Acessibilidade / Reportar erro

Efeito da educação interprofissional no trabalho em equipe e no conhecimento do manejo de condições crônicas* * Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 150447/2017-5.

Resumos

Objetivo:

Avaliar o efeito da educação interprofissional no clima de equipes da Atenção Primária à Saúde e na apropriação de conhecimentos sobre o manejo das condições crônicas não transmissíveis.

Método:

estudo quase-experimental de intervenção de educação interprofissional. Participaram 17 equipes da Atenção Primária (95 profissionais), das quais nove equipes (50 profissionais) compuseram o grupo-intervenção e oito equipes (45 participantes), o grupo-controle. A escala de clima de equipe e um questionário referente aos conhecimentos sobre o manejo das condições crônicas na Atenção Primária foram aplicados antes e após a intervenção. Fixou-se erro tipo I como estatisticamente significativo (p < 0,05).

Resultados:

na análise dos conhecimentos sobre manejo das condições crônicas, as equipes que participaram da intervenção de educação interprofissional apresentaram aumento médio pós-intervenção maior do que as equipes do grupo-controle (p < 0,001). Contudo, na análise de ambos os grupos, não houve variação significativa nos escores de clima do trabalho em equipe (0,061).

Conclusão:

intervenção de educação interprofissional curta realizada durante as reuniões de equipe resultou em melhoria na apreensão dos conhecimentos específicos sobre as condições crônicas. Entretanto, a intervenção de curta duração não apresentou impactos significativos no clima do trabalho em equipe.

Descritores:
Doenças Crônicas; Educação Continuada; Equipe Interdisciplinar de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Relações Interprofissionais; Enfermagem


Objective:

Evaluate the effect of interprofessional education on the climate of Primary Health Care teams and on the acquisition of knowledge about management of chronic non-communicable diseases.

Method:

Quasi-experimental study of interprofessional education intervention. Seventeen Primary Health Care teams (95 professionals) participated in the study, of which nine teams (50 professionals) composed the intervention group and eight teams (45 participants) composed the control group. The team climate inventory scale and a questionnaire on knowledge about management of chronic conditions in Primary Health Care were applied before and after intervention. Type I error was fixed as statistically significant (p<0.05).

Results:

In the analysis of knowledge about management of chronic conditions, the teams that participated in the interprofessional education intervention presented higher mean post-intervention increase than the teams of the control group (p < 0.001). However, in the analysis of both groups, there was no significant variation in the teamwork climate scores (0.061).

Conclusion:

The short interprofessional education intervention carried out during team meetings resulted in improved apprehension of specific knowledge on chronic conditions. However, the short intervention presented no significant impacts on teamwork climate.

Descriptors:
Chronic Diseases; Continuing Education; Interdisciplinary Health Team; Primary Health Care; Interprofessional Relations; Nursing


Objetivo:

Evaluar el efecto de la educación interprofesional en el ambiente de los equipos de Atención Primaria de Salud y en la apropiación de conocimientos sobre el manejo de las condiciones crónicas no transmisibles.

Método:

Estudio cuasi-experimental de intervención educativa interprofesional. Participaron 17 equipos de Atención Primaria (95 profesionales); de estos, nueve equipos (50 profesionales) formaron el grupo de intervención, y ocho (45 participantes) el grupo de control. Se aplicaron antes y después de la intervención una Escala sobre el ambiente del personal y un cuestionario sobre los conocimientos acerca del manejo de condiciones crónicas. El error tipo I se consideró como estadísticamente significativo (p<0,05).

Resultados:

En el análisis de conocimientos acerca del manejo de condiciones crónicas, los equipos que participaron en la intervención educativa interprofesional tuvieron un aumento promedio en el posintervención superior a los equipos del grupo de control (p <0,001). Sin embargo, en el análisis de ambos grupos, no hubo variación significativa en los puntajes en el ambiente de trabajo en equipo (0,061).

Conclusión:

La intervención de educación interprofesional a corto plazo realizada durante las reuniones del equipo mejoró la comprensión de los conocimientos específicos sobre las condiciones crónicas. Pero no tuvo el mismo impacto significativo en el ambiente de trabajo en equipo.

Descriptores:
Enfermedades Crónicas; Educación Continua; Equipo Interdisciplinario de Salud; Atención Primaria a la Salud; Relaciones Interprofesionales; Enfermería


Introdução

De acordo com a Organização Mundial da Saúde(11 World Health Organization. 2019 [Internet]. Noncommunicable diseases. [Internet].2019 Jan/Feb [cited Feb 18, 2019]; Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases.
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
), as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) são responsáveis por 41 milhões de mortes anualmente. Entre as mais frequentes estão as enfermidades cardiovasculares (17,9 milhões), cânceres (9 milhões) e diabetes mellitus (1,6 milhões). Trata-se de um problema global, pois apenas 25% das pessoas com DCNTs são assistidas e, dentre elas, somente cerca de metade alcança as metas desejadas de tratamento clínico. Esse resultado se deve, sobretudo, ao acesso insuficiente à atenção à saúde e ao manejo inadequado das DCNTs(11 World Health Organization. 2019 [Internet]. Noncommunicable diseases. [Internet].2019 Jan/Feb [cited Feb 18, 2019]; Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases.
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
). Como forma de enfrentamento, entre as dez recomendações prioritárias da Organização Pan-Americana da Saúde(22 Innovative Care for Chronic Conditions: Organizing and Delivering High Quality Care for Chronic Noncommunicable Diseases in the Americas. Washington: OPAS; 2015. [Internet].2015 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from: http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/18640
http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456...
) para melhoria da qualidade da atenção às DCNTs, figura a reorganização dos trabalhadores de saúde em equipes, assegurando educação interprofissional e treinamento contínuo no manejo das DCNTs.

