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Estratégias de intervenção na morbidade por causas externas: como atuam agentes comunitários de saúde?

Resumos

As Causas Externas (CEs) de morbimortalidade têm sido um problema de saúde pública de grande magnitude no país. Buscou-se conhecer as estratégias e compreender como atuam os Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) nesse tipo de morbidade, a partir de serviços de Atenção Básica de Saúde. Os participantes do estudo foram 36 ACSs, atuantes em 7 serviços de Atenção Básica do tipo Programa Saúde da Família, de uma região do município de Porto Alegre. As CEs prevalentes são as acidentais e incluem os acidentes em geral, as quedas entre idosos e os acidentes entre a população infantil. Esses agravos nem sempre são reconhecidos como problemas de saúde e preveníveis, sendo considerados, frequentemente, "obra do acaso". Nas palavras dos agentes, são os agravos de mais fácil abordagem junto às famílias, influenciados positivamente por estratégias educativas. Constatou-se que as diferentes tipologias da violência são os agravos de mais difícil abordagem pelos agentes, pois envolvem situações de risco. Eles consideram-se despreparados para esse tipo de enfrentamento e referem a fragilidade das redes de apoio para os encaminhamentos na região e no município, de forma geral.

Causas externas; Agentes comunitários


External causes of morbidity/mortality have been a serious public health concern in Brazil. The present study sought to explore Community Health Workers (CHWs) strategies and to understand how they manage this morbidity at the primary care level. There were studied 36 CHWs working in 7 different primary care services such as the Family Health Program in an area of the city of Porto Alegre, southern Brazil. The most prevalent external causes were accidents, including common accidents such as falls among the elderly and accidents among children. These events are not always recognized as preventable health problems and they are usually regarded as "unforeseeable events". According to CHWs, these events can be easily approached in the family since they are positively influenced by education strategies. We found that violence in its different forms is the most difficult event to be approached in the families as they involve risk situations. CHWs regard themselves unprepared to manage these situations, and emphasize referral problems by support networks in the area studied and in the city in general.

External Causes; Community Health Agents


ARTIGOS

Estratégias de intervenção na morbidade por causas externas: como atuam agentes comunitários de saúde?1 1 Trabalho financiado no quadro do edital 024/2004, CNPq/MCT/MS e monografia de conclusão do Curso de Graduação/EENF/UFRGS.

Giceli ImperatoriI; Marta Julia Marques LopesII

IEnfermeira. Membro do Grupo de Estudos em Saúde Coletiva (GESC). Endereço: Rua São Manoel, 963, CEP 90620-110, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: gimperatori@yahoo.com.br

IIDoutora em Sociologia. Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Vice-Coordenadora do GESC. Endereço: Rua São Manoel, 963, CEP 90620-110, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: marta@enf.ufrgs.br

RESUMO

As Causas Externas (CEs) de morbimortalidade têm sido um problema de saúde pública de grande magnitude no país. Buscou-se conhecer as estratégias e compreender como atuam os Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) nesse tipo de morbidade, a partir de serviços de Atenção Básica de Saúde. Os participantes do estudo foram 36 ACSs, atuantes em 7 serviços de Atenção Básica do tipo Programa Saúde da Família, de uma região do município de Porto Alegre. As CEs prevalentes são as acidentais e incluem os acidentes em geral, as quedas entre idosos e os acidentes entre a população infantil. Esses agravos nem sempre são reconhecidos como problemas de saúde e preveníveis, sendo considerados, frequentemente, "obra do acaso". Nas palavras dos agentes, são os agravos de mais fácil abordagem junto às famílias, influenciados positivamente por estratégias educativas. Constatou-se que as diferentes tipologias da violência são os agravos de mais difícil abordagem pelos agentes, pois envolvem situações de risco. Eles consideram-se despreparados para esse tipo de enfrentamento e referem a fragilidade das redes de apoio para os encaminhamentos na região e no município, de forma geral.

Palavras-chave: Causas externas; Agentes comunitários.

Introdução

Com a denominação de Causas Externas (CEs), a Classificação Internacional de Doenças - CID 10 (Organização Mundial da Saúde, 1996) inclui agravos à saúde que causam morbidade ou mortalidade e subdividem-se em intencionais e não intencionais/acidentais, admitindo-se também os de intencionalidade não determinada. Para este estudo inclui-se, também, o entendimento que contempla "a classificação que reúne os acidentes e violências do trânsito, os homicídios, os suicídios, a violência no trabalho e os acidentes em geral" (Souza e Minayo, 1999).

Constata-se que estudos com base na morbidade, ou seja, nos agravos dessa natureza que constituem as demandas dos serviços de Atenção Básica de Saúde (pública), são raros. As referências bibliográficas são predominantemente consubstanciadas em estatísticas de mortalidade ou de morbidade hospitalar. Portanto, este estudo utilizou as estatísticas de mortalidade apenas como cenário ilustrativo da gravidade desses eventos que culminam em morte. Buscou-se alertar para o problema da subnotificação, para a precariedade dos registros na Atenção Básica, já que, não raro, esses agravos são invisibilizados ou mesmo naturalizados, como no caso das violências, dificultando medidas promocionais e preventivas como base para o planejamento nos serviços de saúde pública.

