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Aquisição de conhecimentos sobre saúde sexual por pessoas cegas: uma pesquisa-ação* * Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo n° 482371/2012-9.

Resumos

Objetivo:

avaliar o conhecimento sobre a saúde sexual, junto a pessoas cegas, antes e depois de intervenção educativa.

Método:

pesquisa-ação realizada com 58 pessoas cegas matriculadas em instituição educacional filantrópica. Utilizou-se formulário com variáveis sociodemográficas e de conhecimento sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis. Efetuaram-se os testes de Qui-quadrado e Fisher.

Resultados:

os homens apresentaram maior frequência de etilismo (p<0,001) e drogas ilícitas (p=0,006). Constatou-se que estes usavam preservativo masculino com mais frequência em relação às mulheres com o uso do preservativo feminino (p=0,003), embora estas apresentassem maior conhecimento acerca das formas de prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis (p=0,006). Dentre essas infecções, verificou-se, como mais frequente, a Trichomonas vaginalis (52,4%). Identificaram-se lacunas do conhecimento sobre fatores de risco e sexo seguro. Após a intervenção, detectou-se a ampliação do conhecimento sobre saúde sexual.

Conclusão:

a intervenção educativa, à luz da pedagogia problematizadora, (re) construiu o conhecimento sobre saúde sexual, empoderando os participantes quanto à prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis. Portanto, é mister que enfermeiros executem intervenções educativas para com esta clientela, visando a amenizar deficits de conhecimentos sobre a temática em tela.

Descritores:
Enfermagem; Saúde Sexual; Cegueira; Doenças Sexualmente Transmissíveis


Objective:

to evaluate knowledge about sexual health, with blind people, before and after educational intervention.

Method:

action research conducted with 58 blind people enrolled in a philanthropic educational institution. A form with sociodemographic and knowledge variables about Sexually Transmitted Infections was used. The Chi-square and Fisher tests were performed.

Results:

men presented higher frequency of alcoholism (p <0.001) and illicit drugs (p = 0.006). It was found that they used a male condom more frequently than women using a female condom (p = 0.003), although they had more knowledge about the prevention of Sexually Transmitted Infections (p = 0.006). Among these infections, Trichomonas vaginalis (52.4%) was more frequent. Knowledge gaps on risk factors and safe sex were identified. After the intervention, an increase in the knowledge about sexual health was detected.

Conclusion:

the educational intervention, in the light of problematizing pedagogy, (re) constructed the knowledge on sexual health, empowering the participants regarding the prevention of Sexually Transmitted Infections. Therefore, it is necessary that nurses carry out educational interventions with this clientele, aiming to soften deficits of knowledge about the thematic in screen.

Descriptors:
Nursing; Sexual Health; Blindness; Sexually Transmitted Diseases; Knowledge; Health Education


Objetivo:

evaluar el conocimiento sobre la salud sexual, junto a personas ciegas, antes y después de intervención educativa.

Método:

investigación-acción, realizada con 58 personas ciegas, matriculadas en institución educativa filantrópica. Se utilizó formulario con variables sociodemográficas y de conocimiento sobre Infecciones Sexualmente Transmisibles. Se realizaron las pruebas de Chi-cuadrado y Fisher.

Resultados:

los hombres presentaron mayor frecuencia de etilismo (p <0,001) y drogas ilícitas (p = 0,006). Se constató que éstos usaban preservativo masculino con más frecuencia en relación a las mujeres con el uso del preservativo femenino (p = 0,003), aunque éstas presentaban mayor conocimiento acerca de las formas de prevención de las Infecciones Sexualmente Transmisibles (p = 0,006). Entre estas infecciones, se verificó, como más frecuente, la Trichomonas vaginalis (52,4%). Se identificaron lagunas del conocimiento sobre factores de riesgo y sexo seguro. Después de la intervención, se detectó la ampliación del conocimiento sobre salud sexual.

Conclusión:

la intervención educativa, a la luz de la pedagogía problematizadora, (re) construyó el conocimiento sobre salud sexual, empoderando a los participantes en la prevención de Infecciones Sexualmente Transmisibles. Por lo tanto, es menester que los enfermeros ejecuten intervenciones educativas para con esta clientela, con el fin de suavizar los déficits de conocimientos sobre la temática en pantalla.

Descriptores:
Enfermería; Salud Sexual; Ceguera; Enfermedades de Transmisión Sexual; Conocimiento; Educación em Salud


Introdução

No Brasil, as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) são consideradas grave problema de saúde pública, apesar de existir, em vigor, política nacional de prevenção e tratamento das IST/Human Immunodeficiency Virus (HIV)/Acquired Immunodeficiency Syndrome (Aids). Afirma-se que, em muitos centros de saúde, em todo o país, há carência de médicos e enfermeiros adequadamente treinados para cuidar de pacientes com essas infecções(11. Fagundes LJ, Vieira EE Jr, Moysés ACMC, Lima FD, Morais FRB, Vizinho NL. Sexually transmitted diseases in a specialized STD healthcare center: epidemiology and demographic profile from January 1999 to December 2009. An Bras Dermatol. 2013 Aug; 88 (4): 523-9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20132149
http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.2...
).