O trabalho em equipe e a prática colaborativa ganham destaque ao se considerar sua potencialidade para mudanças frente ao cuidado fragmentado e também como meio para o estabelecimento de sistemas integrados de saúde que têm como característica formas de ações pautadas na colaboração(33 World Health Organization (WHO). Framework for action on interprofessional education & collaborative practice. Geneva: WHO; 2010. [Internet].2010 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from: http://www.who.int/hrh/resources/framework_action/en/
http://www.who.int/hrh/resources/framewo...
). Nas últimas décadas, a literatura e as políticas públicas de implementação do trabalho em equipe têm se desdobrado em uma discussão mais ampla, que associa o trabalho em equipe à prática e à Educação Interprofissional (EIP)(44 Peduzzi M, Agreli HF. Teamwork and collaborative practice in Primary Health Care. Interface - Comunicação, Saúde, Educ. 2018; 22 (Suppl. 2): 1525-34. doi: 10.1590/1807-57622017.0827
https://doi.org/10.1590/1807-57622017.08...
).

A EIP é entendida como uma intervenção ou ação educativa com a finalidade de melhorar a colaboração no cuidado dos usuários, na qual membros de mais de uma profissão da saúde aprendem juntos e interativamente, com o propósito de melhorar a qualidade da atenção. Essa interação na EIP demanda participação ativa e troca de conhecimentos entre diferentes áreas profissionais(55 Reeves S, Perrier L, Goldman J, Freeth D, Zwarenstein M. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst. Rev. 2013; 3:3. doi: 10.1002/14651858.CD002213.pub3.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00221...
). A temática ganha destaque a partir de 2010, com publicações internacionais que apontam a EIP como componente de uma ampla reforma no modelo de formação profissional e de atenção à saúde, com vistas ao trabalho em redes de atenção à saúde e formação para prática colaborativa centrada na pessoa(33 World Health Organization (WHO). Framework for action on interprofessional education & collaborative practice. Geneva: WHO; 2010. [Internet].2010 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from: http://www.who.int/hrh/resources/framework_action/en/
http://www.who.int/hrh/resources/framewo...
,66 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010 Dec 4;376(9756):1923-58. doi: 10.1016/S0140-6736(10)61854-5
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)61...
).

Revisão de literatura da rede Cochrane sobre efeitos da EIP na prática profissional e nos resultados em saúde(55 Reeves S, Perrier L, Goldman J, Freeth D, Zwarenstein M. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst. Rev. 2013; 3:3. doi: 10.1002/14651858.CD002213.pub3.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00221...
) identificou 15 estudos que atendiam aos critérios de inclusão, comparando intervenções de EIP com nenhuma intervenção educacional. A revisão refere conclusões relevantes: efeito positivo da EIP nas áreas de cuidado à diabetes, em departamentos de emergência e na satisfação do paciente; comportamento colaborativo no trabalho em equipe em centro cirúrgico; e redução de erros clínicos. Os resultados indicam que intervenções de EIP podem melhorar resultados da atenção à saúde e processos nas equipes, porém não permitem generalizações, haja vista as limitações metodológicas encontradas. Os autores sugerem a necessidade de estudos que permitam compreender os processos de mudanças nas práticas do cuidado em saúde relacionadas à EIP(55 Reeves S, Perrier L, Goldman J, Freeth D, Zwarenstein M. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst. Rev. 2013; 3:3. doi: 10.1002/14651858.CD002213.pub3.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00221...
).

Estudos de intervenções de EIP no contexto de cuidado em saúde, incluindo a assistência às condições crônicas, relatam impacto positivo da EIP na satisfação com o cuidado(55 Reeves S, Perrier L, Goldman J, Freeth D, Zwarenstein M. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst. Rev. 2013; 3:3. doi: 10.1002/14651858.CD002213.pub3.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00221...
,77 Reeves S, Zwarenstein M, Goldman J, Barr H, Freeth D, Hammick M, et al. Interprofessional education: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev. 2008 Jan 23;1(1). doi: 10.1002/14651858.CD002213.pub2.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00221...
) e na colaboração em equipe(88 Yamani N, Asgarimoqadam M, Haghani F, Yamani AQA. The effect of interprofessional education on interprofessional performance and diabetes care knowledge of health care teams at the level one of health service providing. Adv Biomed Res. 2014. doi: 10.4103/2277-9175.137861
https://doi.org/10.4103/2277-9175.137861...
).

Considerando a tendência crescente da atenção à saúde com base no trabalho em equipe e colaborativo, e no necessário aprimoramento profissional para prestação de cuidados integrados às DCNTs, se faz necessária a compreensão sobre como a EIP pode contribuir para efetivação do trabalho em equipe, colaboração interprofissional e conhecimentos profissionais específicos sobre manejo das DCNTs na Atenção Primária à Saúde (APS). Entretanto, os estudos sobre essa temática são majoritariamente provenientes da literatura internacional, de países desenvolvidos como Austrália, Bélgica, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos(99 Reeves S, Fletcher S, Barr H, Birch I, Boet S, Davies N, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teacher. 2016 Jul 2;38(7):656-68. doi: 10.3109/0142159X.2016.1173663
https://doi.org/10.3109/0142159X.2016.11...
), de modo que pouco se sabe sobre o impacto das intervenções de EIP em países em desenvolvimento como o Brasil(1010 Sunguya BF, Hinthong W, Jimba M, Yasuoka J. Interprofessional education for whom? Challenges and lessons learned from its implementation in developed countries and their application to developing countries: a systematic review. PloS one. 2014 May 8;9(5):e96724. doi: 10.1371/journal.pone.0096724
https://doi.org/10.1371/journal.pone.009...
).

Os resultados deste estudo permitirão avançar na proposição de um programa de EIP com vistas ao desenvolvimento de práticas integradas no cuidado às condições crônicas, no aprimoramento do trabalho em equipe e na prática colaborativa. Buscando colaborar para o avanço do conhecimento sobre a temática, esta pesquisa teve como objetivo examinar o efeito da EIP no clima de equipes da APS e a apropriação de conhecimentos sobre o manejo das condições crônicas, por meio de curso de educação interprofissional sobre trabalho em equipe e cuidado às DCNTs.

Método

Estudo quase-experimental(1111 Eccles M, Grimshaw J, Campbell M, Ramsay C. Research designs for studies evaluating the effectiveness of change and improvement strategies. Qual Saf Health Care. 2003;12(1):47-52. doi: 10.1136/qhc.12.1.47
https://doi.org/10.1136/qhc.12.1.47...
) realizado em um município da região metropolitana de São Paulo (Brasil), com população de 245.148 habitantes e uma cobertura de Estratégia de Saúde da Família (ESF) em torno de 29%. O município possui 15 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 19 equipes de saúde da família.

