Acessibilidade / Reportar erro

Processo saúde-doença: concepções do movimento estudantil da área da saúde

Health-sickness process: student leaders' conceptions in the health area

Resumos

O objetivo deste trabalho foi analisar as concepções de saúde-doença de lideranças estudantis da área da saúde. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas individuais com 15 estudantes engajados em executivas de curso da área da saúde e com dois membros da União Nacional dos Estudantes. A concepção de saúde-doença mais enfatizada entre as lideranças estudantis foi a multicausal, representada majoritariamente por fatores relacionados à esfera do consumo. Sobressaem também concepções centradas no indivíduo, na subjetividade e de caráter idealista. Poucos estudantes consideraram nas suas formulações, de maneira organizada, a categoria da reprodução social na determinação do processo saúde-doença. Pode-se concluir que, na área da saúde, os estudantes tendem a reproduzir os conceitos fundamentados na concepção funcionalista de saúde-doença, que toma como sujeito o indivíduo em "situação de risco" para o desenvolvimento de alguma patologia e propõe a responsabilização do indivíduo pela manutenção ou pelo aprimoramento das condições de saúde, e mesmo pelo enfrentamento da doença. A atuação como liderança no movimento estudantil parece não resultar na crítica aos fundamentos que majoritariamente amparam os currículos universitários na área da saúde.

Política; Processo saúde-doença; Saúde coletiva; Estudantes de ciências da saúde; Participação cidadã


The goal of this paper was to analyze health-sickness conceptions of student leaders in the health area. Data were collected by means of individual interviews with 15 students who take part in regional committees for students' movements in the health area, and two members of the National Students Union. The most emphasized health-sickness conception among the student leaders was the multi-causal one, mostly represented by factors related to consumption. Also, perceptions centered on the individual, on subjectivity and idealistic conceptions stood out. Few students took into consideration, in an organized way, the category of social reproduction as determining the health-sickness process. We can conclude that in the health area, students tend to reproduce concepts based on the functionalist conception of health-sickness, which takes as subject the individual "in a state of risk" concerning the development of some pathology, and suggests that the individual is responsible for the maintenance of or improvement in his/her health conditions, or even for the fight against the disease. Acting as a student leader does not seem to result in criticism against the concepts that are mainly studied in university curriculums in the health area.

Politics; Health-Sickness Process; Public Health; Health Sciences Students; Citizen's Participation


PARTE I - ARTIGOS

Processo saúde-doença: concepções do movimento estudantil da área da saúde1 1 Este artigo trata de parcela da pesquisa de mestrado de Alessandra Martins do Reis que toma como objeto o movimento estudantil da área da saúde.

Health-sickness process: student leaders' conceptions in the health area

Alessandra Martins dos ReisI; Cássia Baldini SoaresII; Célia Maria Sivalli CamposIII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem em Saúde Coletiva. Endereço: 4° avenida, 400, Plataforma B, Centro Administrativo da Bahia, CEP 41745-002, Salvador, BA, Brasil. E-mail: alemreis@hotmail.com

IIProfessora Associada do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP. Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419, Cerqueira Cesar, CEP 05403-000, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: cassiaso@usp.br

IIIProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP. Endereço: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419, Cerqueira Cesar, CEP 05403-000, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: celiasiv@usp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi analisar as concepções de saúde-doença de lideranças estudantis da área da saúde. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas individuais com 15 estudantes engajados em executivas de curso da área da saúde e com dois membros da União Nacional dos Estudantes. A concepção de saúde-doença mais enfatizada entre as lideranças estudantis foi a multicausal, representada majoritariamente por fatores relacionados à esfera do consumo. Sobressaem também concepções centradas no indivíduo, na subjetividade e de caráter idealista. Poucos estudantes consideraram nas suas formulações, de maneira organizada, a categoria da reprodução social na determinação do processo saúde-doença. Pode-se concluir que, na área da saúde, os estudantes tendem a reproduzir os conceitos fundamentados na concepção funcionalista de saúde-doença, que toma como sujeito o indivíduo em "situação de risco" para o desenvolvimento de alguma patologia e propõe a responsabilização do indivíduo pela manutenção ou pelo aprimoramento das condições de saúde, e mesmo pelo enfrentamento da doença. A atuação como liderança no movimento estudantil parece não resultar na crítica aos fundamentos que majoritariamente amparam os currículos universitários na área da saúde.

Palavras-chave: Política; Processo saúde-doença; Saúde coletiva; Estudantes de ciências da saúde; Participação cidadã.

ABSTRACT

The goal of this paper was to analyze health-sickness conceptions of student leaders in the health area. Data were collected by means of individual interviews with 15 students who take part in regional committees for students' movements in the health area, and two members of the National Students Union. The most emphasized health-sickness conception among the student leaders was the multi-causal one, mostly represented by factors related to consumption. Also, perceptions centered on the individual, on subjectivity and idealistic conceptions stood out. Few students took into consideration, in an organized way, the category of social reproduction as determining the health-sickness process. We can conclude that in the health area, students tend to reproduce concepts based on the functionalist conception of health-sickness, which takes as subject the individual "in a state of risk" concerning the development of some pathology, and suggests that the individual is responsible for the maintenance of or improvement in his/her health conditions, or even for the fight against the disease. Acting as a student leader does not seem to result in criticism against the concepts that are mainly studied in university curriculums in the health area.

Keywords: Politics; Health-Sickness Process; Public Health; Health Sciences Students; Citizen's Participation.