Para além das exceções e do despreparo de alguns profissionais, considere-se que a estimativa de incidência de infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV) é da ordem de 685.400 novos casos anualmente(22. Moura MRP, Costa ACM. HPV prevalence of HIV positive women attended in the center of reference STD/AIDS. Rev Enferm UFPI. [Internet]. 2014 Jun [cited Jul 10, 2018]; 3(2): 33-41. Available from: http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/article/view/1820
http://www.ojs.ufpi.br/index.php/reufpi/...
33. Leon ME, Shamekh R, Coppola D. Human papillomavirus-related squamous cell carcinoma of the anal canal with papillary features. Wld J Gastroenterol. 2015 Feb 21; 21(7): 2210-3. doi: http://dx.doi.org/10.3748/wjg.v21.i7.2210
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). Há a necessidade de intensificar campanhas para esclarecimento e prevenção em relação à Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae e à possível infertilidade decorrente dessas infecções tratáveis e que afetam, principalmente, a população jovem de menor renda(44. Lima YAR, Turchi MD, Fonseca ZC, Garcia FLB, Cardoso FAB, Reis MNG, et al. Sexually transmitted bacterial infections among young women in Central Western Brazil. Int J Infect Dis. 2014 May 9; 25:16-21. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2014.03.1389
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). Portanto, se a incidência ou a prevalência de IST é alta em um país ou região, os grupos vulneráveis às IST, nos aspectos biopsicosocioculturais e programáticos, têm risco maior de transmissão sexual pelo HIV(55. Sychareun V, Thomsen S, Chaleunvong K, Faxelid E. Risk perceptions of STIs/HIV and sexual risk behaviours among sexually experienced adolescents in the Northern part of Lao PDR. BMC Public Health. 2013 Dec 5; 13:1126. doi: https://doi.org/10.1186/1471-2458-13-1126
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).

Destaca-se que, apesar da prevenção e do tratamento das IST serem práticas inseridas no planejamento familiar, o acesso de usuários com esse tipo de infecção é marcado por procura mínima(66. Barbosa TLA, Gomes LMX, Holzmann APF, Paula AMB, Haikal DSA. Counseling about sexually transmitted diseases in primary care: perception and professional practice. Acta Paul Enferm. 2015 Dec; 28(6): 531-8. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500089
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). Nesse contexto, o segmento das pessoas com deficiência visual situa-se entre os grupos com maior vulnerabilidade aos riscos para a saúde(77. França DNO. Sexual rights, public policy and sex education on the discourse of blind people. Rev Bioética. 2014 Apr; 22(1):126-33. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422014000100014.
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), dado que a perda visual acarreta desvantagens e restrições à participação e ao desempenho em atividades diárias, prejudicando a independência, a autonomia e a qualidade de vida de pessoas com este agravo(88. Silva MR, Nobre MIRS, Carvalho KM, Montilha RCI. Visual impairment, rehabilitation and International Classification of Functioning, Disability and Health. Rev Bras Oftalmol. 2014 Oct; 73(5): 291-301. doi: http://dx.doi.org/10.5935/0034-7280.20140063
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).

Essas pessoas costumam narrar sentimentos de rejeição ou superproteção familiar, dificuldades em adquirir órteses e próteses para a autonomia, pouco investimento no estudo e na qualificação profissional, além de enfrentamento de barreiras físicas e atitudinais em serviços de saúde, bem como de obstáculos à vivência da sexualidade e maternidade(99. Nicolau SM, Schraiber LB, Ayres JRCM. Women with disabilities and their double vulnerability: contributions for setting up comprehensive health care practices. Ciênc Saúde Coletiva. 2013 Mar; 18(3):863-72. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000300032
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). Observa-se que estigmas sobre a sexualidade da população de pessoas com deficiência ainda estão presentes no século XXI, persistindo a crença de que estas não podem ter filhos e nem praticar o ato sexual(77. França DNO. Sexual rights, public policy and sex education on the discourse of blind people. Rev Bioética. 2014 Apr; 22(1):126-33. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422014000100014.
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,99. Nicolau SM, Schraiber LB, Ayres JRCM. Women with disabilities and their double vulnerability: contributions for setting up comprehensive health care practices. Ciênc Saúde Coletiva. 2013 Mar; 18(3):863-72. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000300032
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1010. Chappell P. How Zulu-speaking youth with physical and visual disabilities understand love and relationships in constructing their sexual identities. Cult Health Sex. 2014 Jul 18; 16 (9): 1156-68. doi: https://doi.org/10.1080/13691058.2014.933878
https://doi.org/10.1080/13691058.2014.93...
).

Em se tratando de mulheres com deficiência, os serviços de atenção primária pouco reconhecem os direitos sexuais e reprodutivos e a dupla vulnerabilidade que as acomete, fato que acarreta a persistência do perfil de fragilidade na assistência à saúde dessas pessoas em virtude da desarticulação e descontinuidade de ações nas esferas pública e privada e do baixo índice de cobertura da assistência(99. Nicolau SM, Schraiber LB, Ayres JRCM. Women with disabilities and their double vulnerability: contributions for setting up comprehensive health care practices. Ciênc Saúde Coletiva. 2013 Mar; 18(3):863-72. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000300032
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).