A população e a amostra foram constituídas por profissionais atuantes na ESF, incluindo técnicos administrativos e gerentes, que aceitaram o convite para participar da pesquisa e que cumpriam os seguintes critérios de inclusão: 1) que pertencesse a equipes parametrizadas completas da ESF, de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde (MS), isto é, compostas por: médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem, agentes comunitários de saúde e os profissionais de saúde bucal: cirurgião dentista, auxiliar ou técnico de saúde bucal e 2) que atuasse na mesma equipe há no mínimo seis meses. Como critério de exclusão, optou-se por não incluir na amostra os profissionais que estavam de férias, afastados e que não poderiam participar das duas etapas de aplicação do questionário de pesquisa.

Dezessete equipes pertencentes a dez UBS com ESF preencheram os critérios de inclusão. A alocação das equipes nos grupos controle e intervenção foi feita por meio de sorteio simples das unidades. As cinco primeiras UBS sorteadas foram definidas como grupo-intervenção e participaram das intervenções educativas. As outras cinco UBS foram definidas como grupo-controle e não participaram das intervenções educativas.

A coleta de dados ocorreu durante as reuniões de equipe de saúde da família. Para obtenção dos dados, utilizou-se um instrumento autoaplicável elaborado para ser respondido antes e imediatamente após as oficinas de EIP. O instrumento era composto por itens referentes a dados sociodemográficos, conhecimentos dos profissionais quanto às recomendações do MS para manejo das condições crônicas na APS e clima do trabalho em equipe.

Para a avaliação dos conhecimentos sobre o manejo das condições crônicas na APS, utilizou-se teste composto por dez questões, que versavam sobre as estratégias preconizadas pelo MS(1212 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Strategies for the care of person with chronic disease. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. 162 p. (Cadernos de Atenção Básica, n. 35). [Internet].2014 [Acesso 1 jun/jul 2018]; Available from http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab35
http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblio...
)para o cuidado da pessoa com doença crônica. As questões foram desenvolvidas pelos autores do estudo e especialistas em APS. Os temas abordados nas questões foram: princípios e diretrizes para a organização da rede de atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas; intervenções preventivas para população; fatores de risco associados às condições crônicas e formas de prevenção; acolhimento; aperfeiçoamento e/ou implementação de atividades voltadas ao cuidado da pessoa com doença crônica; e autocuidado apoiado.

O clima de equipe foi estudado com a aplicação da Escala de Clima de Trabalho em Equipe (ECTE) validada no contexto da APS do SUS, com alfa de Cronbach de 0,92(1313 Silva MC, Peduzzi M, Sangaleti CT, Silva D, Agreli HF, West MA et al. Cross-cultural adaptation and validation of the teamwork climate scale. Rev. Saúde Pública. 2016:50:52. doi: 10.1590/S01518-8787.2016050006484
https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016...
). A escala é composta por 38 itens agrupados em quatro fatores: participação na equipe (12 itens), apoio para ideias novas (oito itens), objetivos da equipe (11 itens) e orientação para as tarefas (sete itens). Os itens são apresentados no formato de escala do tipo Likert. Os quatro fatores se referem aos seguintes aspectos do clima:

  • Participação na equipe: diz respeito à participação dos membros da equipe na tomada de decisão e a quanto cada profissional se sente seguro para expor suas percepções, ideias, sugerir alternativas e participar das decisões em conjunto;

  • Apoio para ideias novas: refere-se ao suporte para as iniciativas de cada membro e da equipe para introduzir modos novos ou aprimorados de execução de atividades de trabalho;

  • Objetivos da equipe: refere-se à forma como os objetivos são definidos e compartilhados entre os membros da equipe;

  • Orientação para as tarefas: refere-se à responsabilidade individual de cada membro e da equipe na execução das atividades em busca da excelência no trabalho realizado. É caracterizada por avaliações, análise crítica e outras formas de controle do desempenho das tarefas.

A coleta de dados e as intervenções educativas foram realizadas por duas pesquisadoras. O instrumento, contendo questionário sobre dados sociodemográficos, teste de conhecimentos e ECTE, foi distribuído aos sujeitos que os responderam individualmente, durante o horário de trabalho. Para o grupo-intervenção a aplicação do instrumento ocorreu em dois momentos: 1) pré-teste, no primeiro dia da intervenção de EIP, antes do início das atividades específicas e 2) pós-teste, 60 dias após o pré-teste e ao final da intervenção de EIP. Para as equipes do grupo-controle, o pré e o pós-teste foram aplicados respeitando o mesmo intervalo de 60 dias aplicado às equipes que participaram da intervenção de EIP.

A intervenção ocorreu através de duas oficinas de EIP com duração de três horas cada, durante o período reservado às reuniões de equipe e na própria UBS. As oficinas trataram do trabalho em equipe e prática colaborativa no manejo de condições crônicas na APS, e foram elaboradas a partir das técnicas da teoria da aprendizagem experiencial(1414 Kolb D. Experiential learning. 2nd ed. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall; 1984. 416p. [Internet].1984 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from:https://www.researchgate.net/profile/David_Kolb/publication/235701029_Experiential_Learning_Experience_As_The_Source_Of_Learning_And_Development/links/00b7d52aa908562f9f000000/Experiential-Learning-Experience-As-The-Source-Of-Learning-And-Development.pdf
https://www.researchgate.net/profile/Dav...
). A aprendizagem experiencial consiste em uma abordagem do desenvolvimento do adulto, em especial, do professional. A profissionalidade é um percurso permanente de aprendizagem experiencial e parte da premissa que todo desenvolvimento profissional prospectivo decorre da aprendizagem atual, assim como o desenvolvimento já constituído é imprescindível para o aprendizado(1414 Kolb D. Experiential learning. 2nd ed. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall; 1984. 416p. [Internet].1984 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from:https://www.researchgate.net/profile/David_Kolb/publication/235701029_Experiential_Learning_Experience_As_The_Source_Of_Learning_And_Development/links/00b7d52aa908562f9f000000/Experiential-Learning-Experience-As-The-Source-Of-Learning-And-Development.pdf
https://www.researchgate.net/profile/Dav...
).