Introdução

O trabalho em saúde, como em qualquer esfera que se relacione aos direitos sociais e coletivos, para que tenha impacto sobre os problemas enfrentados no interior da sociedade, requer, para além do desenvolvimento de habilidades e conhecimentos técnico-científicos, posicionamento ético-político do trabalhador, conforme destacado por Queiroz e Salum (2001), que tomam os ensinamentos de Freire (1997) sobre educação e formação profissional.

Nessa direção, o movimento estudantil guarda importância como espaço formativo quase que exclusivo, já que a prática política per si não é tema formal das estruturas curriculares nas universidades. Estudá-lo e compreender o seu sentido assume, assim, importância, se considerarmos que a Saúde Coletiva - campo de conhecimentos e práticas crítico em relação à Saúde Pública tradicional - exige do trabalhador em saúde uma ação renovada. Construído no interior dos movimentos sociais em saúde e fundado na militância da luta por melhores condições de saúde e de assistência em saúde, o campo da Saúde Coletiva se defronta com o desafio de constituir sujeitos sociais capazes de fortalecer a ação dos grupos sociais organizados em respeito ao compromisso ético com o recurso do público que é investido na universidade (Salum e col., 2007).

De maneira geral, a organização estudantil, ainda que com presenças históricas muito distintas, vem sendo reconhecida como espaço para aquisição de uma expressão política, e de interiorizar categorias políticas para se pensar a realidade (Meneses, 1988).

Nos anos 60 a organização do movimento estudantil apresentou um salto de qualidade, sendo nos países ditatoriais praticamente o único grupo capaz de ação política coletiva.

Na verdade, só na década de 1960 se tornou inegável que os estudantes tinham constituído, social e politicamente, uma força muito mais importante do que jamais haviam sido, pois em 1968 as explosões de radicalismo estudantil em todo o mundo falavam mais alto que as estatísticas (Hobsbawm, 1995, p. 290).

Na base dessa configuração estavam as mudanças sociais da segunda metade do século XX, caracterizadas por intensa urbanização e crescimento das ocupações que exigiam educação secundária e superior.

Era óbvio para planejadores e governos que a economia moderna exigia muito mais administradores, professores e especialistas técnicos que no passado, e que eles tinham que ser formados em alguma parte (Hobsbawm, 1995, p. 291).

Dado que os jovens se agregavam em cidades universitárias e se identificavam mutuamente na materialidade de sua condição, estavam criadas as condições para que essa geração (composta por jovens de classe média) se expressasse política e culturalmente, sem barreiras nacionais, comunicando-se entre países de maneira fácil e rápida. Juntos, ainda que transitoriamente, a realidade dos jovens era resultado da tensão que o boom estudantil provocou, de um lado, porque as universidades não estavam preparadas para receber esse enorme contingente de estudantes, de outro, porque crescia a insatisfação com a imposição de restrições que a vida universitária ocasionava e, finalmente, porque a insatisfação com a universidade era facilmente extrapolada para qualquer autoridade, o que inclinava os estudantes para a esquerda. Havia uma insatisfação generalizada com a sociedade, por vezes intensificada por questões particulares - como foi o caso da guerra do Vietnã, após 1965 (Hobsbawm, 1995).

"As insatisfações dos jovens não eram amortecidas por ter vivido épocas de impressionante melhora, muito melhores do que seus pais algum dia esperavam ver. Os novos tempos eram os únicos que os rapazes e moças que iam para a universidade conheciam. Ao contrário, eles sentiam que tudo podia ser diferente e melhor, mesmo não sabendo exatamente como. Os mais velhos, acostumados a tempos de aperto e desemprego, ou pelo menos lembrando-os, não esperavam mobilizações radicais numa época em que, sem dúvida, o incentivo econômico a elas nos países desenvolvidos era menor do que nunca. Mas a explosão de agitação estudantil irrompeu no auge mesmo do grande boom global, porque era dirigida, mesmo que vaga e cegamente, contra o que eles viam como característico daquela sociedade, não contra o fato de que a velha sociedade talvez não tivesse melhora o bastante. Mas, paradoxalmente, o fato de que o ímpeto para o novo radicalismo vinha de grupos não afetados pela insatisfação econômica estimulou mesmo os grupos acostumados a mobilizar-se em base econômica a descobrir que, afinal, podiam pedir mais da nova sociedade do que tinham imaginado. O efeito mais imediato da rebelião estudantil europeia foi uma onda de greves operárias por maiores salários e melhores condições de trabalho" (Hobsbawm, 1995, p. 295-296).

No Brasil, os estudantes começaram a se organizar politicamente desde o início do século XX, com repercussões que, a exemplo dos demais países, adquiriram visibilidade social intensa na década de 1960, tanto no interior da universidade, questionando a reforma universitária, como em outros espaços, compondo os movimentos sociais contra a ditadura militar (Memória..., 2007).

"Essa articulação orgânica da universidade com a cidade - o que é antes de mais nada uma realidade concreta, de proximidade física, se traduzia também, num outro nível, numa grande participação dos estudantes em movimentos que se articulavam com o povo. [...] 'conscientização' e 'participação' eram as palavras de ordem [...] foi no espaço do Grêmio que aprendíamos como é que funciona uma assembleia: um exercício de democracia. [...]. A atmosfera da faculdade sugeria ao estudante o senso de participação política e de responsabilidade social" (Meneses, 1988, p. 122-124).

Já o movimento estudantil contemporâneo é marcado pelo arrefecimento da radicalidade que caracterizou essa época de resistência aos encaminhamentos sociais hegemônicos. Na base dessa nova configuração certamente está a relação entre o refluxo do movimento estudantil depois de 1970 e a capacidade do capital de administrar as crises geradas pelas contradições que cria, transformando o ideário e os símbolos juvenis em produtos de mercado (Groppo, 2000).