No caso das pessoas cegas, a soma dos mitos e tabus acerca da sexualidade, com a vulnerabilidade que lhes é inerente e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, repercute na saúde sexual e reprodutiva, tendo em vista a exposição ao risco de contrair IST. Neste sentido, indica-se a possibilidade de ocorrência dessas infecções pela desinformação sobre a prevenção, pois as políticas de saúde e as campanhas preventivas são direcionadas ao público vidente e não estão adaptadas para esse segmento social, o que aumenta a vulnerabilidade dele(77. França DNO. Sexual rights, public policy and sex education on the discourse of blind people. Rev Bioética. 2014 Apr; 22(1):126-33. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422014000100014.
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,99. Nicolau SM, Schraiber LB, Ayres JRCM. Women with disabilities and their double vulnerability: contributions for setting up comprehensive health care practices. Ciênc Saúde Coletiva. 2013 Mar; 18(3):863-72. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000300032
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1111. Oliveira GOB, Cavalcante LDW, Pagliuca LMF, Almeida PC, Rebouças CBA. Prevention of sexually transmitted diseases among visually impaired people: educational text validation. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016; 24: e2775. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0906.2775
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).

Nesse contexto, cabe, ao profissional de Enfermagem, planejar e executar ações de educação em saúde, visando à (re)construção do conhecimento dessas pessoas sobre saúde sexual e reprodutiva e à prevenção/redução dos casos de IST(66. Barbosa TLA, Gomes LMX, Holzmann APF, Paula AMB, Haikal DSA. Counseling about sexually transmitted diseases in primary care: perception and professional practice. Acta Paul Enferm. 2015 Dec; 28(6): 531-8. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500089
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). Dessa forma, a educação em saúde possibilita o atendimento das necessidades de informação de usuários do Sistema Único de Saúde, tendo em vista que essa ação tem por base o desenvolvimento de atividades que possibilitem o empoderamento de pessoas para o autocuidado e a promoção da saúde(1212. Áfio ACE, Balbino AC, Alves MDS, Carvalho LV, Santos MCL, Oliveira NR. Analysis of the concept of nursing educational technology applied to the patient. Rev Rene. [Internet]. 2014 Feb [cited May 29, 2018]; 15(1):158-65. Available from: http://periodicos.ufc.br/rene/article/view/3108
http://periodicos.ufc.br/rene/article/vi...
).

Face ao exposto, este estudo buscou respostas para o questionamento: como as pessoas cegas cuidam da saúde sexual? Considera-se imperativa a realização desta pesquisa que pode contribuir positivamente para que a intervenção de Enfermagem, com o uso de educação em saúde, possa promover a (re)construção do conhecimento de pessoas cegas sobre a saúde sexual.

Esta pesquisa tem potencial para contribuir com as ações de Enfermagem no campo da educação em saúde sexual de pessoas com deficiência, pois o relato da caracterização da situação de vulnerabilidade destas pessoas possibilita, aos gestores e profissionais de saúde, o planejamento de estratégias e ações de prevenção em consonância com a realidade social e de saúde desses indivíduos. Além disso, justifica-se que a temática referente às pessoas com deficiência se encontra na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde.

Nessa perspectiva, objetivou-se avaliar o conhecimento sobre a saúde sexual, junto a pessoas cegas, antes e depois de intervenção educativa.

Método

Estudo do tipo pesquisa-ação, com base empírica e abordagem quantitativa, realizado em Campina Grande, Paraíba, Brasil, de abril de 2014 a dezembro de 2016, no Instituto dos Cegos de Campina Grande (ICCG), instituição educacional filantrópica para pessoas cegas.

A população foi composta por 65 pessoas cegas que frequentavam as atividades dessa instituição. Após a autorização da direção institucional, agendou-se reunião com as pessoas assistidas para a apresentação da pesquisa e o convite para a participação. A amostra foi composta por 58 pessoas cegas, por meio de sorteio aleatório e da fórmula: n = N. Z2. P(1-P) / (N-1). e2 + Z2. P(1-P), onde: n = Valor da amostra; N = Valor da população; Z = Intervalo de confiança (1,96); P = Prevalência (50%) e = Erro tolerado (0,05).

Os critérios de inclusão considerados para o estudo foram: idade mínima de 18 anos e estar frequentando, com assiduidade, as atividades da instituição. Foram excluídas as pessoas que não residissem na zona urbana do município de Campina Grande, Paraíba, Brasil.