As Causas Externas, a partir da década de 1980, passaram a representar a segunda causa de morte no quadro geral de mortalidade (Brasil, 2001). A partir de então, representam 15% dos óbitos registrados no país, ficando para trás apenas das doenças do aparelho circulatório. Conforme dados do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2002), ocorrem, no Brasil, 120 mil mortes ao ano; esses números correspondem ao total de pessoas mortas em conflitos históricos, como as guerras do Vietnã e do Golfo. São 630 mil internações e um custo financeiro para o SUS de, pelo menos, R$ 351 milhões por ano. O período dessas internações varia entre cinco e oito dias, o que sugere a ocorrência de lesões graves.

O perfil da mortalidade decorre, principalmente, de acidentes de trânsito e de homicídios, constituindo as principais causas de morte nos grupos etários de 05 a 45 anos de idade (Médici, 1992; Minayo e Souza, 1993; Chesnais, 1999; Souza e Minayo, 1999; Sant'anna, 2000; Leal, 2003; Gawryszewski, e col., 2004). Esses agravos representam importante carga social pelas vidas perdidas, pelas sequelas, e por onerarem a sociedade com custos diretos e indiretos.

No Rio Grande do Sul, base deste estudo, as CEs representam a 4ª causa de mortes, depois das doenças do aparelho circulatório, neoplasias e doenças do aparelho respiratório (Sant'anna, 2000). Em Porto Alegre, os dados mostram uma situação semelhante a essa que acontece no RS, sendo que o total de óbitos por Causas Externas, no ano de 2003, foi de 890, dos quais 718 foram masculinos e 172 foram femininos. Entre as mortes masculinas, houve um predomínio na faixa etária dos 20 a 29 anos, com 248 óbitos por CEs (Porto Alegre, 2003).

Essa realidade epidemiológica e a subnotificação da morbidade pelas CEs constituem um quadro que pode ainda ser mais grave. Constata-se que a falta de registros e a própria dificuldade na identificação de agravos dessa natureza, considerados a partir dos atendimentos da Atenção Básica de Saúde, invisibilizam o conhecimento dessa realidade nos sistemas locais e, dessa forma, as ações de intervenção e as estratégias de controle e prevenção ficam prejudicadas.

Acredita-se que a realização de pesquisas envolvendo profissionais e Instituições de Saúde auxiliam o conhecimento desse tipo de morbimortalidade local e podem proporcionar elementos para o desenvolvimento de propostas assistenciais de prevenção e promoção de saúde que considerem a base geográfica. Nesse sentido, buscam-se, por meio de uma abordagem diagnóstica de pesquisa, elementos capazes de desvendar essa realidade e subsidiar ações dos sistemas organizados de saúde e da rede comunitária (Gonnet, 1992 in: Lopes, e col., 2004). Este estudo segue essa orientação e permitirá descrever o que acontece, onde ocorrem os eventos e quem são as pessoas atingidas, possibilitando o planejamento de ações localizadas, a partir da rede de serviços.

Sustentado nessa problemática foi criado um Observatório de Causas Externas para fazer a vigilância desses eventos na região da Gerência de Saúde Lomba do Pinheiro/Partenon, do município de Porto Alegre. Entre as funções do observatório está a de sediar um banco de dados e informações para subsidiar estudos e práticas assistenciais de base local.

Nesse sentido, este estudo, vinculado ao observatório citado, visou à abordagem da morbidade por CEs, focalizando a ação dos Agentes Comunitários de Saúde - ACSs como elementos-chave das estratégias de detecção e acompanhamento desses agravos pelos serviços de Atenção Básica de Saúde da região em questão.

O Agente Comunitário de Saúde, membro das equipes de Saúde da Família, é um dos elos entre as necessidades de saúde da população e o que pode ser feito para melhorar suas condições de vida; é a ponte entre a população e os profissionais e serviços de saúde (Silva e Dalmaso, 2002; Ferraz e Aerts, 2005). Os ACSs não possuem qualificação profissional na saúde, sua integração às equipes se dá a partir do vínculo destes com a comunidade adscrita ao serviço. Atuam no cadastro das famílias; em visitas domiciliares; na busca ativa de faltosos; nas demandas das ações programáticas; nas atividades educativas, campanhas e outras atividades de suporte nas unidades de saúde. Nesse sentido, representam um grande potencial nas dinâmicas e implementação das ações nos serviços. Por isso, é necessário conhecer o que pensam e como atuam diante dos problemas, proporcionando subsídios para a melhoria dos registros e da assistência. Assim, este estudo objetivou conhecer e compreender como os Agentes Comunitários de Saúde dessa região elaboram estratégias de intervenção na morbidade por Causas Externas. A pesquisa, de caráter qualitativo, considerou as seguintes questões norteadoras: como os ACSs definem as CEs de morbidade? Existe compreensão das diferentes dimensões que assumem como problema de saúde na comunidade? Elaboram conscientemente estratégias de intervenção junto às famílias? Como se materializam essas estratégias, em sua ação cotidiana? As visitas domiciliares são instrumentos dessas estratégias? Como se dão? Existem planos de ação traçados a partir dessa problemática e da sua proximidade com a comunidade?