Nos últimos anos, tem se observado um distanciamento entre estudantes e entidades estudantis, apresentando como características o desgaste da UNE e o consequente esvaziamento de alguns espaços instituídos pelas entidades estudantis. Os próprios militantes apontam que a disputa partidária que acontece dentro do movimento nos últimos anos aliada à baixa capacidade de recriar seus espaços de discussão e deliberação tem colaborado para o esvaziamento e descrédito de algumas entidades estudantis (Mesquita, 2003).

A partir desse quadro de desgaste das entidades "formais", o movimento estudantil contemporâneo tem renovado suas práticas e formas de organização com o surgimento de grupos que se reúnem em torno de temas que estão além dos clássicos e globais, muitos deles relacionados às pautas dos novos movimentos sociais, a exemplo de grupos de gênero, causas raciais, ambientais, coletivos de cultura e outros relacionados às minorias. Essa pluralidade de tribos e grupos se inter-relaciona em diversos momentos na organização e nos eventos das entidades nacionais como a UNE, Executivas Nacionais de Curso, entidades locais como centros e diretórios acadêmicos, bem como nos grupos de juventude dos partidos políticos. "A ideia de um movimento único continua enquanto organização, mas as frentes se ampliam enquanto possibilidades de atuação" (Mesquita, 2004).

Além disso, o impacto das políticas neoliberais sobre a universidade resulta em perda da autonomia em relação ao Estado, que por sua vez impõe uma maior flexibilização da universidade. Essa flexibilização constituiria imposição para a adequação da universidade à desregulamentação do trabalho, às mudanças curriculares e de estrutura voltadas a uma suposta qualidade que atenderia apenas às necessidades de maior produtividade em menor tempo e com redução de custos, a serviço do capital. Nessa direção, a universidade operacional estaria voltada somente para sua organização interna, para o cumprimento de metas e de produtividade, sem se preocupar com a crítica, com a superação, com a transformação social (Chauí, 2001).

Diante de tal realidade, na busca por uma contraposição a esse modelo, o movimento estudantil alcança o cenário nacional em 2007, por ocasião da ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo e de ocupações posteriores em outras universidades públicas, mobilizadas pelos decretos governamentais que ameaçavam a autonomia universitária. Oliveira e colaboradores (2007) analisaram que o conteúdo das reivindicações dos estudantes que ocuparam a reitoria da USP poderia ser considerado "conservador", pois partiu da exigência do restabelecimento da ordem na universidade, ou seja, as pautas de reivindicação de moradia estudantil, transporte, autonomia orçamentária e financeira para a universidade remetem ao retorno à ordem e não a um movimento revolucionário. Ao mesmo tempo, reconhecem que o movimento rompeu com a apatia política na universidade e inovou com uma ação política inédita, um novo modo de fazer do movimento estudantil. Sader (2007) também reconheceu a criatividade e enfatizou o caráter mobilizador do movimento em defesa da universidade pública.

Neste estudo partiu-se do pressuposto que, como representantes de um movimento social crítico das desigualdades sociais e em saúde, os estudantes conceituariam o processo saúde-doença a partir do arcabouço teórico-metodológico da Saúde Coletiva, ou seja, como processo social, considerando na sua análise os elementos que consubstanciam a reprodução da vida social.

Dessa forma, o objetivo dessa investigação foi analisar as concepções de saúde-doença das lideranças estudantis da área da saúde.

Para isso, adotou-se como categoria de análise a concepção de saúde-doença como processo social, que atribui à esfera da reprodução social a determinação dos processos de desgaste e fortalecimento que podem resultar em problemas de saúde. Sob as diretrizes e pressupostos da Saúde Coletiva, saúde é resultado do embate entre os potenciais de fortalecimento e de desgaste - integrados às formas de reprodução social das diferentes classes sociais e a intervenção em saúde deve ser projetada para atingir o âmbito dos determinantes, ou seja, deve incidir sobre as raízes dos problemas de saúde (Laurell, 1983; Breilh, 1995; Queiroz e Salum, 2001).

Saúde-doença é, nessa perspectiva, um processo inerente à reprodução social. Embora, no capitalismo, a dimensão econômico-societal - produção dos meios de vida e das formas estabelecidas de efetivação dos atos produtivos e da distribuição e consumo dos bens produzidos - comande a reprodução social, há outras dimensões a serem também consideradas na teia explicativa, e que são representadas pelos demais processos que envolvem a vida humana: bio-comunais - reprodução corporal e da rede de inter-relações sociais necessárias; comunais-culturais - reprodução da autoconsciência e da conduta através dos processos de socialização; e ecológico-políticos - reprodução das relações de interdependência entre condições ambientais e as demais dimensões apresentadas (Samaja, 2000).

Procedimentos Metodológicos

A população de estudo foi composta por estudantes da área da saúde que participavam das instâncias representativas do movimento estudantil. Os sujeitos de pesquisa foram buscados entre as lideranças estudantis, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: colaboração voluntária; compor a diretoria da UNE (2 estudantes); ser liderança de executivas de cursos da saúde: biomedicina, educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social, terapia ocupacional e veterinária (1 de cada curso). Dessa forma, a coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas individuais com 15 lideranças estudantis.

Num primeiro momento, os estudantes responderam a um formulário constituído por perguntas fechadas combinando: 1) informações acerca do estudante; 2) questões acerca das condições sociais de suas famílias; 3) questões acerca da participação política e social dos estudantes.

