Distribuição do tecido ocular no Estado de São Paulo: análise por razões de descarte de córneas^*

Resumos

Objetivo

identificar os motivos da recusa de córneas.

Método

estudo transversal, retrospectivo, descritivo e correlacional, composto por 5.560 córneas ópticas. As informações foram extraídas do banco de dados da Central de Notificação, Captação e Doação de Órgãos (CNCDO), bem como de prontuários de doadores. A estatística descritiva foi utilizada para a análise das variáveis categóricas e testes específicos, com nível de significância de 5% para avaliar as associações entre as variáveis. Este estudo atendeu aos aspectos éticos da pesquisa científica.

Resultados

60% dos doadores eram do sexo masculino e 40% morreram por problemas circulatórios. Os principais motivos de recusa informados pelas equipes de transplante são a idade do doador e a contagem de células endoteliais. Para cada ano adicionado à idade do doador, há uma redução de 1% na chance de que essa córnea seja usada para transplante, e para cada acréscimo de 100 células por mm2 aumenta as chances de que essa córnea seja usada em 9%.

Conclusão

a principal causa de recusa na aceitação do tecido corneano está relacionada à idade e à contagem de células endoteliais.

Obtenção de Tecidos e Órgãos; Transplante de Córnea; Banco de Tecidos; Coleta de Tecidos e Órgãos; Doadores de Tecidos; Enfermagem

Objective

to identify the reasons for refusal of corneas.

Method

this was a cross-sectional, retrospective, descriptive and correlational study composed of 5,560 optical corneas. The information was taken from the notification, organ procurement and distribution centers database as well as donor records. Descriptive statistics were used for the analysis of categorical variables and specific tests with a significance level of 5% for assessing the associations between variables. This study met the ethical aspects of scientific research.

Results

60% of the donors were male and 40% died by circulatory problems. The main reason for refusal as informed by transplant teams is the donor’s age and the endothelial cell count. For each year added to the donor’s age, there is a 1% decrease in the chance that this cornea will be used for transplantation, and the increase of 100 cells per mm2 increases the chances that this cornea will be used by 9%.

Conclusion

the main cause of refusal in the acceptance of corneal tissue is related to the age and the endothelial cell count.

Tissue and Organ Procurement; Corneal Transplantation; Tissue Banks; Tissue and Organ Harvesting; Tissue Donors; Nursing

Objetivo

identificar los motivos para el rechazo de córneas.

Método

estudio transversal, retrospectivo, descriptivo y correlacional, compuesto por 5.560 córneas ópticas. La información se obtuvo de la bases de datos de Centros de Notificación, Obtención de Órganos y Distribución, así como de los registros de los donantes. Se utilizaron estadísticas descriptivas para analizar las variables categóricas y pruebas específicas con un nivel de significación de 5%, para evaluar las asociaciones entre variables. Este estudio contempla los aspectos éticos de una investigación científica.

Resultados

el 60% de los donantes eran hombres y el 40% falleció por problemas circulatorios. La principal razón del rechazo, informada por los equipos de trasplante, es la edad del donante y el recuento de las células endoteliales. Por cada año agregado a la edad del donante, existe una disminución de 1% en la probabilidad de que la córnea pueda ser utilizada para trasplante; el aumento de 100 células por mm2 aumenta la posibilidad de que esta córnea será usada por 9%.

Conclusión

la principal causa de rechazo en la aceptación del tejido corneal está relacionada con la edad y el recuento de células endoteliales.

Obtención de Tejidos y Órganos; Trasplante de Córnea; Bancos de Tejidos; Recolección de Tejidos y Órganos; Donantes de Tejidos; Enfermería

Introdução

As doenças da córnea são a terceira causa de cegueira em todo o mundo após a catarata e o glaucoma. Atualmente, mais de 10 milhões de pessoas sofrem de doenças bilaterais da córnea. Mais de 53% da população mundial não tem acesso ao transplante de córnea¹.

