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Preditores de não aderência ao seguimento preconizado para mulheres com lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL)

Predictors of non-adherence to the prescribed follow-up in women with high-grade squamous intraepithelial lesion (HSIL)

Resumos

O câncer de colo uterino é um tumor de natureza multifatorial que persiste como um importante problema de saúde pública. Aderência à linha de cuidado é fator associado ao controle desse câncer. O objetivo deste estudo foi avaliar fatores associados à "Não aderência" ao seguimento preconizado para mulheres com lesão intraepitelial de alto grau (HSIL), atendidas em um serviço de saúde da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Este estudo do tipo coorte retrospectivo incluiu mulheres rastreadas por citologia, matriculadas entre 01/01/2002 e 31/12/2005 e submetidas à colposcopia. A coleta de dados terminou em 31/12/07. Foram revisados 1496 prontuários e identificadas 641 mulheres elegíveis com diagnóstico de HSIL obtido por excisão da zona de transformação do colo uterino. Após a aplicação dos critérios de exclusão, a população de estudo foi constituída por 537 (84%) mulheres, classificadas em dois grupos: "não aderentes" (29,4%), que abandonaram o seguimento, e "aderentes" (70,6%), que permaneceram no seguimento até a alta. A análise estatística foi realizada pelo teste do qui-quadrado, teste t e regressão logística. O modelo final incluiu as variáveis: ser fumante (OR 1,72), dona de casa (OR 1,56), ter realizado o exame com o uso do vídeo-colposcópio (OR 1,80), idade (OR 0,97) e antecedente de três ou mais gestações (OR 0,49). O estudo revelou um perfil de vulnerabilidade apontando para determinantes de ordem individual e organizacional. Estratégias para melhorar a aderência ao seguimento devem contemplar medidas dirigidas a fatores modificáveis do estilo de vida, como o tabagismo, e estruturais característicos dos serviços de saúde da região.

Aderência; Seguimento; Lesão intraepitelial escamosa de alto grau; Cérvice uterina


Cervical cancer is a tumor of multi-factorial nature that remains nowadays an a serious important public health problem. Adherence to health care procedures is a factor related to uterine cervical cancer control. The aim of this study was to evaluate factors associated with non-adherence to the prescribed follow-up in women with high-grade squamous intraepithelial lesions (HSIL), attending a public health care service in the "Baixada Fluminense", Rio de Janeiro, Brazil. This was a retrospective cohort study including women screened through cytology, entering the health care service between 01/01/2002 and 12/31/2005 and submitted to a colposcopy. Data collection ended on 12/31/07. Through the revision of 1496 medical records, 641 eligible women with a histopathological diagnosis of HSIL obtained after excision of the transformation zone were identified. After application of the exclusion criteria, the study population comprised 537 (84%) women, classified into two groups: "non-adherent" (29.4%), who abandoned the follow-up procedures and "adherent" (70.6%) who remained in follow-up along the required period. Statistical analysis was carried out though qui-square and t-tests and logistic regression. The final model contained the variables smoker (OR 1.72), not having a job outside the house (OR 1.56), having the examination carried out with a videocolposcopy (OR 1.80), age (OR 0.97) and history of three or more gestations (OR 0.49). The study disclosed a vulnerability profile pointing to individual and organizational-level determinants. Strategies to attain better follow-up must be aimed to modifiable life style factors as smoking and to structural characteristics of health care services in the studied area.

Adherence; Follow-Up; High Squamous Intraepithelial Lesion; Uterine Cervix


PARTE I - ARTIGOS

Preditores de não aderência ao seguimento preconizado para mulheres com lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL)1 1 Este artigo é resultante de pesquisa parcialmente financiada pelo CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Predictors of non-adherence to the prescribed follow-up in women with high-grade squamous intraepithelial lesion (HSIL)

Maria Isabel do NascimentoI; Rosalina Jorge KoifmanII; Inês Echemique MattosIII; Gina Torres Rego MonteiroIV

IDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Professora-Assistente de Toco-Ginecologia (Internato Médico) da Universidade Iguaçu - Nova Iguaçu-RJ. Responsável pelo Ambulatório de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI)- RJ. Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480/812, CEP 21041-210, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: ysamaria@uol.com.br