A primeira oficina contemplou os seguintes objetivos: 1) contextualizar os participantes sobre o trabalho em equipe e a prática colaborativa para atendimento das pessoas com DCNTs; 2) discutir como os aspectos do clima de equipe podem influenciar a resolução de casos complexos de pessoas com DCNTs; 3) discutir os fatores de risco associados às condições crônicas e às intervenções preventivas, os três pilares do autocuidado e o foco nas necessidades dos usuários com DCNTs, utilizando como referência um estudo de caso; 4) discutir os objetivos da equipe, compartilhamento de responsabilidades e monitoramento de casos de pessoas com DCNTs.

A estratégia didática adotada na primeira oficina foi exposição dialogada, dinâmica sobre o trabalho em equipe e estudo de caso do senhor João Adamastor, proposto nos Cadernos da Atenção Básica número 35(1212 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Strategies for the care of person with chronic disease. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. 162 p. (Cadernos de Atenção Básica, n. 35). [Internet].2014 [Acesso 1 jun/jul 2018]; Available from http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab35
http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblio...
). Os participantes foram convidados a refletir sobre o objetivo da equipe relacionado ao manejo das DCNTs e às oportunidades existentes na equipe para compartilhamento de responsabilidades no monitoramento de casos de pessoas com DCNTs, como o senhor Adamastor. Ao final da atividade, a equipe era convidada a propor ideias para o aprimoramento de tais aspectos (objetivos comuns e orientação para tarefas).

A segunda oficina ocorreu 60 dias após a primeira, para que a equipe tivesse tempo de vivenciar e refletir sobre os aspectos discutidos na primeira oficina. Contemplou os seguintes objetivos: 1) retomar os aspectos discutidos na primeira oficina com reflexão em equipe sobre possível desfecho do caso do senhor Adamastor e 2) discutir as estratégias de cuidado estabelecidas pelo MS e os princípios e diretrizes da Rede de Atenção à Saúde para as pessoas com condições crônicas.

A estratégia didática adotada foi o debate e a dramatização do atendimento ao senhor Adamastor nos cenários “real” e “ideal”. A atividade final consistiu na elaboração de propostas no âmbito das equipes para aprimoramento do manejo das DCNTs.

Depois do encerramento da pesquisa, foi realizada a apresentação dos dados à Secretaria de Saúde do município e o planejamento de oferta de intervenção educativa ao grupo-controle.

Para a avaliação dos dados foi realizada análise descritiva das variáveis de caracterização, conhecimentos sobre DCNTs e clima do trabalho em equipe através da média, desvio-padrão e frequências absolutas. A fim de aferir o clima do trabalho em equipe, foram calculados os escores totais nos quatro fatores da ECTE para cada um dos profissionais entrevistados. Em seguida, foram calculadas as respectivas médias dos escores por equipe. O mesmo procedimento foi realizado na análise dos escores no questionário de conhecimento sobre o manejo das doenças crônicas, ou seja, inicialmente foi calculado o escore individual e posteriormente a média do escore por equipe. Assim, a análise apresentada no presente estudo se refere às equipes.

Para a análise de correlação entre tempo de trabalho na equipe e escores, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson, antes e depois da intervenção educativa. Posteriormente, ajustou-se um modelo de efeitos mistos para comparar o desempenho dos grupos (controle e intervenção) antes e depois da intervenção nas escalas, controlado pelo tempo de atuação na equipe. A opção pela análise do tempo de trabalho na equipe se justifica pelo fato de que, em estudo prévio nas equipes do mesmo município, foi verificada relação significativa entre tempo na equipe e escores de clima na equipe(99 Reeves S, Fletcher S, Barr H, Birch I, Boet S, Davies N, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teacher. 2016 Jul 2;38(7):656-68. doi: 10.3109/0142159X.2016.1173663
https://doi.org/10.3109/0142159X.2016.11...
).

Os dados foram digitados em planilhas do Excel for Windows e analisados pelo software Statistical Package for Social Sciences® 22. Em todos os testes estatísticos, o nível de significância adotado foi 5%. A consistência interna foi verificada via coeficiente alfa de Cronbach.

A pesquisa foi realizada no período de junho a dezembro de 2017, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo com parecer nº 2.125.480 e CAAE 66504017.8.0000.5392. Os participantes foram convidados individualmente a participar do estudo na própria ambiência da UBS. A todos os profissionais convidados foram fornecidos esclarecimentos sobre aspectos éticos e desenho metodológico da pesquisa. Todos os participantes foram informados sobre a condição dos grupos controle e intervenção. Ao aceitarem participar do estudo, os profissionais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi autorizada pela Secretaria de Saúde do município e pelos gerentes das UBS. A Secretaria de Saúde disponibilizou a participação da coordenadora de educação permanente do município para acompanhamento das intervenções educacionais nas UBS. Por meio de sua participação, a coordenação de educação permanente pode se familiarizar com a temática do clima do trabalho em equipe e com a estratégia educacional adotada, a fim de futuramente manter a estratégia educacional em prática e aprimorá-la de acordo com o contexto.

Resultados

Os resultados relacionados à caracterização dos profissionais de saúde que participaram das oficinas de EIP nas UBS estão apresentados na Tabela 1. Em um total de 95 participantes do estudo, 50 pertenciam ao grupo-intervenção e 45, ao grupo-controle. A amostra foi composta majoritariamente por mulheres (85%), agentes comunitárias de saúde (57%) e com ensino médio completo (68%).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e de tempo na equipe. Região Metropolitana de São Paulo, SP, Brasil, 2017

O grupo-intervenção e o grupo-controle demonstraram características sociodemográficas distintas, exceto pelo fato de que em ambos houve predomínio do sexo feminino. No grupo-controle verificou-se maior porcentagem de profissionais com pós-graduação (28,9%), contra 18% no grupo-intervenção. O grupo-intervenção era composto majoritariamente por profissionais com ensino médio completo (60%).

Com relação ao tempo de atuação na mesma equipe, o grupo-intervenção era composto majoritariamente por profissionais com cinco a dez anos de atuação na mesma equipe (50%), enquanto no grupo-controle a maior parte dos participantes referiu menos de cinco anos de atuação na equipe.

A Tabela 2 demonstra os percentuais de acertos no momento pré e pós-intervenção, referentes aos itens de conhecimento sobre o manejo das DCNTs e aos fatores da avaliação do clima do trabalho em equipe.