Metodologia

O caminho metodológico deste estudo partiu das informações de um banco de dados constituído pelos registros da demanda de 14 serviços de Atenção Básica da região Lomba do Pinheiro e Partenon, do município de Porto Alegre. Trata-se de uma região de aproximadamente 180 mil habitantes e de precariedade socioeconômica. Como experiência local, criou-se um grupo de notificadores para as Causas Externas de morbidade, composto por membros das equipes dos serviços. Esses observadores-notificadores foram sensibilizados para o problema através de reuniões semanais e dinâmicas de grupo com estudos de casos, por uma equipe multiprofissional da gerência distrital de saúde. A partir de então, institui-se um instrumento local de notificação constantemente discutido e aperfeiçoado em reuniões do grupo. O grupo, atualmente, é constituído por diferentes profissionais da saúde das equipes dos serviços e principalmente pelos Agentes Comunitários de Saúde, os quais têm importância estratégica no enfrentamento desses agravos. Os registros oriundos das notificações foram sistematizados em um Banco de Dados pelos pesquisadores parceiros da EENF/UFRGS e originaram diferentes informações, como tipo de agravo; tipo de lesão; região do corpo atingida; local de ocorrência; agressores; encaminhamentos; evolução dos casos; além de informações mais subjetivas com detalhes narrativos dos eventos.

Trata-se de uma abordagem qualitativa da morbidade por CEs, desenvolvida no período de junho a dezembro de 2005. Do ponto de vista dos serviços de saúde, a área é constituída por uma Unidade de Pronto Atendimento, sete Unidades com Programa Saúde da Família (PSF) e seis Unidades Básicas de Saúde para uma população aproximada de 180 mil habitantes. A coleta de dados foi realizada nos PSFs, pois são os serviços em cujas equipes os ACSs estão inseridos.

O estudo qualitativo justificou-se pela necessidade de ir além das estatísticas oriundas dos registros de atendimento nos serviços da região do estudo. Analisando-se condutas de enfrentamento, foi necessário buscar elementos discursivos para a compreensão das atitudes frente aos agravos e, particularmente, daquelas advindas das diferentes tipologias da violência. Nesse sentido, optou-se pelo uso de entrevistas semiestruturadas com um instrumento-guia. As questões foram estruturadas considerando a capacidade dos ACSs para: identificar esses agravos e reconhecê-los como problema de saúde pública (não somente como caso de polícia, como no caso das violências); abordar as famílias e desenvolver estratégias de ação; planejar ações junto aos serviços, equipes e comunidade. As entrevistas foram realizadas pelas pesquisadoras, agendadas com os agentes em horário de serviço com autorização das chefias.

Optou-se por entrevistar o universo de ACSs dos serviços da região, buscando garantir um cenário mais completo das percepções e enfrentamentos. No entanto, participaram do estudo 36 ACSs, atuantes na região do estudo, de um total de 44. Os oito ACSs não entrevistados estavam em licença ou atestado de saúde no período. A apresentação dos resultados iniciou-se pela caracterização demográfica dos participantes, seguida pela organização de três categorias analíticas, baseadas no conteúdo temático: a morbidade por CEs no entendimento dos ACSs; estratégias para o enfrentamento da morbidade por CEs; abordagem das famílias e resolutividade das ações sob o olhar dos ACSs.

Os dados de origem demográfica são apresentados aqui no sentido de se construir um perfil dos indivíduos engajados nesse tipo de trabalho na Saúde. Constatou-se que a maioria dos agentes (30) era do sexo feminino e 6, do sexo masculino. Predominou, nesse caso, a faixa etária dos 21 aos 30 anos para 14 deles, sendo que a faixa etária de 21 a 40 reuniu 22 ACSs, o que corresponde a 61,1% do total dos entrevistados. Nos últimos anos, constata-se que os ACSs que ingressam no Programa de Agentes Comunitários em Saúde (Pacs) e no PSF são mais jovens, selecionados por critérios como maior escolaridade e qualificação, sendo, dessa forma, melhor classificados nos processos seletivos para a função (Ferraz e Aertz, 2005). Em relação à escolaridade, constatou-se que dois (2) ACSs referiram ter Ensino Fundamental incompleto, dois (2) referiram o Ensino Fundamental completo, sete (7) o Ensino Médio incompleto, vinte (20) o Ensino Médio completo e cinco (5) o Curso Superior incompleto. É importante ressaltar que a maioria da população do estudo com grau de escolaridade mais elevado situou-se entre os mais jovens, o que atesta a tendência de admissão de agentes mais escolarizados e qualificados.

