Nurse Navigator: desenvolvimento de um programa para o Brasil^*

Resumos

Objetivo:

desenvolver um Programa de Navegação para pacientes oncológicos, fundamentado no modelo proposto pelo The GW Cancer Institute da George Washington University, adaptado à realidade de um Centro de Alta Complexidade em Oncologia brasileiro.

Método:

pesquisa convergente assistencial aplicada no desenvolvimento de um processo assistencial de Navegação de Pacientes, fundamentado no modelo proposto pela George Washington University, adaptado para um Centro de Alta Complexidade em Oncologia no Brasil. Fases da Pesquisa Convergente assistencial: concepção, instrumentação, perscrutação, análise e interpretação. Essas foram correlacionadas com as etapas do Ciclo de Desenvolvimento de Programas. Idealizada Escala para categorizar os pacientes em níveis de navegação, validada pela Técnica de Delphi, com 12 especialistas.

Resultados:

no diagnóstico definiu-se pacientes com câncer de cabeça e pescoço para inserção no Programa de Navegação. Planejamento e implantação ocorreram simultaneamente, permitindo realizar o desenho da formatação básica do programa e seus processos. Escala de Avaliação de Necessidade de Navegação elaborada com a finalidade de selecionar o paciente para ingressar no Programa e determinar o suporte recomendado. A validação escala teve índice de consenso de 96,42%. Avaliação das etapas do ciclo ocorreram através do ciclo Plan/Do/Check/Act adaptado.

Conclusão:

um Programa de Navegação adaptado à realidade brasileira foi desenvolvido, bem como, as atribuições dos navegadores.

Descritores:
Navegação de Pacientes; Enfermagem; Oncologia; Enfermeiros; Cuidado Centrado no Paciente; Neoplasias

Objective:

to develop a Navigation Program for cancer patients, based on the model proposed by The GW Cancer Institute at George Washington University, adapted to the reality of a Brazilian High Complexity Center in Oncology.

Method:

a convergent care research applied in the development of a patient navigation care process, based on the model proposed by George Washington University, adapted for a High Complexity Center in Oncology in Brazil. Phases of the Convergent Assistance Research: conception, instrumentation, scrutiny, analysis and interpretation. These were correlated with the stages of the Program Development Cycle. Scale designed to categorize patients into navigation levels, validated by the Delphi Technique, with 12 specialists.

Results:

in the diagnosis, patients with head and neck cancer were defined for inclusion in the Navigation Program. Planning and implementation took place simultaneously, allowing the basic formatting of the program and its processes to be designed. Navigation Needs Assessment Scale designed to select the patient to join the Program and determine the recommended support. The scale validation had a consensus index of 96.42%. Evaluation of the stages of the cycle occurred through the adapted Plan/Do/Check/Act cycle.

Conclusion:

a Navigation Program was developed adapted to the Brazilian reality, and attributions of the navigators were created.

Descriptors:
Patient Navigation; Nursing; Oncology; Nurses; Patient-Centered Care; Neoplasms

Objetivo:

desarrollar un Programa de Navegación para pacientes con cáncer, basado en el modelo propuesto por The GW Cancer Institute de la Universidad George Washington, adaptado a la realidad de un Centro de Alta Complejidad en Oncología brasileño.

Método:

investigación de atención convergente aplicada en el desarrollo de un proceso de atención de navegación para pacientes, basado en el modelo propuesto por la Universidad George Washington, adaptado para un Centro de Alta Complejidad en Oncología en Brasil. Fases de la investigación de asistencia convergente: concepción, instrumentación, escrutinio, análisis e interpretación. Estos se correlacionaron con las etapas del ciclo de desarrollo del programa. Escala diseñada para clasificar a los pacientes en niveles de navegación, validado por la Técnica Delphi, con 12 especialistas.

Resultados:

en el diagnóstico, los pacientes con cáncer de cabeza y cuello fueron definidos para su inclusión en el Programa de Navegación. La planificación y la implementación se llevaron a cabo simultáneamente, permitiendo diseñar el formato básico del programa y sus procesos. Escala de evaluación de necesidades de navegación diseñada para seleccionar al paciente que se unirá al Programa y determinar el apoyo recomendado. La validación de la escala tuvo un índice de consenso del 96,42%. La evaluación de las etapas del ciclo ocurrió a través del ciclo adaptado Plan/Do/Check/Act.

Conclusión:

se desarrolló un programa de navegación adaptado a la realidad brasileña, y fueron creadas asignaciones de los navegadores.

Descriptores:
Navegación de Pacientes; Enfermería; Oncología; Enfermero; Atención Dirigida al Paciente; Neoplasia

Introdução

Aproximadamente dois terços das mortes globais por câncer ocorrem nos países em desenvolvimento, onde as taxas de mortalidade são mais elevadas devido ao diagnóstico tardio e à dificuldade de acesso aos tratamentos⁽¹⁾. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), órgão que disponibiliza informações epidemiológicas relativas ao câncer no Brasil, foi estimado para o país no biênio 2018-2019 a ocorrência de aproximadamente 600 mil casos novos de câncer⁽²⁾. A globalização, urbanização e o aumento da expectativa de vida são dados que podem explicar estas estimativas^(3-4).

No Brasil, desde a década de ‘90, o Ministério da Saúde (MS) tem investido esforços para enfrentar de forma mais organizada e efetiva a crescente demanda por tratamento oncológico no país^(5-6). Nesse sentido, atualmente, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), dentre as principais medidas já instituídas estão o cadastramento e a organização de uma rede hierarquizada de estabelecimentos definidos como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) para a oferta de assistência especializada e integral na área, até a vigente Política Nacional para a Prevenção e o Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas^(5-6).