Tabela 2
Análise de variância no conhecimento sobre o manejo das DCNTs* * DCNTs = Doenças Crônicas Não Transmissíveis; nos quatro fatores da ECTE ECTE = Escala de Clima de Trabalho em Equipe; . Região Metropolitana de São Paulo, SP, Brasil, 2017

A comparação entre os grupos evidencia que o grupo-intervenção apresentou um aumento maior na média de conhecimento do que o grupo-controle, com o valor-p da interação.

Na avaliação do clima do trabalho em equipe, o efeito de interação mede se a diferença de médias pré e pós é igual nos dois grupos, o que avalia efetivamente o impacto da intervenção de EIP (Tabela 2). O efeito de interação no modelo mede justamente essa diferença, mas não houve evidência de que ela fosse significativa, tanto na análise global de clima (p = 0,961), quanto na análise dos fatores: participação na equipe (p = 0,458), objetivos da equipe (p = 0,733), apoio para ideias novas (p = 0,255) e orientação para as tarefas (p = 0,407).

Ao comparar os grupos intervenção e controle, independentemente da etapa do estudo (efeito principal de etapa, Tabela 2), observou-se que a diferença entre seus escores não foi significativa (p = 0,175), ou seja, não foi possível diferenciar os grupos quanto ao clima do trabalho em equipe. Quando comparados os escores dos grupos controle e intervenção para cada fator da ECTE, observou-se que as equipes do grupo-intervenção apresentavam médias significativamente maiores apenas no fator apoio para ideias novas (p = 0,029).

Ao comparar a mudança nas médias entre as fases pré e pós-teste, verificou-se que a variação nos escores não foi significativa na análise global dos escores da ECTE (0,061), na análise por fatores de participação na equipe (0,068), no apoio para ideias novas (0,401) e nos objetivos da equipe (0,835). Apenas no fator de orientação para as tarefas foi observada diminuição significativa nos escores tanto para o grupo-controle quanto para o grupo-intervenção (p = 0,004). O resultado sugere que a intervenção de EIP adotada não produziu efeito no clima de trabalho em equipe.

Discussão

O objetivo do presente estudo foi examinar o efeito da EIP no clima de equipes da APS e a apropriação de conhecimentos sobre o manejo das DCNTs. Os resultados confirmaram, parcialmente, a hipótese inicial de que a EIP é associada ao aumento dos conhecimentos acerca do manejo das condições crônicas e do clima do trabalho em equipe. A confirmação da hipótese é parcial, porque as equipes participantes da intervenção de EIP apresentaram aumento significativo apenas nos escores relacionados aos conhecimentos sobre o manejo das DCNTs, mas não no clima de equipe.

Os resultados condizem com revisão sistemática que descreve uma tendência nos estudos de EIP: a existência de evidências sobre impacto positivo da EIP na aquisição de conhecimentos específicos, mas não em mudanças nas atitudes e percepções dos profissionais(88 Yamani N, Asgarimoqadam M, Haghani F, Yamani AQA. The effect of interprofessional education on interprofessional performance and diabetes care knowledge of health care teams at the level one of health service providing. Adv Biomed Res. 2014. doi: 10.4103/2277-9175.137861
https://doi.org/10.4103/2277-9175.137861...
), como é mensurado pela ECTE.

A literatura(99 Reeves S, Fletcher S, Barr H, Birch I, Boet S, Davies N, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teacher. 2016 Jul 2;38(7):656-68. doi: 10.3109/0142159X.2016.1173663
https://doi.org/10.3109/0142159X.2016.11...
) apresenta evidências sobre impacto positivo de EIP nas atitudes/percepções interprofissionais e em conhecimentos específicos, mas pouco se sabe sobre o impacto da EIP nos comportamentos profissionais, nos resultados ao paciente e na prática interprofissional.

A fim de compreender o impacto da EIP na prática profissional, são realizados os estudos quase-experimentais e de intervenções práticas destinadas à melhoria do trabalho interprofissional e da qualidade na atenção à saúde.

Evidências provenientes de estudos quase-experimentais demonstram impacto positivo de intervenções de EIP na melhoria do trabalho interprofissional(1515 Körner M, Luzay L, Plewnia A, Becker S, Rundel M, Zimmermann L, et al. A cluster-randomized controlled study to evaluate a team coaching concept for improving teamwork and patient-centeredness in rehabilitation teams. PloS one. 2017 Jul 13;12(7). doi: 10.1371/journal.pone.0180171
https://doi.org/10.1371/journal.pone.018...
-1616 Weaver SJ, Rosen MA, Diaz Granados D, Lazzara EH, Lyons R, Salas E, et al. Does teamwork improve performance in the operating room? A multilevel evaluation. Jt Commission J Qual Patient Saf. 2010 Mar 1;36(3):133-42. doi: 10.1016/S1553-7250(10)36022-3
https://doi.org/10.1016/S1553-7250(10)36...
). Entretanto, a revisão sistemática sobre efeitos de intervenções interprofissionais na prática alerta para fragilidades metodológicas e para a inexistência de achados conclusivos sobre o impacto de tais intervenções na melhoria do trabalho interprofissional e da atenção à saúde(1717 Reeves S, Pelone F, Harrison R, Goldman J, Zwarenstein M. Interprofessional collaboration to improve professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Library. 2017 Jan 1. doi: 10.1002/14651858.CD000072
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00007...
).

