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O uso de informações em saúde na gestão dos serviços

APRESENTAÇÕES EM PAINÉIS E MESAS REDONDAS

O uso de informações em saúde na gestão dos serviços

Marcia Furquim de Almeida

Professor Doutor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP

É já bastante conhecida a importância do uso de informações epidemiológicas no planejamento e na avaliação dos serviços de saúde (1). O uso de informações epidemiológicas na gestão dos serviços de saúde vem sendo enfatizado, no processo de municipalização, como um dos importantes mecanismos para a definição de políticas locais.(2)

No entanto, o uso dessas informações tem se restringido à elaboração de diagnósticos ou planos municipais de saúde, que, nem sempre, têm servido de base para a programação de ações de saúde.. Há, ainda, um uso muito limitado das informações epidemiológicas na definição de metas e prioridades da programação de saúde, bem como de sua utilização na avaliação da qualidade dos serviços de saúde.

Analisando-se os sistemas de informação em saúde existentes observa-se que há uma dicotomia entre os sistemas de informação epidemiológica e os sistemas de gerenciamento dos serviços de saúde.

A dicotomia das informações epidemiológicas e de gerenciamento dos serviços de saúde tem razões históricas relacionadas à forma de organização dos serviços de saúde no país. Mesmo com a criação do SUS o processo de unificação das antigas instituições existentes ainda não está totalmente consolidado mostrando-se, talvez, um pouco mais demorado que o desejável. Neste momento de transição, de unificação das antigas estruturas, ainda não foram amplamente incorporadas novas práticas de gerenciamento dos serviços.

É preciso lembrar que as lógicas dos sistemas de informações gerenciais e epidemiológicas são distintas. Nos sistemas de informação epidemiológica a base da coleta de dados é a população e as informações serão mais fidedignas e de melhor qualidade quanto maior for sua cobertura e quanto mais detalhados forem os dados para a descrição dos eventos (óbitos, nascimentos, doenças e agravos).

A concepção de sistemas de informações gerenciais dos serviços de saúde pressupõe a obtenção de informações sobre quantas, quais e onde foram produzidas as ações de saúde, por quem e a que custo operacional, tendo como base de coleta de dados os serviços de saúde. Cabe mencionar, contudo que a prática institucional mais freqüente no momento da alocação de recursos tem consistido na avaliação da relação entre o programado e o produzido, não se levando em conta os elementos acima mencionados enquanto parte dos sistemas de informações gerenciais, necessários ao processo de tomada de decisões muito menos se tem considerado a incorporação de indicadores epidemiológicos.

Outro aspecto a ser considerado refere-se às informações gerenciais dos sistemas de abrangência nacional (SIH e SIA-SUS). Estas recobrem apenas os dados gerados nos serviços de saúde que fazem parte do SUS, informando apenas sobre a clientela usuária destes serviços, dificultando, dessa forma, o conhecimento da disponibilidade e dos custos do total de serviços de saúde existentes nos níveis nacional, estadual e mesmo municipal, pois não há dados acessíveis para se realizar esta avaliação. Felizmente, no Estado de São Paulo é possível sanar, em parte, esta lacuna com as informações sobre internações hospitalares do Boletim 106 da Secretária de Estado da Saúde. Entretanto, o mesmo não ocorre com as informações ambulatóriais. É preciso lembrar que, para algumas áreas do Estado, como Região Metropolitana, estima-se que a clientela usuária do SUS seja cerca de 50% da população (3), para outras áreas, não há dados disponíveis.

O processo de municipalização acentuou a necessidade de descentralização da produção, gerenciamento e análise das informações, possibilitando aos municípios assumir o papel de gestores dos serviços de saúde. Todavia, este processo de municipalização dos serviços de saúde, pode reforçar, ainda mais o tipo de prática institucional de tomada de decisões, anteriormente mencionada. O que aqui se ressalta é a necessidade de agilizar a produção de informações gerenciais do SUS nos níveis estaduais e municipais, pois estas se constituem em bases para o repasse de recursos financeiros do sistema. Dessa maneira, as informações que se destinavam ao acompanhamento de programas locais de saúde podem acabar ficando em segundo plano, tendo em vista a prioridade de produzir as informações que garantam o repasse financeiro.