Na saúde suplementar, visando a reorganização da rede de atenção oncológica, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) lançou em 2016 o Projeto OncoRede, cuja proposta é articular uma rede de cuidados, reestruturando o processo de diagnóstico, melhorando estratégias de rastreamento e aferindo impactos das ações na performance do sistema suplementar de saúde⁽³⁾. Apontando diversas estratégias, contextualizadas e baseadas em evidências daquelas já implementadas e amplamente utilizadas em outros países para realizar esta reorganização, propõe a estruturação de um organizado Modelo de Atenção ao Câncer na Saúde Suplementar⁽³⁾. Para o alcance deste objetivo sugerem, dentre outras medidas, a implantação de programas de navegação de pacientes para a oncologia no Brasil, com a atuação da figura do navegador de pacientes, nominado como “Assistente do Cuidado”⁽³⁾. Indica para o desempenho desta função o enfermeiro pelo seu conhecimento, sua formação e área de atuação⁽³⁾.

A navegação de pacientes (NP) é um processo em que um indivíduo, chamado de navegador de pacientes, guia as pessoas com diagnóstico ou suspeita de alguma doença crônica, ajudando-as a “navegar” pelo sistema e os serviços de saúde^(7-8). É realizado por um navegador de pacientes, envolvendo uma série de ações que direcionam a um determinado objetivo (por exemplo: assistência em tempo oportuno através da eliminação de barreiras de acesso à assistência). Neste contexto, um programa de navegação é uma fusão entre processo de navegação, navegadores e ações, que compreendem os processos assistenciais e administrativos de um determinado serviço e sistema de saúde, desenhado e adequado ao perfil dos pacientes assistidos. É uma abordagem amplamente promovida para aumentar a probabilidade de que os pacientes tenham uma adesão efetiva ao tratamento recomendado, reduzindo as barreiras socioeconômicas, raciais e étnicas do cuidado^(8-9).

Esse conceito foi originalmente desenvolvido pelo médico americano Harold Freeman em parceria com a American Cancer Society (ACS) em 1990, no Hospital Harlem em Nova York^(8-10). Nesse contexto, o primeiro Programa de NP foi originalmente idealizado para pacientes oncológicos, no qual os navegadores eram voluntários (leigos e/ou profissionais da saúde)^(7-8,10). São nove os princípios teóricos que fundamentam a NP estabelecidos pelo próprio Dr. Freeman, desenvolvidos durante os seus mais de 20 anos experiência, a saber^(7-9): 1. A NP é um serviço de saúde cujo modelo é centrado no paciente e o seu foco é fazer com que o movimento do paciente pelo sistema de saúde seja suave e oportuno durante todo o continuum do cuidado; 2. A NP serve para facilitar o acesso dos pacientes à assistência através da integração de sistemas de saúde fragmentados, criando um fluxo continuo de atendimento durante todo o continuum da assistência; 3. A função principal da navegação é eliminar barreiras que impedem o acesso aos serviços de saúde e, para que seja efetiva, torna-se necessário que se estabeleça uma estreita relação entre paciente e navegador; 4. O escopo dos programas de NP deve ser claro e bem definido em relação à sua prática e ao que distingue as funções e responsabilidades, portanto os navegadores devem estar integrados à equipe multiprofissional; 5. A entrega do serviço de navegação deve ser custo/efetiva e proporcional ao treinamento e às habilidades necessárias para a navegação dos pacientes; 6. A determinação de qual tipo de navegador realizará o processo deve ser baseada no nível de conhecimentos e habilidades necessárias para cada fase da trajetória assistencial dos pacientes. 7. É fundamental determinar em que ponto da assistência a navegação deve ser iniciada e quando deve ser finalizada; 8. O processo de navegação deve proporcionar a conexão de sistemas de saúde desconectados; 9. O sistema de NP necessita de coordenação^(7-9).

A NP segue em constante evolução e os programas, nos dias de hoje, vêm sendo também direcionados a pacientes com outras doenças crônicas^(11-12). Este processo encontra-se implementado também na atenção primária à saúde em países como Canadá e Estados Unidos da América (EUA) para pacientes com doenças como insuficiência cardíaca, hipertensão arterial crônica e diabetes tipo 2^(13-14). Atualmente, nos programas internacionais, os navegadores são profissionais da área da saúde, estudantes e leigos voluntários, cada um com atribuições específicas de acordo com o seu nível de conhecimento^(13-14). Em países como os EUA, não se tem um consenso sobre a formação acadêmica prévia dos navegadores, contudo no Canadá e na Austrália a maioria dos navegadores são enfermeiros^(3,15-16).

Os enfermeiros navegadores (EN) surgiram para a assistência ao paciente oncológico a partir do primeiro Programa de Navegação (PN)^(17-18). Estes profissionais utilizam o seu conhecimento especializado, experiência clínica e competências para proporcionar aos pacientes um cuidado focado nos aspectos físicos, sociais e emocionais⁽¹²⁾. Direcionam e guiam pacientes, familiares e cuidadores para a tomada de decisão conjunta com equipe multidisciplinar responsável pelo tratamento⁽¹⁸⁾. As ações desenvolvidas por estes profissionais vão além do manejo do cuidado^(17-18). Supervisionam todo o processo de tratamento empoderando os pacientes, fornecendo informações e suporte, atuando como elo entre eles e os profissionais da equipe^(17-18).

A NP é considerada um diferencial importante nos serviços de oncologia do Brasil, principalmente com a atuação do enfermeiro navegador^(19-20). Além de atuar como coordenador do cuidado, este profissional contribui na assistência ao paciente fornecendo o suporte necessário para superar o impacto do diagnóstico e do tratamento, auxiliando a transpor as principais barreiras que dificultam o acesso aos serviços e sistemas de saúde^(12,18,20).

Poucas instituições de saúde no Brasil contam com este tipo de programa implantado e, nos locais existentes, o serviço é dirigido a pacientes com câncer de mama e a navegação é realizada por assistentes sociais e/ou enfermeiros⁽¹⁹⁾. Entretanto, a figura do EN, com as suas atribuições, especificidades e com a importância do papel que ele desempenha em âmbito internacional, ainda não foi alvo de estudos e/ou publicações no país⁽¹⁹⁾.

