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Avaliação dos procedimentos coletivos em saúde bucal: percepção de adolescentes de Embu, SP

An Evaluation of "school preventive actions in oral Health": the perceptions of adolescents from Embu, São Paulo, Brazil

Resumos

A redução na prevalência de cárie em crianças no Estado de São Paulo é explicada pela fluoretação das águas de abastecimento, uso de dentifrícios fluoretados e ampliação do acesso às ações coletivas de saúde bucal, na qual se inserem os procedimentos coletivos (PC), desenvolvidos pelo Sistema Único de Saúde. Nos PC incluem-se atividades anuais preventivas e educativas. Sobre as últimas, espera-se que os participantes adquiram e mantenham hábitos saudáveis de higiene bucal. O objetivo deste trabalho foi investigar a percepção, o conhecimento e as práticas em saúde bucal e a avaliação das atividades educativas e preventivas de 219 estudantes do 1º ano do ensino médio, egressos de escolas públicas, que receberam os PC de 1ª a 4ª série, de 1ª a 8ª série ou que não receberam os PC, no município de Embu (SP) 2005. Analisou-se associação entre os grupos pelo teste qui-quadrado. A percepção, o conhecimento e as práticas em saúde bucal não foram estatisticamente diferentes entre os três grupos. A maioria dos jovens acredita ser importante falar sobre saúde bucal nas escolas e, mesmo os que não participaram dos PC, afirmaram ter recebido algum ensinamento na escola, o que reforça que o conhecimento e a conseqüente prática em saúde bucal são influenciados por outros fatores. Neste estudo, ter participado ou não dos PC quando criança não causou impacto diferente em relação aos cuidados em saúde bucal na adolescência.

Percepção em Saúde Bucal; Educação em Saúde Bucal; Procedimentos Coletivos; Adolescentes


The decline in tooth decay in the children of the State of São Paulo is explained by fluoridation of the water supply, the use of fluoridated toothpaste and access to collective actions promoting oral health, such as the "collective procedures" (CPs). CPs are educational and preventive annual programs developed in public schools by the Brazilian public health system. It is expected that the participants will acquire and maintain healthy oral hygiene practices. The purpose of this study was to investigate perception, knowledge and practices/behavior related to oral health, as well as the evaluation of the educational and preventive activities of 219 students of the 1st grade of high school in the city of Embu, São Paulo, in 2005. The first group of students had received the CPs in elementary public school from grades 1st to 4th; the second group had received them from grades 1st to 8th; and the third one had not received the CPs. The students were interviewed after consent had been obtained. Analyses were performed using the Chi-square test. No significant differences were found between groups. The majority of the students believe it is important to speak about oral health at school. The ones who had not participated in the CPs said that they had received some instructions at school, which strengthens the theory according to which oral health is influenced by other factors. In this study, children's participation in the CPs did not seem to have an impact on oral health care/practices in adolescence.

Perceptions on Oral Health; Educational Programs; Collective Procedures; Adolescents


ARTIGOS ORIGINAIS

Greice de Brito SouzaI; Pedro Henrique do Rosário Nogueira de SáII; Simone Rennó JunqueiraIII; Antônio Carlos FriasIV

IAluna do Programa de Iniciação Científica na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo Endereço: R. das Cravinas, 84, Cep 06730-000, Jd. Haras Bela, Vargem Grande Paulista, SP, Brasil. E-mail: greicebrito@hotmail.com IIAluno do Programa de Iniciação Científica na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo Endereço: R. Paulo Ribeiro da Luz, 170, Cep 05590-140, Butantã, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: phrnsa@yahoo.com.br IIIDoutora em Saúde Pública Professora Associada no Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo Endereço: Av. Prof. Lineu Prestes, 2227 - Cidade Universitária, Cep 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: srj@usp.br IVDoutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Professor Associado no Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo Endereço: Av. Prof. Lineu Prestes, 2227 - Cidade Universitária, Cep 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: acfrias@usp.br

Greice de Brito Souza foi bolsista de iniciação científica da FUNDECTO-FOUSP.