O Brasil tinha mais de 5.379 pacientes na lista de espera para um transplante de córnea em 2013, e 13.744 procedimentos foram realizados naquele ano². No final de 2017, o número de pacientes na lista de espera era de 9.266 e o número de transplantes realizados era de 15.242³. Segundo o Sistema Nacional de Transplantes, em 2016, o tempo médio de espera foi de 6,7 meses. Em 2015, o tempo médio de espera por uma córnea óptica no Estado de São Paulo foi de 4,7 meses⁴. Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo Sistema Nacional de Transplantes é fomentar órgãos e tecidos que atendam ao número de pacientes que aguardam por um transplante.

Ainda há um grande número de subnotificações de doadores de córneas, considerando o número de óbitos em instituições de saúde (1.227.039 óbitos/2014)² e a possibilidade desses pacientes se tornarem doadores efetivos. Há Estados e municípios no Brasil com maior número de doadores e, portanto, com mais ofertas de córneas para os centros transplantadores.

O número de transplantes de córneas realizados no Brasil é inferior ao esperado, considerando o número de córneas captadas. Não há dados estatísticos que possam revelar o número exato de córneas notificadas, considerando o número total de óbitos, nem mesmo registro de córneas descartadas.

As principais camadas da córnea são: epitélio, camada de Bowman, estroma, membrana de Descemet e endotélio. Em 2016, a demanda estimada de transplantes de córnea foi de 18.401, porém, apenas 14.534 foram realizados. Essa diferença entre a necessidade de transplante e o que é realizado gerou um aumento no número de pacientes aguardando esse procedimento, de 2013 a 2016³. As principais razões para o descarte das córneas captadas são: fatores associados à qualidade morfológica das córneas doadas e testes sorológicos. Os bancos de tecidos oculares realizam o exame biomicroscópico utilizando um aparelho de lâmpada de fenda para avaliar a qualidade das córneas doadas. Este critério de avaliação é baseado em escores de zero a quatro nas seguintes questões: epitélio íntegro; halo senil; edema estromal; dobras de Descemet; Guttata e densidade endotelial. O grau zero é considerado excelente, o grau um é bom, o grau dois é regular, o grau três é ruim e o grau quatro é o pior, considerado inaceitável.

Em geral, as córneas que recebem notas entre zero e um nos itens avaliados e possuem mais de 2.000 células por milímetro quadrado são consideradas ópticas. A partir dessa avaliação, o tecido corneano recebe uma classificação óptica ou tectônica. Vale ressaltar que nem todos os bancos de olhos realizam contagem de células endoteliais e, nesses casos, essa avaliação segue o parâmetro biomicroscópico subjetivo. As córneas classificadas como ópticas podem ser transplantadas com a finalidade de restabelecer ou melhorar a visão do receptor. O tecido avaliado como tectônico tem como objetivo preservar a anatomia e a integridade da córnea em situações de emergência cirúrgica do receptor.

Assim, entende-se como fundamental investigar fatores que podem desencadear a perda de tecido ocular no Brasil. Com essas informações, autoridades governamentais e não governamentais podem desenvolver estratégias de melhoria que afetem esse cenário, além de melhorar a qualidade dos tecidos oferecidos às equipes de transplantadoras e, aumentar a segurança do receptor. Assim, as questões norteadoras deste estudo são: “Quais são as causas da recusa do tecido ocular e como aumentar a oferta deste tecido com qualidade para transplante?”.

A contribuição deste estudo baseia-se fortemente em melhorias no cenário de transplante no Brasil, além de fortalecer e ampliar o tema do transplante de córneas no país, melhorando o desempenho, cuidado e armazenamento do tecido ocular, que são importantes avanços acadêmicos e científicos na área. Assim, o objetivo deste estudo é identificar as causas de recusa de tecidos oculares captados no Estado de São Paulo, Brasil.

Método

Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, correlacional e descritivo sobre o descarte de córneas captadas e liberadas para transplante no qual foram analisadas variáveis relacionadas à qualidade desse tecido. Foram utilizados os prontuários de doadores de tecidos oculares (córneas) contendo informações sobre os dados biomicroscópicos e a classificação dos tecidos fornecidos pelos bancos de tecidos oculares a Central de Transplantes do Estado de São Paulo. Dados do processo de distribuição desses tecidos para potenciais receptores de córnea foram utilizados e esses dados foram retirados do banco de dados do software do Sistema Informatizado de Gerenciamento do Sistema Estadual de Transplantes (SIGSET).