Num segundo momento, os estudantes participaram de entrevista através de questões abertas acerca da concepção de saúde e da prática relativa às questões de saúde, objeto do presente artigo, entre outros temas.

Pouco mais da metade das entrevistas (8) foram realizadas durante o Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB) da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Campinas-SP, entre os dias 13 e 16 de abril de 2006, e as demais no município de São Paulo até novembro de 2006.

A análise das entrevistas foi temática, utilizando-se alguns indicativos operacionais de Bardin (1977) para análise de conteúdo. Para tanto, as falas dos entrevistados foram transcritas, buscando-se, como recomenda a autora, organizar as regularidades do material em unidades temáticas e procurando congregar as unidades de significação apreendidas na leitura e análise do texto.

A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP.

Resultados

Entre os 15 estudantes entrevistados, 10 (66,7%) tinham entre 20 e 23 anos, 9 eram do sexo masculino, brancos (60%) e 14 solteiros (93,3%). O estado da federação em que a maioria dos entrevistados nasceu foi o de São Paulo, com 6 (40%), seguido do Rio de Janeiro, com 2 (13,3%). Mais da metade estudava em faculdade localizada no estado de São Paulo (9, 60%) e o período do curso era integral (8, 53,4%). A renda mensal pessoal do estudante ficou entre menos de um e dois salários mínimos (8, 53,3%). Onze (73,3%) responderam depender da família e 7 (46,7%) residiam com a família. A maioria dos pais (60%) e mães (53,3%) dos entrevistados apresentava formação superior incompleta ou maior, sendo que os pais eram assalariados com carteira assinada ou aposentados prevalentemente (pais - 73,3%; mães - 60%). A residência da maioria dos estudantes era casa ou apartamento (13, 86,7), sendo que 10 (66,7%) possuíam casa própria quitada e a maioria das residências das famílias dos estudantes possuía seis ou mais cômodos (10, 66,6%). O número de pessoas que morava na residência da família ficou entre três e quatro pessoas (9, 60%). A renda familiar mensal da família dos entrevistados ficou entre dez e quinze salários mínimos em 6 respostas (40%), 3 (20%) não sabiam dizer qual a renda da família, 2 (13,3%) responderam de quatro a seis salários mínimos, 2 (13,3%) entre sete e nove salários mínimos, 1 (6,7%) entre um e três salários mínimos e 1 (6,7%) respondeu que a renda da família era dezesseis ou mais salários mínimos. Quanto à participação política dos entrevistados, 8 (53,3%) referiram participar de campo político2 2 Campos políticos são grupos organizados dentro do movimento estudantil que promovem discussões sobre diversos temas e que possuem ideologias e imagens próprias que aglutinam os estudantes. A maioria dos campos políticos é ligada a partidos políticos, mas os estudantes ligados a eles não necessariamente são filiados ou possuem referência nesses partidos. no movimento estudantil, sendo que 3 (37,5%) participavam do campo Kizomba, 3 (37,5%) do campo Reconquistar a UNE, 1 (12,5%) participava do campo Domínio Público e 1 (12,5%) da UJS; 3 (20%) participavam de tendência partidária3 3 Tendência partidária: [...] agrupamentos para defender posições políticas, cujas reuniões, debates e trabalhos tenham caráter transparente ao partido, e cujas atividades estejam voltadas exclusivamente para a vida interna do PT e que visem o fortalecimento da estrutura partidária em seu conjunto. O PT considera fundamental a veiculação das políticas dos agrupamentos no interior do partido. Assim, para que os militantes e filiados tenham conhecimento dos pontos de vista e documentos dos referidos agrupamentos, deve-se dedicar esforços para que o partido se responsabilize por sua divulgação e publicidade. Da mesma forma, o partido deve esforçar-se para o fortalecimento de sua infraestrutura material, de forma a permitir que as reuniões dos agrupamentos se deem no interior do próprio partido. Partido dos trabalhadores (PT). Resoluções sobre tendências. Disponível em: http://200.155.6.7/pt25anos/anos80/documentos/resolucao_tendencias.pdf (01 abr. 2007). : Articulação de esquerda (PT), Democracia socialista (PT) e Rosa do povo (PSOL); 6 (40%) eram filiados a partidos políticos, sendo 4 filiados ao PT, 1 ao PSOL e 1 ao PC do B; 3 (20%) participavam de outros movimentos sociais e 2 (13,3%) participavam de organizações não governamentais. Quando questionados sobre a participação em outras atividades - permitindo-se assinalar mais de uma resposta, 10 (66,6%) responderam que participavam de algum tipo de comunidade virtual, 4 (26,6%) de associação, liga ou conselho ligado à educação ou saúde, 4 (26,6%) de alguma atividade de voluntariado, 3 (20%) de algum tipo de lazer, 2 (13,3%) de atividades ligadas à religião, 1 (6,7%) de sindicato, 1 (6,7%) de manifestações artísticas e 1 (6,7%) de grupos de defesa do meio ambiente.

A análise qualitativa das entrevistas mostrou ênfase das lideranças estudantis na concepção multicausal de saúde, representada notadamente por fatores relacionados à esfera do consumo, o que os levou a propor o acesso a serviços de saúde como forma de se ter saúde. Sobressaem também concepções centradas no indivíduo, na subjetividade e de caráter idealista. Dessa forma, as propostas para se ter uma vida saudável relacionaram-se a mudanças de comportamento e aquisição de hábitos saudáveis. Poucos estudantes consideraram nas suas formulações, de maneira organizada, o modo de produção e a categoria da reprodução social na determinação do processo saúde-doença.