Pode-se dizer que esse perfil aproxima-se daquele encontrado para os trabalhadores da saúde de forma geral. O trabalho de Agente Comunitário de Saúde engaja mais mulheres, sugerindo a adequação de gênero ao tipo de atividade. A ação próxima às famílias e a habilidade advinda do processo de socialização feminino são elementos que justificam a presença e a seletividade de sexo/gênero nos processos de contratação para essa atividade. A escolaridade crescente e a juventude sugerem a busca de oportunidades de emprego e a aproximação com a Área da Saúde visando a um possível acesso a outras qualificações. Observou-se que esses elementos geracionais e as culturas de gênero atuam como facilitadores e/ou como limitações no enfrentamento de muitas situações complexas que envolvem, por exemplo, as violências.

Foram utilizadas também informações do Banco de Dados do Observatório de Causas Externas da região, sediado na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EENF/UFRGS), bem como documentos locais de registro dos agravos, originários dos atendimentos e dos eventos situados e notificados na comunidade e domicílios. A notificação comunitária ocorre quando um ACS encontra-se em visita domiciliar ou é abordado na comunidade para comunicação de um agravo. A partir de então, busca informações e registra o evento na forma de notificação. As categorias de análise basearam-se no conteúdo temático (Minayo, 1996). As questões norteadoras, apresentadas anteriormente, deram origem a três categorias que visaram à compreensão de como os agentes lidavam com a morbidade por Causas Externas e quais as atitudes ou estratégias de enfrentamento postas em prática.

Foram consideradas as normas da Resolução nº. 196, de 10 de outubro de 1996, para o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos, tendo o estudo sido aprovado no Comitê de Ética da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Informado e o anonimato dos entrevistados foi garantido pela substituição dos nomes próprios por nomes de flores.

Resultados

A Morbidade por Causas Externas no Entendimento dos Agentes Comunitários de Saúde

Sobre o questionamento: "O que são agravos à saúde por Causas Externas", pode-se observar, no Quadro 1, uma síntese das diversas definições citadas nas entrevistas, divididas conforme a classificação em "acidentes e violência", somente "acidentes" ou somente "violência".


Adotaram-se as definições do CID 10 complementadas por Souza e Minayo (1999) para as CEs e, a partir dessa compreensão, analisou-se a completude do entendimento da diversidade desses agravos nas palavras dos entrevistados.

A maioria (20) relacionou sua resposta direta ou indiretamente à violência e aos acidentes conjuntamente, como se pode observar nas falas de Ipê e Vitória-régia.

Tudo aquilo que leva a situações de risco que esteja fora do corpo. O que mais tenho contato são as quedas, violência física e perfuro-cortantes. Violência sexual, psicológica tem bastante, só que tu custa até chegar, porque a pessoa tem que falar, não é uma coisa visível, a gente só percebe no dia a dia, que tu percebe que não tá bem. (Ipê)

São todas as causas não por doença, uma queda, um corte, violência doméstica. Diariamente ocorrem mais acidente com crianças, mordida de cachorro, violência intrafamiliar. (Vitória-régia)

Para dez (10) dos ACSs os agravos à saúde por CEs estavam relacionados apenas aos acidentes, sem mencionar a violência ou mencionando-a sem relevância. É possível que isso tenha ocorrido em razão de a maioria dos entrevistados que responderam dessa forma serem responsáveis por áreas onde a violência nas ruas é menor, ou também, por não identificarem as várias faces da violência como agravos à saúde, configurando o processo de "naturalização", comum a esse tipo de agravo.

Entre os participantes do estudo, seis (6) responderam que os agravos à saúde estariam relacionados à violência, sem mencionar os acidentes. Esse entendimento indica que um número significativo ainda não reconhecia esses eventos na sua totalidade, sendo provável que não dispusesse de ferramentas ou "olhar qualificado" para identificá-los como problema de saúde e preveníveis. É comum os acidentes serem considerados, nesse meio, "obra do acaso". Constata-se a associação da violência como problema de saúde; no entanto, observou-se que nem todos os ACSs compreendiam as diferentes dimensões, a diversidade e complexidade desses eventos. Nesse sentido, observa-se que não é fácil reconhecê-la como problema de saúde ou de "não-saúde" e, menos ainda, agir sobre ela.

Quando questionados sobre as CEs com as quais eles tinham mais contato em sua área de atuação, a maioria dos entrevistados citou mais de um subtipo. Muitos responderam que tinham contato com todos esses agravos. Podemos observar, no Quadro 2 abaixo, uma síntese dessa tipologia.


Os acidentes em geral, juntamente com as quedas e acidentes com crianças, foram citados trinta e sete vezes (37). As quedas ocorriam, principalmente, entre os idosos; já as queimaduras, os acidentes domésticos e mordeduras de animais (cães), aconteciam mais entre as crianças.