A população foi composta pela análise de todos os prontuários de doadores captados no Estado de São Paulo, em 2013, totalizando 12.290 córneas avaliadas como ópticas e disponibilizadas pelos bancos de tecidos para distribuição e alocação. As córneas tectônicas não foram incluídas neste estudo e a amostra foi composta por 5.560 córneas ópticas. O instrumento de coleta de dados incluiu [1] variáveis demográficas (cidade onde a morte ocorreu, domicílio, idade, sexo, etc.), [2] captação e preservação do tecido (tempo entre morte e enucleação, tempo entre a morte e preservação e informações sobre resfriamento corporal), [3] qualidade da córnea (epitélio, halo, edema, dobras de Descemet, Guttata, densidade e contagem de células), [4] distribuição e [5] recusa informada pelas equipes transplantadoras. Todas as córneas ópticas disponibilizadas no Estado de São Paulo para transplante foram analisadas. Para a coleta de dados, uma equipe de profissionais com conhecimento técnico foi treinada para extrair as informações do SIGSET da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) de São Paulo, também foram analisados os prontuários dos doadores. As informações coletadas foram inseridas na planilha Excel^®, compondo o banco de dados desta pesquisa.

Para a análise estatística, foram utilizados testes para avaliação descritiva de associação e regressão logística. As associações lineares entre duas variáveis de natureza numérica foram avaliadas pela correlação de Pearson (entre contagem de células (mm2) e idade do doador, tempo entre a morte e a enucleação, tempo entre a morte e a preservação). Para todos os testes estatísticos, foi utilizado um nível de significância de 5%, usando SPSS 20.0 e Stata 12. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) sob o número do protocolo do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 31450414.4.0000.5505.

Resultados

Das 5.560 córneas avaliadas, 60,2% eram de doadores masculinos, com idade média de 53 anos (mediana de 56, mínima de dois, máxima de 80, primeiro quartil de 42 e terceiro quartil de 66) e 40,3% das córneas vieram de doadores cuja causa mortis estava relacionada com doenças do sistema circulatório.

O tempo médio entre a morte e a enucleação foi de 4,3 horas (desvio-padrão de 3,4 horas) e o tempo médio entre a morte e a preservação foi de 10,2 horas (desvio-padrão de 5,5 horas).

As córneas captadas apresentaram as seguintes médias nas avaliações: epitélio íntegro, um; halo senil, um; edema estromal, um; dobras de Descemet, um; densidade endotelial, um; guttata, zero e média de 2.492 células. Destas, 80% foram aceitas e transplantadas. As córneas ópticas transplantadas apresentaram as seguintes médias nas avaliações: epitélio íntegro, um; halo senil, zero; edema estromal, zero; dobras de Descemet, um; densidade endotelial, zero; guttata, zero e média de 2.514 células.

As principais causas de recusa informadas pelas equipes transplantadoras no momento da oferta das córneas ópticas foram: qualidade da córnea (35,2%), equipe em outro procedimento (28%), longa distância para a retirada da córnea (19,2%), tempo de preservação longo (6,1%) e outras causas (11,5%). Em média, cada córnea teve 9,3 recusas antes de ser usada ou descartada.

Houve associação entre o transplante e a idade (p <0,001) e a causa do óbito (p <0,001), as córneas de doadores entre 15 e 49 anos apresentaram maiores percentuais de transplante (aceitação) do que as córneas cujos doadores tinham mais de 50 anos. As córneas de doadores que morreram por causas externas (politraumatismo, trauma cranioencefálico, ferimento por arma de fogo, acidente de trânsito, afogamento, intoxicação exógena, etc.) apresentaram os maiores percentuais de transplante.

A Tabela 1 mostra a associação entre todas as variáveis de qualidade da córnea e transplante (p<0,001) de modo que as córneas dos doadores cujo corpo foi preservado (armazenamento refrigerado) que apresentaram valores de zero para halo senil, edema estromal, densidade endotelial e guttata e os valores de um para epitélio e dobras de Descemet tiveram maiores porcentagens de aceitação em relação ao transplante.