IIDoutora em Saúde Pública. Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480/812, CEP 21041-210, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jorger@ensp.fiocruz.br

IIIDoutora em Saúde Pública. Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480/812, CEP 21041-210, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: imattos@ensp.fiocruz.br

IVDoutora em Saúde Pública. Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Endereço: Rua Leopoldo Bulhões, 1480/812, CEP 21041-210, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: gtorres@cremerj.org.br

RESUMO

O câncer de colo uterino é um tumor de natureza multifatorial que persiste como um importante problema de saúde pública. Aderência à linha de cuidado é fator associado ao controle desse câncer. O objetivo deste estudo foi avaliar fatores associados à "Não aderência" ao seguimento preconizado para mulheres com lesão intraepitelial de alto grau (HSIL), atendidas em um serviço de saúde da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Este estudo do tipo coorte retrospectivo incluiu mulheres rastreadas por citologia, matriculadas entre 01/01/2002 e 31/12/2005 e submetidas à colposcopia. A coleta de dados terminou em 31/12/07. Foram revisados 1496 prontuários e identificadas 641 mulheres elegíveis com diagnóstico de HSIL obtido por excisão da zona de transformação do colo uterino. Após a aplicação dos critérios de exclusão, a população de estudo foi constituída por 537 (84%) mulheres, classificadas em dois grupos: "não aderentes" (29,4%), que abandonaram o seguimento, e "aderentes" (70,6%), que permaneceram no seguimento até a alta. A análise estatística foi realizada pelo teste do qui-quadrado, teste t e regressão logística. O modelo final incluiu as variáveis: ser fumante (OR 1,72), dona de casa (OR 1,56), ter realizado o exame com o uso do vídeo-colposcópio (OR 1,80), idade (OR 0,97) e antecedente de três ou mais gestações (OR 0,49). O estudo revelou um perfil de vulnerabilidade apontando para determinantes de ordem individual e organizacional. Estratégias para melhorar a aderência ao seguimento devem contemplar medidas dirigidas a fatores modificáveis do estilo de vida, como o tabagismo, e estruturais característicos dos serviços de saúde da região.

Palavras-chave: Aderência; Seguimento; Lesão intraepitelial escamosa de alto grau; Cérvice uterina.

ABSTRACT

Cervical cancer is a tumor of multi-factorial nature that remains nowadays an a serious important public health problem. Adherence to health care procedures is a factor related to uterine cervical cancer control. The aim of this study was to evaluate factors associated with non-adherence to the prescribed follow-up in women with high-grade squamous intraepithelial lesions (HSIL), attending a public health care service in the "Baixada Fluminense", Rio de Janeiro, Brazil. This was a retrospective cohort study including women screened through cytology, entering the health care service between 01/01/2002 and 12/31/2005 and submitted to a colposcopy. Data collection ended on 12/31/07. Through the revision of 1496 medical records, 641 eligible women with a histopathological diagnosis of HSIL obtained after excision of the transformation zone were identified. After application of the exclusion criteria, the study population comprised 537 (84%) women, classified into two groups: "non-adherent" (29.4%), who abandoned the follow-up procedures and "adherent" (70.6%) who remained in follow-up along the required period. Statistical analysis was carried out though qui-square and t-tests and logistic regression. The final model contained the variables smoker (OR 1.72), not having a job outside the house (OR 1.56), having the examination carried out with a videocolposcopy (OR 1.80), age (OR 0.97) and history of three or more gestations (OR 0.49). The study disclosed a vulnerability profile pointing to individual and organizational-level determinants. Strategies to attain better follow-up must be aimed to modifiable life style factors as smoking and to structural characteristics of health care services in the studied area.

Keywords: Adherence; Follow-Up; High Squamous Intraepithelial Lesion; Uterine Cervix.