Nesse sentido, estudos sobre internações mostram que as queimaduras são frequentes em crianças menores de 5 anos, portanto, considera-se essa faixa etária como grupo de risco para morbidade e morte por essas causas (Brasil, 2002). Salientam-se também as internações por quedas entre a população idosa.

A violência física por brigas de gangues, envolvendo drogas, arma branca e arma de fogo, foi referida treze vezes (13) nas entrevistas. Essa realidade é referida em diversos estudos que identificam que as armas de fogo resultam em mais mortes e sequelas do que qualquer outro tipo de arma.

A violência intrafamiliar foi mencionada dez vezes (10) durante as entrevistas, a violência psicológica três (3) e a sexual quatro (4) vezes. Essa divisão dos subtipos da violência foi baseada nas falas dos entrevistados e constam do quadro 2 acima.

Constatou-se que, enquanto alguns deles estavam sensibilizados com o problema, outros detinham poucas informações ou até mesmo nenhuma. Nesse sentido, as indefinições e a falta de qualificação específica podem dificultar muito o trabalho dos mesmos na identificação, registro e atuação sobre esses agravos.

Estratégias dos Agentes Comunitários de Saúde no Enfrentamento da Morbidade por Causas Externas

Os ACSs protanizam estratégias para enfrentamento desses agravos. A maioria delas baseia-se em orientações no domicílio, em grupos, na rua, na sala de espera, em escolas, e em encaminhamentos a serviços de apoio, além da articulação entre equipe e serviços envolvidos.

Observou-se, neste estudo, que as estratégias para enfrentamento que os agentes mais utilizaram foram as orientações e os encaminhamentos à unidade de saúde. A prevenção de quedas em idosos e os acidentes domésticos que ocorrem mais com as crianças foram frequentemente abordados, como podemos observar na fala a seguir:

Tem bastante tapete pelo chão que eu disse para retirar, o piso muito liso é perigoso. A gente procura ver o que tá errado na casa, desde o lixo do pátio que vai vim rato, os idosos que estão sujos e não podem fazer a sua higiene, isso é uma violência. Tudo isso a gente fala, para as crianças a gente fala para não chegar perto do fogão, até do animal que as crianças adoram, mas alguns são bravos e a criança irrita o animal pode se machucar, os cachorros têm pulga, dá alergia. O tapete é a coisa mais básica e que tu mais encontra por aí, isso é fatal. Tudo que a gente aprendeu tu tem que repetir sempre, desde o caco de vidro que tem que recolher do pátio; parece bobagem, mas tem pessoas que não sabem, não se ligam (Palma).

De acordo com os relatos, alguns usuários dos serviços não percebiam nem reconheciam esses agravos como problema. Nesse caso, em uma visita domiciliar, os agentes têm a oportunidade de observar as condições de moradia das famílias, e, dessa forma, identificar problemas e dar orientações de acordo com a realidade (Ferraz e Aerts, 2005). Assim, para esses agentes, as orientações não estavam prontas, eram adaptadas de acordo com a realidade encontrada.

Os grupos de saúde desenvolvidos nas ruas pelos ACSs transmitem informações para a população sobre o tipo de agravo prevalente na região e discutem as causas. Essa, segundo os protagonistas, "é uma forma de prevenir os agravos", pois acreditam que a população, tendo conhecimento das ocorrências mais frequentes, poderá agir sobre elas, tornando-se uma aliada na diminuição das mesmas.

Outro tipo de estratégia utilizada foram as orientações na sala de espera dos serviços de saúde, onde os agentes aproveitavam para informar os usuários que estavam na unidade esperando pelas consultas. Nos grupos de Educação em Saúde desenvolvidos no PSF, como o de portadores de hipertensão, as pessoas falavam que em tal casa ocorrera tal agravo, ou, até mesmo, relatavam-no quando encontravam os agentes nas ruas.

Quanto aos encaminhamentos, os agentes referiam que orientavam as vítimas sobre os serviços públicos onde podiam buscar auxílio e resolução dos casos, como a Delegacia da Mulher, do Idoso, o Conselho Tutelar, a Casa de Apoio Viva Maria (albergue protegido para mulheres vítimas de violência do município de Porto Alegre), entre outros.

Nesse sentido, as ações desenvolvidas visando à prevenção e intervenção nesses agravos lhes pareciam relevantes e com impacto na comunidade, pois a maioria dos agentes afirmou que tinham resultado positivo e que a população acatava as orientações dadas por eles. Essas "pequenas compensações" pareciam ter forte efeito motivador para a continuidade das estratégias, mesmo que isoladas, e, muitas vezes, difíceis de obterem sucesso.

A Abordagem das Famílias e a Resolutividade das Ações sob o Olhar dos Agentes: "aprendendo a conquistar"

Dentre os agentes, a maioria (22) respondeu que as abordagens dão resultado, e que, muitas vezes, o resultado demora, é de "formiguinha", mas é obtido. Constata-se, portanto, que os ACSs, no que se refere aos agravos, têm um papel fundamental na sua identificação, prevenção e intervenção, sustentados pelas informações, pelos processos educativos e conscientização da população, sendo a visita domiciliar a estratégia privilegiada.