Tabela 1
– Distribuição de córneas ópticas por qualidade e uso para transplante. São Paulo, SP, Brasil, 2016

Avaliação da córnea	Transplante				Total		p‡
	Sim*		Não†
	N	%	N	%	N	%
Corpo Preservado	4.418	80%	1.104	20%	5.522	100%	0,011
Sim	1.912	81,6%	431	18,4%	2.343	100%
Epitélio Íntegro	4.418	80%	1.104	20%	5.522	100%	0,049
1.0	3.291	81%	774	19%	4.065	100%
Halo Senil	4.416	80%	1.104	20%	5.520	100%	<0,001
0	1.238	84,8%	222	15,2%	1.460	100%
Edema Estromal	4.417	80%	1.102	20%	5.519	100%	<0,001
0	832	87,8%	116	12,2%	948	100%
Dobras de Descemet	4.418	80%	1.104	20%	5.522	100%	<0,001
1.0	1.972	82,9%	408	17,1%	2.380	100%
Densidade Endotelial	4.353	79,9%	1.092	20,1%	5.445	100%	0,103
0	1.024	81,9%	226	18,1%	1.250	100%
Guttata	4.416	80%	1.103	20%	5.519	100%	0,003
0	2.555	81,3%	587	18,7%	3.142	100%

• *Sim = córneas transplantadas; ^†Não = córneas recusadas; ^‡p = nível descritivo do teste de Qui-Quadrado ou exato de Fisher

Pode-se ver, na Tabela 2, que as córneas transplantadas apresentaram menor idade média dos doadores e maior contagem de células endoteliais. No modelo de regressão logística, foi possível identificar que, para cada aumento de um ano na idade do doador, há uma redução de 1% nas chances da córnea ser aceita para o transplante (p<0,001). As córneas de doadores que faleceram devido a doenças do sistema nervoso são 46% menos propensas a ser transplantadas (p = 0,016).

Tabela 2
Idade do doador, tempo entre a morte e enucleação, tempo entre a morte e a preservação e contagem de células por status de transplante, São Paulo, SP, Brasil, 2016

Variáveis	Média	Desvio-Padrão	Mínimo	Máximo	1º quartil	Mediana	3º quartil	N‡	p§
Idade do doador (anos)									<0,001
Sim*	51,93	17,40	2,00	80,00	41,00	55,00	65,00	4.418
Não†	56,03	15,54	2,00	80,00	48,25	58,00	68,00	1.104
Tempo entre a morte e a enucleação (horas)									0,074
Sim*	4,32	3,41	0,08	29,17	2,17	3,50	5,17	4.418
Não†	4,12	3,19	0,08	49,58	2,25	3,38	5,00	1.104
Tempo entre a morte e a preservação (horas)									0,519
Sim*	10,21	5,51	0,42	42,00	5,83	9,50	13,69	4.418
Não†	10,09	5,51	0,67	49,92	5,67	9,25	13,67	1.104
Células (mm2)									<0,001
Sim*	2.514,50	694,69	1.831,00	3.968,00	2.288,00	2.481,00	2.680,00	4.293
Não†	2.405,45	280,58	1.834,00	3.617,00	2.188,00	2.368,00	2.590,00	1.076

• *Sim = córneas transplantadas; ^†Não = córneas recusadas; ^‡N = Sim: 4,418 / n: 1,104; ^§P = nível descritivo do teste de Qui-Quadrado ou exato de Fisher

Além disso, as córneas avaliadas com um escore três em relação ao halo senil têm probabilidade 85% menor de ser transplantadas se comparadas às córneas avaliadas com melhores valores (p = 0,015). As córneas com valor zero, referentes ao edema estromal, têm probabilidade 65% maior de ser transplantadas se comparadas às córneas que tiveram outros valores. Por outro lado, essa chance é 29% menor para aqueles que receberam pontuação dois (p<0,001).

Segundo o modelo de regressão logística, as córneas que apresentaram um escore dois em relação à densidade endotelial têm 23% menos chances de ser transplantadas (p<0,001). Para cada aumento de 100 células por mm2 nas córneas ofertadas, há um aumento de 9% na chance de transplante (p<0,001).