Neste sentido, uma das autoras, por atuar em um hospital de referência em oncologia reconhecido como um Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e ao apropriar-se dos conceitos e das práticas que constituem a navegação de pacientes, e o funcionamento de tais programas, estabeleceu o propósito de desenvolver este tipo de Programa para o referido local. A questão norteadora deste estudo foi: como um Programa de Navegação de pacientes para pacientes oncológicos, fundamentado no modelo proposto pelo The GW Cancer Institute da George Washington University, poderá atender a realidade existente em um CACON?

Assim, desenvolver um Programa de Navegação para pacientes oncológicos, fundamentado no modelo proposto pelo The GW Cancer Institute da George Washington University, adaptado à realidade de um CACON brasileiro foi o objetivo desta pesquisa.

Método

Trata-se de uma pesquisa convergente assistencial (PCA), metodologia que busca proporcionar a inserção participativa do pesquisador no campo da prática assistencial ao mesmo tempo em que se envolve com os objetivos da pesquisa⁽²⁰⁾. É desenvolvida através das seguintes fases: a concepção, a instrumentação, a perscrutação, a análise e a interpretação⁽²⁰⁾. A PCA, por ter natureza dinâmica e ser integrada à assistência, é um método investigativo e inovador que permite a exploração, a reflexão e o aprofundamento de diferentes temáticas na saúde^(21-22). Neste sentido, representa um desafio na medida em que procura imprimir mudanças e inovações tecnológicas no espaço instituído da saúde^(22-23).

Este estudo compreendeu o desenvolvimento de um novo processo assistencial através da NP, baseado no método adaptado e desenvolvido no curso Executive Training On Navigation And Survivorship: Finding Your Patient Focus do The George Washington University (GW) Cancer Institute’s Center for the Advancement of Cancer Survivorship, Navigation and Policy (caSNP), da Universidade de George Washington (EUA) realizado em formato e-learning por uma das autoras. A fundamentação teórico-filosófica que embasou o desenvolvimento deste estudo corroborou com a mesma que foi utilizada pela Universidade na elaboração do curso, o conceito e os princípios da navegação de pacientes concebidos pelo médico americano Harold Freeman. Conforme preconizado pelo The GW Cancer Institute, o planejamento de programas de NP deve ser estruturado a partir do Ciclo de Desenvolvimento de Programas (Program Development Cycle) que apresenta quatro etapas (diagnóstico, planejamento, implantação e avaliação), e foram adaptadas pela pesquisadora para adequá-las à realidade no referido CACON. A correlação entre as fases do percurso metodológico da PCA e o Ciclo de Desenvolvimento de Programas está apresentada na Figura 1.

Figura 1
Organização das etapas da pesquisa de acordo com a Pesquisa Convergente Assistencial e a relação com o Ciclo de Desenvolvimento do PN*. Porto Alegre, RS, Brasil, 2018

^*PN = Programa de Navegação

A primeira fase, a “Concepção”, contemplou as definições iniciais da pesquisa, tais como: escolha do tema; definição da questão norteadora; determinação dos objetivos da pesquisa; revisão de literatura e a escolha da fundamentação teórico-filosófica para orientar o novo processo assistencial.

Na segunda fase, “Instrumentação”, foram definidos o campo de ação, a população envolvida no estudo, a escolha da técnica de coleta e análise dos dados, e o Ciclo de Desenvolvimento de Programas NP.

Na fase da “Perscrutação” ocorreu a etapa do diagnóstico. Para que isso fosse possível, a coleta dos dados se deu no sistema de prontuários eletrônicos e nos relatórios de gestão existentes na instituição.

Na “Análise”, ocorreu o processo chamado de apreensão, onde foi realizada uma organização dos dados obtidos no diagnóstico e foi finalizada na segunda e na terceira etapas do ciclo (planejamento e implantação). Cada processo assistencial e administrativo foi observado (registrado em planilhas Excel) e, através do desenvolvimento da prática e interação com os profissionais no serviço, foi criada a formatação básica de funcionamento do programa de navegação e seus processos.

Na última fase da PCA, a “Interpretação”, ocorreram os processos de síntese, a teorização e a recontextualização. Nos primeiros dois processos foi realizada a análise subjetiva dos dados e estabeleceram-se a relação entre as informações coletadas e a fundamentação teórico filosófica utilizada no estudo. O último consistiu em dar significado aos resultados obtidos e na socialização dos mesmos. Os dados foram analisados na etapa de avaliação, através da aplicação do ciclo PDSA adaptado. Todos foram operacionalizados ainda durante a revisão de literatura, segunda e terceira etapas do ciclo.

O campo de ação deste estudo foi o Ambulatório Sistema Único de Saúde (SUS) de um hospital classificado como Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), instituição privada de caráter filantrópico, localizado na região sul do Brasil. Este presta assistência em oncologia sendo referência nacional na área, atua na prevenção, diagnóstico e tratamento para clientes referenciados pelo SUS, privados ou por meio de convênios.

A população-alvo selecionada para esse estudo foi uma amostra intencional, constituída por profissionais da saúde, sendo quatorze enfermeiros (sete gestores de área e sete assistenciais), quatro médicos (dois oncologistas clínicos, um cirurgião de cabeça e pescoço e um paliativista), um psicólogo e um fonoaudiólogo que atuam na instituição do estudo, e uma docente de enfermagem.

Este estudo seguiu a legislação vigente, conforme os termos da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde e foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade e do hospital, tendo sido aprovado com CAEE n.º 67250617 0 0000 5335. A todos os participantes foi esclarecido e fornecido o Termo de Consentimento.

Para avaliar os pacientes em relação à sua necessidade de navegação, foi necessário criar uma Escala de Avaliação de Necessidade de Navegação (EANN). Este instrumento tem o objetivo oportunizar, a partir de categorias e critérios biopsicossociais, a classificação dos pacientes em relação à necessidade de navegação, para a inclusão ou não no programa de NP desenvolvido para o CACON do estudo. Como não se encontrou na literatura um instrumento para esse fim, após a construção, ocorrida durante as etapas de planejamento e implantação, a EANN foi validada através da Técnica de Delphi (TD).