No que diz respeito às formas de abordagem das famílias, referiam que era basicamente "com jeito", "aprendendo a conquistar", para que, assim, se sentissem confiantes em relatar o que realmente acontecia e quais fatores estavam envolvidos em cada situação/agravo.

Dependendo do agravo tem que chegar com discrição, ir por partes, até chegar no assunto do que aconteceu. Tem pessoas que não querem que toque no assunto. Aí eu chego na casa e pergunto, como aconteceu, o que houve, se foi discussão. Tem que ter jeito de chegar em cada família. (Violeta)

A maioria dos ACSs relatou uma abordagem direta com as famílias, sem "rodeios", mostrando para as pessoas as consequências de certas atitudes. No entanto, quando era algum agravo relacionado com o tráfico de drogas, não abordavam diretamente, iam descobrindo como aconteceu pelas "beiradinhas", até que a pessoa se abrisse e relatasse a ocorrência.

Eu sou direta com as famílias. São raras as que eu faço rodeio. Eu só não abordo diretamente com eles quando é tráfico, aí quando é assim se vai aos pouquinhos, mas na maioria eu digo as consequências daquela atitude. Quando tem criança no meio tem que pensar no bem da criança, às vezes eu xingo os pais. (Ipê)

Os agentes referiam que a abordagem era mais tranquila quando o agravo estava relacionado aos acidentes; já quando se relacionava à violência ou delitos como tráfico de drogas, tornava-se difícil. No caso dos acidentes, são dadas orientações e evidencia-se a diminuição das ocorrências. Já quando os agravos estavam relacionados à violência, o manejo não dependia somente do agente e da equipe do PSF, mas também do que os Órgãos responsáveis disponibilizavam na rede, pois dizem "de nada adianta fazer os encaminhamentos se os Órgãos competentes não dão retorno".

"Melhor não ver?!": o enfrentamento da violência

A violência também está no interior das famílias, pois não é somente aquela que mata, e a Área da Saúde pode ter papel fundamental na atuação em relação à violência que acontece nesse âmbito (Minayo, 2004).

Considerando essa realidade, as formas de abordagem, no que se refere à violência, eram diferenciadas das demais, pois os agentes, nesses casos, não abordam diretamente as famílias, como ocorre com as demais CEs, iam aos poucos coletando informações. Existiam casos em que as vítimas iam até o PSF para o atendimento, podendo-se suspeitar, então, de uma situação de violência. Nesses casos, o ACS investigava por meio dos vizinhos, de amigos, para saber o que realmente aconteceu.

A maioria dos ACSs, assim como Jasmim na fala abaixo, referia que em muitos casos eles "fingiam não ver", devido ao medo da violência que pudessem sofrer. Jasmim relatou que os agentes devem ter "ética", devem ter certo limite para que possam ter acesso às famílias, pois, dessa forma, são respeitados pelos "agentes do tráfico", "os donos do morro", como alguns deles referem em suas falas.

As pessoas têm medo, às vezes o tiroteio começa na quinta-feira e vai até o final de semana. Eles respeitam, tu tem que ter limite para ter acesso, se eu quero ir na vila de noite eles me respeitam. Muita coisa eu vejo e finjo que nem vejo, tem que ter ética de deixar de lado certas coisas. Porque tu mora na vila, trabalha no posto. (Jasmim)

Toda essa situação dificultava a identificação, a assistência e a denúncia dos casos de violência, já que os agentes, os integrantes da equipe que tinham contato mais próximo com a população, moravam na própria "vila". Ao mesmo tempo, eram os que a conheciam melhor e, potencialmente, poderiam denunciar os casos de violência, já que o contato direto com as vítimas permitia-lhes identificá-los com mais frequência. No entanto, Tulipa diz que, como moradores da área, eram intimidados a tomar a atitude correta, que é, geralmente, o encaminhamento dos casos para os órgãos competentes. Diz ela:

Tem vários casos na minha área que se relacionam com as CEs, como morador da área, tu orienta, tenta ajudar, mas não se aprofunda, tu não pode se envolver totalmente em caso de estupro, violência. Eu acho que no nosso caso de trabalho não dá pra se envolver muito, tu tem casa, tu tem filho. Pai com filho [violência sexual] tu tenta colher informações, quanto às drogas, tu orienta, mas não tenta se aprofundar.