O estabelecimento de programas de rastreamento citológico tem se configurado em um importante recurso para o controle do câncer de colo uterino e, ao mesmo tempo, se tornado um desafio para os países em desenvolvimento (Zeferino e col., 2006; Eluf-Neto e Nascimento, 2001)

No Brasil, desde a década de 1990, vêm sendo implementadas, segundo as diretrizes e normas do Programa Viva Mulher do Ministério da Saúde, as ações programáticas para o câncer de colo do útero no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2002). Esse programa estabelece como estratégia de captação a busca espontânea aos serviços preventivos para realização do exame de Papanicolaou, esperando que as mulheres sejam motivadas respondendo às chamadas para coleta de citologia veiculadas na mídia (Quadros e col., 2004).

Alguns estudos que avaliam o seguimento de pacientes rastreadas pelo exame de Papanicolaou adotam o termo "não aderência" para referir condições de mulheres que operacionalmente apresentam alterações citológicas detectadas pelo teste e que não recebem avaliações e tratamentos dentro de um específico intervalo de tempo (Khanna e Phillips, 2001). Outros estudos ampliam o significado do termo para referir adesão ou não a protocolos de seguimento baseados em repetidas consultas para coleta e execução de exames, em geral, subsequentes a algum tratamento efetuado (Hartz e Fenaughty, 2001). Embora tratada sob diferentes conceitos, a aderência à linha de cuidado tem sido examinada como fator associado ao processo de controle do câncer de colo uterino (Eggleston e col., 2007a). Entre os fatores identificados como associados a não aderência estão: falhas na organização da rede, execução dos exames a cargo de profissionais de saúde do sexo masculino, escassez de tempo reservado para essa atividade, não reconhecimento da mulher como pessoa com risco de desenvolver câncer, medo de dor presente no procedimento e de ter que se defrontar com o diagnóstico da doença (Eggleston e col., 2007a; Fylan, 1998).

Este estudo teve como objetivo avaliar fatores associados a "não aderência" ao seguimento preconizado para mulheres portadoras de lesão intraepitelial de alto grau (high squamous intraepithelial lesion - HSIL), histologicamente confirmadas, tratadas em uma unidade de referência para colposcopia na Baixada Fluminense, possibilitando a construção de um modelo preditivo do abandono do seguimento preconizado para as HSIL.

Material e Métodos

Este trabalho é parte da pesquisa "Avaliação do controle de neoplasias de colo de útero em unidade de referência na Baixada Fluminense", em desenvolvimento para analisar fatores de atraso do diagnóstico relacionados a acesso, adesão e resolubilidade dos casos suspeitos de neoplasia de colo de útero, rastreados em Nova Iguaçu e municípios vizinhos.

A referida pesquisa proporcionou a composição de uma coorte dinâmica de mulheres matriculadas no Setor de Colposcopia do Hospital Geral de Nova Iguaçu (SC/HGNI), a partir de 1 de janeiro de 2002, por apresentar citologia de colo uterino alterada ou sintomatologia relacionada à neoplasia cervical, demandando subsequente avaliação colposcópica.

Rotineiramente, todas as mulheres encaminhadas para esclarecimento diagnóstico são submetidas a consulta clínica, exame físico-ginecológico, exame colposcópico e procedimento excisional, quando indicado para confirmação histopatológica ou como forma de tratamento. O seguimento é proposto segundo a gravidade do caso, sendo as mulheres acompanhadas, durante um determinado período, e submetidas a repetidos exames citológicos e colposcópicos e procedimentos adicionais, quando necessário. Diante de evolução favorável, caracterizada por citologia e colposcopia negativas, o seguimento é finalizado com a obtenção da alta. Condições específicas determinam outros desfechos como "alta a pedido", "recusa", "encaminhamento para outra unidade" ou "permanência em seguimento" por períodos mais prolongados.

Desenho

O presente trabalho tem delineamento de coorte retrospectivo, com dados extraídos das fichas de cadastro do SC/HGNI, sendo resgatados a partir de revisão de prontuários de todas as mulheres integrantes da coorte, tendo como base a matrícula efetuada entre 1 de janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2005.