RESUMO

A redução na prevalência de cárie em crianças no Estado de São Paulo é explicada pela fluoretação das águas de abastecimento, uso de dentifrícios fluoretados e ampliação do acesso às ações coletivas de saúde bucal, na qual se inserem os procedimentos coletivos (PC), desenvolvidos pelo Sistema Único de Saúde. Nos PC incluem-se atividades anuais preventivas e educativas. Sobre as últimas, espera-se que os participantes adquiram e mantenham hábitos saudáveis de higiene bucal. O objetivo deste trabalho foi investigar a percepção, o conhecimento e as práticas em saúde bucal e a avaliação das atividades educativas e preventivas de 219 estudantes do 1º ano do ensino médio, egressos de escolas públicas, que receberam os PC de 1ª a 4ª série, de 1ª a 8ª série ou que não receberam os PC, no município de Embu (SP) 2005. Analisou-se associação entre os grupos pelo teste qui-quadrado. A percepção, o conhecimento e as práticas em saúde bucal não foram estatisticamente diferentes entre os três grupos. A maioria dos jovens acredita ser importante falar sobre saúde bucal nas escolas e, mesmo os que não participaram dos PC, afirmaram ter recebido algum ensinamento na escola, o que reforça que o conhecimento e a conseqüente prática em saúde bucal são influenciados por outros fatores. Neste estudo, ter participado ou não dos PC quando criança não causou impacto diferente em relação aos cuidados em saúde bucal na adolescência.

Palavras-chave: Percepção em Saúde Bucal; Educação em Saúde Bucal; Procedimentos Coletivos; Adolescentes.

ABSTRACT

The decline in tooth decay in the children of the State of São Paulo is explained by fluoridation of the water supply, the use of fluoridated toothpaste and access to collective actions promoting oral health, such as the "collective procedures" (CPs). CPs are educational and preventive annual programs developed in public schools by the Brazilian public health system. It is expected that the participants will acquire and maintain healthy oral hygiene practices. The purpose of this study was to investigate perception, knowledge and practices/behavior related to oral health, as well as the evaluation of the educational and preventive activities of 219 students of the 1st grade of high school in the city of Embu, São Paulo, in 2005. The first group of students had received the CPs in elementary public school from grades 1st to 4th; the second group had received them from grades 1st to 8th; and the third one had not received the CPs. The students were interviewed after consent had been obtained. Analyses were performed using the Chi-square test. No significant differences were found between groups. The majority of the students believe it is important to speak about oral health at school. The ones who had not participated in the CPs said that they had received some instructions at school, which strengthens the theory according to which oral health is influenced by other factors. In this study, children's participation in the CPs did not seem to have an impact on oral health care/practices in adolescence.

Keywords: Perceptions on Oral Health; Educational Programs; Collective Procedures; Adolescents.

Introdução

Nas duas últimas décadas do século XX, o Estado de São Paulo passou de uma situação de alta prevalência de cárie dentária para baixa prevalência em crianças com 12 anos de idade, segundo a classificação proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O levantamento epidemiológico realizado em 1986 pelo Ministério da Saúde (Brasil, 1989) projetou, para o Estado de São Paulo para essa faixa etária, o valor de 6,65 para o índice CPO-D (caracterizado pela média de dentes cariados, perdidos e obturados). O relatório da pesquisa "Condições de saúde bucal no Estado de São Paulo " 2002" indicou que o valor desse índice foi igual a 2,52 naquele ano1 1 SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Centro Técnico de Saúde Bucal. Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública. Núcleo de Estudos e Pesquisas de Sistemas de Saúde. Condições de saúde bucal no estado de São Paulo em 2002. São Paulo; 2002. Relatório final. , ou seja, uma redução de 62% nos índices de cárie em crianças.

Essa redução vem sendo explicada pela aplicação de métodos de prevenção em massa, baseados na fluoretação das águas de abastecimento público, pelo uso de dentifrícios fluoretados por grande parte da população e pela ampliação do acesso às ações coletivas de saúde bucal, nas quais se inserem os procedimentos coletivos (PC), desenvolvidos no âmbito do Sistema Único de Saúde (Narvai e col., 1999; Freitas, 2001).

Os PC, criados pelo Ministério da Saúde em 1992, foram mantidos no Estado de São Paulo pela Resolução SS 39/99, que recomenda a realização de atividades anuais de educação e prevenção em saúde bucal em espaços sociais, o que proporciona aos participantes, acesso a um sistema de prevenção. Os PC referem-se a atividades de baixa complexidade que compreendem ações coletivas de educação em saúde, escovação supervisionada com dentifrício fluoretado e aplicações tópicas de flúor, seja pelo método do bochecho fluoretado semanal ou pela aplicação de gel fluorado, na dependência de critérios epidemiológicos locais.