A seguir relacionam-se alguns exemplos dos discursos que compuseram cada um dos temas e subtemas analisados.

Concepção Multicausal de Saúde

A ênfase das lideranças estudantis na multicausalidade mostrou que os chamados fatores associados à saúde estão referidos quase sempre às formas de viver dos indivíduos, o trabalho ocupando, quando lembrado, a condição de mais um fator. Em geral, os fatores são enumerados aleatoriamente, sem que correspondam a qualquer processo de hierarquização. O modo de produção, enquanto uma formação social totalizante, coordenado por estruturas e dinâmicas particulares, desaparece, entrando em cena listagens aleatórias que conduzem a definições panorâmicas e a-históricas, como a da OMS, por exemplo, e até mesmo como as de senso comum.

Assim, saúde depende de vários fatores...

[...] é fácil a gente falar da definição da saúde da OMS, e a definição da reforma sanitária, de que você tem que ter boas condições de moradia, alimentação, escola, lazer... mas se eu tivesse que colocar uma condição única assim, pra você ter saúde, realmente eu não conseguiria, é multifatorial... E7

[...] é o total conjunto de fatores que fazem você viver [...]. Você tem que ter direito a comer, você tem que ter direito a ter um local adequado para morar, tem que ter lazer, tem que ter esporte e tem que ter educação. Essa é uma visão de saúde como um todo. E13

Tem vários fatores, tem questões ligadas a você ter hábitos saudáveis, a você ter uma vida equilibrada, conseguir casar diversas questões do seu cotidiano, nunca se desequilibrar, nunca concentrar toda sua energia numa coisa só, além dessas questões você ter, por exemplo, algum tipo de atividade esportiva durante a semana, isso é importante, você ter espaço pra cuidar da sua vida pessoal, ir ao cinema, teatro, espaço pra ler, além disso, ter uma vida mais equilibrada, tem os fatores psicológicos, que também são muitos... E15

...que podem incluir o trabalho:

Precisa de uma boa moradia, precisa de emprego, precisa de boas condições de vida mesmo, [...] é todo um conjunto de fatores que faz com que você tenha saúde. E3

Você ter um mínimo de alimentação, você ter um mínimo de, de coisa pra fazer... é isso mesmo, coisa pra fazer... seja trabalho, seja lazer, o mínimo de ocupação e... de fato as condições mínimas de se sobreviver, isso é sobrevida. Agora, pra uma pessoa ter saúde, de fato, é o bem-estar físico, é o bem-estar mental, é o bem-estar social, é a qualidade de vida como um todo... E14

Entre esses fatores, encontra-se o acesso a serviços de saúde:

[...] implementar o que realmente é o SUS... E só passará a ter essa saúde plena na sociedade com implementação do SUS. E13

[...] lógico ter acesso à saúde pública, médicos, porque não basta isso se você não tem acesso à saúde, então esse é meu ponto de vista bem pessoal. E15

Concepção de Saúde como Fenômeno Individual

Saúde é também concebida como um bem a ser buscado persistentemente por um sujeito na sua condição individual, e não na sua condição de pertencente a um grupo social submetido a diferentes formas de inserção social. Predominam categorias difusas e idealizadas, como autonomia, felicidade, amor, qualidade de vida, equilíbrio.

Assim, saúde depende da capacidade individual de controlar a vida.

É ter uma vida boa mesmo, quer dizer, uma vida livre... é preciso pra ter saúde: ter liberdade, é preciso ter dignidade, é preciso ter igualdade, é preciso ter trabalho, na medida em que se queira trabalhar, é preciso ter amor, não só entre duas pessoas enfim, de companheiro, mas é preciso ter amor entre todas as pessoas, é preciso que as pessoas sejam fraternas umas com as outras pra que se tenha saúde... é toda uma complexidade tão absurda que eu tenho uma séria dificuldade de sistematizar... me fixo na questão do amor mesmo, e da fraternidade assim... E4

[...] saúde é você poder correr atrás, poder lutar pelo que você acredita, sabe, isso é saúde... E7

Mais forte mesmo é a questão da autonomia [...], que isso para mim é importante [...]. A saúde não é esse estado imutável [...]. Eu tenho autonomia [...] para entender os meus movimentos, o movimento do mundo, o movimento da vida, os movimentos do meu próprio corpo. E poder fazer escolhas, sem ter uma prescrição de "escove seus dentes três vezes ao dia, é faça isso, não faça aquilo, não coma doces, coma frutas". Se eu tenho autonomia, se eu conheço as coisas, se eu tenho informação, se eu consigo compreender essas pessoas... E9

[...] saúde é você achar possibilidades para as adversidades assim... é você sempre acreditar que tem uma possibilidade, você vislumbra possibilidades na sua vida, nunca você está fechado. ...coisas que te potencializem [...] para a vida. Acho que é potência de vida. E10

Disposição [...] acho que a partir do momento que você está disposta, acho que de bem com a vida, acho que se consegue ter uma boa saúde, uma qualidade de vida, acho que tem que fazer também as coisas que você goste, acho que se dedicar ao máximo ao que você faz, que eu acho que a partir disso você consegue ter uma boa saúde assim, não só naquilo que você faz, mas acho que no geral, na sua vida, seus amigos, a onde você tá, se relacionar com as pessoas... E11

[...] ele de fato não vai estar feliz, ele de fato não vai estar com qualidade de vida, ele vai estar estressado, ele vai estar injuriado com alguma coisa, ele vai faltar com saúde. Então, pra ter saúde, precisa estar feliz... você tando feliz, por mais que você tenha um pouco de debilidade nutricional... Agora, a busca da felicidade, o ser humano tem feito desde que nasceu... E14