Para a efetivação da intervenção educativa de Enfermagem, foi utilizada a pedagogia problematizadora(1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 60a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2016.1515. Heidemann ITSB, Dalmolin IS, Rumor PCF, Cypriano CC, Costa MFBNA, Durand MK. Reflections on Paulo Freire's research itinerary: contributions to health. Texto Contexto - Enferm. 2017 Nov 17; 26(4): e0680017. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017000680017
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), adaptada para este estudo e desenvolvida nas seguintes etapas:

  1. Investigação temática e levantamento dos temas geradores, aplicando-se, aos participantes, formulário com perguntas fechadas sobre as condições sociodemográficas e abertas acerca do conhecimento sobre IST, fatores de risco, sexo seguro, consequências das IST para a reprodução e IST autorreferidas;

  2. Codificação e descodificação das respostas obtidas com o formulário para a apreensão do conhecimento/desconhecimento dos participantes em relação às informações especificadas nas perguntas abertas. O recorte das situações-problema embasou os temas da ação educativa, que foi desenvolvida em dia e horário agendados, em consenso com os participantes, conforme a disponibilidade do grupo. Foram realizados três encontros que aconteceram uma vez por semana, com duração de duas horas. Em cada encontro, abordou-se uma temática específica: 1 - IST, formas de transmissão e possíveis sequelas decorrentes das IST; 2 - Sinais e sintomas de IST/Aids; 3 - Como prevenir as IST/Aids;

  3. Desvelamento crítico, que ocorreu três meses após a ação educativa, reaplicando-se o formulário, mas somente com as perguntas abertas acerca do conhecimento sobre as IST, fatores de risco, sexo seguro e consequências das IST para a reprodução, visando a avaliar o resultado pós-intervenção educativa.

A intervenção educativa foi desenvolvida por uma enfermeira em nível de mestrado, a qual também coordenou uma equipe de alunos de graduação em Enfermagem, devidamente treinada para realizar a coleta dos dados, antes e após a intervenção.

Em seguida, os dados foram processados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, e analisados com o uso da estatística descritiva, por meio das frequências absoluta e relativa, bem como da estatística analítica, com a realização de testes de hipótese. Para verificar a existência de associação entre as variáveis de saúde e prevenção de IST com o sexo, empregou-se o teste de Qui-quadrado, o qual também foi utilizado para comparar o número observado relacionado ao conhecimento dos sinais e sintomas de IST com a proporção que seria esperada para cada uma delas pelo mero acaso. Como alternativa ao Qui-quadrado, quando os pré-requisitos não foram atendidos, aplicou-se o teste de Fisher.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 28723614.6.0000.5187. Respeitaram-se às diretrizes éticas contidas na Resolução n° 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Pós-Esclarecido (TCPE) e tiveram assegurados o sigilo, a privacidade e o direito a declinar, em qualquer momento da investigação, sem qualquer tipo de ônus devido à desistência.

Resultados

Obteve-se, como resultados das características sociodemográficas, a participação de 58 pessoas, das quais 30 (52%) eram homens e, dentre os participantes, 35 (60,4%) estavam na faixa etária entre 41 e 60 anos. No tocante à escolaridade, 20 (34,5%) concluíram o Ensino Médio e 19 (32,7%), o Ensino Superior. A maioria possuía credo religioso (93,1%), relatou renda de um salário mínimo (65,5%) e não tinha companheiro (65,5%).

Na Tabela 1, estão apresentados os aspectos de saúde e prevenção das IST. Constatou-se que os homens apresentaram maior frequência de etilismo (p<0,001) e drogas ilícitas (p=0,006). Dentre os achados, os homens usavam preservativo masculino com mais frequência em relação às mulheres com o uso do preservativo feminino (p=0,003), embora estas apresentassem maior conhecimento, autorreferido, das formas de prevenção das IST (p=0,006). A televisão constituiu o meio mais frequente para a obtenção de informações por mulheres (p<0,001), enquanto o acesso à internet foi maior em relação aos homens (p<0,001).

Tabela 1
Caracterização referente à saúde e prevenção de IST* * IST = Infecções Sexualmente Transmissíveis; em pessoas cegas. Campina Grande, PB, Brasil, 2016

Na Tabela 2, estão apresentados os aspectos da vida sexual e frequência das IST. Dentre os participantes, houve afirmativa de vida sexual ativa e alguns foram acometidos por uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST).

Tabela 2
Frequência de vida sexual e de IST em pessoas cegas. Campina Grande, PB, Brasil, 2016

Conforme apresentado na Tabela 3, após a intervenção, detectou-se a ampliação do conhecimento sobre sinais e sintomas de IST, sendo verificado conhecimento em todas as variáveis acima do quartil 75.

Tabela 3
Conhecimento das pessoas cegas sobre sinais e sintomas das IST* * IST = Infecções Sexualmente Transmissíveis; antes e depois de intervenção educativa. Campina Grande, PB, Brasil, 2016

Ao considerar o antes e depois da intervenção educativa, identificou-se avanço do conhecimento dos participantes, com destaque para a infertilidade e dor pélvica crônica, que atingiram 93% e 86%, respectivamente, conforme dados da Tabela 4.