Os PC foram incorporados na rotina das Unidades Básicas de Saúde dos municípios do Estado e são aplicados, na sua grande maioria, em escolas de primeiro grau (1ª a 4ª série). A permanência desses procedimentos nas escolas, aliada aos outros fatores citados, contribui para que os índices de cárie em crianças sejam controlados.

A partir do ano 2000, a cobertura de PC em crianças de 0 a 14 anos de idade no Estado de São Paulo ultrapassou 25%, sendo que em 2001, 42,7% dos municípios já realizavam PC em mais de 50% de suas crianças.

Embora se mantenha na infância uma boa situação de saúde bucal, percebe-se um incremento expressivo de cárie na adolescência. Em 2002, o valor do CPO-D para a faixa etária de 15 a 19 anos no estado de São Paulo foi 6,431. O município de Embu havia realizado, em 2004, um levantamento epidemiológico em saúde bucal e, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, aos 18 anos de idade o valor do CPO-D foi 4,06.

Os adolescentes constituem a população-alvo deste estudo, por apresentarem características e atitudes singulares, necessidades igualmente distintas e serem um grupo populacional não atendido nos programas assistenciais odontológicos. Daí a importância do componente educativo dos PC promover a autocapacitação para a manutenção da saúde bucal.

Grande ênfase vem sendo dada para que intervenções nos serviços de saúde sejam avaliadas e, conseqüentemente, possam demonstrar seus impactos e efeitos a médio e longo prazos na saúde da população. No entanto, segundo Watt e col. (2001), há uma lacuna no processo de avaliação das ações de promoção de saúde, seja pela falta de preparo e conhecimento na execução de pesquisas nesta área pelos executores das ações, pela inadequada previsão de recursos, tempo e suporte para as atividades de avaliação, seja pela falta de uma estrutura avaliativa apropriada.

O uso de indicadores subjetivos, relacionados a percepções e limitações na qualidade de vida, pode contribuir para a avaliação e para a educação em saúde, na medida em que favorecem o planejamento direcionado do processo de capacitação da comunidade (Biazevic, 2002). Indicadores subjetivos aplicados em adolescentes são pouco explorados, em oposição aos criados para adultos e idosos (Atchinson e Dolan, 1990; Locker e Miller, 1994).

O objetivo deste trabalho é conhecer qual a percepção que os adolescentes têm de sua saúde bucal, investigar se o conhecimento e a prática foram influenciados pela participação nos PC quando crianças e saber como avaliaram as atividades educativas recebidas no ambiente escolar.

Este estudo apresentará resultados na promoção da saúde – segundo modelo de avaliação proposto por Nutbeam em 1998 e modificado por Watt e col. (2001) –, relacionados ao conhecimento em saúde, ao avaliar se houve mudança no conhecimento e habilidade (empoderamento) de adolescentes que participaram ou não dos PC, reconhecidos procedimentos de promoção da saúde, de caráter educativo e facilitadas pelo Poder Público, na medida em que o município ou o estado mobiliza recursos materiais (escovas, dentifrícios e flúor) e humanos (cirurgiões-dentistas e atendentes de consultório dentário) para seu desenvolvimento.

Desta forma, acredita-se ser possível avaliar os procedimentos coletivos, recomendados como ações básicas de saúde bucal pelas Diretrizes das Políticas Públicas Estaduais em Saúde Bucal e um dos indicadores de gestão para a avaliação da condição de saúde bucal dos municípios.

Material e Métodos

Trata-se de um estudo transversal realizado no município de Embu (SP), escolhido por distribuir água fluoretada desde 1983 e por realizar PC desde 1992. A pesquisa seguiu as normas para pesquisas com seres humanos (Brasil, 1996) e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Parecer CEP-FOUSP 135/05).

Identificação da amostra: De acordo com os critérios desejados para o estudo foram estabelecidos 3 grupos:

• Grupo A: egressos de escolas públicas que recebiam os PC de 1ª a 4ª série

• Grupo B: egressos de escolas públicas que recebiam os PC de 1ª a 8ª série

• Grupo C: egressos de escolas públicas que não recebiam os PC.