Definida como uma metodologia sistematizada de julgamento de informações, a TD é considerada uma ferramenta de pesquisa que busca um consenso de opiniões de um grupo de especialistas a respeito de um determinado tema, por meio de validações articuladas, etapas ou ciclos^(24-25). Destina-se a situações onde há inexistência e/ou carência de dados históricos e, na área de enfermagem, tem sido adotada para validação de condutas e diagnósticos^(23-25).

Para a validação do instrumento, foi selecionado um painel de especialistas constituído por 21 profissionais da área da saúde com conhecimento técnico e experiência na oncologia. O ponto de corte para obtenção de consenso foi estipulado em 80%, visto que na literatura não é recomendado que seja aplicada, em situações de escassez de produção, a obtenção de consensos com percentis inferiores a 75%⁽²⁵⁾. Na primeira rodada da TD, dos especialistas convidados, 17 participaram; e, na segunda, 12 profissionais responderam à pesquisa.

Resultados

Durante a realização do Ciclo de Desenvolvimento de Programas de NP, na etapa de diagnóstico iniciada em julho de 2017, efetuou-se uma avaliação inicial com a finalidade de estabelecer o perfil demográfico dos pacientes atendidos no serviço. Foi identificado um total de pacientes atendidos, no período de janeiro a junho de 2017, de 7.310, sendo destes 56,30% de mulheres, a maioria apresentava idade entre 61 - 75 anos (43%) e eram casados (45,88%). Quanto ao local de procedência, a maior demanda de pacientes assistidos era originária de Porto Alegre e região metropolitana, perfazendo um total de 61,46%, sendo os demais oriundos de outros locais do Rio Grande do Sul. A maior parte dos indivíduos tinha ensino fundamental incompleto, totalizando 40,36%, e apenas 4,99% ensino superior completo.

Em relação ao perfil de funcionamento e aos atendimentos realizados no setor, a especialidade com maior número foi a oncologia clínica com um total de consultas de 7.308 (45,17%). Este expressivo número é justificado pelo fato desta especialidade assistir pacientes com todos os tipos de câncer, para a definição e o encaminhamento do tratamento clínico da doença. A cirurgia de mama (1.893 pacientes) e a cirurgia de cabeça e pescoço (1.574 pacientes) configuraram a segunda e terceira especialidade com maior volume de consultas de um tipo específico de neoplasia.

Ao final desta fase, ocorrida em setembro de 2017, realizou-se a definição de quais seriam os pontos-chave necessários para início do planejamento do Programa, partindo das seguintes perguntas: Quais as principais barreiras enfrentadas pelos pacientes ao acessarem o serviço? Qual será a população incluída no programa e como serão avaliadas quanto à sua real necessidade de navegação? Qual modelo de navegação será desenvolvido? Quais serão os objetivos do programa de navegação e os desfechos desejados?

A etapa de planejamento ocorreu de forma simultânea à realização de um piloto de navegação durante a fase de implantação, pois o desenho da sua formatação básica e de seus processos foi construído durante a observação e o desenvolvimento na prática junto aos pacientes.

A partir da definição dos pontos fundamentais e com base nas informações coletadas e apresentadas anteriormente, foi elaborada a Estrutura Básica do Programa construída para nortear o seu funcionamento, conforme representado na Figura 2.

Figura 2
Estrutura básica do Programa de Navegação desenvolvido para o Centro de Alta Complexidade em Oncologia deste Estudo. Porto Alegre, RS, Brasil, 2018

^*PN = Programa de Navegação

Assim, a escolha da população alvo, pacientes com câncer de cabeça e pescoço, se deu a partir da análise dos dados referentes ao perfil dos atendimentos, perfil de funcionamento e perfil assistencial do campo de ação.

Na etapa de implantação, a implementação do piloto de navegação para estruturação do modelo de programa para o CACON foi realizada em cinco fases e ocorreu junto à etapa de planejamento, com a participação de um dos profissionais envolvidos na pesquisa. Durante os atendimentos aos pacientes, a pesquisadora e uma das enfermeiras participantes da pesquisa utilizaram instrumentos de entrevista construídos para esta etapa.

Neste momento aconteceu a construção da primeira versão da Escala de Avaliação de Necessidade de Navegação (EANN), visto que não eram todos os pacientes que apresentavam as mesmas carências em relação à navegação. Este instrumento foi idealizado para categorizar os pacientes em níveis de navegação, norteado por categorias e critérios biopsicossociais e culturais identificados como apontadores de maior ou menor necessidade de navegação dos pacientes, cuja identificação ocorre a partir da realização das primeiras entrevistas.

O objetivo principal da EANN é estabelecer se os pacientes avaliados apresentam necessidade real de ingresso em um PN e qual o suporte recomendado. O instrumento baseia-se nas respostas fornecidas pelos pacientes no momento da realização das entrevistas com o navegador. Deve ser aplicada, inicialmente, na primeira entrevista realizada, visando determinar as necessidades e fundamentar a elaboração do plano de navegação, que será elaborado pelo enfermeiro navegador. Os questionamentos-chave da EANN devem ser direcionados aos pacientes e adaptados em um formato que permita o entendimento da pergunta, para que a resposta seja adequada para avaliação.

A validação deste instrumento utilizando a TD foi realizada em duas rodadas. Para tanto, a escolha dos componentes do painel de especialistas se deu de forma intencional, relacionado com o seu conhecimento e a experiência na área da oncologia. Assim, foram selecionados 21 profissionais, sendo que 17 aceitaram o convite, assinando o TCLE e participando da primeira rodada. Cinco desses não participaram da segunda rodada ficando, ao total, 12 especialistas, e índice de consenso de 96,42%, sendo a versão final da escala validada (Figura 3).