Além disso, no modelo de regressão binomial negativa, observou-se que, para as córneas que receberam escore zero em relação ao epitélio íntegro, houve 29% menos recusas do que aquelas classificadas com outros escores (p = 0,004). As córneas com escore zero em relação ao halo senil têm 39% menos chances de ser recusadas do que aquelas com escores mais altos (p<0,001). Para córneas com edema estromal classificado como zero, há uma recusa 35% menor em comparação àquelas que receberam escore dois e têm chance 43% maior de recusa (p<0,001).

As córneas que tiveram uma pontuação dois em relação às dobras de Descemet têm 17% mais recusas (p = 0,004). Para cada aumento de 100 células por mm², há uma redução de 15% no número médio de recusas (p<0,001).

Discussão

Os resultados revelam semelhança em relação ao gênero e causa de mortis dos doadores de órgãos e tecidos. Em 2014, dados do Ministério da Saúde mostraram que 56,5% dos óbitos eram do sexo masculino. A principal causa de morte também foi relacionada às doenças do aparelho circulatório, com 27,7%, seguidas das doenças neoplásicas, com 16,4%⁵-⁶. Outros estudos também encontraram um maior número de doadores masculinos⁷-¹⁴. Dos 2.854 doadores efetivos em 2015, no Brasil, 59% eram do sexo masculino¹⁵.

Nesta pesquisa, observou-se que 63% dos doadores tinham mais de 50 anos, considerando que há um limite de 80 anos para doações de córneas, conforme determinado pela Portaria 2.600, de 21 de outubro de 2009¹⁶. A literatura mostra que, quando há mais doadores de córneas do que receptores, as equipes de transplantes tendem a escolher córneas de doadores mais jovens¹⁷.

As principais causas de recusa ou descarte de tecido ocular encontradas neste estudo foram relacionadas à qualidade da córnea (35,2%), indisponibilidade da equipe por estar em outro procedimento (28%) e longa distância para a retirada da córnea (19,2%). Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 12% do total de globos oculares captados no Brasil foram descartados devido à má qualidade em 2014 ¹⁸. Uma pesquisa com médicos canadenses de transplante de córnea descobriu que a qualidade do doador é um dos fatores que contribuem para aumentar o tempo de espera para transplantes de córnea¹⁹.

Neste estudo, foi possível avaliar uma associação entre transplante, idade do doador e causa mortis, sendo que os doadores mais jovens, entre 15 e 49 anos e cuja causa mortis esteva associada a causas externas, apresentaram maior percentual de transplante (p <0,001). Vale ressaltar que esses doadores apresentaram maior porcentagem de contagem de células endoteliais quando comparados com outros doadores.

Outro estudo corrobora os achados desta pesquisa, mostrando que doadores cuja causa de morte estava relacionada a causas externas apresentaram maior média de contagem de células endoteliais²⁰. Outros estudos mostraram associação estatisticamente significativa entre o aumento da idade do doador e a diminuição da densidade celular endotelial⁷-⁸,¹⁰,²¹-²².

Um estudo realizado em um banco de olhos mostrou que as córneas de doadores com idade entre 20 e 29 anos apresentaram maiores porcentagens de classificação como ópticas¹⁴. A redução da densidade endotelial causada pelo avanço da idade do doador reduz a probabilidade das córneas destes doadores mais idosos serem utilizadas para o transplante⁸. No entanto, muitas córneas de doadores com mais de 80 anos têm qualidade para ser transplantadas.

Doadores cuja causa mortis foi um trauma apresentam melhor qualidade da córnea quando comparados com córneas de doadores com outras causas mortis²³. Quando há mais doadores de córnea do que receptores, os médicos transplantadores tendem a escolher córneas de doadores cuja causa morte foi aguda relacionada ao trauma¹⁷.

Doadores de córneas cuja causa mortis foi o trauma, apresentaram 50% menos risco de falência do enxerto quando comparados a córneas de doadores de outras causas de morte²⁴. Algumas doenças como, Diabetes Mellitus e história de cirurgia de catarata afetam a qualidade da densidade celular do endotélio²².