População de Estudo

Com a revisão das fichas foram identificadas 1496 mulheres matriculadas no período, sendo que: 454 não necessitaram de procedimento excisional; 229 apresentaram histopatologia de NIC 1 ou alterações de menor grau; 172 obtiveram diagnóstico de câncer invasor. Foram elegíveis para o estudo 641 mulheres submetidas à excisão da zona de transformação em regime ambulatorial ou hospitalar no SC/HGNI, com subsequente histopatologia de HSIL contemplando alterações do tipo neoplasia intraepitelial cervical (NIC 2 ou NIC 3). As mulheres que não compareceram a alguma consulta marcada, em qualquer tempo ao longo do seguimento, e não procuraram remarcá-la dentro do período de seis meses ou mais da data da consulta foram consideradas perdidas do seguimento e incluídas no grupo não aderentes. No entanto, as mulheres que aderiram a todos os procedimentos e visitas recomendados até o fechamento do seguimento categorizado como "alta" compuseram o grupo de comparação, sendo classificadas no grupo aderentes. Foram excluídas 104 mulheres, devido a: resolução completa da doença e alta em tempo inferior a seis meses (12); falta dos procedimentos mínimos necessários (19); categoria da última consulta diferente de alta ou abandono (73). Formaram a coorte de estudo 537 mulheres, sendo 158 no grupo de não aderentes e 379 no grupo de aderentes. Essas mulheres tiveram um seguimento de 24 meses, com coleta de dados encerrada em 31 de dezembro de 2007 (Figura 1).


Caracterização das Variáveis de Interesse

O destino da paciente classificado como abandono de seguimento ou alta foi considerado como a variável dependente, e o conjunto de variáveis independentes contemplou aspectos sociodemográficos, antecedentes da história sexual e reprodutiva, estilo de vida e características do serviço de saúde e do tratamento instituído.

As variáveis sociodemográficas analisadas foram: idade, status marital (com companheiro/sem companheiro), nível de educação (analfabeta e ensino fundamental incompleto (FI) versus ensino fundamental completo (FC) e acima de FC), ocupação (como dona de casa sem atividade extradomiciliar (sim/não)), renda familiar (sem renda e até dois salários mínimos versus acima de dois salários mínimos). As relativas aos antecedentes da história sexual e reprodutiva contemplaram: a idade da primeira relação (sexarca), o número de parceiros sexuais, a condição de estar gestante na data da matrícula (sim/não), o total de gestações e a paridade, sendo as duas últimas analisadas por categorias.

O estilo de vida foi examinado utilizando-se como marcador o hábito de fumar, sendo considerada exposta a mulher que relatasse ser fumante de qualquer número de cigarros/dia. O serviço de saúde e o tratamento instituído foram avaliados pela utilização de equipamento de vídeo para visualização da primeira colposcopia (sim/não); pelo lugar de residência da paciente em relação ao município do serviço de saúde (em municípios vizinhos versus mesmo município do serviço de saúde); e pelo grau histológico da HSIL (NIC 2 versus NIC 3). Foram analisadas como variáveis contínuas a idade da mulher, a idade da primeira relação (sexarca) e o número de parceiros sexuais. As demais variáveis foram analisadas como categóricas.

Análise Estatística

Para estimar a chance de ocorrência do desfecho "não aderência", em função dos fatores de risco analisados, foram calculados odds ratio (OR), intervalos de confiança (IC) a 95% e p-valor. A significância estatística foi determinada pelo teste t para comparação de variáveis numéricas e pelo teste qui-quadrado para as categóricas. As variáveis categóricas com p-valor < 0,20 na análise univariada foram selecionadas para análise múltipla. O modelo de regressão logística foi construído com a entrada das variáveis, passo a passo, ordenadas do menor para o maior p-valor. Ao final, obteve-se um modelo logístico que estimou a chance de "não aderência" ao seguimento na dependência das características das mulheres, do serviço de saúde e do tratamento instituído. Utilizou-se o teste da razão de verossimilhança para verificar a adequação do modelo como um todo, sendo considerado como hipótese nula: β1 = β2=...= βk = 0, e como hipótese alternativa: pelo menos um β ≠ 0.

O banco de dados foi construído com o programa Epi-Info 6.04 e Access 97. A análise foi realizada com o programa SPSS for Windows - versão 13.

Considerações Éticas

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ e do Hospital Geral de Nova Iguaçu.