Figura 3
Versão final da Escala de Avaliação de Necessidade de Navegação. Porto Alegre, RS, Brasil, 2018

Escala de avaliação de necessidade de navegação (EANN*)
Categoria	Questionamentos chave direcionados aos pacientes		Critérios		Pontuação
Entendimento do paciente em relação ao diagnóstico	O que seu médico lhe falou sobre o que é o seu problema de saúde?		Compreende o seu diagnóstico		1
	Se sim, o que ele (ela) lhe disse?		Compreende parcialmente o diagnóstico		2
	De tudo que foi dito, o que você entendeu?		Paciente não compreendeu nada ou a maior parte do que lhe foi dito sobre o seu diagnóstico		3
Capacidade de comunicação	Observar a capacidade de comunicação do paciente durante as suas respostas aos questionamentos:		S/ dificuldade de comunicação		1
	Há algumas barreiras físicas que impossibilite?		Apresenta alguma dificuldade de comunicação		2
	Há barreiras de lingaguem, cognitivas ou culturais que dificultem parcial ou completamente a sua capacidade de comuniação?		Não consegue se comunicar		3
Entendimento da trajetória de tratamento	O seu médico lhe falou sobre como será seu tatamento? Se sim, o que ele falou?		Compreende bem a trajetória de tratamento		1
	Você entendeu o que lhe foi dito? Se sim, o que você entendeu?		Compreende parcialmente a trajetória de tratamento		2
	Você sabe quais serão as etapas do seu tratamento e como eles irão ser realizadas?		Não compreende a trajetória de tratamento		3
Capacidade de organização para realização do tratamento	Você tem alguma dificuldade para vir nas consultas, tratamentos, e/ou para realizar exames? Se sim, quais são elas?		Paciente consegue se organizar para comparecer as consultas, tratamentos e/ou para realização de exames necessários		1
	Você gostaria de receber ajuda de alguém para organizar seus horários de consultas, tratamentos e exames? Se sim, como esta pessoa poderia ajudar?		Paciente tem dificuldade em se organizar para comparecer as consultas, tratamentos e /ou realização de exames necessários e necessita de auxílio para isso		2
Acesso aos serviços/sistema de saúde (condições de transporte, deslocamento entre os serviços necessários ao seu tratamento dentro e fora da instituição de saúde)	Você tem alguma dificuldade de ir ao hospital e/ou outro local (ambulatórios, centros de diagnóstico por imagem, laboratórios, outros hospitais) para realizar o seu tratamento? Se sim, qual (is)?		Tem facilidade em acessar o serviço por meio de trasporte (público ou privado) e sabe localizar o local (hospital ou outro serviço) do seu tratamento		1
	Você sabe onde fica o hospital e os setores no qual você faz seu tratamento? Se sim, onde?
	Você tem algum transporte (público ou privado) para vir ao hospital? Se sim, qual?		Tem facilidade em acessar o transporte (público ou privado) para se descolar até o serviço de saúde e dificuldade em localizar o hospital/serviço do seu tratamento (outros motivos)		2
	Você tem como ir ao hospital e/ou outros locais para realizar o seu tratamento? Se sim, como você vai até lá?		Dificuldade em acessar um transporte (público ou privado) para se deslocar ao hospital/serviço para o tratamento e dificuldade para se deslocar até o local (hospital/setor) para o tratamento		3
Apoio/suporte familiar	Você vem acompanhado de algum familiar e/ou cuidador quando vem nas consultas e/ou realizar o seu tratamento? Se sim, quem?		Há apoio e acompanhamento total: a família/cuidador participam das decisões e dos cuidados e acompanham o paciente em todos os momentos do tratamento		1
	Você tem apoio familiar, amigo (a) e/ou cuidador durante a realização do tratamento? Se sim, quem?		Há apoio e acompanhamento parcial: familia/cuidador participam das decisões e dos cuidados acompanham o paciente em alguns momentos do tratamento		2
	Com quem conversa, além dos profissionais do hospital/serviço, sobre o seu problema de saúde, tratamento e sobre as mudanças que estão ocorrendo?		Ausência de apoio: paciente não tem familiar/cuidador que participa e acompanha o seu tratamento		3
Pontuação total:___________________________________
Navegação Nível 1: Navegação realizada por um navegador acadêmico e um navegador profissional na maior parte do tempo, com suporte do enfermeiro navegador.		LEGENDA PONTUAÇÃO MÍNIMA: 6 PONTOS PONTUAÇÃO MÁXIMA: 17 PONTOS		6 A 9 PONTOS: SEM NECESSIDADE DE NAVEGAÇÃO
				10 A 12 PONTOS: NECESSIDADE DE NAVEGAÇÃO NÍVEL 1
Navegação Nível 2: Navegação realizada pelo enfermeito				13 A 17 PONTOS: NECESSIDADE DE NAVEGAÇÃO NÍVEL 2

Nesta etapa também foram estruturadas as atribuições básicas dos navegadores e o perfil do enfermeiro navegador e dos navegadores profissionais, a partir dos conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho, a função e as capacitações para qualificação dos mesmos, contemplando as áreas de conhecimento necessárias para a sua atuação, conforme demonstrado a seguir, nas Figuras 4 e 5.

Figura 4
Atribuições básicas dos navegadores. Porto Alegre, RS, Brasil, 2017

Lista de Atribuições
Ajudar os pacientes a identificar e superar os desafios para obter assistência de qualidade em saúde.
Ajudar os pacientes a acessar o cuidado e navegar no sistema de saúde.
Auxiliar os pacientes mitigar e superar as barreiras para obtenção do cuidado.
Avaliar as principais barreiras ao cuidado, envolvendo os pacientes e familiares/cuidadores na definição das soluções para superá-las.
Identificar os recursos necessários para atender às necessidades dos pacientes (biopsicossociais e espirituais), levando em consideração as condições sociais, culturais e cognitivas, realizando os encaminhamentos necessários junto à equipe multidisciplinar.
Educar pacientes e cuidadores sobre o tratamento oncológico, os papéis dos membros da equipe multidisciplinar e o que esperar do sistema e do serviço de saúde.
Contribuir para o desenvolvimento, a implementação e avaliação do programa de navegação de pacientes.
Incentivar a comunicação entre os pacientes, familiares/cuidadores e profissionais responsáveis pelos cuidados de saúde para favorecer e otimizar os resultados.