Tabela 4
Conhecimento das pessoas cegas sobre complicações clínicas das IST* * IST = Infecções Sexualmente Transmissíveis; , antes e depois de intervenção educativa. Campina Grande, PB, Brasil, 2016

Após a intervenção educativa, verificou-se, ainda, que as IST com maiores percentuais de conhecimento alcançados foram: Aids, sífilis e gonorreia (100%), conforme dados demonstrados na Tabela 5.

Tabela 5
Conhecimento das pessoas cegas sobre as IST* * IST = Infecções Sexualmente Transmissíveis; , antes e depois da intervenção educativa. Campina Grande, PB, Brasil, 2016

Discussão

As características sociodemográficas dos participantes deste estudo diferem daquelas encontradas em outro estudo desenvolvido na cidade de Uberaba, Minas Gerais, Brasil, com 33 pessoas com deficiência visual, no qual se detectaram a maior prevalência do sexo feminino e a maioria de aposentados, mas se assemelham no concernente ao nível de escolaridade(1616. Oliveira DG, Shimano SGN, Salomão AE, Pereira K. Evaluation of socioeconomic profile, professional training and health status of people with visual impairment. Rev Bras Oftalmol. 2017 Oct; 76 (5):255-8. doi: http://dx.doi.org/10.5935/0034-7280.20170053
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).

A associação verificada neste estudo entre o sexo e as variáveis referentes à saúde e prevenção de IST corrobora outra investigação com pessoas cegas na qual foi identificada associação entre prática sexual relacionada às IST e o sexo. No entanto, essa mesma pesquisa não identificou associação entre o sexo e o conhecimento sobre prevenção e transmissão de IST, fato que pode ser explicado pelo pequeno quantitativo amostral (n=36)(1717. Araújo AKF, França ISX, Coura AS, Santos SR, Ramos APA, Pagliuca LMF. Sociodemographic profile of blind people: associations with knowledge, attitude and practice about sexually transmitted infections. Rev Rene. 2015 Set-Out; 16 (5):738-45. doi: http://dx.doi.org/10.15253/2175-6783.2015000500016
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).

A faixa etária da maioria dos participantes deste estudo classifica-os em idade laboral produtiva, pois a legislação trabalhista brasileira considera produtivo o homem com idade até 65 anos e a mulher até os 60. Mesmo em idade economicamente ativa, parcela significativa está desempregada e, dentre aqueles que trabalham, a maioria é assalariada. Contudo, percebe-se força socializadora que os impele à valorização do estudo como incentivo ao desenvolvimento e à autonomia pessoal, ao modo proativo de transformação existencial e social cujo respaldo vem da legislação emanada do Estado que, dentre outros aspectos, assegura a oferta de tecnologias assistivas que contribuam para ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e promover vida independente com inclusão social.

O perfil de religiosidade dos participantes indica, majoritariamente, o relacionamento com algum credo religioso. Trata-se de prática salutar na qual, em detrimento da dificuldade em se avaliar a influência da espiritualidade na melhoria da saúde, as pessoas encontram, na oração, meditação e/ou reflexão, maneiras de obter maior conforto físico, psicológico e social(1818. Magalhães SR, Carvalho ZMF, Andrade LM, Pinheiro AKB, Studart RMB. Influence of spirituality, religion and beliefs in the quality of life of people with spinal cord injury. Texto Contexto Enferm. 2015 Sep; 24(3):792-800. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015000620014
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1919. Camargos MG, Paiva CE, Barroso EM, Carneseca EC, Paiva BSR. Understanding the differences between oncology patients and oncology health professionals concerning spirituality/religiosity: a cross-sectional study. Medicine. 2015 Nov 1; 94(47): e2145. doi: dx.doi.org/10.1097/MD.0000000000002145
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000002...
), de forma que o bem-estar pessoal/espiritual e a autoestima melhoram a qualidade de vida(2020. Nunes MGS, Leal MCC, Marques APO, Mendonça SS. Long-lived elderly: assessment of quality of life in the field of spirituality, religiousness and personal beliefs. Saúde Debate. 2017 Dec; 41(115): 1102-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104201711509.
http://dx.doi.org/10.1590/0103-110420171...
).

No concernente à renda, a maioria dos participantes recebia um salário mínimo, indicando que trabalhava e/ou fazia jus ao Benefício de Prestação Continuada, que assegura o benefício mensal para a pessoa com deficiência que não possua meios para prover a própria subsistência. Para minimizar a dificuldade de inclusão no mercado de trabalho, o Estado brasileiro normatizou que as empresas com 100 ou mais funcionários devem contratar pessoas com deficiência e reabilitadas, na seguinte proporção: até 200 funcionários, 2%; de 201 a 500, 3%; de 501 a 1000, 4%; de 1001 em diante, 5%(2121. Coutinho BG, França ISX, Coura AS, Medeiros KKAS, Aragão JS. Quality of life at work of people with disabilities. Trab Educ Saúde. 2017 Mar 06; 15 (2): 561-73. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00061
http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol0...
).