Resultados

A média de idade da população de estudo foi de 34,06 anos (SD = 10,93), sendo 32,8% (n=176) portadoras de NIC 2 e 67,2% (n=361) de NIC 3. Aproximadamente metade (275) delas residia no mesmo município do serviço de saúde. Em relação ao nível de escolaridade, 50,1% não completaram o ensino fundamental; 7,3% eram analfabetas e apenas 2,9% (n=16) cursaram além do ensino médio. Foi evidenciada uma diferença com significância estatística nas médias de idades dos grupos de comparação (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta a análise univariada. Entre as variáveis sociodemográficas, o status marital apontou uma redução da estimativa de risco de não aderência de 25% para a condição de conviver com companheiro, enquanto não trabalhar fora apresentou maior estimativa de risco de não completar o seguimento com OR de 1,63. Entre as variáveis relativas aos antecedentes sexuais e reprodutivos analisados, estar gestante no momento da matrícula mostrou risco 2,46 vezes maior de não aderência ao seguimento, sem significância estatística. O número de gestações evidenciou efeito protetor para a categoria de três ou mais gestações (OR 0,66) com significância estatística, tendo como categoria de referência nuligestas. O estilo de vida analisado pelo status de ser fumante revelou-se um importante fator relacionado a não aderência, obtendo-se a estimativa de risco de 62% de não cumprir o seguimento, com significância estatística. A análise dos fatores relacionados ao serviço de saúde mostrou que o uso de equipamento de vídeo como auxiliar da colposcopia e o lugar de residência têm associação positiva com a não aderência. Por outro lado, a avaliação segundo o grau da HSIL evidenciou menor chance de não aderência entre as diagnosticadas com NIC 2 em relação às com NIC 3. Entretanto, esta variável não se mostrou estatisticamente significativa.

A análise multivariada conduziu a um modelo que incluiu variáveis dos quatro grupos em análise. A idade da mulher foi introduzida no modelo como variável de controle e se mostrou inversamente associada a não aderência. Os determinantes de risco foram o status de fumante, não trabalhar fora de casa e ter o exame realizado com o uso do vídeo-colposcópio, tendo como variáveis de ajuste a condição de ser gestante e o lugar de residência (Tabela 3).

Discussão

O presente trabalho analisou um grupo de mulheres acompanhadas com o objetivo de assegurar condições médicas de cura, após tratamento de HSIL. A conduta subsequente a um exame de Papanicolaou alterado exige múltiplas consultas, agendadas periodicamente (Engelstad e col., 2001). Observa-se que algumas mulheres, por vários motivos, faltam às consultas e retomam o agendamento espontaneamente, sendo reinseridas no seguimento preconizado pelo programa de controle de câncer de colo de útero. Entretanto, um absenteísmo definitivo pode limitar o sucesso do rastreamento (Lindau e col., 2006; Coker e col., 2007).

A proporção de não aderência em nosso estudo foi de 29,4% entre mulheres com HSIL confirmado por histopatologia. A comparação desses resultados com os de outros estudos consultados tornou-se limitada. Esse fato deve-se à variabilidade de definições de aderência, aos múltiplos tipos de anormalidades estudadas e de métodos adotados, resultando em populações diversificadas (Bastani e col., 2004). Entretanto, na literatura encontram-se proporções que variam de 23% a 64% quando inclui todos os graus de alterações citológicas (Hartz e Fenaughty, 2001). Em um estudo que avaliou HSIL em um programa de base populacional na França, Monnet e colaboradores (2004) classificaram os resultados como satisfatórios ao encontrarem 7,6% de não aderência após a realização da colposcopia.

Avaliações relativas às alterações menos graves, como a NIC 1, mostraram que, mesmo quando tratadas segundo as preferências das próprias pacientes, o seguimento completo estabelecido em três citologias consecutivas negativas não foi atingido. Foi observado redução da aderência de 26,6% e de 37,6%, respectivamente, para as que escolheram crioterapia e para as que escolheram somente vigilância citológica, sendo mais evidente entre as mulheres de baixa renda (Hartz e Fenaughty, 2001).