Figura 5
Perfil do Enfermeiro Navegador. Porto Alegre, RS, Brasil, 2017

Dimensão	Atribuições
Coordenação do Cuidado	Avaliar os pacientes quanto à sua necessidade de navegação a partir da EANN*.
	Elaborar e implementar o plano de navegação para os pacientes incluídos no PN†.
	Identificar possíveis barreiras para obtenção do cuidado e facilitar o acesso aos serviços e recursos necessários para mitiga-las.
	Promover e implementar um plano de navegação consistente e integral, através da utilização de ferramentas e métodos adequados para avaliação, baseados nas melhores evidencias científicas.
	Participar de definição do plano de cuidados junto à equipe multidisciplinar e paciente.
	Atuar coordenação do plano de cuidados junto com a equipe, acompanhando o paciente durante o seu tratamento e fornecendo suporte através de orientações, educação em saúde.
	Facilitar a promoção de cuidados individualizados considerando as necessidades físicas, culturais, biopsicossociais e espirituais para pacientes e familiares/cuidadores.
	Auxiliar os pacientes a transpor as barreiras relacionadas aos objetivos do tratamento, cuidados paliativos e preocupações com o fim da vida através de uma abordagem ética e humanizada.
	Conhecer os sistemas de saúde e o impacto dos seus processos para o tratamento em tempo oportuno, fornecendo suporte aos pacientes e favorecendo uma tomada de decisão segura em conjunto com a equipe de multidisciplinar.
	Fornecer suporte aos pacientes para a organização das agendas de consultas, exames e demais procedimentos necessários para o seu tratamento, visando promover a sua adesão e participação no planejamento.
	Auxiliar e viabilizar o comparecimento dos pacientes às consultas e demais exames e procedimentos necessários ao tratamento.
	Coordenar o funcionamento do PN† e atuação da equipe de navegadores.
Liderança	Supervisionar a execução dos processos de navegação.
	Avaliar os resultados e desfechos relacionados ao PN†.
	Implementar melhorias e/ou novos processos para aprimorar a qualidade do PN†.
	Desenvolver ferramentas para otimizar os resultados do PN†.
	Atuar como elo entre pacientes, seus familiares/cuidadores e a equipe assistencial, favorecendo o fortalecimento do vínculo entre os mesmos.
Comunicação	Promover a comunicação efetiva entre a equipe multidisciplinar e pacientes.
	Atuar junto à equipe multidisciplinar para promover um cuidado centrado no paciente que inclua a tomada de decisão compartilhada, estabelecimento de metas relacionadas ao tratamento e avaliação dos desfechos.
	Favorecer e direcionar o acesso a suporte psicológico e/ou social, de acordo com as necessidades de pacientes e familiares/cuidadores durante toda a trajetória de tratamento.
	Garantir que a comunicação seja culturalmente adequada para o nível de entendimento e cognição dos pacientes e familiares.
	Empoderar os pacientes através do desenvolvimento de um plano educacional personalizado, voltado para o favorecimento da autonomia dos pacientes em relação ao seu tratamento.
Educação em Saúde	Desenvolver um plano educacional para pacientes e familiares/cuidadores considerando as possíveis e existentes barreiras ao cuidado.
	Promover educação em saúde para pacientes, famílias e cuidadores sobre diagnóstico, tratamento, gerenciamento de efeitos colaterais e demais cuidados para prevenir a ocorrência de complicações.
	Proporcionar educação em saúde e suporte personalizado, favorecendo a autonomia dos pacientes na tomada de decisão em relação ao seu tratamento.
	Fornecer informação aos pacientes e familiares/cuidadores, baseada nas melhores evidências científicas para responder perguntas sobre o tratamento e potenciais resultados esperados.
	Fornecer informações voltadas para a promoção da qualidade de vida durante o tratamento, orientando-o sobre a importância de manter um estilo de vida saudável e o autocuidado.
	Promover e favorecer a adesão dos pacientes ao tratamento através da educação em saúde.
	Orientar e esclarecer os pacientes e famílias/cuidadores sobre o sistema de saúde, o acesso a recursos e serviços disponíveis, e os papéis de membros da equipe multidisciplinar.
Orientação e Informação	Orientar e informar os pacientes sobre horários de procedimentos, consultas, exames eacompanhamentos necessários ao seu tratamento.
	Orientar os pacientes sobre cuidados e manejo de possíveis complicações relacionadas ao seu tratamento.
	Proporcionar acesso à informação sobre a assistência necessária, de acordo com as necessidades dos pacientes.
	Informar os pacientes sobre os seus direitos e deveres em relação ao seu tratamento e diagnóstico.
	Direcionar os pacientes aos serviços necessários para o bom andamento e continuidade do seu tratamento.

• ^*
  EANN = Escala de Avaliação de Necessidade de Navegação;
• ^†
  PN = Programa de Navegação

Na avaliação, última etapa do ciclo de desenvolvimento de PN, a análise das etapas 1, 2 e 3 do ciclo de desenvolvimento de programas foram avaliadas através do ciclo PDSA adaptado pela pesquisadora (Plan/Planejar - Do/Fazer - Study/estudar - Act/Agir ou ciclo de melhoria contínua). Esta é uma ferramenta de gestão da qualidade que estabelece a evolução do sistema por meio do contínuo aprendizado das pessoas e das organizações resultando em inovação e melhorias de produtos e de processos⁽²⁶⁾. Cada uma delas foi analisada quanto ao atendimento dos objetivos e à obtenção dos resultados esperados, e todas atingiram as metas estabelecidas.

Discussão

A NP é um processo que envolve uma série de ações necessárias para atingir um determinado desfecho/objetivo^(8,19,27). Nesta perspectiva, um programa de NP consiste na formatação deste processo para atender as necessidades dos pacientes assistidos em um determinado serviço de saúde, cujas ações que envolvem as rotinas assistenciais e administrativas do local para o qual é desenhado, são realizadas pelos navegadores. Sua estrutura de funcionamento, para ser adequada e direcionada para atingir os desfechos desejados, precisa ser planejada de forma detalhada e o mais personalizado possível, pois nem sempre o modelo de uma instituição atenderá as peculiaridades de outra.