Em se tratando da vivência conjugal dos participantes, verificou-se que a maioria das pessoas cegas vivia sem companheiro, fato que pode ser explicado ao comparar esses resultados com aqueles de estudo realizado em Feira de Santana, Bahia, Brasil, com onze pessoas cegas, de ambos os sexos, com idades entre 22 e 54 anos, em que, consoante às queixas dos participantes, os pesquisadores concluíram que as pessoas cegas permanecem, majoritariamente, solteiras, invisíveis e vulneráveis, havendo a necessidade de educação sexual como caminho para a inclusão social(77. França DNO. Sexual rights, public policy and sex education on the discourse of blind people. Rev Bioética. 2014 Apr; 22(1):126-33. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422014000100014.
http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422014...
).

Além disso, mulheres não videntes são percebidas como habitando um corpo que destoa do protótipo social vigente, o que as torna desacreditadas para o papel de cuidadoras, esposas e mães(99. Nicolau SM, Schraiber LB, Ayres JRCM. Women with disabilities and their double vulnerability: contributions for setting up comprehensive health care practices. Ciênc Saúde Coletiva. 2013 Mar; 18(3):863-72. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000300032
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013...
). Nesse sentido, em estudo realizado no Nepal, com mulheres gestantes e com deficiência, as participantes relataram constrangimento em expor o próprio corpo, barreira para a demanda por cuidados. Por sua vez, os profissionais de saúde sentiam-se despreparados para atender às necessidades de saúde das gestantes com deficiência(2222. Morrison J, Basnet M, Budhathoki B, Adhikari D, Tumbahangphe K, Manandhar D, et al. Disabled women's maternal and newborn health care in rural Nepal: a qualitative study. Midwifery. 2014 Apr 25; 30(11): 1132-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2014.03.012
https://doi.org/10.1016/j.midw.2014.03.0...
).

No que se refere à saúde sexual e reprodutiva das pessoas cegas, observou-se, neste estudo, que 36,2% dos participantes relataram acometimento por Infecções Sexualmente Transmissíveis. Adicione-se que o desconhecimento de alguns sinais e sintomas de IST e as respectivas complicações clínicas podem estar relacionados a possíveis falhas no atendimento em saúde das pessoas cegas, o que justificaria a realização de atividades de educação em saúde com o objetivo de instrumentalizar as pessoas com as orientações necessárias para a prática sexual segura, garantindo, também, a aplicação da política pública.

No Brasil, embora existam políticas voltadas para os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência, as barreiras atitudinais prejudicam a participação social. Este contexto tem merecido atenção de pesquisadores para a necessidade de validação de tecnologias assistivas adaptadas às pessoas com deficiência visual(1111. Oliveira GOB, Cavalcante LDW, Pagliuca LMF, Almeida PC, Rebouças CBA. Prevention of sexually transmitted diseases among visually impaired people: educational text validation. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016; 24: e2775. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0906.2775
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0906...
) e destinadas à educação em saúde na atenção primária, na escola ou em outro ambiente, com vistas a sensibilizar as mulheres com deficiência visual para o uso do preservativo feminino(2323. Cavalcante LDW, Oliveira GOB, Almeida PC, Rebouças CBA, Pagliuca LMF. Assistive technology for visually impaired women for use of the female condom: a validation study. Rev Esc Enferm USP. 2015 Feb; 49(1):14-21. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000100002
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342015...
).

Consoante aos dados desta investigação, as informações obtidas sobre IST/Aids pelas pessoas cegas foram oriundas de diversas fontes, como o rádio e a televisão, com destaque para mulheres que alcançaram os maiores percentuais em todos os meios de comunicação. Também se destacou a lacuna existente em relação à obtenção de conhecimento oferecido por profissionais de saúde. Estas mesmas ferramentas comunicativas foram encontradas em estudo com pessoas com deficiência visual na Etiópia, Quênia, África do Sul, Moçambique, Ruanda e Uganda. Os resultados demonstraram que muitos profissionais de saúde não possuem as habilidades necessárias para responder adequadamente às necessidades das pessoas cegas(2424. Jaggernath J, Overland L, Ramson P, Kovai V, Chan VF, Naidoo KS. Poverty and eye health. Health. 2014 Jul; 6 (14): 1849-60. doi: http://dx.doi.org/10.4236/health.2014.614217
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), que não se sentem contempladas pelas políticas públicas de saúde, nem incluídas nos diversos programas, como o de prevenção das IST/HIV/Aids(77. França DNO. Sexual rights, public policy and sex education on the discourse of blind people. Rev Bioética. 2014 Apr; 22(1):126-33. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422014000100014.
http://dx.doi.org/10.1590/S1983-80422014...
).

Além disso, em se tratando da vulnerabilidade dos participantes deste estudo, o consumo de álcool ou das drogas ilícitas constatado possibilita comportamentos sexuais de risco, como o baixo uso de preservativo. Esta relação foi fortalecida por relato de estudo em que se identificaram, no sexo feminino, associações para a soropositividade e o consumo de drogas, de bebidas alcoólicas e outras drogas; estar casada ou em união estável. No sexo masculino, associações de soropositividade com o consumo de outras drogas e orientação homossexual/bissexual(2525. Pereira BS, Costa MCO, Amaral MTR, Costa HS, Silva CAL, Sampaio VS. Factors associated with HIV/AIDS infection among adolescents and young adults enrolled in a Counseling and Testing Center in the State of Bahia, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2014 Mar; 19(3): 747-58. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014193.16042013
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141...
).