Os testes Qui-quadrado, exato de Fisher e t de Student (p<0,001) mostraram que as córneas com maior qualidade, menor idade média dos doadores, preservação do corpo do doador (câmara fria) e maior número de células endoteliais tiveram maior percentual de aceitação para transplante. Assim, quanto menor a pontuação recebida em todos os itens avaliados pelo banco de tecido ocular e, maior o número de células endoteliais, mais rápida essa córnea será aceita para o transplante.

Com o modelo de regressão, foi possível identificar que a idade é um fator relevante para a aceitação ou a recusa da córnea ofertada. No entanto, existem muitos estudos que comprovaram que a idade do doador não interfere ou influencia no resultado final do transplante²⁴-²⁷.

Contudo, a densidade endotelial tende a diminuir com a idade. Em condições normais, para indivíduos saudáveis, a densidade de células endoteliais diminui a uma taxa de 0,5% a 0,6% a cada ano. Sob condição de transplante de córnea, a perda dessas células é mais acentuada. A quantidade mínima de células endoteliais necessárias para manter o funcionamento do endotélio é de 500 células por mm².

Na maioria das equipes transplantadoras de córnea no Estado de São Paulo, a determinação de aceitação ou rejeição está estritamente ligada ao número de células endoteliais que o doador possui. Assim, a idade do doador, é um fator que altera a qualidade do tecido endotelial e, diminui a probabilidade do uso para transplante.

A experiência dos bancos de olhos dos Estados Unidos da América (EUA) relatou que, ao escolher córneas para transplante, os cirurgiões tendem a criar parâmetros mais restritivos, preferindo as córneas com o maior número de células endoteliais e dos doadores mais jovens²⁸.

Ao utilizar modelos de regressão logística ou regressão binomial negativa para halo senil, edema estromal, densidade endotelial, epitélio íntegro e dobras de Descemet, foi possível identificar, com significância estatística, que as córneas bem avaliadas quanto a essas questões têm mais chances de ser aceitas para transplante. Portanto, córneas mal avaliadas têm maior probabilidade de serem recusadas pelas equipes transplantadoras. Não se encontraram outros estudos que tratam da distribuição e alocação de tecido corneano.

Conclusão

Os principais motivos de recusa ou descarte informados pelas equipes de transplantes estão relacionados à qualidade das córneas ofertadas pela Central de Transplantes. Observou-se que as córneas de doadores cujo corpo estava em armazenamento refrigerado foram menos recusadas. As córneas de doadores mais jovens, cuja causa mortis estava relacionada a causas externas, apresentaram maior percentual de uso para transplantes. Da mesma forma, para cada aumento de 100 células por mm² na córnea de um doador, há um aumento de 9% nas chances dessa córnea ser utilizada para o transplante e uma redução de 1% na média de recusas. Para cada aumento de um ano na idade do doador, há uma redução de 1% na chance da córnea ser aceita para o transplante.

Conforme avaliado, a qualidade é um dos principais fatores associados à recusa, e a qualidade é maior nas córneas de jovens doadores. Uma maneira de melhorar a qualidade do tecido e, assim, diminuir a recusa, seria limitar a idade do doador, que é de 80 anos no Estado de São Paulo. No entanto, vale ressaltar que a decisão de reduzir a idade dos doadores para aumentar a qualidade do tecido requer uma análise cuidadosa do número de pacientes à espera de um transplante e do número de córneas fornecidas. Nos Estados em que a lista de espera (cadastro técnico) possui muitos receptores, com variação positiva, não é aconselhável restringir a idade do doador, pois, embora aumente a qualidade do tecido captado, diminui-se o número de córneas ópticas disponibilizadas. Compete ao Estado, considerando o alto número de córneas recusadas pela distância que a equipe transplantadora terá que percorrer para ter acesso ao tecido, criar formas que permitam que essa córnea chegue à equipe transplantadora.

A limitação mais importante deste estudo é o fato de que os dados de acompanhamento clínico do transplante não foram incluídos, correlacionando o sucesso ou o insucesso do transplante com a qualidade das córneas ofertadas. Por se tratar de um estudo observacional e retrospectivo, não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito.