Tendo em vista algumas das questões acima colocadas a ABRASCO (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva) teve a iniciativa de criar um grupo de trabalho para discutir propostas de uma política de informações em saúde, ao qual foi posteriormente acrescida a participação da ABEP (Associação Brasileira de Estudos Populacionais), sendo então formado o grupo de Trabalho em Informações em Saúde e População (GTISP). Entre as diversas sugestões do GTISP, há a proposta que o processo de descentralização deve conter, entre as suas diretrizes, a compatibilização conceitual e metodológica na produção de informações em saúde de modo a garantir a comparabilidade e complementariedade das informações geradas nos diversos níveis hierárquicos do SUS. Fato que, se concretizado, irá permitir maior agilidade de acesso às informações existentes nos sistemas de abrangência nacional(4).

Há, ainda, que se considerar que o processo de descentralização das informações em saúde coloca também a necessidade de existência de capacidade técnica (recursos humanos e equipamentos) para a produção e gerenciamento das informações no nível municipal. As experiências mais conhecidas no Estado de São Paulo, concentram-se em municípios de grande porte como São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto e Santos. Estes municípios dispõem de infra-estrutura técnica e muitos contaram com o apoio de universidades para a implantação e desenvolvimento de seus sistemas de informação. Estes fatos vêm mostrar a importância da participação dos níveis federal e estadual na capacitação dos municípios neste processo.

Algumas propostas de sistemas de informações locais vêm incorporando indicadores epidemiológicos e sociais, porém elas têm encontrado dificuldades de compatibilização na agregação das informações existentes nos diferentes sistemas. A base de dados dos diversos sistemas reflete a operação dos serviços nos quais as informações são geradas ou as divisões administrativas existentes, que nem sempre são compatíveis entre si. Um exemplo deste tipo de dificuldade são os dados sobre o abastecimento de água, disponíveis em função das bacias hidrográficas que alimentam o sistema, não existem informações sobre o número de domicílios com água encanada, discriminadas por distritos do Município de São Paulo ou mesmo por municípios, para algumas áreas do Estado. No momento, este se constitui em um dos principais entraves para a incorporação de informações mais abrangentes nos sistemas de informação em saúde.

Outra questão importante refere-se a definição de quais são as informações que devem ser restritas ao uso local ou municipal e aquelas que devem compor sistemas de informação de abrangência estadual ou nacional, ressaltando-se a importância da compatibilização conceitual e metodológica entre os diferentes níveis hierárquicos destes sistemas, bem como a necessidade do estabelecimento de fluxos que possibilitem maior agilidade e acessibilidade aos dados

Essas considerações mostram que apesar de pouco utilizados, os indicadores epidemiológicos são importantes na programação em saúde, pois dada a própria natureza, dos dados usados na sua construção permitem recuperar as informações sobre a população como um todo, não se restingindo apenas à clientela usuária SUS. Somente com estas informações pode-se obter uma melhor compreensão do modelo assistencial e de seus problemas, colaborando para sua reorientação, onde e quando se fizer necessário. A prática corrente de alocação de recursos com base na relação entre o programado e produzido tende a manter a atual organização dos serviços. Cabe, ainda, enfatizar a importância do uso de informações epidemiológicas para a avaliação da qualidade dos serviços de saúde contribuindo para a identificação e correção de pontos de estrangulamento da atenção à saúde.

  • 1 - RIVERA,F. J. U. - Planejamento de saúde na América Latina: revisão crítica. In Rivera,F. J. U. Planejamento e programação em saúde.São Paulo, Cortez/ABRASCO, 1989
  • 2
    - MINISTÉRIO DA SAÚDE - Descentralização das ações de saúde. A ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Brasília, 1993.
  • 3
    - FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa condições de vida na Região Metropolitana de São Paulo- definição e mensuração da pobreza na região metropolitana : uma abordagem multisetorial. São Paulo, 1992
  • 4
    - MINISTÉRIO DA SAÚDE/ABRASCO - Uso e disseminação de informações em saúde: subsídios para a elaboração de uma política de informações para o SUS. Brasília, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    1995
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