Para a identificação da amostra utilizou-se como sistema de referência o cadastro das escolas do município (apenas as públicas, pois as particulares nunca realizaram PC e, nesse caso, para considerá-las apenas na composição do grupo de não-expostos, a amostra não seria homogênea em função de diferenças socioeconômicas). Os alunos do 1º ano do ensino médio foram entrevistados por atendentes de consultório dentário (ACD) previamente treinadas, a fim de se descobrir em que escolas os jovens haviam estudado de 1ª a 4ª série e de 5ª a 8ª série. Esse método mostrou-se mais rápido e prático do que a consulta ao histórico escolar de cada aluno. No entanto, para os alunos que faltaram no dia da entrevista, o histórico escolar foi consultado, quando possível. Na impossibilidade da consulta, os alunos foram excluídos, assim como aqueles que não estudaram no município de Embu de 1ª a 8ª série. Concluída essa etapa, dos 4233 alunos matriculados nas 25 escolas do município a composição dos grupos foi a seguinte: Grupo A: 1035 alunos; Grupo B: 267 alunos; Grupo C: 325 alunos.

Fixou-se em 100 o número de elementos amostrais por grupo e estimou-se uma taxa de não-resposta de 20% (pela recusa em participar ou pela não localização dos indivíduos a serem entrevistados). Assim, foram sorteados 300 jovens de 23 escolas públicas de ensino médio do município, dos quais foram entrevistados 219 estudantes. A distribuição final da amostra foi:

• Grupo A: 73

• Grupo B: 77

• Grupo C: 69

Na composição da amostra, 81,73% dos jovens tinham 15 ou 16 anos de idade, 50,68% eram do sexo masculino; 45,21% eram brancos, 9,59% negros e 44,75% pardos.

A caracterização socioeconômica não revelou disparidades entre os grupos. A maioria dos jovens não soube declarar a renda média familiar e, portanto, essa informação foi desconsiderada no estudo. Com relação ao grau de instrução, 63,47% dos pais e 63,01% das mães estudaram até o ensino fundamental, ao passo que 16,44% dos pais e 26,03% das mães cursaram até o ensino médio. A maioria morava em domicílios com 4 ou 5 pessoas (56,62%).

Apenas 9 jovens nunca tinham ido ao dentista (4,11%) e dos que utilizaram os serviços odontológicos, 59,36% recorreram ao setor público, 29,22% ao setor privado liberal e 5,48% ao privado suplementar (planos e convênios). A avaliação dos serviços utilizados foi boa para 67,12% e regular para 16,44% dos jovens.

Estudo-piloto: O estudo-piloto foi realizado na Clínica de Hebiatria da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. As entrevistas foram então analisadas e constataram-se falhas na seqüência das perguntas e dificuldade de interpretação de uma delas. O questionário foi então re-estruturado. O estudo-piloto também serviu para testar a versão eletrônica do formulário, construída no Programa Epi-Info, versão 6.4, para posterior digitação e análise.

Entrevista: Os dados coletados dizem respeito a características gerais (sexo, idade e cor da pele), socioeconômicas (renda familiar, grau de instrução dos pais, número de pessoas que moram na casa), de acesso aos serviços de saúde (se já foi ao dentista, onde foi, há quanto tempo e como avaliou) e das práticas de higiene bucal e de dieta na infância e na adolescência (uso de escova dental, freqüência e período de escovação, uso de dentifrício ou outro método de exposição ao flúor, freqüência e período de consumo de dieta cariogênica). Questões sobre o conhecimento e a autopercepção em saúde bucal foram inspiradas no modelo descrito por Östberg e col. (2002) em que os dados, divididos em temas e categorias, abordam assuntos sobre a cárie e suas conseqüências, métodos de prevenção de doenças bucais, hábitos nocivos (fumo e bebida), o grau de satisfação com a aparência e com a saúde bucal, a avaliação da própria saúde bucal e o impacto social dos problemas bucais. Foram feitas também questões sobre as atividades educativas em saúde bucal recebidas no ambiente escolar (se foi falado sobre o assunto na escola, se as atividades influenciaram a própria prática e qual a estratégia educativa desperta maior interesse).