Referências

• ¹
  Gain P, Jullienne R, He Z, Aldossary M, Acquart S, Cognasse F, et al. Global Survey of Corneal Transplantation and Eye Banking. JAMA Ophthalmol. [Internet]. 2016 Feb 20 [cited Aug 27, 2018];134(2):167-73. Available from:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26633035
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26633035
• ²
  Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Registro Brasileiro de Transplantes. 2013; 19(4). Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2013/Registro2013.pdf
  » http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2013/Registro2013.pdf
• ³
  Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Registro Brasileiro de Transplantes. 2017; 23(4). Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2017/rbt-imprensa-leitura-compressed.pdf
  » http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2017/rbt-imprensa-leitura-compressed.pdf
• ⁴
  Sistema Estadual de Transplantes do Estado de São Paulo. Relatório de distribuição dos receptores por tempo de espera. 2015.
• ⁵
  Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Mortalidade Brasil. Óbitos por residência por região segundo capítulo CID 10 2014 [Acesso 18 ago 2016]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
  » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
• ⁶
  Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Mortalidade Brasil. Óbitos por residência segundo sexo 2014 [Acesso 18 ago 2016]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
  » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10uf.def
• ⁷
  Armitage WJ, Jones MN, Zambrano I, Carley F, Tole DM. The suitability of corneas stored by organ culture for penetrating keratoplasty and influence of donor and recipient factors on 5-year graft survival. Investigative ophthalmology & visual science. [Internet]. 2014 Feb 10 [cited Aug 27, 2018];55(2):784-91. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24334443
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24334443
• ⁸
  Linke SJ, Eddy MT, Bednarz J, Fricke OH, Wulff B, Schroder AS, et al. Thirty years of cornea cultivation: long-term experience in a single eye bank. Acta Ophthalmol. [Internet].2013 Sep 21 [cited Aug 27, 2018];91(6):571-8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22863151
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22863151
• ⁹
  Parekh M, Salvalaio G, Ferrari S, Frigo AC, Griffoni C, Grassetto A, et al. Effect of postmortem interval on the graft endothelium during preservation and after transplantation for keratoconus. Cornea. [Internet]. 2013 Jun 20 [cited Aug 27, 2018];32(6):842-6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23538616
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23538616
• ¹⁰
  Ranjan A, Das S, Sahu SK. Donor and tissue profile of a community eye bank in Eastern India. Indian J. Ophthalmol. [Internet]. 2014 Sep 10 [cited Aug 27, 2018];62(9):935-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4244740/
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4244740/
• ¹¹
  Linke SJ, Fricke OH, Eddy MT, Bednarz J, Druchkiv V, Kaulfers PM, et al. Risk factors for donor cornea contamination: retrospective analysis of 4546 procured corneas in a single eye bank. Cornea. [Internet] 2013 Feb 10 [cited Aug 27, 2018];32(2):141-8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22968360
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22968360
• ¹²
  Cunningham WJ, Moffatt SL, Brookes NH, Twohill HC, Pendergrast DG, Stewart JM, et al. The New Zealand National Eye Bank study: trends in the acquisition and storage of corneal tissue over the decade 2000 to 2009. Cornea. [Internet]. 2012 May 30 [cited Aug 27, 2018]; 31(5):538-45. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22314820
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22314820
• ¹³
  Hirai FE, Adan CB, Sato EH. [Factors associated with quality of donated corneas in the Hospital Sao Paulo Eye Bank]. Arq Bras Oftalmol. 2009; Fev 10;72(1):57-61. doi: 10.1590/S0004-27492009000100011
  » https://doi.org/10.1590/S0004-27492009000100011
• ¹⁴
  Adan CB, Diniz AR, Perlatto D, Hirai FE, Sato EH. [Ten years of corneal donation to the Hospital Sao Paulo Eye Bank: characteristics of cornea donors from 1996 to 2005]. Arq Bras Oftalmol. 2008; Apr 30;71(2):176-81. doi: 10.1590/S0004-27492008000200009
  » https://doi.org/10.1590/S0004-27492008000200009
• ¹⁵
  Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Registro Brasileiro de Transplantes. 2015;21(4). Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2015/anual-n-associado.pdf