Os resultados do presente estudo corroboram achados de outros estudos que tiveram por objetivo avaliar o impacto de intervenção de EIP de curta duração na aquisição de conhecimentos específicos. Na temática do manejo das DCNTs e do trabalho interprofissional, destaca-se o estudo experimental controlado de avaliação de intervenção de EIP(1818 Darlow B, Coleman K, McKinlay E, Donovan S, Beckingsale L, Gray B, et al. The positive impact of interprofessional education: a controlled trial to evaluate a programme for health professional students. BMC Med Educ. 2015 Dec 15(1):98. doi: 10.1186/s12909-015-0385-3
https://doi.org/10.1186/s12909-015-0385-...
). Segundo os autores, uma intervenção de curta duração (11 horas) sobre um conteúdo específico pode impactar positivamente tanto a autopercepção da capacidade de manejo das DCNTs, quanto as atitudes relacionadas ao trabalho interprofissional. O potencial de intervenção de EIP de curta duração pode influenciar positivamente a atitude para o trabalho interprofissional(1919 Watts F, Lindqvist, S, Pearce S, Drachler M, Richardson B. Introducing a post-registration interprofessional learning programme for healthcare teams. Med Teacher. 2007; 29(5):443-49. doi: 10.1080/01421590701513706
https://doi.org/10.1080/0142159070151370...
).Entretanto, intervenções de EIP de curta duração (tempo inferior a duas horas e meia) não apresentam potencial para mudança nos conhecimentos profissionais(2020 Olson R, Bialocerkowski A. Interprofessional education in allied health: a systematic review. Medical education. 2014 Mar 1;48(3):236-46. doi: 10.1111/medu.12290
https://doi.org/10.1111/medu.12290...
).

Os achados relacionados ao clima do trabalho em equipe diferem dos de estudo anterior relacionado a EIP(2121 Wong AKC, Wong FKY, Chan LK, Chan N, Ganotice FA, Ho JSC. The effect of interprofessional team-based learning among nursing students: A quasi-experimental study, Nurse Educ Today. 2017; 53(13). doi: 10.1016/j.nedt.2017.03.004
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2017.03.0...
), onde foi encontrado aumentos nos escores na ECTE após intervenção de EIP. As principais diferenças entre o presente estudo e o referido estudo em EIP(2121 Wong AKC, Wong FKY, Chan LK, Chan N, Ganotice FA, Ho JSC. The effect of interprofessional team-based learning among nursing students: A quasi-experimental study, Nurse Educ Today. 2017; 53(13). doi: 10.1016/j.nedt.2017.03.004
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2017.03.0...
) residem no tempo de duração da intervenção de EIP, no intervalo entre pré e pós-teste e na existência de um grupo-controle. Em uma amostra inicial de 79 participantes, os autores realizaram uma intervenção de EIP com 12 horas de duração, com pós-teste no quarto e oitavo meses pós-intervenção e não incluíram grupo-controle. Embora o referido estudo(2121 Wong AKC, Wong FKY, Chan LK, Chan N, Ganotice FA, Ho JSC. The effect of interprofessional team-based learning among nursing students: A quasi-experimental study, Nurse Educ Today. 2017; 53(13). doi: 10.1016/j.nedt.2017.03.004
https://doi.org/10.1016/j.nedt.2017.03.0...
) sugira que intervenção de 12 horas com oito meses de duração seja capaz de impactar positivamente o clima do trabalho em equipe, a operacionalização de uma intervenção de EIP envolvendo profissionais no contexto da prática clínica pode apresentar desafios(1717 Reeves S, Pelone F, Harrison R, Goldman J, Zwarenstein M. Interprofessional collaboration to improve professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Library. 2017 Jan 1. doi: 10.1002/14651858.CD000072
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00007...
), sobretudo em contexto de limitações no número de profissionais, o que pode comprometer a participação em atividades de educação profissional.

Com relação aos escores do clima de equipe, cabe destacar que o único aspecto em que houve diminuição significativa nos escores, tanto para o grupo-controle quanto para o grupo-intervenção, foi no fator de orientação para as tarefas. Este envolve a reflexividade como um elemento-chave para a existência de negociações interprofissionais, clareza sobre as responsabilidades e papel de cada profissional dentro da equipe(2222 D'Amour D, Goulet L, Labadie JF, Martín-Rodriguez LS, Pineault R. A model and typology of collaboration between professionals in healthcare organizations. BMC Health Serv Res. 2008 Set;8:1-14. doi: 10.1186/1472-6963-8-188
https://doi.org/10.1186/1472-6963-8-188...
).

A diminuição significativa nos escores no fator orientação para as tarefas sugere que, ao responder o questionário pela segunda vez, os profissionais apresentaram uma percepção mais negativa exatamente no fator que traduz a capacidade da equipe de refletir acerca de seu trabalho em busca de excelência.

O tempo de atuação na equipe não esteve relacionado aos conhecimentos das equipes sobre o manejo das DCNTs, assim como não demonstrou afetar os escores de clima no trabalho em equipe. O tempo de atuação na mesma equipe é descrito na literatura como “estabilidade da equipe”, ou seja, é um atributo que estimula o trabalho compartilhado e a tomada de decisões conjuntas(2323 Slotegraaf RJ, Atuahene-Gima K. Product development team stability and new product advantage: The role of decision-making processes. J Market. 2011 Jan;75(1):96-108. doi: 10.1509/jm.75.1.96
https://doi.org/10.1509/jm.75.1.96...
).

Por fim, se por um lado a intervenção de EIP de curta duração se mostrou efetiva para aprimoramento de conhecimentos sobre o manejo das DCNTs, por outro, não contribuiu para melhoria no clima do trabalho em equipe. Esse resultado remete a uma reflexão sobre as características do clima do trabalho em equipe, para o qual contribuem as interações sociais, a relação entre profissionais de diferentes áreas e a influência da cultura organizacional(2424 Hudson JN, Croker A. Educating for collaborative practice: an interpretation of current achievements and thoughts for future directions. Med Educ. 2018 Jan 1;52(1):114-24. doi: 10.1111/medu.13455
https://doi.org/10.1111/medu.13455...
), aspectos complexos e menos sensíveis a uma intervenção de curta duração e restrita ao âmbito das equipes.

A prática colaborativa e o clima do trabalho em equipe(2525 Agreli HF, Peduzzi M, Bailey C. Contributions of team climate in the study of interprofessional collaboration: A conceptual analysis. J Interprof Care. 2017; 31(6):679-84. doi: 10.1080/13561820.2017.1351425
https://doi.org/10.1080/13561820.2017.13...
)envolvem aspectos relacionais, organizacionais, contextuais e algumas tensões, por exemplo, o desenvolvimento de competências colaborativas versus autonomia de cada profissão. As intervenções de EIP destinadas à melhoria do clima de equipe devem considerar tais tensões, o que pode ser desafiador, sobretudo em curto espaço de tempo. As tensões existentes na prática não precisam necessariamente ser “solucionadas”, mas enfrentadas para que o movimento em prol da prática colaborativa possa avançar. Nesse sentido, a complexidade do trabalho interprofissional e de suas tensões ajuda a compreender os possíveis porquês de uma intervenção de EIP de curta duração, de maneira isolada, não ter apresentado impacto no clima do trabalho em equipe(2424 Hudson JN, Croker A. Educating for collaborative practice: an interpretation of current achievements and thoughts for future directions. Med Educ. 2018 Jan 1;52(1):114-24. doi: 10.1111/medu.13455
https://doi.org/10.1111/medu.13455...
).