Avaliando preditores de câncer cervical na região de Niterói, Rio de Janeiro, Pereira e colaboradores (2007) observaram que a carga da neoplasia cervical se distribuiu distintamente, afetando populações em desvantagem socioeconômica, com forte associação entre escolaridade e doença invasora. Em nosso estudo, a população era constituída por mulheres procedentes de municípios periféricos da Região Metropolitana, com perfil socioeconômico bastante similar e com o mesmo grau de doença. Possivelmente isso pode ter contribuído para que as variáveis renda familiar e escolaridade tivessem menor peso no conjunto de fatores relacionados a não aderência ao seguimento.

Diante dos múltiplos fatores que afetam a aderência, Eggleston e colaboradores (2007b) enfatizaram a importância de valorizar atividades concorrentes, como trabalhar e cuidar de crianças. Engelstad e colaboradores (2001) ressaltaram que, em cenários destinados a atender população de baixa renda, deve-se considerar a possibilidade de oferecer algum suporte para aumentar a adesão às recomendações de seguimento. Na nossa população de estudo, donas de casa, sem renda própria, constituíram o grupo que apresentou menor probabilidade de aderir ao seguimento. Entretanto, esperava-se que trabalhar fora de casa implicasse em uma maior estimativa de risco para o abandono de seguimento, devido à dificuldade para comparecer a repetidas consultas médicas, tendo em vista os compromissos de trabalho.

Embora na literatura, segundo Eggleston e colaboradores (2007a), não haja consenso sobre o papel do fumo na adesão ao seguimento, o status de ser fumante se revelou em nosso estudo um importante fator independente de não aderência. Os achados de Paskett e colaboradores (1995) indicaram uma associação do hábito de fumar com o seguimento ao verificarem um aumento de 2,5 vezes de adesão por mulheres não fumantes. Nesse estudo, aderência foi definida como ter o tratamento efetuado dentro de uma semana da data especificada pelo programa.

Nossos achados mostraram que a idade constituiu-se num fator associado com a não aderência tanto no teste de comparação de médias quanto na análise multivariada, sendo observada uma relação inversa da idade com o seguimento incompleto. Vetrano e colaboradores (2007), ao analisarem a aderência de um grupo de mulheres jovens com citologia alterada, verificaram que 32,5% sequer receberam tratamento e 34,5% foram perdidas no decorrer do seguimento. Engelstad e colaboradores (2001) verificaram que a probabilidade de receber investigações diagnósticas entre mulheres com alterações citológicas também aumentou com a idade. Entretanto, no estudo realizado por Monnet e colaboradores (2004), a adesão ao seguimento de HSIL não foi influenciada pelas faixas de idade analisadas.

Entre as variáveis relativas aos antecedentes da história sexual e reprodutiva, em nosso estudo, apenas ter tido três ou mais gestações permaneceu no modelo final como associada inversamente a não aderência. Na literatura, apenas o estudo de Paskett e colaboradores (1995) mostrou uma relação do número de gestações com o seguimento preconizado. Esses autores verificaram que a condição de nuligesta foi um fator independente positivamente associado com a aderência. A escassez de trabalhos publicados aliada aos resultados controversos aponta a importância de estudos delineados para esclarecer possíveis fatores intervenientes relacionados a esses achados.

Para as mulheres que têm filhos, Abercrombie (2001), em estudo de revisão, apontou que estratégias para melhorar o seguimento preconizado para as alterações citológicas devem considerar as responsabilidades delas, e ressaltou que fornecer cuidados para crianças, especialmente desenvolvendo materiais educativos, suporte para transporte, aconselhamentos telefônicos e horários de atendimento mais flexíveis podem contribuir para aumentar a aderência.

Refletir sobre a influência da organização do serviço de saúde sobre o abandono do seguimento levou à avaliação de outros aspectos que pudessem responder pelo comportamento das mulheres. Avaliou-se o uso de equipamento de vídeo como um acessório para a colposcopia. O equipamento é considerado apropriado para ambientes de ensino, de auditoria e um recurso potencial para gravação e registro da evolução de lesões do trato genital inferior e, portanto, um avanço tecnológico (Etherington e col., 1995).