Assim, para atender a premissa principal deste estudo de “desenvolver um Programa de NP adequado para a realidade do CACON” e dentro do contexto do sistema de saúde brasileiro, foi preciso estudar a assistência prestada ao paciente oncológico e as suas particularidades, principalmente quando este paciente já se encontra no serviço de complexidade terciário. Para tanto, a metodologia proposta pela GW Cancer Institute para desenvolvimento de programas de navegação, traz um ciclo com 4 etapas onde, com base no diagnóstico das necessidades do serviço, sistema de saúde e pacientes (etapa 1- diagnóstico), ocorre o delineamento de um programa personalizado (etapa 2 - planejamento), seguido da sua implementação (etapa 3 - implantação) e contínua avaliação (etapa 4 - avaliação)⁽²⁸⁾. Estas etapas foram rigorosamente seguidas para o desenvolvimento do Programa de NP, sendo adaptadas para atender a realidade brasileira de um CACON, visto que o modelo utilizado na fundamentação é americano.

A literatura consultada sugere que a NP é mais eficaz quando direcionada a pacientes com barreiras do cuidado, podendo ser identificadas através de uma avaliação dos determinantes sociais da saúde⁽²⁹⁾. Por isso, é recomendado que os serviços analisem suas populações para determinar quais pacientes precisam de navegação antes de implementar um programa^(29-31). Desta forma, na primeira etapa desta pesquisa, oportunizou visualizar o perfil dos pacientes assistidos e do funcionamento do serviço, que tem um volume de atendimentos significativo de 7.310 consultas em 6 meses, sendo a maior demanda originária da capital e região metropolitana. Em relação ao perfil de atendimentos, a especialidade que evidenciou o maior número foi a oncologia clínica, por assistir pacientes para tratamento clínico de outros tipos de câncer, seguida da cirurgia de mama e a cirurgia de cabeça e pescoço. No estado do RS, pelo perfil populacional e epidemiológico, o câncer de mama é o primeiro mais frequente (73,07/100 mil casos) e dos cânceres de cabeça e pescoço, o de laringe, de boca e o de esôfago ocupam a sétima, a sexta e a quinta posição em frequência⁽²⁾. Neste contexto, o modelo de programa direcionado à realidade do CACON foi desenhado a partir do perfil dos pacientes assistidos nos serviços e no seu funcionamento.

A estrutura básica elaborada para o Programa de Navegação desenvolvido para o CACON contempla o desenvolvimento dos processos de navegação ao longo de um continuum do cuidado em oncologia. Cada modelo de navegação é delineado pelo tipo de navegador atuante, momento da assistência em que o processo será iniciado, finalizado e estruturado, de acordo com a população a ser assistida, podendo ser direcionado a somente um tipo de câncer ou não, precisando ser adaptável a diversas realidades sociais, culturais e econômicas do serviço^(7,28). Nessa perspectiva, o início da navegação dos pacientes no programa ficou estabelecida para acontecer logo após a confirmação do diagnóstico e definição do tratamento uma vez que, durante o desdobramento das etapas do ciclo, foi observada a reação dos pacientes ao receberem a notícia da patologia e sobre a terapia indicada, pois, além de estar assimilando o impacto do diagnóstico em si, mostravam-se confusos e perdidos em relação aos próximos passos a seguir para iniciá-la. As diferentes modalidades terapêuticas empregadas usualmente, tais como o tratamento cirúrgico, para a remoção total ou parcial do tumor ou tecido afetado, a quimioterapia, onde são administradas medicações antineoplásicas de forma regular contínua, e a radioterapia, com a irradiação direta do local ou região afetada, demandam um número expressivo de informações que normalmente são lançadas aos pacientes e seus familiares neste primeiro momento e dificilmente são assimiladas por eles^(4,32). Com isso, as barreiras de acesso aos serviços e exames necessários nesta fase ficaram evidentes a partir deste momento.

Foi observado durante o planejamento e a implantação que os pacientes apresentavam diferentes dificuldades e carências, independentemente de sua situação socioeconômica. Aspectos psicossociais, econômicos e culturais representam fatores de grande impacto no acesso da população ao tratamento oncológico recomendado e aos cuidados em tempo hábil⁽²⁹⁾. A partir desta constatação, sentiu-se a necessidade de desenvolver uma escala direcionada a determinar quais pacientes deveriam ser assistidos no Programa de Navegação do CACON, ficando estipulado que estes seriam avaliados em relação à sua necessidade de navegação através da aplicação da EANN, elaborada e validada durante a realização deste estudo. Assim, a EANN oportuniza uma seleção, sinalizando aqueles com necessidade de ingresso no programa, categorizando-os em níveis de navegação mais ou menos intensos e contribuindo para a viabilidade do PN em relação aos recursos físicos e financeiros do serviço.

Com base nos dados obtidos durante o levantamento do perfil assistencial das especialidades oncológicas atuantes no campo de ação e na implantação desenvolvida junto ao ambulatório especial de atendimento multidisciplinar em oncologia clínica, foi determinado que o programa de navegação seria direcionado a um tipo específico de câncer dado o volume expressivo de consultas (média de 2.690/mês) que apresenta o local versus o restrito número de possíveis navegadores disponíveis no serviço. O formato e a abrangência do PN, juntamente com as funções e responsabilidades dos seus navegadores, devem refletir as necessidades dos pacientes, comunidade e instituição de saúde, para o qual é delineado, e ser adaptado às condições de atendimento e funcionamento do serviço^(28,33-34).