Umas das limitações deste estudo foi a composição dos grupos intervenção e controle. Houve dificuldade em conseguir participantes para compor o grupo-controle, uma vez que os profissionais que não participariam da intervenção não demonstraram interesse em preencher o questionário nas etapas pré e pós-teste. Observou-se também heterogeneidade dos grupos controle e intervenção com relação à escolaridade. O grupo-controle apresentava mais profissionais de ensino superior, o que não é apropriado para um estudo de intervenção. O fato de o grupo-intervenção ser composto majoritariamente por profissionais de ensino médio pode ter interferido nos resultados de conhecimento antes e depois da intervenção, bem como no clima da equipe, devido às relações de poder existentes entre profissionais com diferentes níveis de escolaridade.

Outra limitação apontada neste estudo foi a não proporcionalidade entre os sexos, o que pode ter contribuído para os resultados observados, e o fato de que as condições de trabalho, a história das equipes, a formação anterior e a história de seus territórios podem ter interferido no clima e conhecimentos das equipes, e não terem sido contempladas pela intervenção de EIP realizada.

Conclusão

Intervenção de EIP no formato de oficinas de curta duração com a utilização de estudo de caso e realizada com participação apresenta potencial de impactar positivamente nos conhecimentos acerca do manejo das DCNTs na APS, mas não no clima do trabalho em equipe.

A intervenção de EIP com seis horas de duração se mostrou suficiente para aumentar de maneira significativa os conhecimentos comuns sobre as DCNTs entre os membros das equipes interprofissionais. Um facilitador importante para implementação da intervenção educativa foi a escolha da ocasião para intervenção: as reuniões de equipe na UBS. Facilitador, pois na maioria das UBS todos os profissionais da equipe puderam participar, o que não ocorria no município quando as intervenções educativas se davam fora da UBS. Outros facilitadores foram o baixo custo da intervenção educativa e a experiência docente da educadora que conduziu as oficinas. Uma barreira para a implementação da intervenção interprofissional foi o fato de alguns profissionais, sobretudo médicos e enfermeiros, não poderem participar da intervenção, pois possuíam agendas de atendimentos ou tiveram que se ausentarem no meio das oficinas, para realização de acolhimento aos usuários.

As DCNTs apresentam impacto epidemiológico importante à saúde pública e demandam organização interprofissional do cuidado. O presente estudo contribui com conhecimentos acerca de como desenvolver ação de EIP em prol de manejo interprofissional das DCNTs na APS. Estudos futuros são necessários para determinar se os efeitos da intervenção de EIP são mantidos ao longo do tempo e se os efeitos desse conhecimento têm impacto no trabalho em equipe e na prática colaborativa interprofissional. Com vistas ao avanço da proposição de um programa de EIP destinado ao aprimoramento do clima do trabalho em equipe, sugere-se que estudos futuros de intervenção de EIP mantenham o desenho quase-experimental, combinando-os a estudos qualitativos que incorporem intervenções com duração superior a seis horas e com acompanhamento dos resultados em intervalo superior a 60 dias entre pré e pós-teste.

Embora apresente limitações, este estudo foi a primeira abordagem para avançar no debate acerca do efeito das intervenções de EIP no trabalho em equipe na ESF. Trata-se de um estudo relevante para compreensão de quais características da EIP são capazes de produzir efeito positivo nos conhecimentos dos profissionais da APS e na melhoria do trabalho em equipe. Até o momento, pouco se sabe sobre quais intervenções se deve adotar no cotidiano de trabalho para preparar as equipes para melhor manejo das DCNTs.

  • *
    Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 150447/2017-5.
  • Errata
    Na página 1, Onde se lia:
    “Efeito da educação interprofissional no trabalho em equipe e nos conhecimentos e manejo das condições crônicas*”
    Leia-se:
    “Efeito da educação interprofissional no trabalho em equipe e no conhecimento do manejo de condições crônicas*”

Agradecimentos

Agradecimento a todos os pesquisadores e profissionais envolvidos que despenderam seu tempo para participar do estudo.