Takacs e colaboradores (2004) realizaram um ensaio randomizado para avaliar a hipótese de que oferecer à paciente a oportunidade de também visualizar a cérvice com o auxílio da vídeo-colposcopia melhoraria a aderência ao seguimento, tendo como comparação o exame com colposcópio regular. Os autores observaram que o exame sob vídeo aumentou em quase cinco vezes o retorno à consulta subsequente, atribuindo esse achado ao fato de que o uso deste equipamento deixaria a mulher mais segura. Entretanto, aderência nesse estudo significou o retorno a uma única consulta, posterior a colposcopia, que ocorreu de quatro a seis semanas após a realização do exame, e foi destinada à entrega do resultado de biópsia e discussão do tratamento a ser instituído.

Em nosso estudo, observou-se incremento da não aderência com o uso do equipamento de vídeo. É possível que, pelo fato de esta ser uma ferramenta facilitadora do processo ensino-aprendizagem, o exame tenha sido compartilhado com uma equipe de profissionais em treinamento, reduzindo, em alguma medida, a privacidade almejada. Bingham e colaboradores (2003), em revisão que avaliou fatores que afetam a utilização de serviços de prevenção de câncer de colo uterino em lugares com recursos escassos, salientaram a importância de se reduzir o número de pessoas na sala de exames para se preservar a privacidade das mulheres. Outros estudos que contemplem essas questões precisam ser desenhados para avaliar o papel do uso do equipamento de vídeo como acessório da colposcopia no comportamento de mulheres rastreadas com citologias alteradas.

No Brasil, outra dimensão organizacional foi avaliada por um estudo que comparou duas unidades da rede municipal de saúde, integrantes de Programa de prevenção de neoplasia cervical na região de Paulínia, estado de São Paulo, e teve como objetivo verificar se havia ganhos em relação à adesão ao tratamento preconizado quando oferecido na rede local, comparado com a rede de referência. A avaliação da última consulta mostrou que 23,9% das mulheres receberam alta por cura na rede local, contra 14,8% no serviço de referência, enquanto a proporção de abandono do seguimento atingiu 21,7% contra 62,6% nos respectivos serviços (Santiago e Andrade, 2003). Entretanto, na rede local as pacientes eram mais jovens e apresentavam alterações de baixo grau, enquanto o serviço de referência concentrou atendimento para lesões mais graves e câncer. Em relação ao controle do câncer de colo uterino, falhas potenciais que impactam o processo de cuidado devem ser consideradas a fim de reorientar estratégias, levando em conta fatores ambientais e contextuais que afetam a utilização, processo de cuidado e resultados com serviços médicos em busca da performance ideal (Zapka e col., 2003).

A nossa análise foi baseada em dados secundários, coletados retrospectivamente, restringindo-se às variáveis disponíveis. Portanto, não foi possível avaliar a relação da não aderência com fatores importantes relacionados ao serviço de saúde, como a realização do exame por profissionais do sexo masculino, tempo de espera pelo procedimento, horários de atendimento e assistência por profissionais em treinamento (Abercrombie, 2001; Paskett e col., 1995). Outra limitação do estudo também está relacionada à fonte dos dados: as fichas de pacientes não continham informações acerca das razões porque elas não retornaram às consultas. Essas informações poderiam contribuir para planejar melhor o seguimento das mulheres que, a princípio, precisam aderir por longo tempo às recomendações preconizadas (Hartz e Fenaughty, 2001).

Este trabalho não se limitou às questões individuais e estendeu a análise a aspectos da organização do serviço de saúde como determinantes de não aderência. Outra força foi ter examinado um grupo de mulheres com mesmo grau de alteração (HSIL) ao longo de um seguimento que somente deveria ser finalizado com a alta por cura. Entretanto, os achados devem ser interpretados com cautela, dadas as características específicas da população estudada.

O presente estudo revelou um perfil de vulnerabilidade apontando que os determinantes de não aderência são de ordem individual e organizacional. Estratégias para melhorar o seguimento dessas mulheres devem contemplar medidas dirigidas ao controle de fatores modificáveis do estilo de vida, como o tabagismo, e estruturais característicos dos serviços de saúde da região.

Recebido em: 30/04/2008

Aprovado em: 06/08/2008

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    Este artigo é resultante de pesquisa parcialmente financiada pelo CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      06 Ago 2008
    • Recebido
      20 Abr 2008
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