Alguns ACSs não faziam denúncias por medo, pois a família de algumas vítimas é muito agressiva. O Conselho Tutelar não guarda sigilo com relação à pessoa que faz a denúncia, isso inviabiliza sua deflagração em muitos casos. Uma das agentes, por exemplo, não considerava a violência como assunto da saúde da família, referindo que abordava somente os assuntos de saúde e não os casos de violência. Isso evidencia que, entre muitos dos agentes e na população de usuários dos serviços, esses agravos são "naturalizados", ou apenas "casos de polícia". Essas situações de violência acabam gerando mais violência; a negligência gerada pelo medo, nesses casos, é também uma forma de violência. No entanto, alguns agentes não consideravam essa atitude como forma de negligência. Torna-se difícil condenar essas atitudes, pois se constata que, muitas vezes, não possuíam respaldo nenhum em casos de denúncias, o que os intimidava. Além disso, existe o temor de que acontecesse algo com sua própria família. Essas situações podem ser identificadas na fala abaixo:

Eu faço meu trabalho na saúde, vejo como está a saúde da família. Em caso de estupro, uma hora vai estourar, mas não sou eu que vou tomar uma medida, a minha abordagem é com relação a saúde. Imagina eu chegar e falar que ele tá abusando da filha de sete anos, nunca mais eu entro no beco. No fundo a vontade é tomar uma atitude, mas eu oriento quanto aos machucados, quanto às drogas. Eu não acredito no Conselho, eles deixam a coisa ficar grave e não fazem nada. Eu me indigno com algumas coisas. São coisas que te deixam triste; em vez de te proteger e ajudar, eles fazem o contrário. Eu não vejo muito resultado no nosso trabalho. O Conselho não faz nada, é um dinheiro que eles ganham e não fazem nada. Tu tenta fazer a tua parte e com os outros não funciona. Tudo tá vinculado. (Tulipa)

Nessa situação, um dos desafios para os profissionais da área da Saúde é o de perceber e registrar a violência intrafamiliar, pois, conforme estimativas, somente são denunciados 2% dos casos de abuso sexual infantil dentro da família; enquanto fora da família são denunciados 6% desses casos, e em torno de 5 e 8% dos casos de abuso sexual contra adultos (Brasil, 2001).

Os Agentes Comunitários de Saúde e a Qualificação para o Trabalho: como e de que forma se preparar "para o que está atrás da porta"?

Com relação a sua qualificação para esses enfrentamentos, a maioria (15) dos agentes respondeu afirmativamente, porém onze (11) afirmaram que não estavam preparados para tal tarefa.

Alguns dentre eles se consideravam preparados para atuar sobre as CEs, assim como Rosa; porém relataram que, muitas vezes, essa preparação "não adianta muito", pois mesmo com toda orientação dada à população, eles não tinham retorno, causando até mesmo desânimo. A solução, conforme Rosa, é se apegar às pessoas que "dão certo", o que incentivava seguir com seu trabalho. Papoula também referiu que "por mais que recebam capacitações, eles nunca vão estar preparados, pois cada caso é um caso, mesmo programando-se para tal visita domiciliar, a realidade que se encontra é outra, tu nunca sabe o que está atrás da porta".

Dentre os que relataram não estar preparados para atuar, a maioria citou a necessidade de maior capacitação, como Borgonha, que referiu intimidar-se com algumas famílias, sendo necessário aprender como abordá-las, salientando o problema da violência. Era esse o motivo de intimidação também de Crisântemo, referindo não estarem seguras para tomar certas atitudes.

No que diz respeito às facilidades e dificuldades encontradas, a maioria (7) dentre os ACSs relatou como facilidade "serem bem aceitos pelas pessoas, pelas famílias". O mesmo número (7) relatou como facilidade a abordagem às famílias quando os agravos são acidentais, como as quedas, por exemplo. Já com relação às dificuldades encontradas, a maioria (8) relatou o trabalho que envolve a violência.

Violeta referiu que a dificuldade encontrada por ela foi com relação ao tráfico de drogas. Nesses casos, as pessoas têm certa resistência no momento da abordagem, então, segundo ela, "às vezes é melhor não ver". A mesma dificuldade foi relatada por Jasmim e Girassol. Em casos de acidentes como as quedas, por exemplo, a abordagem é mais tranquila, dizem. Sete (7) dentre eles relataram também como dificuldade o retorno resolutivo dos órgãos competentes, o envolvimento e retorno com respaldo da equipe.

Esses agentes referiram que trabalhar com a violência se agravava pelo fato de que a rede de apoio não estava funcionando como deveria, como Palma relata a seguir. Afirmou que as denúncias eram feitas e a equipe ficava sem retorno sobre qual foi o andamento e os encaminhamentos dos casos dados pelos órgãos competentes.

A dificuldade de trabalhar é com a violência, é com a rede, ela não tá funcionando como tem que funcionar, tu vai até a casa, escola, vem para o posto, aciona o Conselho Tutelar, no momento que tu tá envolvido, mexe muito com o teu emocional, a violência contra a criança, contra o idoso. Às vezes tu não fica sabendo o que aconteceu e as pessoas se abrem, te contam o que aconteceu, te expõe a situação, tu tem aquilo nas tuas mãos, tu faz a tua parte e tu fica sem saber o andamento porque os órgãos não nos dão retorno, as vezes o caso não tem nem solução. (Palma)

Petúnia e outros colegas referiram que não possuem dificuldade nenhuma no momento da abordagem às famílias. Mesmo as mais violentas a recebiam bem, pois ela possuía um vínculo muito bom com todos. Referiu como dificuldade a falta de retorno da equipe, já que os casos eram levados e ela não dava a devida importância, o que a deixava frustrada.