  » http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2015/anual-n-associado.pdf
• ¹⁶
  Ministério da Saúde (BR). Portaria 2.600, de 21 de outubro de 2009. Aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplante. Diário Oficial, Nº 208; 30 de outubro de 2009; Seção 1. p. 77.
• ¹⁷
  Saini JS, Reddy MK, Sharma S, Wagh S. Donor corneal tissue evaluation. Indian journal of ophthalmology. [Internet]. 1996 Mar 30 [Acesso 27 ago 2018];44(1):3-13. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8828299
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8828299
• ¹⁸
  ANVISA. Relatório de avaliação dos dados de produção dos bancos de tecidos humanos. Brasília; 2014.
• ¹⁹
  Lee K, Boimer C, Hershenfeld S, Sharpen L, Slomovic AR. Sustainability of Routine Notification and Request legislation on eye bank tissue supply and corneal transplantation wait times in Canada. Canadian J Ophthalmol. [Internet]. 2011 Oct 30 [cited Aug 27, 2018];46(5):381-5. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21995978
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21995978
• ²⁰
  Grabska-Liberek I, Szaflik J, Brix-Warzecha M. The importance of various factors relating to the morphological quality of corneas used for PKP by the Warsaw Eye Bank from 1996 to 2002. Ann Transplant. [Internet]. 2003 Feb 26 [cited Aug 27, 2018];8(2): 26-31. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14626573
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14626573
• ²¹
  Heinzelmann S, Huther S, Bohringer D, Eberwein P, Reinhard T, Maier P. Influence of donor characteristics on descemet membrane endothelial keratoplasty. Cornea. [Internet] 2014 Jun 30 [cited Aug 27, 2018];33(6): 644-8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24675376
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24675376
• ²²
  Kwon JW, Cho KJ, Kim HK, Lee JK, Gore PK, McCartney MD, et al. Analyses of Factors Affecting Endothelial Cell Density in an Eye Bank Corneal Donor Database. Cornea. [Internet] 2016 Sep 30 [cited Aug 27, 2018];35(9):1206-10. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27310882
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27310882
• ²³
  Pantaleão GR, Zapparolli M, Guedes GB, Dimartini Junior WM, Vidal CC, Wasilewski D, et al. Avaliação da qualidade das córneas doadoras em relação à idade do doador e causa do óbito. Arq Bras Oftalmol. 2009; June 72:631-5. doi 10.1590/S0004-27492009000500006
  » https://doi.org/10.1590/S0004-27492009000500006
• ²⁴
  Chipman ML, Basu PK, Willett PJ, Cherry PM, Slomovic AR. The effects of donor age and cause of death on corneal graft survival. Acta Ophthalmol. [Internet]. 1990 Oct 30 [cited Aug 27, 2018];68(5): 537-42. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2810523/
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2810523/
• ²⁵
  Wakefield MJ, Armitage WJ, Jones MN, Kaye SB, Larkin DF, Tole D, et al. The impact of donor age and endothelial cell density on graft survival following penetrating keratoplasty. Br J Ophthalmol. [Internet]. 2015 Nov 13 [cited Aug 27, 2018];100(7): 986-89. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26567026
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26567026
• ²⁶
  Cornea Donor Study Investigator Group. The effect of donor age on corneal transplantation outcome: results of the cornea donor study. Ophthalmology. [Internet]. 2008 Apr 30 [cited Aug 27, 2018];115(4):620-6 e6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18387407
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18387407
• ²⁷
  Mannis MJ, Holland EJ, Gal RL, Dontchev M, Kollman C, Raghinaru D, et al. The effect of donor age on penetrating keratoplasty for endothelial disease: graft survival after 10 years in the Cornea Donor Study. Ophthalmology. [Internet]. 2013 Dec 30 [cited Aug 27, 2018];120(12):2419-27. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24246825
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24246825
• ²⁸
  Woodward MA, Ross KW, Requard JJ, Sugar A, Shtein RM. Impact of surgeon acceptance parameters on cost and availability of corneal donor tissue for transplantation. Cornea. [Internet]. 2013 Jun 30 [cited Aug 27, 2018];32(6):737-40. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23073493
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23073493

• *
  Artigo extraído da tese de doutorado “Distribuição de tecido ocular no Estado de São Paulo: análise sobre o aceite e descarte de córneas”, apresentada à Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Enfermagem, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Out 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  29 Ago 2018
• Aceito
  18 Jun 2019