[...] então eu acho que o segredo de você ter uma vida saudável é você ter bastante equilíbrio assim, conseguir construir a sua vida se dedicando ao que você acha importante, sem desequilibrar, acho que isso talvez seja... E15

Concepção de Saúde-doença como Processo Social

Alguns estudantes consideraram nas suas formulações a importância da estrutura e da dinâmica dos modos de produção. Há uma nítida reprovação da exploração capitalista, a saúde decorrendo de sociedades mais igualitárias. Os conteúdos e elementos que constituem o nexo causal entre as raízes sociais e o processo saúde-doença, consubstanciados no modelo da determinação social do processo saúde-doença, não são, no entanto, desenvolvidos, compondo-se um discurso genérico que denuncia a exploração e a opressão capitalista, mas que não consegue delinear quais são e qual é o lugar das diferentes categorias e mediações que compõem o modelo explicativo da determinação social do processo saúde-doença.

Então a saúde não é mais só agora o biológico, não é só o individual, agora ela é tudo isso. Ela é social, ela é a educação, ela é não sei o quê. Então você tem, acho que a saúde ela não é só uma linha reta, fraterna que a gente vai acumulando educação, é transporte, esporte e mais um monte de elementos assim, e a gente chega na saúde. Até pode parecer um pouco isso a partir daquele conceito de Otawa, o conceito ampliado assim. [...] acho que a saúde ela, ela dentro da sociedade capitalista ela é, e daí usando esse conceito, ela é a capacidade que a gente tem para resistir ao que o sistema capitalista nos impõe. Acho que eu ter condições para enfrentar, por exemplo, alguns modelos de privatização da universidade. Acho que eu conseguir não só sobreviver, tipo tem uma estrutura básica de sobrevivência, de lugar para morar, lugar para estudar, para comer esse tipo de coisa. É, mas acho que tipo uma de condição de poder resistir, poder lutar contra isso. E2

[...] a gente tem mesmo que romper com toda uma organização da sociedade, que como eu já falei algumas vezes nessa entrevista, trazem a necessidade de um oprimir o outro, trazem a necessidade de um crescer em detrimento do outro, eu não sei, acho que é preciso mesmo mudar o mundo todo para que se tenha saúde, é preciso que não exista mais o explorador e o explorado... E4

[...] não entenda trabalho como emprego, trabalho mesmo assim, que a classe trabalhadora assuma de fato as rédeas do mundo, da sociedade que ela constrói [...]. Acho que sem isso não tem condições de ter saúde. Enquanto os trabalhadores não tiverem no poder, enquanto os trabalhadores não tiverem organizando a sociedade que eles constroem de fato... Só vai ter saúde plena, porque saúde é plena, não existe saúde pela metade, quando a gente conseguir revolucionar mesmo, revolução no sentido de ruptura com o capitalismo, com o capital. E6

[...] então ter saúde talvez seja estar livre de todas as formas de opressão, ter saúde é você ter consciência de que essa opressão existe, porque eu acho que a maior parte das pessoas se nega a perceber que existe opressão, se nega a perceber que existe exploração de um indivíduo pelo outro, e aí, bem por um conceito de saúde socialista... pra ter saúde a gente precisa de uma sociedade diferente, a gente não vai ter saúde numa sociedade organizada da forma como tá, nas possibilidades que existem de exploração de um ser humano por outro ser humano, isso com certeza não permite que a gente tenha saúde. E7

Quando a gente pega pra discutir, a gente pode fazer um gancho muito interessante com a estrutura da sociedade e pode acabar mesmo no socialismo, olha... só com o socialismo... quando tiver numa sociedade sem classes, quando tiver uma sociedade sem opressão... quando as relações [...] sociais e as relações humanas se derem de forma horizontal... quando não existir mais a detenção dos meios de produção, o acúmulo do, do, do capital como forma de opressão... só a partir disso é que nós vamos ter saúde. Então... saúde plena nós só vamos conseguir construir a partir do socialismo [...] isso eu tenho clareza. [...] o SUS só vai dar certo depois que tiver a revolução socialista. [...] a grande dificuldade dele é ser implementado dentro dos marcos neoliberais, dentro dos marcos do capitalismo, por isso ele não consegue se efetivar de forma plena. E14

Discussão

O processo saúde-doença em sua compreensão hegemônica é definido pelo modelo multicausal que reduz a explicação do aparecimento das doenças aos fatores de risco. Essa relação considera os fatores biológicos com mesmo peso e importância que os sociais (Laurell, 1983). Durante as entrevistas, as lideranças do movimento estudantil da saúde seguiram a compreensão hegemônica apontando com maior frequência em seus discursos que para ter saúde é necessário ter acesso a vários fatores relacionados às formas de viver (alimentação, educação, moradia, lazer, prática esportiva, acesso aos serviços de saúde) e, com menor peso e frequência, à dimensão do trabalho que, quando aparece, é apontada apenas como mais um fator. Dessa forma, embora a dimensão econômica esteja bem representada em alguns discursos, especialmente no que se refere ao consumo de bens, ela não aparece com o papel de comando do processo de reprodução social.

Estudo que levantou a concepção de escolares e educadores sobre saúde (Soares e col., 2003) também mostrou a associação entre processo saúde-doença e uma lista de fatores relacionados principalmente às formas de consumo de indivíduos e famílias.