Análise: Os dados foram digitados e analisados no Programa Epi-Info versão 6.4. A avaliação dos resultados se deu pela associação entre cada um dos grupos entre si, pelo teste qui-quadrado, admitindo um grau de significância de 5%.

Resultados

Em relação à percepção (Tabela 1), não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, ou seja, o reconhecimento de problemas em saúde bucal é similar para o grupo etário e a importância atribuída à saúde bucal não foi modificada pela participação dos PC. Mais de um terço dos jovens declarou que alguma coisa os incomodava na aparência, o que reforça a importância da imagem para os adolescentes e o dente ou o sorriso foram os mais citados, superando o descontentamento com as espinhas, típicas da idade e o excesso de peso. O grau de satisfação com a aparência da boca e com a saúde bucal foi similar, sendo que a maioria classificou como regular ou boa a própria saúde bucal.

Os resultados sobre os conhecimentos em saúde bucal estão apresentados na Tabela 2. Não houve diferença entre os grupos; quer tenham ou não participado dos PC, o conhecimento adquirido sobre saúde bucal pareceu ser uniforme entre os grupos.

A Tabela 3 traz informações sobre a prática em saúde bucal nos diferentes grupos estudados. Embora todos tenham declarado que usavam escova dental e a maioria fazia três escovações diárias, nem todos reconheceram e escova como método de prevenção.

Embora a maioria dos jovens soubesse que o flúor é encontrado no dentifrício, não o relacionou como método de prevenção (Tabela 2) e, por isso, provavelmente não declararou utilizá-lo como método preventivo (Tabela 3).

O consumo, a freqüência de dieta cariogênica (semanal, diária ou mais que uma vez ao dia) e o período de ingestão (durante, entre ou após as refeições) não sofreram alterações entre as fases da infância e adolescência em todos os grupos, sendo que os hábitos mantidos são prejudiciais à saúde bucal, uma vez que muitos declararam ingerir, todos os dias ou mais de uma vez por dia, alimentos cariogênicos (balas, doces e bolachas recheadas) entre as refeições. Embora os hábitos alimentares não tenham sido modificados, a maioria declarou ter melhorado seus cuidados com a saúde bucal ao longo dos anos (Tabela 3).

Na Tabela 4 são encontrados dados sobre a avaliação que os alunos fizeram das atividades educativas em saúde bucal recebidas no ambiente escolar.

Em todas as tabelas, o teste do qui-quadrado apresentado refere-se à comparação dos grupos A e B (que participaram de 4 e 8 anos de PC) contra o grupo C (sem participação nos PC).

Discussão

A adolescência é considerada uma fase de transição ente a infância e a juventude. É o período de vida compreendido entre 10 e 20 anos de idade, no qual o jovem se vê surpreendido por inúmeras mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais.

Determinar o que motiva os adolescentes é o primeiro passo para o sucesso da educação em saúde bucal (DeBiase, 1991). Santos e col. (1992) concordam que para tanto, conhecer as necessidades e a estrutura psicossocial da comunidade em que esses adolescentes estão inseridos é essencial, incorporando-as no programa de educação e, dessa forma, permitindo que novas idéias e ações se ajustem, surjam e cresçam nesta realidade.

Explorar, numa atividade educativa, a importância da saúde bucal com o apelo da aparência pode trazer bons resultados. Para Elias e col. (2001), os fatores que mais envolveriam os adolescentes em atividades de educação em saúde bucal estariam relacionados aos temas: aparência pessoal, sexualidade, emprego e saúde de modo geral e, para DeBiase (1991), os adolescentes são mais facilmente motivados pelos esportes, aparência e popularidade.

Numa sociedade cada vez mais individualista e competitiva, o desejo de possuir uma boa aparência não é mais encarado como sinal de vaidade e sim de necessidade. A preocupação com a estética pelos adolescentes também foi observada em estudo de Benigeri e col. (2002) e Misrachi e Arellano (1995).

A escovação diária mostrou-se o principal instrumento para a manutenção da boa saúde bucal e as práticas preventivas reconhecidas e utilizadas pelos adolescentes não foi diferente entre os grupos do estudo.