Essas situações predispõem à exposição às IST e/ou à gravidez não planejada. Além disso, neste estudo, o não uso do preservativo pode ser explicado pelos dados de outra pesquisa realizada com 3.482 pessoas, de ambos os sexos, cujos pesquisadores também detectaram comportamentos vulneráveis à contaminação por IST, devido ao desuso do preservativo, por diversos motivos: 280 (11%) não gostam de usar camisinha; 716 (28,1%) porque conheciam o parceiro; 36 (1,4%) porque o companheiro não aceitava; 1.044 (41%) porque usavam outro método contraceptivo e 294 (11,5%) por outros motivos(2626. Nascimento EGC, Cavalcanti MAF, Alchieri JC. Adherence to condom use: the real behavior in the Northeast of Brazil. Rev Salud Pública. 2017 Feb; 19(1): 39-44. doi: https://doi.org/10.15446/rsap.v19n1.44544
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).

Apesar de as mulheres deste estudo afirmarem fazer sexo desprotegido, todas conheciam as formas de prevenção das IST, porém, quantitativo considerável de homens as desconhecia. Entende-se que a desinformação no contexto da saúde sexual acarreta limitações para as pessoas, dado que estas necessitam de componentes específicos para o acesso à informação(1111. Oliveira GOB, Cavalcante LDW, Pagliuca LMF, Almeida PC, Rebouças CBA. Prevention of sexually transmitted diseases among visually impaired people: educational text validation. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016; 24: e2775. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0906.2775
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0906...
), além de que se ampliam as possibilidades de contrair uma IST. As IST, como Trichomonas vaginalis, Neisseria gonorrhoeae e Papilomavírus Humano, autorrelatadas pelos participantes, são consideradas problema de saúde pública mundial(2727. Joo S-Y, Goo Y-K, Ryu J-S, Lee S-E, Lee WK, Chung D-I, et al. Epidemiology of Trichomoniasis in South Korea and increasing trend in incidence, health insurance review and assessment 2009-2014. Plos One. 2016 Dec 09; 11(12): e0167938. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0167938
https://doi.org/10.1371/journal.pone.016...
).

No Brasil, avaliação retrospectiva, clínica e laboratorial com 4.128 pacientes em centro especializado em IST revelou que estas são predominantes em 76% dos homens. A ocorrência dessas infecções foi maior na faixa etária de 20 a 29 anos(11. Fagundes LJ, Vieira EE Jr, Moysés ACMC, Lima FD, Morais FRB, Vizinho NL. Sexually transmitted diseases in a specialized STD healthcare center: epidemiology and demographic profile from January 1999 to December 2009. An Bras Dermatol. 2013 Aug; 88 (4): 523-9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20132149
http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.2...
), diferindo de estudo realizado na Coreia do Sul em que a incidência foi maior em mulheres com idade maior ou igual a 60 anos. Entretanto, a incidência para os homens passou de 23,7, em 2009, para 15,7 por 100 mil, em 2014, com acentuada redução nos grupos de 40 anos ou mais dessa população(2727. Joo S-Y, Goo Y-K, Ryu J-S, Lee S-E, Lee WK, Chung D-I, et al. Epidemiology of Trichomoniasis in South Korea and increasing trend in incidence, health insurance review and assessment 2009-2014. Plos One. 2016 Dec 09; 11(12): e0167938. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0167938
https://doi.org/10.1371/journal.pone.016...
). Estudo realizado em Xangai relata que, além da incidência de Neisseria gonorrhoeae ser a mais alta das IST bacterianas, esta pode produzir complicações graves, além de resistência emergente às cefalosporinas de terceira geração, possibilitando o emergir de uma era de gonorreia potencialmente intratável(2828. Trecker MA, Waldner C, Jolly A, Liao M, Gu W, Dillon J-AR. Behavioral and socioeconomic risk factors associated with probable resistance to ceftriaxone and resistance to penicillin and tetracycline in Neisseria gonorrhoeae in Shanghai. Plos One. 2014 Feb 19; 9(2): e89458. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0089458
https://doi.org/10.1371/journal.pone.008...
).

O conhecimento dos participantes sobre as IST e os sinais e sintomas clínicos antes da intervenção educativa alcançou percentuais insatisfatórios. Igualmente, em relação às possíveis complicações decorrentes das IST, considera-se que os percentuais preliminares à intervenção também indicaram considerável desconhecimento. Entretanto, nesta etapa do estudo, a instrução dos participantes incorporava alguma parcela do conhecimento socializado pela literatura científica acerca de que as IST trazem riscos à saúde sexual e reprodutiva. Essa constatação pode estar relacionada ao local do estudo, pois o ICCG se configura como instituição educacional de referência para pessoas cegas, oferecendo qualificação para alunos matriculados em atividades.