Os estudantes lembraram o acesso a serviços de saúde, notadamente ao SUS, como forma de se obter saúde. Além disso, depositaram as explicações para a conservação da saúde principalmente nos chamados hábitos saudáveis e nas características individuais, seguindo tendência atual de valorização dos chamados comportamentos saudáveis.

A valorização de uma imagem ideal que preconiza que para se ter saúde e ser aceito socialmente é necessário alimentar-se corretamente, beber pouco, ter práticas sexuais seguras, não fumar... tornou-se a nova utopia apolítica de nossas sociedades. Até atividades sociais, esportivas e religiosas passaram a ser consideradas práticas de saúde. Assim, o automelhoramento individual autodisciplinado na procura de saúde e perfeição corporal tornou-se a forma de os indivíduos exprimirem a sua capacidade de agência e autonomia em conformidade às demandas do mundo competitivo (Ortega, 2004).

Esperava-se, pelo caráter crítico do movimento estudantil em relação à ordem social capitalista, que as concepções de saúde-doença formuladas pelos estudantes se aproximassem mais ordenadamente do arcabouço teórico-metodológico da Saúde Coletiva e, dessa forma, se afastassem da saúde pública.

"No caso específico da América Latina, a construção nos últimos vinte anos do movimento denominado saúde coletiva tem permitido um diálogo crítico e a identificação de contradições e acordos com a saúde pública institucionalizada, seja na esfera técnico-científica, seja no terreno das práticas" (Paim e Almeida Filho, 1998, p. 308).

Dessa forma, a crítica social do movimento estudantil às desigualdades sociais e em saúde parece não estar promovendo superações nos padrões discursivos sobre saúde difundidos na contemporaneidade. Mesmo quando os estudantes relacionam saúde-doença com estrutura e dinâmica social, denunciando a exploração e a opressão capitalistas, as bases teóricas da Saúde Coletiva não são colocadas de forma organizada, clara e objetiva.

Pode-se supor que o espaço da Saúde Coletiva nos cursos de graduação da área da saúde esteja bastante reduzido, predominando as bases teóricas da saúde pública, que preconiza a interdependência entre fatores como explicação para os problemas de saúde-doença (Garcia, 1983), e mascarando a potência da categoria reprodução social na explicação dos problemas de saúde. Ao decompor em fatores sem qualquer hierarquia, a multicausalidade fraciona os elementos da teoria totalizante da determinação social do processo saúde-doença e a destrói.

Para contrapor-se é necessário explorar o potencial contraideológico que um projeto educacional crítico e emancipatório pode comportar, valorizando a leitura e a discussão de autores clássicos, como Juan César Garcia, Cecília Donnangelo, Ricardo Bruno Mendes Gonçalves, Asa Cristina Laurell, Jaime Breilh, entre outros, lidando com a necessária decodificação de conceitos e teorias que expressam nos seus textos, evitando reducionismos ou simplificações dos conteúdos teóricos (Salum e col., 2007).

Um estudo sobre o ensino em saúde coletiva no curso de medicina da Universidade Estadual de Londrina debate a percepção de estudantes, professores e gestores sobre o tema. Observou-se que a saúde coletiva possuía pequena inserção no currículo e, apesar da existência de currículo integrado e da transversalidade dos conteúdos de Saúde Coletiva durante o curso, a realização de um grupo focal apontou que os estudantes apresentavam dificuldades em identificar os conteúdos da Saúde Coletiva nos módulos em que são abordados durante o curso, chegando a apontar o centro acadêmico como espaço de aprendizagem sobre o SUS (Campos e Elias, 2008).

As concepções sobre saúde-doença, assim como as demais, expressam significados que se encontram constantemente em disputa na sociedade e que representam o contexto social e o conjunto de valores presentes entre os diferentes grupos sociais. Os resultados desta pesquisa revelam que as lideranças estudantis provêm de famílias em situação de trabalho e vida estáveis: renda acima da média nacional, moradia própria, vínculos de trabalho estáveis dos pais e bom nível educacional dos pais, o que possivelmente também interfere na maneira com que esses jovens analisam o processo saúde-doença. No Brasil, a maioria das famílias em situação socioeconômica estável acessa prevalentemente serviços de saúde privados, passa por experiências e convive num grupo social que constrói forte identidade com as concepções dominantes. Portanto, considerado o grupo social a que essas lideranças estudantis pertencem e, consequentemente, os valores que trazem da vivência nesse grupo, pode-se reconhecer mais uma dificuldade para relacionar o lugar que indivíduos, famílias e grupos ocupam na reprodução social às raízes dos problemas de saúde.

Considerações Finais

As lideranças do movimento estudantil contemporâneo da área da saúde tendem a reproduzir os conceitos da saúde pública, fundamentados na concepção funcionalista da saúde-doença, que propõe como intervenção a responsabilização do indivíduo pela sua saúde. Reflete concepção comum a grande parte da população que acredita que o acesso a serviços de saúde e procedimentos ou, até mesmo, a mudança de comportamentos seriam responsáveis pelo processo saúde-doença. Ao mesmo tempo, os estudantes trazem de forma frágil em seus discursos elementos de crítica social que evidenciam um despertar que o espaço de movimento estudantil pode trazer à formação desses futuros trabalhadores da saúde.

Este trabalho levanta hipóteses para futuras investigações no que diz respeito à formação universitária crítica em relação aos paradigmas dominantes na área da saúde, que poderia ser efetivada nos espaços formais de aprendizagem e no interior do movimento estudantil.

A pesquisa traz o grande desafio da efetivação de mudanças no Sistema Único de Saúde a partir dos trabalhadores. O retrato sobre essa geração formada no movimento estudantil tem o potencial de trazer as deficiências e potencialidades da formação dos trabalhadores da saúde a partir da universidade e de outros espaços de participação estudantil.

