10(4):e0122607. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25849514 doi: 10.1371/journal.pone.0122607.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2584...
3939. Lucas M, O'Reilly EJ, Mirzaei F, Okereke OI, Unger L, Miller M, et al. Cigarette smoking and completed suicide: results from 3 prospective cohorts of American adults. J Affect Disord. [Internet]. 2013 Dec 1 [cited Jan 4, 2019];151(3):1053-8. Available from: doi: 10.1016/j.jad.2013.08.033.
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.08.03...
).

É imperativo ponderar que o número de internações psiquiátricas, assim como o de tentativas de suicídio e de psicofármacos prescritos, são variáveis que retratam, indiretamente, o tempo de diagnóstico psiquiátrico.

Infere-se, portanto, que independente da comprovação da teoria da automedicação e da interferência do tabaco na ação dos psicofármacos, o maior número de internações, de tentativas de suicídio e de psicofármacos expressa a gravidade e a cronicidade dos transtornos mentais, uma vez que não há dúvida de que a prevalência de fumantes é mais expressiva entre aqueles com mais tempo de diagnóstico, assim como confirmado em outros estudos(44. Medeiros GC, Lafer B, Kapczinski F, Miranda-Scippa Â, Almeida KM. Bipolar disorder and tobacco smoking: Categorical and dimensional clinical correlates in subjects from the Brazilian bipolar research network. Compr Psychiatry. [Internet]. 2018 Apr 10 [cited Jan 4, 2019];82:14-21. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29367058 doi: 10.1016/j.comppsych.2017.12.003.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2936...
,3535. Oliveira RM, Santos JLF, Furegato ARF. Tobacco addiction in the psychiatric population and in the general population. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2017 Dec 4 [cited Jan 4, 2019];25:e2945. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5738870/ doi: 10.1590/1518-8345.2202.2945.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
,4040. Dickerson F, Stallings CR, Origoni AE, Vaughan C, Khushalani S, Schroeder J, et al. Cigarette smoking among persons with schizophrenia or bipolar disorder in routine clinicalsettings, 1999-2011. Psychiatr Serv. [Internet]. 2013 Jan 1 [cited Jan 4, 2019];64(1):44-50. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23280457 doi: 10.1176/appi.ps.201200143.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2328...
).

A principal razão, alegada como motivação dos fumantes que participaram deste estudo para usar tabaco, foi a redução da tensão/relaxamento.

O uso do tabaco como tentativa de aliviar a ansiedade é conhecido. Estudo escocês com 131 esquizofrênicos mostrou que 60% dos fumantes usavam tabaco para relaxar e 31% por se sentirem ansiosos ou deprimidos(2222. Krishnadas R, Jauhar S, Telfer S, Shivashankar S, McCreadie RG. Nicotine dependence and illness severity in schizophrenia. Br J Psychiatry. [Internet]. 2012 Oct 13 [cited Jan 4, 2019];201(4):306-12. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22878134 doi: 10.1192/bjp.bp.111.107953.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2287...
). De modo semelhante, o estudo brasileiro com 270 pacientes psiquiátricos revelou que 79% dos fumantes acreditavam na função ansiolítica do tabaco(3535. Oliveira RM, Santos JLF, Furegato ARF. Tobacco addiction in the psychiatric population and in the general population. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2017 Dec 4 [cited Jan 4, 2019];25:e2945. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5738870/ doi: 10.1590/1518-8345.2202.2945.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Apesar do exposto, é preciso ter prudência em face desses resultados. Embora ainda seja possível identificar pessoas que utilizam o tabaco para se sentirem menos ansiosas e mais seguras nas interações sociais, essa é uma realidade que está sendo modificada, pois o fumo de tabaco está passando de um ato glamouroso para uma conduta condenada pela sociedade(4141. Castaldelli-Maia JM, Ventriglio A, Bhugra D. Tobacco smoking: From ‘glamour’ to ‘stigma’. A comprehensive review. Psychiatry Clin Neurosci. [Internet]. 2016 Jan 30 [cited Jan 4, 2019];70(1):24-33. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26449875 doi: 10.1111/pcn.12365.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2644...
).

Com a maior prevalência de fumantes entre a população psiquiátrica e a menor tolerância da sociedade ao fumo nos ambientes coletivos, a tendência é que os portadores de transtornos mentais sejam ainda mais discriminados e excluídos do convívio social.

O presente estudo fornece, aos enfermeiros e demais profissionais de saúde, elementos para melhor compreensão sobre o tabagismo, uma vez que apresenta o perfil pessoal, sociodemográfico e clínico, bem como as razões dessas pessoas para fumar cigarros. Acredita-se que esse conhecimento possa contribuir para o planejamento de intervenções futuras em toda a rede de serviços de saúde, de programas educativos e cuidados diretos ao portador de transtorno mental. Além disso, esta pesquisa fornece aos enfermeiros um novo conhecimento, visto que essa temática tem sido pouco investigada na literatura científica brasileira.

Limitações: 1) amostra restrita às pessoas atendidas em serviços de saúde de um único município do interior paulista; 2) não foi realizada análise multivariada.

Conclusão

A prevalência de fumantes é superior entre a população psiquiátrica, especialmente a hospitalizada.

Ao considerar tanto a população psiquiátrica quanto a população geral, esta pesquisa identificou que os fumantes são representados, predominantemente, por homens, jovens e solteiros e por aqueles com prejuízos socioeconômicos (analfabetos ou com poucos anos de estudo, pessoas sem vínculo empregatício e que recebem benefícios sociais do governo).

Em relação ao perfil clínico, este trabalho revelou maior prevalência de fumantes entre os pacientes psiquiátricos mais graves (diagnóstico de esquizofrenia ou de transtorno esquizoafetivo), com sintomas intensos, com maior tempo de diagnóstico, em uso de três ou mais psicofármacos, especialmente antipsicóticos de primeira geração, com história de quatro ou mais internações psiquiátricas, assim como quatro ou mais tentativas de suicídio.

A principal razão alegada para justificar a manutenção do fumo de cigarros é a obtenção de alívio da tensão e relaxamento.

Espera-se que o presente estudo forneça, aos enfermeiros e aos demais profissionais de saúde, conhecimento capaz de subsidiar projetos educativos, assim como planejamento de intervenções do tabagismo na população psiquiátrica brasileira.

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    Artigo extraído da tese de doutorado “Prevalência e perfil epidemiológico do uso de tabaco da população psiquiátrica dos níveis secundário e terciário de atenção comparados à população geral da rede básica de saúde”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2018
  • Aceito
    07 Fev 2019
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