Assim, após a intervenção em saúde, as respostas dos participantes demonstraram compreensão sobre as IST, de forma mais eloquente e fundamentada, mas, ao mesmo tempo, mostraram a necessidade de constante educação e atenção em saúde sexual e reprodutiva, pois apenas as IST Aids, sífilis e gonorreia obtiveram o percentual total de respostas positivas.

Os resultados da intervenção educativa se assemelham àqueles de estudo realizado em Bangladesh, que descreve os principais indicadores da saúde reprodutiva de mulheres, por meio de aprendizagem e ação participativa. Os pesquisadores obtiveram melhoria do conhecimento das mulheres sobre a saúde sexual, morbidade e formas de prevenir e tratar as IST. Contudo, alegam que a mudança limitada nas práticas de saúde pode decorrer do contexto sociocultural rural de Bangladesh em que as mulheres podem enfrentar serviços de saúde limitados para atuar em novos conhecimentos(2929. Harris-Fry HA, Azad K, Younes L, Kuddus A, Shaha S, Nahar T, et al. Formative evaluation of a participatory women's group intervention to improve reproductive and women's health outcomes in rural Bangladesh: a controlled before and after study. J Epidemiol Commun. Health. 2016 Jan 06; 70 (7): 663-70. doi: http://dx.doi.org/10.1136/jech-2015-205855
http://dx.doi.org/10.1136/jech-2015-2058...
).

Nessa perspectiva, evidenciou-se que a prática educativa, mediada pela pedagogia problematizadora, apresentou potencial de modificação do conhecimento de pessoas cegas de maneira que estas buscaram reflexões a partir de estímulos para solucionar problemas(1313. Freire P. Pedagogia do oprimido. 60a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2016.1515. Heidemann ITSB, Dalmolin IS, Rumor PCF, Cypriano CC, Costa MFBNA, Durand MK. Reflections on Paulo Freire's research itinerary: contributions to health. Texto Contexto - Enferm. 2017 Nov 17; 26(4): e0680017. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017000680017
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). Essa característica circunscreve-se à intervenção educativa utilizada como tecnologia em saúde inovadora, que utilizou corrente educacional consolidada para um público não vidente refletir acerca de um tema considerado tabu nesse segmento social. Portanto, o estudo é relevante para o conhecimento científico divulgado, representando avanço na temática que, nos últimos anos, foi objeto de outro estudo, no qual se buscou tornar acessível o conhecimento sobre IST para pessoas cegas por meio da validação de texto educativo(1111. Oliveira GOB, Cavalcante LDW, Pagliuca LMF, Almeida PC, Rebouças CBA. Prevention of sexually transmitted diseases among visually impaired people: educational text validation. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2016; 24: e2775. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0906.2775
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).

As limitações deste estudo estão relacionadas ao uso de variáveis com respostas autorreferidas, o que possibilita o viés de memória, à impossibilidade de realizar quantitativo maior de encontros educativos, devido às dificuldades de mobilidade vivenciadas pelos participantes, bem como ter analisado apenas a aquisição de conhecimento, em detrimento da mudança de comportamento.

Considera-se que este estudo tem potencial para contribuir com as ações de Enfermagem, no campo da educação em saúde sexual de pessoas com deficiência, dado que a caracterização da situação de vulnerabilidade destas pessoas possibilita, aos gestores e profissionais de saúde, o planejamento de estratégias e ações de prevenção em consonância com a realidade social e de saúde desses indivíduos.

Conclusão

Os resultados apontam que, antes da ação educativa, o conhecimento dos participantes em relação às IST era marcado por equívocos, inadequações e desconhecimento, principalmente, em se tratando da prevenção dessas infecções. Após a intervenção educativa, à luz da pedagogia problematizadora, o conhecimento sobre as IST, sinais, sintomas e possíveis complicações foi (re)construído, empoderando as pessoas cegas à adesão de práticas preventivas. Dessa forma, a intervenção educativa foi efetiva para intensificar conhecimentos sobre as IST e, quanto mais informadas as pessoas forem, melhor será a adesão às medidas preventivas de saúde.

O fato de os participantes não confirmarem a obtenção de informações dos profissionais de saúde sobre as IST indica que essa temática relacionada às pessoas com deficiência precisa de educação permanente e de enfoque transversal nos componentes curriculares, visando à desmistificação de preconceitos que reforçam a vulnerabilidade dessas pessoas, comprometendo a vivência da sexualidade e a preservação da saúde sexual e reprodutiva. É preciso que enfermeiros dediquem maior atenção para esse grupo populacional, que possui base insuficiente para o cuidado com a saúde sexual, pois enfrenta barreiras sociais que dificultam a busca por conhecimento referente à promoção da saúde.

Nessa perspectiva, sugere-se que outros estudos abordem essa mesma temática, com objetivo de avaliar atitudes e práticas das pessoas com deficiência após a educação em saúde, de modo a verificar a modificação comportamental no concernente à saúde sexual e reprodutiva dos participantes.

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    Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo n° 482371/2012-9.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2018
  • Aceito
    08 Mar 2019
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