Os pacientes selecionados para usufruírem do PN desenvolvido são os portadores de câncer de cabeça e pescoço (CCP), que ocupam a sexta posição, em nível mundial, representando cerca de 3% de todas as neoplasias⁽³⁵⁾. A localização desta doença acaba impondo ao paciente e aos seus familiares um sofrimento físico, social e psicológico, em decorrência das alterações causadas em funções básicas do indivíduo, como alimentação, respiração e fala^(36-39). O manejo eficaz do tratamento oncológico, em particular daqueles com CCP, representa um desafio substancial para os sistemas de saúde^(36-39).

A primeira avaliação da necessidade de navegação e a construção do plano de navegação foram estabelecidas como função específica do EN. Este profissional, devido ao seu conhecimento e a sua capacidade de interagir com a equipe interdisciplinar, consegue avaliar os pacientes que necessitam de mais apoio e/ou cuidados mais urgentes^(27,40-41). Assim, dentre os benefícios do enfermeiro no papel de navegador está a certeza de um cuidado centrado no paciente e de um efetivo gerenciamento da assistência em todas as fases do continuum ^(27,40-41). Neste contexto, a implementação de Programas de Navegação, tendo o enfermeiro como ator principal na coordenação do cuidado no continuum da assistência, assegura aos pacientes, aos serviços e ao sistema de saúde um diferencial em relação à qualidade da assistência oncológica^(13-14,19).

O Modelo de Programa elaborado prevê a atuação de três tipos de navegadores (os EN, os navegadores profissionais da saúde e os navegadores acadêmicos) visando formar uma equipe sob a coordenação do EN. Em ambos os níveis de navegação ocorrerá a atuação de todos, o que difere é a atuação com maior ou menor intensidade do EN. A definição destes três tipos deve-se ao fato de que o CACON em estudo é um hospital escola, inclusive com Programa de Residência Multiprofissional em Saúde (RMS), ocorrendo a formação e especialização de profissionais da saúde, integrando ensino-serviço. Essa integração é entendida como o trabalho coletivo e combinado dos estudantes, residentes e professores de vários cursos de formação, com os trabalhadores que fazem parte das equipes assistenciais das instituições de saúde, visando a integralidade do cuidado individual e coletivo⁽⁴²⁾.

A qualificação dos navegadores será realizada de forma direcionada a cada um dos três tipos, contemplando o conhecimento da prática assistencial oncológica e procedimentos e rotinas administrativas, para acarretar uma melhor compreensão do contexto em que os pacientes estão inseridos e subsidiar a educação em saúde destes e de seus familiares/cuidadores. Não há atualmente evidencias na literatura que relatem um padrão para o nível de capacitação, indicado para o sucesso da atuação do navegador de pacientes^(29,43).

Ficou estabelecido que os navegadores conduzirão a trajetória de tratamento do paciente e realizarão a gestão do cuidado através do acompanhamento dos registros no sistema TASY (agendas de consultas, exames, quimioterapia e radioterapia; movimentação do paciente; e registros no prontuário eletrônico). A comunicação entre pacientes e navegadores será realizada por telefone, mensagens de texto, mensagens do aplicativo WhatsApp e de forma presencial, com agendamento prévio e/ou necessidade sinalizada pela equipe assistencial e/ou pelo paciente e familiares. Os benefícios da comunicação eficaz entre pacientes e profissionais de saúde são múltiplos, promovendo o bem-estar geral de ambos⁽⁴⁴⁾. A interlocução efetiva influencia positivamente na recuperação do paciente, auxiliando no controle da dor, na adesão ao tratamento, no enfrentamento da doença e na qualidade de vida dos indivíduos navegados⁽⁴⁴⁾.

Os indicadores inicialmente definidos para monitorar e analisar o impacto dos processos de navegação e de todo o programa para o serviço, serão primeiramente a média de permanência dos pacientes oncológicos durante a internação; total de reinternações dos pacientes oncológicos incluídos no PN; e a satisfação dos pacientes navegados. Os indicadores podem e devem ser usados para analisar a efetividade do PN, melhorar a sua eficácia e gerar dados que subsidiem modificações futuras nos processos, buscando sempre contemplar os objetivos delineados para ele⁽⁴⁴⁾. A avaliação dos desfechos relacionados à navegação é parte fundamental do ciclo de desenvolvimento de programas e, nesse sentido, os indicadores possibilitam o seu monitoramento e sua análise⁽⁴⁵⁾.

Acredita-se que a implantação destes programas no cenário da atenção oncológica dos CACONs acarretará importantes mudanças no seu contexto assistencial. Nesse sentido, este estudo não representa um ponto final, mas sim um início no que se refere ao estudo da navegação e atuação dos atores deste processo, principalmente da figura do enfermeiro navegador, no contexto brasileiro. Assim, a sua principal contribuição ao avanço ao conhecimento científico é abertura de um novo espaço de discussão e desenvolvimento de serviços para qualificação profissional e assistencial. A NP certamente chega à realidade da atenção oncológica no país como uma luz, e se desenvolvida dentro do olhar do cuidado centrado no paciente, iluminará a vida de tantas pessoas que atualmente, devido às barreiras de acesso à assistência, vivem na sombra da busca de um cuidado humanizado e acessível a todos.

A principal limitação do estudo foi que, devido ao tempo necessário para o desenvolvimento e adaptação do Programa de NP à realidade do CACON, não foi possível realizar a avaliação da sua efetividade, demandando estudos futuros em relação aos benefícios e às limitações do seu funcionamento no serviço.

Conclusão

O desenvolvimento de um Programa de Navegação para pacientes oncológicos resultou na estruturação de um modelo de programa adequado às necessidades dos pacientes e ao funcionamento de um serviço de referência em oncologia brasileiro. A criação da Escala de Avaliação de Necessidade de Navegação (EANN) foi uma necessidade evidenciada para implantação de um programa custo efetivo, na realidade da assistência oncológica no país. Esta escala poderá ser utilizada para os serviços de saúde que atendem paciente do SUS e que implantarem um PN para pacientes oncológicos. Além disso, foram elaboradas as atribuições necessárias para atuação dos navegadores, conforme o seu perfil (se enfermeiro, estudante ou leigo).

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Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  11 Fev 2019
• Aceito
  20 Fev 2020