Recebido em: 27/03/2009

Reapresentado em: 26/08/20009

Aprovado em: 03/09/2009

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo Lisboa: Ed. 70, 1977.
  • BREILH, J. Nuevos conceptos y técnicas de investigación: guía pedagógica para un taller de metodología. Quito: Centro de Estudios y Asesoría en Salud, 1995.
  • CAMPOS, J. J. B.; ELIAS, P. E. M. A Saúde Coletiva no curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina: reflexões iniciais. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, p. 149-159, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-55022008000200002&lng=pt&nrm=iso> Acesso em: 29 jan. 2009.
  • CHAUÍ, M. Escritos sobre a universidade São Paulo: Unesp, 2001.
  • FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
  • GARCÍA, J. C. O nascimento da medicina social. In: NUNES, E. D. (Org.). Pensamento social em saúde na América Latina São Paulo: Cortez, 1983. p. 95-132.
  • GROPPO, L. A. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: Difel, 2000.
  • HOBSBAWM, E. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
  • LAURELL, A. C. A saúde-doença como processo social. In: NUNES, E. D. (Org.). Medicina social: aspectos históricos e teóricos. São Paulo: Global, 1983. p. 133-158.
  • MEMÓRIA do movimento estudantil: cronologia do movimento estudantil. Disponível em: <http://www.mme.org.br/>. Acesso em: 3 abr. 2007.
  • MENESES, A. B. Maria Antônia: década de 60. In: SANTOS, M. C. L. Maria Antônia: uma rua na contramão. São Paulo: Nobel, 1988. p. 118-131.
  • MESQUITA, M. R. Movimento estudantil brasileiro: práticas militantes na ótica dos novos movimentos sociais. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 66, p. 117-149, 2003.
  • MESQUITA, M. R. Movimento estudantil brasileiro: o desafio de recriar a militância. In: VIII CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 2004, Coimbra. Anais... Coimbra: Universidade de Coimbra, 2004, p. 8.
  • OLIVEIRA, F.; SANTOS, L. G.; ARANTES, P. E. Invasão na USP revela um desejo paradoxal por ordem: movimento estudantil rompeu hiato de apatia, mas seu objetivo é conservador. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 jun. 2007. Caderno A:16. Entrevista a Uirá Machado.
  • ORTEGA, F. Biopolíticas da saúde: reflexões a partir de Michel Foucault, Agnes Heller e Hannah Arendt. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 8, n. 14, p. 9-20, 2004.
  • PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma "nova saúde pública" ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 32, n. 4, p. 299-316, 1998.
  • QUEIROZ, V. M.; SALUM, M. J. L. Ensaios para uma nova abordagem em Enfermagem em Saúde Coletiva: resistindo às armadilhas da globalização subordinada e construindo a globalização da solidariedade social em direção à sociedade do tipo novo. Revista da Faculdade Santa Marcelina, São Paulo, v. 1, p. 11-31, 2001. Número especial.
  • SADER, E. USP: um movimento vitorioso. 22 jun. 2007. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=121>. Acesso em: 26 ago. 2009.
  • SALUM, M. J. L.; QUEIROZ, V. M.; SOARES, C. B. A responsabilidade da universidade pública no ensino de (enfermagem em) saúde coletiva. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br/cns/temas/educacaosaude/edenfer.htm> Acesso em: 10 fev. 2007.
  • SAMAJA, J. A reprodução social e a saúde: elementos teóricos e metodológicos sobre a questão das " relações" entre saúde e condições de vida. Salvador: Casa da Qualidade, 2000.
  • SOARES, C. B.; SALVETTI, M. de G.; ÁVILA L. K. de. Opinião de escolares e educadores sobre saúde: o ponto de vista da escola pública de uma região periférica do Município de São Paulo. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 1153-1161, 2003.
  • 1
    Este artigo trata de parcela da pesquisa de mestrado de Alessandra Martins do Reis que toma como objeto o movimento estudantil da área da saúde.
  • 2
    Campos políticos são grupos organizados dentro do movimento estudantil que promovem discussões sobre diversos temas e que possuem ideologias e imagens próprias que aglutinam os estudantes. A maioria dos campos políticos é ligada a partidos políticos, mas os estudantes ligados a eles não necessariamente são filiados ou possuem referência nesses partidos.
  • 3
    Tendência partidária: [...]
    agrupamentos para defender posições políticas, cujas reuniões, debates e trabalhos tenham caráter transparente ao partido, e cujas atividades estejam voltadas exclusivamente para a vida interna do PT e que visem o fortalecimento da estrutura partidária em seu conjunto. O PT considera fundamental a veiculação das políticas dos agrupamentos no interior do partido. Assim, para que os militantes e filiados tenham conhecimento dos pontos de vista e documentos dos referidos agrupamentos, deve-se dedicar esforços para que o partido se responsabilize por sua divulgação e publicidade. Da mesma forma, o partido deve esforçar-se para o fortalecimento de sua infraestrutura material, de forma a permitir que as reuniões dos agrupamentos se deem no interior do próprio partido. Partido dos trabalhadores (PT). Resoluções sobre tendências. Disponível em:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      03 Set 2009
    • Revisado
      26 Ago 2009
    • Recebido
      27 Mar 2009
    Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. Av. dr. Arnaldo, 715, Prédio da Biblioteca, 2º andar sala 2, 01246-904 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: +55 11 3061-7880 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: saudesoc@usp.br