Independentemente da classe social e do sexo, a escovação apresentava-se de forma complexa, com uma série de fatores que influenciavam a sua prática. Segundo Silva e col. (1997), em um estudo sobre o comportamento de adolescentes acerca da higiene bucal em duas escolas de Belo Horizonte (MG), 86% dos jovens viam a escovação como única forma de higiene e apenas 20% usavam o fio dental. A escovação era realizada por motivos de saúde, aparência e bom hálito. A família, a mãe, em especial, representava uma forte determinante no aprendizado inicial da higiene bucal.

Ter participado de 4 ou 8 anos de PC ou não ter participado pareceu não alterar o conhecimento acumulado sobre saúde bucal. Os dados da Tabela 2 indicam que a grande maioria dos jovens atribui a cárie dentária ao consumo de açúcar e à má higiene bucal, considerando-a, portanto, possível de ser evitada. Embora desconheçam a origem bacteriana da doença e a importância do flúor na prevenção, reforçam a necessidade de boas práticas. Ainda sobre o flúor, os adolescentes sabem que ele está presente no dentifrício, mas não na água de abastecimento, o que demonstra o desconhecimento sobre esse método de prevenção e controle da cárie – considerado uma das dez maiores ações em saúde pública do século XX pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos), talvez pela não abordagem desse assunto nas atividades educativas e em outros meios de divulgação.

Existem poucos estudos que relatam de que maneira os adolescentes incorporam as recomendações de medidas eficazes para o controle da cárie, como os agentes seladores, a fluoretação das águas, a aplicação tópica de flúor, a alimentação saudável, a boa higiene dental e a utilização regular dos serviços de saúde.

A escovação dentária e a utilização regular dos serviços de saúde bucal foram os fatores mais apontados, por escolares canadenses de 13 e 14 anos, como métodos preventivos para a cárie, sendo o selamento dental e a utilização de suplementos fluorados ou água fluoretada pouco considerados como preventivos. Embora os adolescentes pensassem que a prevenção das doenças bucais era acessível e que não era apenas de responsabilidade dos dentistas, perto de 40% dos alunos atribuíram a perda dos dentes ao processo normal de envelhecimento (Benigeri e col., 2002).

Ao investigar o conhecimento e a percepção de adolescentes sobre saúde bucal a maioria dos escolares não considerava a cárie uma doença e não a relacionou com a saliva, embora acreditassem que as bactérias comiam os dentes. Acreditavam ainda que o edentulismo era inevitável para os idosos (Tamietti e col., 1998).

Para Tomita e col. (2001) é necessário que os métodos educacionais sejam entendidos como instrumentos que possibilitem às pessoas construir um maior aporte de conhecimentos sobre a saúde bucal e que se traduzam em mudanças efetivas quanto ao autocuidado, com conseqüentes resultados sobre os níveis de saúde bucal.

A odontologia é uma profissão que coloca seus pacientes em uma condição passiva em relação a algum problema que venha a acometê-los, o que se opõe ao conceito de autocuidado, em que o paciente deve, por meio de decisões pessoais, ter a capacidade de prevenir, diagnosticar e até tratar qualquer desvio em sua própria saúde. Para tanto, a educação em saúde deve ser pensada como um processo capaz de desenvolver nas pessoas a consciência crítica das causas reais de seus problemas (Elias e col., 2001).

Dentre as atividades desenvolvidas nos PC, a técnica de escovação foi a mais lembrada por, provavelmente, ser a mais executada e reforçada pelos profissionais (Tabela 3). Contrariando o esperado, os jovens do Grupo C, que não estudaram em escolas beneficiadas pelos PC, também declararam ter aprendido sobre saúde bucal nas escolas (Tabela 4), o que pode indicar que o assunto é abordado pelos professores, livros didáticos ou outros meios, de maneira distinta do componente educativo dos PC, mas que, na prática, resultaram no mesmo grau de conhecimento e cuidado.

Ao ser questionada sobre a melhor forma de abordagem para as atividades educativas, no intuito de contribuir com futuras intervenções com esse público-alvo, a palestra foi a mais citada pela maioria, seguida pelo bate-papo. Embora a primeira estratégia não envolva, necessariamente, a interação dos jovens, o que desfavorece o aprendizado, pareceu ser a preferida, talvez por se sentirem adultos e acreditarem que esta é a técnica adequada para tal público.