As facilidades que vejo, é que eu tenho um vínculo muito bom, na minha área a maioria são moradores fixos, eu conheço um por um, e eu sei acessá-los apesar dos violentos, eles também me recebem bem, eu tento me posicionar como eles, me comunicar de um modo popular. Eu procuro ficar sempre informada dos serviços disponíveis, gosto de fazer grupos para as pessoas se conhecerem. A dificuldade que vejo é o retorno, eu defendo bastante todos os meus cadastrados, quando a gente traz para a equipe, eles não visitam o domicílio para saber, para eles o problema é bem menor que para nós, isso frustra, esse retorno. (Petúnia)

A falta de retorno dos órgãos competentes representou a dificuldade mais citada, como a falta de resolução dos casos, das denúncias, e a ausência desses órgãos que, algumas vezes, "nem sequer vão até o local da denúncia para investigação". Esses foram os problemas mais graves. Pensa-se que essas questões levantadas vinculam-se, fundamentalmente, aos limites impostos aos indivíduos e famílias pelas dificuldades de acesso aos bens e serviços e a uma vida com melhor qualidade.

Considerações Finais

Os Agentes Comunitários de Saúde definiram Causas Externas, direta ou indiretamente, como violência e acidentes. Alguns relacionaram sua resposta somente aos acidentes ou apenas à violência. Esses resultados indicam que um número significativo não reconhece ou não compreende as diferentes dimensões que a morbidade por Causas Externas assume na comunidade e, dessa forma, não dispõem de elementos para identificá-las e, consequentemente, não estão preparados para atuar sobre elas. Acredita-se que essas situações e dificuldades levam à subnotificação da morbidade por esses eventos, já que são os agentes, com vínculo com os serviços de Atenção Básica, os representantes do Poder Público que estão em contato direto com as potenciais vítimas desses agravos.

A condição de desinformação, pouca ou nenhuma qualificação, pode dificultar muito o trabalho junto aos indivíduos e famílias. Pensa-se que para tornar efetiva a vigilância e a ação sobre esses agravos seria necessário que fossem oportunizadas capacitações, gerando conhecimentos e habilidades para a identificação e manejo dos mesmos.

Pode-se afirmar que a maioria dos entrevistados elaborava conscientemente estratégias de intervenção junto às famílias, pois durante a visita domiciliar ou em atendimentos na Unidade forneciam orientações de como prevenir e como intervir nesses agravos. Atuavam também sobre as CEs que mais ocorriam na sua região de adscrição, por meio de grupos de rua, sala de espera, entre outras estratégias. Evidenciaram ter papel fundamental na educação, conscientização e inclusão da população como aliada na busca de soluções. Essas ações desenvolvidas, visando à visibilização, prevenção e transformação dessas situações de morbidade, parecem ter impacto local e serem de grande relevância para os mesmos, pois afirmavam que o resultado é positivo, assim como surtem efeito as abordagens que têm utilizado.

As estratégias frequentemente são postas em prática durante as visitas domiciliares. As abordagens são implementadas lentamente e só se traduzem em resultados quando os agentes ganham a confiança das famílias. Pode-se afirmar que sua ação na visita domiciliar é um instrumento privilegiado de abordagem da problemática.

Este estudo permite afirmar-se que esses eventos ou agravos necessitam do engajamento de todos os profissionais das equipes de saúde e, particularmente, dos ACSs, por serem elementos privilegiados no contato com as famílias e detecção de situações de vulnerabilidade. Identifica-se pouco engajamento das equipes como um todo, no sentido de dar sustentação às denúncias e aos encaminhamentos necessários nas diferentes situações. O que se observa é que atitudes isoladas tendem ao fracasso e à desmotivação dos agentes que fazem o "corpo a corpo". O fato de serem frequentes as licenças de saúde (vide os agentes em licença no momento deste estudo) e, em alguns casos, o absenteísmo, pode indicar mecanismos de defesa e proteção contra o sofrimento em certas situações enfrentadas. Outro aspecto é a necessidade da presença e sustentação comunitária e intersetorial, constituindo uma rede de atenção e serviços. A capacitação, nesse sentido, aliada aos elementos citados é fundamental, visto que a própria identificação desses agravos necessita de um "olhar sensível", capaz de desnaturalizar situações, estimular e fornecer subsídios para o agir sobre elas.

Recebido em: 13/08/2007

Reapresentado em: 09/01/2008

Aprovado em: 18/02/2008

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  • 1
    Trabalho financiado no quadro do edital 024/2004, CNPq/MCT/MS e monografia de conclusão do Curso de Graduação/EENF/UFRGS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Fev 2008
    • Revisado
      09 Jan 2008
    • Recebido
      13 Ago 2007
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