References

  • 1
    World Health Organization. 2019 [Internet]. Noncommunicable diseases. [Internet].2019 Jan/Feb [cited Feb 18, 2019]; Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases
    » https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases
  • 2
    Innovative Care for Chronic Conditions: Organizing and Delivering High Quality Care for Chronic Noncommunicable Diseases in the Americas. Washington: OPAS; 2015. [Internet].2015 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from: http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/18640
    » http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/18640
  • 3
    World Health Organization (WHO). Framework for action on interprofessional education & collaborative practice. Geneva: WHO; 2010. [Internet].2010 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from: http://www.who.int/hrh/resources/framework_action/en/
    » http://www.who.int/hrh/resources/framework_action/en/
  • 4
    Peduzzi M, Agreli HF. Teamwork and collaborative practice in Primary Health Care. Interface - Comunicação, Saúde, Educ. 2018; 22 (Suppl. 2): 1525-34. doi: 10.1590/1807-57622017.0827
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0827
  • 5
    Reeves S, Perrier L, Goldman J, Freeth D, Zwarenstein M. Interprofessional education: effects on professional practice and healthcare outcomes (update). Cochrane Database Syst. Rev. 2013; 3:3. doi: 10.1002/14651858.CD002213.pub3.
    » https://doi.org/10.1002/14651858.CD002213.pub3
  • 6
    Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010 Dec 4;376(9756):1923-58. doi: 10.1016/S0140-6736(10)61854-5
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)61854-5
  • 7
    Reeves S, Zwarenstein M, Goldman J, Barr H, Freeth D, Hammick M, et al. Interprofessional education: effects on professional practice and health care outcomes. Cochrane Database Syst Rev. 2008 Jan 23;1(1). doi: 10.1002/14651858.CD002213.pub2.
    » https://doi.org/10.1002/14651858.CD002213.pub2
  • 8
    Yamani N, Asgarimoqadam M, Haghani F, Yamani AQA. The effect of interprofessional education on interprofessional performance and diabetes care knowledge of health care teams at the level one of health service providing. Adv Biomed Res. 2014. doi: 10.4103/2277-9175.137861
    » https://doi.org/10.4103/2277-9175.137861
  • 9
    Reeves S, Fletcher S, Barr H, Birch I, Boet S, Davies N, et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Med Teacher. 2016 Jul 2;38(7):656-68. doi: 10.3109/0142159X.2016.1173663
    » https://doi.org/10.3109/0142159X.2016.1173663
  • 10
    Sunguya BF, Hinthong W, Jimba M, Yasuoka J. Interprofessional education for whom? Challenges and lessons learned from its implementation in developed countries and their application to developing countries: a systematic review. PloS one. 2014 May 8;9(5):e96724. doi: 10.1371/journal.pone.0096724
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0096724
  • 11
    Eccles M, Grimshaw J, Campbell M, Ramsay C. Research designs for studies evaluating the effectiveness of change and improvement strategies. Qual Saf Health Care. 2003;12(1):47-52. doi: 10.1136/qhc.12.1.47
    » https://doi.org/10.1136/qhc.12.1.47
  • 12
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Strategies for the care of person with chronic disease. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. 162 p. (Cadernos de Atenção Básica, n. 35). [Internet].2014 [Acesso 1 jun/jul 2018]; Available from http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab35
    » http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/cab35
  • 13
    Silva MC, Peduzzi M, Sangaleti CT, Silva D, Agreli HF, West MA et al. Cross-cultural adaptation and validation of the teamwork climate scale. Rev. Saúde Pública. 2016:50:52. doi: 10.1590/S01518-8787.2016050006484
    » https://doi.org/10.1590/S01518-8787.2016050006484
  • 14
    Kolb D. Experiential learning. 2nd ed. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall; 1984. 416p. [Internet].1984 [cited Jun/Jul 1, 2018]; Available from:https://www.researchgate.net/profile/David_Kolb/publication/235701029_Experiential_Learning_Experience_As_The_Source_Of_Learning_And_Development/links/00b7d52aa908562f9f000000/Experiential-Learning-Experience-As-The-Source-Of-Learning-And-Development.pdf
    » https://www.researchgate.net/profile/David_Kolb/publication/235701029_Experiential_Learning_Experience_As_The_Source_Of_Learning_And_Development/links/00b7d52aa908562f9f000000/Experiential-Learning-Experience-As-The-Source-Of-Learning-And-Development.pdf
  • 15
    Körner M, Luzay L, Plewnia A, Becker S, Rundel M, Zimmermann L, et al. A cluster-randomized controlled study to evaluate a team coaching concept for improving teamwork and patient-centeredness in rehabilitation teams. PloS one. 2017 Jul 13;12(7). doi: 10.1371/journal.pone.0180171
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0180171
  • 16
    Weaver SJ, Rosen MA, Diaz Granados D, Lazzara EH, Lyons R, Salas E, et al. Does teamwork improve performance in the operating room? A multilevel evaluation. Jt Commission J Qual Patient Saf. 2010 Mar 1;36(3):133-42. doi: 10.1016/S1553-7250(10)36022-3
    » https://doi.org/10.1016/S1553-7250(10)36022-3
  • 17
    Reeves S, Pelone F, Harrison R, Goldman J, Zwarenstein M. Interprofessional collaboration to improve professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Library. 2017 Jan 1. doi: 10.1002/14651858.CD000072
    » https://doi.org/10.1002/14651858.CD000072
  • 18
    Darlow B, Coleman K, McKinlay E, Donovan S, Beckingsale L, Gray B, et al. The positive impact of interprofessional education: a controlled trial to evaluate a programme for health professional students. BMC Med Educ. 2015 Dec 15(1):98. doi: 10.1186/s12909-015-0385-3
    » https://doi.org/10.1186/s12909-015-0385-3
  • 19
    Watts F, Lindqvist, S, Pearce S, Drachler M, Richardson B. Introducing a post-registration interprofessional learning programme for healthcare teams. Med Teacher. 2007; 29(5):443-49. doi: 10.1080/01421590701513706
    » https://doi.org/10.1080/01421590701513706
  • 20
    Olson R, Bialocerkowski A. Interprofessional education in allied health: a systematic review. Medical education. 2014 Mar 1;48(3):236-46. doi: 10.1111/medu.12290
    » https://doi.org/10.1111/medu.12290
  • 21
    Wong AKC, Wong FKY, Chan LK, Chan N, Ganotice FA, Ho JSC. The effect of interprofessional team-based learning among nursing students: A quasi-experimental study, Nurse Educ Today. 2017; 53(13). doi: 10.1016/j.nedt.2017.03.004
    » https://doi.org/10.1016/j.nedt.2017.03.004
  • 22
    D'Amour D, Goulet L, Labadie JF, Martín-Rodriguez LS, Pineault R. A model and typology of collaboration between professionals in healthcare organizations. BMC Health Serv Res. 2008 Set;8:1-14. doi: 10.1186/1472-6963-8-188
    » https://doi.org/10.1186/1472-6963-8-188
  • 23
    Slotegraaf RJ, Atuahene-Gima K. Product development team stability and new product advantage: The role of decision-making processes. J Market. 2011 Jan;75(1):96-108. doi: 10.1509/jm.75.1.96
    » https://doi.org/10.1509/jm.75.1.96
  • 24
    Hudson JN, Croker A. Educating for collaborative practice: an interpretation of current achievements and thoughts for future directions. Med Educ. 2018 Jan 1;52(1):114-24. doi: 10.1111/medu.13455
    » https://doi.org/10.1111/medu.13455
  • 25
    Agreli HF, Peduzzi M, Bailey C. Contributions of team climate in the study of interprofessional collaboration: A conceptual analysis. J Interprof Care. 2017; 31(6):679-84. doi: 10.1080/13561820.2017.1351425
    » https://doi.org/10.1080/13561820.2017.1351425

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2019
  • Aceito
    30 Jun 2019
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br