Saba-Chujfi e col. (1992), em um estudo com 120 adolescentes entre 12 e 16 anos, de ambos os sexos, compararam o uso de diversos métodos de motivação em relação à higiene bucal, tais como: orientação direta, filmes de vídeo, diapositivos e folhetos elucidativos. O método de orientação direta, associado ao filme foi o que apresentou melhores resultados para motivar os adolescentes. As orientações diretas, associadas à projeção de dispositivos ou aos folhetos elucidativos não apresentaram resultados significativos. Para esta faixa etária, os folhetos foram de pequena valia.

Ao avaliar um programa educativo-preventivo realizado por uma Instituição de Ensino com alunos da 7ª série do ensino fundamental de Porto Alegre (RS), ficou explícita a distância que os adolescentes percebem existir entre os acadêmicos e a população a qual pertencem, o que, de certa forma, pode indicar a resistência às orientações sobre prevenção e tratamento relatados aliada à característica natural dos adolescentes em se contrapor ao estabelecido (Flores e Drehmer, 2003).

Conrado e col. (2004) avaliaram os resultados preliminares de uma estratégia educacional em saúde bucal adotada em escolas públicas de ensino fundamental de Maringá (PR), da qual participaram jovens entre 6 e 17 anos de idade, professores e mães. Atividades educativas foram implementadas por 18 meses e havia reforços das intervenções educativas dirigidas. Os autores apontaram para a necessidade de intensificar o preparo das professoras em tópicos relacionados à saúde bucal, bem como a instrução das mães para os cuidados apropriados com a saúde bucal. Além disso, eles evidenciaram a importância da contínua implementação de programas baseados em escolas para a promoção da saúde bucal.

Para Watt e col. (2001) e Benigeri e col. (2002), programas de educação em saúde bucal, mesmo quando melhoram o nível de conhecimento dos participantes, têm pouco impacto sobre a prevalência da cárie dentária, até porque esta é uma doença multifatorial, condicionada por outros determinantes socioeconômicos do processo saúde"doença.

O Programa Nacional Preventivo em Escolares de Cuba, embora tenha alcançado redução de mais de 50% nos índices de cárie em crianças, deixou escassos conhecimentos sobre prevenção de doenças bucais (Chao e Luna, 2003).

Considerações Finais

Segundo o Estatuto da Criança e Adolescente ECA (Brasil, 1990), compete ao Sistema Único de Saúde (SUS) promover programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que afetam a população infantil. Embora um dos princípios do SUS seja a universalização do acesso às ações e serviços de saúde, inclusive os de saúde bucal, certos grupos são priorizados em ações programáticas, como crianças e gestantes, restando aos adolescentes os serviços de emergência.

Enquanto os serviços demonstram dificuldade para suprir as necessidades assistenciais odontológicas, ações coletivas em saúde bucal podem e devem ser executadas com o intuito de controlar os índices de cárie nos grupos participantes e impedir o aumento da cárie entre a infância e a adolescência. Para este último objetivo, há que se rediscutir o componente educativo dos PC. Os procedimentos coletivos, enquanto ações preestabelecidas e de cunho preventivo, não promoveram a incorporação definitiva de hábitos saudáveis em saúde bucal, meta muito complexa, porém necessária para obtenção de resultados positivos e duradouros.

A manutenção dos PC ao longo de mais de uma década no estado de São Paulo, associada à fluoretação das águas de abastecimento e ao uso de dentifrícios fluoretados em massa têm contribuído para a redução e o controle da cárie em crianças. Acredita-se, portanto, que a expansão dos PC no ensino médio (ainda que apenas no ambiente escolar) ou em outros espaços sociais freqüentados pelos jovens, possa também contribuir para a redução e o controle dos índices de cárie nesta população.

Neste estudo, a percepção, o conhecimento, a prática em saúde bucal, assim como a avaliação das ações educativas recebidas na infância, não foram diferentes em função dos adolescentes terem participado, quando crianças, dos PC, ou seja, ter participado ou não dos PC quando criança não causou impacto diferente em relação aos cuidados em saúde bucal na adolescência.

Recebido em: 05/09/2006

Reapresentado em: 17/07/2007

Aprovado em: 27/08/2007

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      27 Ago 2007
    • Recebido
      05 Set 2006
    • Revisado
      17 Jul 2007
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